quinta-feira, dezembro 14, 2006

Personalidade e Tipos Sangüíneos

Hoje o caderno de esportes do NYT traz uma reportagem deliciosa sobre a conexão entre personalidade e tipos sangüíneos, algo aparentemente muito comum no Japão e que eu, em minha extrema ignorância, desconhecia completamente.

Vejam só o que nos ensina a sapiência nipônica:

TIPO O - O GUERREIRO (despachado/confiante/ambicioso/intenso/perseverante)

TIPO A - O FAZENDEIRO (de fala mansa/precavido/reservado/conformado/confiável)

TIPO B - O CAÇADOR (individualista/criativo/flexível/impulsivo/espírito livre)

TIPO AB - O HUMANISTA (gente-boa/racional/sério/solitário/extremamente organizado)

Detalhe: De acordo com a Cruz Vermelha, 45% dos norte-americanos são Guerreiros e 40% Fazendeiros, com apenas 11% Caçadores e 4% Humanistas. No Japão, 38% são Fazendeiros, 30% Guerreiros, 22% Caçadores e 10% Humanistas.

Curiosidade Inteligente: Apenas 16% da humanidade são Caçadores, em sua maioria na Ásia Central e na Europa Oriental, mas com alguns bolsões na África. 20% são Fazendeiros, e a maior incidência do tipo A ocorre nos EUA, no norte da Europa e na Austrália, e especialmente escarso nas Américas do Sul e Central. Já o Guerreiro é o mais popular dos tipos sangüíneos, com presença em 63% da humanidade, especialmente na América do Sul e na Europa Ocidental. Humanistas respondem apenas por 1% da humanidade, o que explica, a se acreditar nos sábios japoneses, muita coisa neste mundinho nosso.

Curiosidade Boboca: entre os famosos guerreiros estão Ronald Reagan e a Rainha Elizabeth II, entre os Fazendeiros a mala da Britney Spears, Jack Nicholson e Mia Farrow são Caçadores e John Kennedy e sua querida Marylin Monroe Humanistas.

A reportagem completa está aqui.

Diretinho da Redação (51)


A vida anda tão corrida que não tenho tido tempo de atualizar o blog. Tão corrida que decidi me despedir do Direto da Redação no ano que entra. 2007 vem cheio de mudanças e depois de merecidas férias no Brasil - oba! - que começam na próxima segunda-feira, a idéia é incrementar o edudobrooklyn, dar uma sacudida mesmo no blog. Evoé!

A coluna de despedida do DR segue abaixo:

ATÉ A VOLTA

Despedidas são sempre difícies. Evitar chavões como este, tarefa ainda mais complicada. Foram dois anos e pouco no Direto da Redação, escrevendo mais ou menos um texto por semana, explorando as conexões menos óbvias, creio, entre a labiríntica Nova Iorque e o imenso Brasil.

Quase uma centena de textos, produzidos com total liberdade e que, receio, testaram, aqui e acolá, a paciência do leitor desavisado. Aos que aqui chegaram atraídos pelo brilho dos colegas do site, minhas sinceras desculpas.

Às almas profundamente generosas que por acaso sentirem de fato falta dos comentários do jornalista do Brooklyn, a produção de reportagens e entrevistas feitas a partir de Nova Iorque continuará em 2007, em alguns dos endereços mais generosos da imprensa brasileira e portuguesa.

Quando convidado pelo querido Eliakim Araújo para fazer parte da equipe do DR temi que meu primeiro exercício de jornalismo assumidamente opinativo pudesse se revelar uma armadilha para um escriba mais acostumado a dar voz aos entrevistados do que a trocar com o leitor impressões sobre as notícias que mais nos movem, os bastidores da cobertura da imprensa aqui e no Brasil, o lado pouco explorado de certos personagens e empresas canonizados pelas celebridades de ocasião. Ledo engano. Fazer jornalismo à maneira do DR foi um imenso prazer.

Os textos aqui publicados, espero, revelaram minha percepção bem-humorada, na medida do possível, destes anos especialmente atrapalhados, testemunhas do auge e das derrapadas do neo-conservadorismo por aqui e do neo-petismo nos cada vez mais tristes trópicos.

Está bem, relendo as colunas de um só folêgo reconheço que boa parte delas se revelam mais rabugentas do que espirituosas. Mas quem passou pela ocupação da Iraque e a explosão do movimento anti-imigrantes por aqui, e acompanhou o fim da pureza ideológica da esquerda por aí, há de me perdoar.

A vocês e ao Eliakim, meu eterno agradecimento. E minha torcida para que o DR continue sendo um dos espaços mais democráticos e dinâmicos da imprensa eletrônica em língua portuguesa. Até a volta.

domingo, novembro 26, 2006

A Lapa deu no NYT deste domingo

O caderno de Turismo do NYT publica neste domingo uma matéria com chamada de capa sobe a Lapa, no Rio, 'onde o samba nunca deixou de acontecer'. A melhor frase da reportagem é do diretor teatral Domingos de Oliveira:

- Não há tanta violência assim aqui na Lapa. É que os traficantes de droga adoram o bairro.


Ai, meu Rio...

sexta-feira, novembro 24, 2006

ENTREVISTA/Ridley Scott


O Valor Econômico (aqui, para assinantes) publicou hoje minha entrevista com o diretor Ridley Scott, que estréia na primeira semana de dezembro seu Um Bom Ano, com Russell Crowe no papel principal. O papo, no hotel The Mark, no Upper East Side, foi bem legal, ele falou bastante sobre as filmagens de American Gangster, com Crowe (novamente!) e Denzel Washington.

Do sol da Provence à Big Apple

Por Eduardo Graça, para o Valor
24/11/2006

O domingo é de céu azul em um dia glorioso de outono em Nova York, mas sir Ridley Scott, 69 anos, ainda não conseguiu atravessar a rua, sair do The Mark Hotel e caminhar pelo Central Park. Do lado de fora da janela os tambores dos diferentes grupos folclóricos representando nações da América Latina na famosa parada do dia de Cristóvão Colombo invadem a suíte. É um dos raros momentos em que os muitos habitantes de Manhattan, que Scott venera, parecem respirar em ritmo de feriado. O clima festivo, no entanto, não contagia o diretor britânico. Cansado, com largas olheiras e poucos sorrisos, ele divide sua atenção entre o lançamento de seu primeiro longa-metragem açucarado, "Um Bom Ano", que estréia nos cinemas brasileiros na sexta-feira, dia 1º, e a agenda corrida das filmagens de "American Gangster", sem data de estréia definida. Dois filmes completamente distintos, um passado na bucólica Provence, na França meridional; outro nas ruas do Harlem dos perigosos anos 1970. Mas com um protagonista em comum: Russell Crowe, que já havia trabalhado com Scott no arrasa-quarteirão "Gladiador".

"Um Bom Ano", que custou US$ 35 milhões e arrecadou apenas US$ 3,7 milhões em sua primeira semana, acabou tendo sua mais famosa frase proferida por ninguém menos do que Rupert Murdoch, o poderoso chefão da Fox (que abrigou a produção de Scott). Sincero, ele afirmou em uma entrevista que, ao contrário de "O Diabo Veste Prada", sucesso de seu estúdio, "Um Bom Ano" havia sido um "inesperado fracasso". Idealizador de obras originais e impressionantes como "Alien", "Blade Runner" e "Telma e Louise", foi Scott quem deu a idéia a Peter Mayle, seu vizinho em um vinhedo no sul da França, para escrever a história de Max Skinner (Crowe), alto funcionário de um banco de investimentos, frio e individualista, que se humaniza ao herdar uma vinícola aparentemente decadente na Provence, terra adorada de seu tio Henry (Albert Finney). Com uma forte pitada cômica, um quê de nostalgia e uma bela morena (Marion Cotillard, de "Eterno Amor") que logo cai nas graças de Skinner, Scott vai muito além de um bom ano - termo utilizado pelos vinicultores para celebrar uma safra excepcional - e procura apresentar sua receita de uma boa vida.

Exatamente como a dezena de narrativas de Mayle, "Um Bom Ano" parece direcionado a espectadores mais ou menos semelhantes aos protagonistas dos romances do escritor inglês, presos em suas rotinas que incluem o vaivém da casa para o trabalho, a insana competição dentro do escritório e um clima quase sempre frio e chuvoso, em que o acúmulo de capital vale mais do que o contato humano. Sem uma taça de vinho para acompanhá-lo, Scott, que tem fama de ser brigão no set de filmagem, conversou com o Valor, a seco, calmo e com uma voz baixinha, quase sussurrando, sobre estas e outras aventuras.
- Qual a linha de raciocínio que pode-se estabelecer entre três de suas mais recentes escolhas, "Gladiador", "Um Bom Ano" e "American Gangster"?
- Não há conexão alguma. São três linguagens diferentes, com personagens completamente diferentes, histórias diversas. Há, claro, o Russell. Mas ele é um ator que tem essa capacidade impressionante de se transformar e que se interessou pelos projetos justamente por que eles não tinham muito em comum uns com os outros.
- O senhor desenvolveu uma relação muito especial com Russell Crowe? Afinal de contas parte da experiência de se filmar é justamente o imenso tempo que se passa ao lado da equipe. Nas filmagens de "Gladiador" houve uma série de notícias sobre possíveis desentendimentos entre o senhor e ele...
- Para realmente mergulhar juntos em um trabalho, muitas vezes, você precisa ir fundo em certos desentendimentos em relação ao conceito do que você está filmando. E às vezes essas batalhas são importantíssimas para o desenrolar de um projeto vitorioso...
- Gostaria de saber, afinal, quem venceu em "Gladiador" (risos)?
- Filmar é um processo muito difícil, especialmente se você é sério, como o Russell. Mas acho que no fim ele respeitou minhas escolhas, mais um motivo para continuarmos juntos. Acho que o que se estabeleceu entre nós foi uma relação de confiança, fundamental para que eu realizasse tanto "Gladiador" quanto "Um Bom Ano" e agora "American Gangster". Pronto, está aí a linha de raciocínio que você queria! [risos]. Embora não haja nada como filmar personagens que ainda estão vivos.
- Como em "American Gangster"...
- Exatamente. O filme trata da história do Frank Lucas, vivido pelo Denzel Washington, que foi o maior traficante de drogas no Harlem nos anos 70, conhecido como Superfly, e do agente da seção de narcóticos Richie Roberts, que conseguiu estabelecer uma parceria com Lucas e desbaratar o crime na parte norte aqui do Central Park. Este quem faz é o Russell. E hoje em dia Roberts é um senhor advogado de defesa, o que é algo original para um policial de tamanho sucesso em levar seus suspeitos para o banco dos réus.
- E como se dá a parceria entre os dois?
- Roberts oferece a Lucas a chance de entregar, um a um, todos os policiais corruptos da cidade. E ele ficaria menos tempo entre as grades. Acaba pegando 17 anos. Hoje Lucas tem 74 anos e tanto Denzel Washington quanto Russell mergulharam na vida desses dois homens de modo impressionante. Estou muito animado e ainda temos pelo menos mais um mês de filmagens aqui, além da viagem para as montanhas do Camboja, já que parte da heroína vendida por Lucas na cidade chegava dentro dos caixões de soldados mortos na Guerra do Vietnã, o que é, no mínimo, bizarro.
- Mas não é igualmente bizarro o senhor trocar a paradisíaca Provence pela Nova York violenta e sem esperança dos anos 1970?
- Eu preciso de mudanças radicais como esta. É assim que funciono. Tenho horror a fazer coisas iguais. Veja minha carreira. Não poderia ter feito filmes mais diversos uns dos outros, não é mesmo?
- É verdade que "Um Bom Ano" nasceu de uma notícia de jornal?
- De fato, eu li uma reportagem sobre pequenos vinicultores que estavam ganhando rios de dinheiro com vinhos de butique, raros e com sabores realmente especiais, produzidos em pequena escala em sítios da Provence, e tive a idéia para um argumento. Conversei com Peter (Mayle) e ele topou escrever o livro com o compromisso de que eu levaria para a tela em seguida [risos], como se isso funcionasse dessa maneira simples.
- Mas como foi parar na Provence?
- A resposta mais simples do mundo: estava em busca de sol. Vivi dez anos em uma propriedade linda na Inglaterra, uma fazenda belíssima, com meus cachorros e cavalos, mas chovia o tempo todo. E apesar de ter desenvolvido lá uma outra paixão, que é a habilidade de cultivar jardins, desenhá-los mesmo, minha família queria sair de lá de qualquer maneira. Acabei vendendo a propriedade e reencontrei o fazendeiro que tenho dentro de mim no sul da França. E lá o clima e o terreno não poderiam ser mais fantásticos. Eu me apaixonei mesmo.
- O senhor tem uma pequena vinícola. Pode nos contar o segredo de se produzir um bom vinho?
- Pois é justamente ter um bom ano. [risos]. Agora, eu falo sério, boa temperatura é fundamental, mas, claro, no fundo é o solo que dita a qualidade do vinho, especialmente quando falamos de um bom Bordeaux. Há agora um grande investimento em tecnologia em locais tão diversos quanto a Austrália, a Nova Zelândia, que tem um champanhe sensacional, e a Califórnia. Sem esquecer da África do Sul, é claro. Napoleão Bonaparte, quando foi confinado em Santa Helena, relacionava entre os prazeres a possibilidade de beber o melhor vinho sul-africano. O vinhedo, até hoje, aliás, chama-se Bonaparte.
- O senhor acredita que "Um Bom Ano" entra naquele terreno perigoso de alertar o homem moderno que ele vem se esquecendo de aproveitar a vida?
-Não diria isso não. Ao menos eu espero sinceramente que a maioria dos seres humanos não estejam tão desconectados assim da essência de suas vidas. Vivendo em Nova York nos últimos quatro meses da minha vida, tenho sentido o oposto. Esta cidade é absolutamente lotada de pessoas completamente diferentes dividindo um espaço minúsculo, cada qual com seu cachorro - adoro isso sobre Manhattan, a quantidade de cachorros e a limpeza das ruas, sabia? -e essas pessoas vivendo seus sonhos com a maior força de vontade.
- Já que agora estamos falando de persistência, o senhor vai fazer 70 anos quando do lançamento de "American Gangster". Já imagina qual novo gênero vai explorar depois da história de amor e do policial?
- Essa é boa [risos]. Não sei. Mas eu voltei a pintar. Aliás, me reencontrei recentemente com o David Hockney, que foi meu colega de classe, e cometi a tolice de revelar isso a ele. Imagina, ele me mostrou aquelas coisas maravilhosas que ele tem feito, umas aquarelas de paisagens do Marrocos que são puro Matisse. E eu jamais conseguiria pintar algo dessa qualidade, com aquela luz absolutamente fantástica.

HAPPY FEET/Folha de S.Paulo


Saiu hoje na Folha de S.Paulo (aqui, para assinantes da Folha ou do UOL) meu texto sobre o filme Happy Feet - o Pingüim. Conversei com os atores Robin Williams e Elijah Wood e com o diretor George Miller. Também saiu esta semana, na Contigo! (aqui, apenas para assinantes), meus pingue-pongues com Wood e Williams. Sim, o filme é bem engraçadinho.

Cinema

Pingüim bate 007 e chega ao país


Versão brasileira tem Daniel de Oliveira e Magal substituindo vozes de Elijah Wood e Robin Williams

Para Wood, "Happy Feet", animação que superou bilheteria de James Bond nos EUA, ensina a valorizar senso de individualidade

EDUARDO GRAÇA*
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Uma legião de pingüins animados por computador tomou de assalto os cinemas americanos no último dia 17 e chega hoje ao Brasil, com as vozes de Daniel de Oliveira (no lugar do "hobbit" Elijah Wood) e Sidney Magal (substituindo Robin Williams) na versão dublada.
"Happy Feet: O Pingüim" já amealhou US$ 42 milhões nas bilheterias americanas, superando o novo James Bond e seu "Cassino Royale" na disputa pelo topo da lista na primeira semana do lucrativo período de feriados nos EUA, que começa no Dia de Ação de Graças (ontem) e vai até o Ano Novo.

"Happy Feet" conta a história de Mano, um pingüim imperador (os mesmos retratados em "A Marcha dos Pingüins", vencedor do Oscar no ano passado) que, ao contrário de seus pares, é incapaz de cantar. Com a voz e os imensos olhos azuis de Elijah Wood, Mano é um exímio dançarino, mas precisa deixar o conforto da vida ao lado dos pais (nas vozes de Hugh Jackman e Nicole Kidman) e encontrar os amigos Ramon, um machão latino, e Lovelace, com seu timbre emprestado de Barry White (ambos na voz de Robin Williams), para descobrir que não existe mal nenhum em ser diferente. "A grande mensagem do filme é a valorização do senso de individualidade", diz Wood em entrevista à Folha. "Aquilo que aparentemente nos separa uns dos outros é, muitas vezes, a essência do que somos, e devemos celebrar isso com intensidade. Eu me sinto extremamente satisfeito por ser, em muitos aspectos, bem diferente da imagem convencional de uma estrela de Hollywood."

Elvis e Robin Williams

Uma das razões do sucesso de "Happy Feet" é a trilha sonora, que também alcançou os primeiros lugares das paradas musicais. Há de tudo um pouco -Elvis, Beach Boys, Beatles, Prince e até Robin Williams cantando "My Way" em espanhol. "O George [Miller, diretor] pediu, e acabou saindo essa coisa meio "Brokeback Mountain" que é o Ramon cantando para o Mano: "No lo sé como te dejar'", brinca Williams, tentando criar algo como o som de um pingüim cantor de tango, para a diversão de Wood, que cai na gargalhada: "O que mais me fascinou no Mano foi essa desconexão dele com as opiniões negativas que os outros têm dele. Por ingenuidade e uma enorme auto-confiança, ele não dá bola para o julgamento alheio. Esta é uma senhora qualidade que busquei exacerbar na hora de colocar a voz no estúdio", diz.
Foi George Miller quem decidiu incluir no projeto temas sérios, como os danos causados na Antártica pela indústria pesqueira, o aquecimento global, a violência e a imigração ilegal, com a velha fábula do patinho feio incrementada por problemas contemporâneos caros a crianças e adultos.

"A parte mais assustadora ficou concentrada na ação dos leões marinhos, que me lembram os momentos mais sombrios de clássicos da Disney, como "Bambi" e "Pinóquio'", diz Miller. "E mesmo o público mais conservador, mesmo os evangélicos que não acreditam em aquecimento global, conseguirão se identificar com personagens mais autoritários do mundo dos pingüins", completa, com certa dose de ironia.

* O jornalista EDUARDO GRAÇA viajou a convite da distribuidora Warner

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, que já está no DR, é sobre a morte de meu querido Robert Altman, diretor de filmes fundamentais para se entender os Estados Unidos.


Publicada em: 23/11/2006

MORRE O ÚLTIMO GRANDE DIRETOR DE HOLLYWOOD
.

Poucos foram capazes de decifrar com tamanha exatidão estes estados mais ou menos unidos. Poucos compreendiam tão bem o paradoxo do país-continente e da vida ensimesmada dos que teimam em permanecer com o queixo enterrado no próprio umbigo. Ainda me lembro da sensação de felicidade, vergonha e ironia que impregnou a sala de cinema na primeira sessão do primeiro dia de lançamento aqui em Nova Iorque de seu mais recente filme, ainda em cartaz no Brasil, A Praire Home Companion, um retrato preciso da vida modorrenta e mágica do coração dos EUA.

Robert Altman nasceu em Kansas City, no Missouri. Endereço mais americano não há. Aos 81 anos de idade, podia passar a mão pelos cabelos brancos e dar uma risada de esgueio, a cabeça deslizando pescoço abaixo, ao contemplar uma obra que inclui, para citar apenas meus favoritos, Nashville, Mash, McCabe&Mrs. Miller, Kansas City e Gosford Park. Altman morreu nesta segunda-feira, de câncer, em Los Angeles. E vem recebendo tributos de famosos e fãs, de gente que conseguiu entender como o povo daqui levou George W.Bush por duas vezes à Casa Branca revendo Nashville, de acadêmicos gratos pelo adjetivo ‘altmanesco’, uma tradução para os diálogos rápidos e que se dão ao mesmo tempo na tela, utilizado especialmente em Mash, um por cima do outro, igualzinho à vida real.

O grande Elliott Gould, uma das estrelas de Mash, disse ontem que, com a morte de Altman, desaparecia o último grande diretor de cinema norte-americano, na tradição de John Ford. E ponto final. Ao ouvir Gould não há como não deixar de pensar que o épico, a amplitude nada generosa da paisagem americana se traduzia, em Altman, no detalhe, na velocidade e exatidão do diálogo, na vontade de correr riscos que o levaram a muitos erros em sua carreira de mais de 40 filmes – mas também a deliciosos acertos, e imedietamente me vêm em mente obras de assinatura indiscutível como Short Cuts e O Jogador, e há tantas outras, o que não há mais é tempo.

Quem sabe Gould tenha tentado dizer que Altman era o representante derradeiro de um panteão de criadores cinematográficos apaixonados essencialmente por seus atores, fascinados pelo artesanato da atuação. Não é mero acaso que sua última obsessão nas telas tenha sido Meryll Streep, a maior das atrizes de Hollywood, com quem iria voltar a filmar no ano que vem. A semana fica mais triste, os EUA mais pobres e os espectadores de cinema mais solitários em suas cadeiras com a morte do querido Robert Altman

sexta-feira, novembro 17, 2006

O Mundo é Plano ou Injusto?

Saiu neste fim de semana, no Valor Econômico, minha reportagem sobre o recente encontro na Universidade de Nova Iorque do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz com o jornalista Thomas Friedman, dois campeões de venda nas livrarias americanas. O deabte é interessante e focado nas diferentes visões de mundo do professor da Columbia e do colunista do NYT.

O mundo é plano ou é injusto?

Por Eduardo Graça
17/11/2006

À direita, o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, 63 anos, professor da Universidade Columbia, grande astro do mundo acadêmico internacional. À esquerda, o duas vezes Prêmio Pulitzer Thomas Friedman, 53 anos, que escreve em "The New York Times" aquela que é considerada a mais influente coluna de opinião do jornalismo americano. Foi assim, instalando seus convidados nos lados opostos ao que tradicionalmente se perfilam no cenário político dos EUA, que a Faculdade de Economia da Universidade de Nova York (NYU) reuniu Stiglitz e Friedman.

Os dois apresentaram suas visões díspares da globalização e do papel que os EUA devem exercer nos próximos anos - agora divididos entre um Legislativo majoritariamente democrata e um Executivo republicano. Stiglitz e Friedman também são astros do mercado editorial, com "Discourse: Making Globalization Work", do economista, e "O Mundo É Plano - Uma Breve História do Século XXI", do jornalista. São dois best-sellers que apresentam cenários quase opostos do mundo contemporâneo.

Para Stiglitz, há claros vencedores e perdedores no mundo globalizado. E a maioria dos que perderam estão no andar inferior da pirâmide social. "Até pouco tempo, dizia-se que quem tinha problemas com a globalização, como os manifestantes de Seattle, durante reunião da Organização Mundial do Comércio, em 1999, deveria ir ao médico. Afinal de contas, questionava-se: do que eles reclamavam?", indaga o professor. Ele mesmo emenda uma resposta: "Meus caros, acreditem, o problema de nossos tempos é menos psiquiátrico e mais econômico".

Friedman diz que a globalização é um novo sistema sócio-econômico que ultrapassa a economia e valoriza ainda mais a iniciativa individual, sobretudo a inovadora. É a tradução para o que o jornalista batiza de era vitoriosa dos indivíduos. "Há a globalização dos países, a globalização das corporações, e de como encaram os novos mercados. Mas há a globalização do indivíduo, a mais significativa de todas, que tende a ser a força preponderante nos próximos anos."

Stiglitz encara os jovens estudantes da NYU com olhar sério e diz que não tem a menor dúvida de que a globalização, da maneira como se dá hoje, não beneficia o homem comum. A globalização seria ineficiente. "É preciso ajustá-la radicalmente, para que suas possíveis vantagens alcancem de fato a grande maioria dos habitantes do planeta. Os nós da globalização estão aí, para quem quiser ver - o aumento das disparidades sociais e da concentração da riqueza nas mãos dos que detêm mais poder econômico."

A globalização, como a vê Friedman, surgiu do desenvolvimento de mecanismos que permitem a interação das pessoas pela internet, por cima de barreiras geográficas. É esse o instrumento principal que faz com que o processo de globalização, diz Friedman, não tenha mais volta. E seus próximos passos serão determinados pela força dos indivíduos e seu potencial criativo.

Friedman gosta de dizer que, se há um marco inaugural da globalização, não deveria ser o dia 9 de novembro de 1989, quando ocorreu a queda do Muro de Berlim, mas 9 de agosto de 1995. Foi nessa data que o Netscape introduziu um "browser" que permitiu, pela primeira vez, a comunicação entre computadores de todo o mundo. Foi ali que a internet se estabeleceu no mundo real. "Esse evento impulsionou o chamado boom virtual, que resultou em um investimento muito real de mais de US$ 1 trilhão no desenvolvimento e implantação de fibras óticas em todo o planeta em um tempo recorde de cinco anos", pondera.

No ano 2000, lembra Thomas Friedman, quase todos os países, companhias e boa parte da população do planeta estavam se comunicando de modo inédito. "Tenho de concordar com Joseph Stiglitz. Para esse mesmo indivíduo, hoje muito mais poderoso, de fato se beneficiar da globalização, é preciso investir fortemente em infra-estrutura, em educação e no desenvolvimento de novos modos de prover acesso do cidadão ao apoio do Estado."

Mas quase que na contramão de Stiglitz, o interesse de Friedman está nos "incluídos". Foram eles que comandaram a revolução do software, que decidiram que a globalização é, também, a "era em que se pode tudo". O mundo das possibilidades, segundo ele, é aquele em que uma indústria familiar de cerâmica no Peru ganha o mercado internacional com seus temas indígenas ao produzi-los na China, com mão-de-obra mais barata. Ou o do pesquisador brasileiro que investe no potencial do etanol em um momento que se busca, nos quatro cantos do globo, um substituto para o petróleo.

"Desde que escrevi 'O Mundo é Plano'", comenta Friedman, "aprendi que não há pecado maior, para a academia, do que ser otimista. Li certas resenhas preguiçosas do livro, que me criticavam por não expor mais abertamente as mazelas da Índia. Acho que eles queriam que eu lhes agradecesse por me dizerem que há, sim, miséria na Ásia. Ora, o que me interessa são as mudanças. São os indianos que estão fazendo com que seu país, por meio da globalização, fique menos pobre. A esquerda ainda acredita em um mundo em que os pobres odeiam os ricos. Isso não é verdade. Os excluídos odeiam não ter as mesmas oportunidades dos ricos, e isso é algo muito diferente da velha luta de classes."

Cabeça baixa, olhos fixos em suas anotações, Stiglitz contrasta com a atitude mais gregária de Friedman, grande bigode, gestos amplos, feliz em dividir suas parábolas instrutivas e personagens inusitados com o público. Às fábulas felizes da globalização narradas pelo jornalista, Stiglitz contrapõe uma seleção implacável de números.

É ele quem argumenta: "Você pode me dizer que a China e a Índia melhoraram muito desde os anos 1980. Mas veja o caso do Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), vendido como a maior maravilha do século. Desde sua implantação, o México vem se tornando, em uma velocidade maior do que antes, um país mais pobre do que os EUA, e não o contrário. A globalização se baseia em um fluxo de trocas perverso, em que o capital continua vindo dos países mais pobres, enriquecendo ainda mais a elite do planeta, que gera seqüelas políticas muito importantes".

Seguindo essa lógica puramente econômica, sugere Stiglitz, é possível analisar uma das causas da decadência da credibilidade dos EUA no mundo globalizado. Para sobreviver, ele diz, o governo de George W. Bush, enfraquecido por causa da derrota de seu partido republicano nas eleições da semana passada, toma dinheiro emprestado em escala gigantesca, algo como US$ 3 bilhões por dia, em uma reprodução irônica dos modelos que "tanto condenamos para os países mais pobres".

Desde a explosão da globalização, os EUA, de acordo com o professor de Columbia, perderam inúmeras oportunidades de consolidar sua liderança. "Cito aqui a trágica administração do FMI na transição do comunismo para a economia de mercado na Rússia, que apenas aumentou a pobreza em grande escala e diminuiu drasticamente o poder de compra da população, e a intervenção no Iraque, que beneficiou exclusivamente as grandes corporações do petróleo e empresas que lucram com a reconstrução de países destruídos, como a Halliburton" - sempre lembrada, por ter sido dirigida pelo vice-presidente dos EUA, Dick Chenney.

No terceiro andar da escola de economia, localizada na Washington Square, no coração do Village, cenário das músicas de protesto de Seeger e Dylan, rapazes e moças não piscam. Em um átimo, Stiglitz deixa de ser o mito para se transformar em guru de uma geração cada vez mais interessada em estudar políticas econômicas voltadas para o combate à pobreza no mundo. Stiglitz não é Bono, mas divide com o líder da banda de rock irlandesa U2 a convicção de que um novo estágio da globalização deve passar necessariamente pelo combate, em escala planetária, às desigualdades sociais. Ou não será diferente de outros vários movimentos históricos que não deixaram conseqüências relevantes para a humanidade.

"Há 15 ou 20 anos, todos pensávamos que a globalização seria um processo inédito, que beneficiaria a sociedade como um todo. O que observamos é uma predominância da globalização econômica sobre sua faceta política", afirma Stiglitz.

Em sua opinião, não é possível achar que tudo vai bem quando se observa que 25 mil fazendeiros americanos - irados com a possibilidade de perderem subsídios governamentais e serem obrigados a disputar mercados - têm o poder de paralisar as rodadas internacionais de comércio, lembra Stiglitz, citando o fracasso da rodada de negociações da OMC iniciada em Doha.

Stiglitz esteve presente em momentos importantes do atual ciclo de globalização. Foi economista-chefe do Banco Mundial e uma das vozes mais ativas do Council of Economic Advisors no governo Bill Clinton, quando bateu de frente com o então secretário do Tesouro, Lawrence Summers, ao dizer que não via nem em Washington, nem em Wall Street, o necessário empenho para incentivar a implantação de um "novo mundo do livre comércio para todos", mas, sim, a preferência por "conseguir a melhor barganha para a economia americana".

Hoje, enquanto aguarda um telefonema da amiga Hillary Clinton, para ajudar na elaboração de mais um programa de governo do Partido Democrata, no momento fortalecido pelas crises enfrentadas pelo governo Bush, não deixa de atentar para o "momento de contenção conservadora, antiglobalizante, em que vivemos".

Stiglitz concorda que a transformação da economia global, louvada por Friedman, é inegável. Barreiras comerciais vieram abaixo, a internet é um caminho sem volta e o desenvolvimento de novas tecnologias em um mundo menos fechado levou os países mais ricos a olharem com alguma atenção para países como China, Índia, Rússia e Brasil, que teriam condições mais favoráveis para se beneficiar da globalização, transformando-se em novas potências. Mas não consegue se calar frente às "contradições perversas" da nova ordem global - que se mostram, por exemplo, no fato de a indústria farmacêutica gastar em campanhas publicitárias nos países desenvolvidos mais que o dobro do investimento direto que faz em países pobres.

"Não tenho a menor dúvida de que mudanças virão. A questão é saber de que modo. Com uma série de revoltas? Com o aumento ainda mais drástico das migrações?"

O próprio Stiglitz responde. Diz que parte das sociedades européia e americana acredita que o crescimento dos países emergentes, com a globalização tal como ela é, se dá às expensas de uma inevitável decadência econômica dos países desenvolvidos. O que se vê é um aumento da força dos setores mais protecionistas, que percebem algo importante - um mundo mais igualitário significaria, inevitavelmente, uma diminuição da concentração de riqueza nos países mais ricos. Ao mesmo tempo, já não daria mais para vender a idéia de que os problemas da globalização vão se resolver sozinhos e de que os críticos precisam de um bom psiquiatra.

"Acabou a versão Poliana da globalização. Há ganhadores e perdedores nesse modelo econômico. E está cada vez mais claro ver quem está perdendo A hora é de tentar encontrar mecanismos para fazer com que esta nova ordem, de fato, funcione", afirma Stiglitz.

Friedman contra-ataca. Lembra que a globalização modificou a maneira pela qual as potências competem pela hegemonia planetária. Agora, é pelo conhecimento, pela inovação. Stiglitz concorda, e diz que não é por acaso que estudantes secundários saem às ruas, no Chile, exigindo melhoria de qualidade das universidades, e a China anuncia sua "economia de inovação", com a qual espera aumentar de modo acelerado sua capacidade de produzir inovação tecnológica, ao mesmo tempo em que procura desenvolver o conceito de universidade global, não mais apenas nacional, em que a busca da solução dos problemas sociais tem grande peso.

Friedman não acredita no combate direto à pobreza como próximo passo natural da globalização. Ele não vê segredo algum para os países em desenvolvimento aproveitarem mais as vantagens da globalização. Bastaria seguir a cartilha do Banco Mundial e investir mais em infra-estrutura, educação e tecnologia, reduzindo igualmente a burocracia para a criação de novas empresas, geradoras de emprego. "Sou acima de tudo um crente. Depois que escrevi o livro, acredito ainda mais no modelo americano e na economia de mercado. O século XXI será da China, como o XIX foi da Inglaterra. É como minha mãe, uma senhora simples, costumava dizer à beira da lareira de sua casinha nos confins de Minnesotta: 'Um país que censura o Google não pode liderar o planeta'."

Na saída do auditório, enquanto Stiglitz e Friedman se abraçavam cordialmente, centenas de estudantes conversavam sobre as visões díspares do mundo em que vivem. O debate parece estar apenas começando.

DISPAROS
Síndrome de Seattle

"Até pouco tempo, dizia-se que quem tinha problemas com a globalização, como os manifestantes de Seattle, durante reunião da Organização Mundial do Comércio, em 1999, deveria ir ao médico. Afinal de contas, questionava-se: do que eles reclamavam?"

Joseph Stiglitz

Globalização do indivíduo

"Há a globalização dos países, a globalização das corporações, e de como encaram os novos mercados. Mas há a globalização do indivíduo, a mais significativa de todas, que tende a ser a força preponderante nos próximos anos."

Thomas Friedman

Disparidades sociais

"Esta globalização é ineficiente. É preciso ajustá-la radicalmente, para que suas possíveis vantagens alcancem de fato a grande maioria dos habitantes do planeta. Os nós da globalização estão aí, para quem quiser ver - o aumento das disparidades sociais e da concentração da riqueza nas mãos dos que detêm mais poder econômico."

Stiglitz

Apoio do Estado

"Tenho de concordar com Stiglitz. Para esse mesmo indivíduo, hoje muito mais poderoso, de fato se beneficiar da globalização, é preciso investir fortemente em infra-estrutura, em educação e no desenvolvimento de novos modos de prover acesso do cidadão ao apoio do Estado."

Friedman

Fato inédito

"Há 15 ou 20 anos, todos pensávamos que a globalização seria um processo inédito, que beneficiaria a sociedade como um todo. O que observamos é uma predominância da globalização econômica sobre sua faceta política",

Stiglitz

Como resolver

"Não tenho a menor dúvida de que mudanças virão. A questão é saber de que modo. Com uma série de revoltas? Com o aumento ainda mais drástico das migrações?"

Stiglitz

PERFIl/Martin Scorsese


O Valor publicou, na semana passada (e eu, enroladíssimo, só publico aqui no blog hoje) o perfil que fiz do diretor Martin Scorsese, nas telas do Brasil com seu delicioso Os Infiltrados.


Scorsese e o Vale-Tudo do Mundo Moderno
Eduardo Graça, para o Valor, de Nova Iorque


Com uma camisa impecável de seda branca protegida por um terno negro, o diretor Martin Scorsese, 64, mantém o sorriso aberto durante quase uma hora de conversa no saguão do Regency Hotel, em Manhattan. Chega mesmo a falar sorrindo. A empolgação não é para menos. Seu mais novo filme, Os Infiltrados, que estréia nos cinemas brasileiros no dia 10, é sua melhor produção em uma década, excluindo aqui o fantástico documentário No Direction Home, sobre Bob Dylan. O enredo é simples: dois garotões acabam de se graduar na academia de polícia de Boston. Um (Damon) é um bandido, espião da máfia irlandesa, a mais poderosa da Nova Inglaterra, comandada pelo chefão vivido por um especialmente obsceno Jack Nicholson. O outro (DiCaprio) vem de uma família de escroques irlandeses e se oferece para viver o outro lado do espelho - será o policial disfarçado na gangue de Nicholson. Detalhe: os dois não sabem da existência um do outro.

Para pagar um tributo à exatidão, Marty – como é tratado carinhosamente pelos colegas de Hollywood - só deixa de falar com orgulho do novo filme quando o pupilo Leonardo e o novo amigo Damon lhe cobrem de elogios. “Marty é o meu tutor no cinema. Foi por causa dele que minha cultura cinematográfica se expandiu. Foi por causa dele, também, que eu me tornei um ator, creio, mais talentoso”, diz DiCaprio. Marty não encara o amigo que dirigiu em Gangues de Nova Iorque e, mais recentemente, no controverso O Aviador. “Eu sempre sonhei em trabalhar com Marty. Vi todos os filmes em que ele dirigiu o De Niro e foi ali que decidi que iria ser um ator. Imagina a alegria de poder trabalhar com ele agora”, segue o galã. Damon não deixa por menos: “Sou de Boston e quando o Brad (Pitt, produtor do filme) me enviou o roteiro eu nem pensei duas vezes. Liguei para Marty e peguei o primeiro avião da Flórida para Nova Iorque. Foi o sim mais fácil da minha vida”. Nestes momentos, o diretor se esconde por trás dos óculos de aros negros e deixa à mostra apenas as grossas sobrancelhas embranquecidas, sua marca registrada. E concede mais um sorriso.

Scorsese já tem motivos de sobra, é claro, para acariciar o próprio ego. Mas, para se ter uma idéia do poder de fogo de Os Infiltrados, somente em sua primeira semana em cartaz nos EUA o filme arrecadou US$ 27 milhões em bilheteria. Um recorde para produções que levam a assinatura do diretor de A Última Tentação de Cristo, Táxi Driver e O Touro Indomável. E desta vez Scorsese deixou para trás sua Little Italy e adaptou um mega-sucesso do cinema chinês para o dia-a-dia barra-pesada da comunidade irlandesa de Boston nos anos 80. O filme é uma ‘versão-livre’ de Negócios Internos, de Andrew Lau, maior bilheteria do cinema chinês em 2002, custou a bagatela de US$ 90 milhões, e é um dos favoritos para o Oscar-2007, incluindo a trinca de atores principais.

“Sei que o público, quando pensa em mim, imagina imediatamente a trajetória dos ítalo-americanos, a Nova Iorque italiana. Uma das alegrias de Os Infiltrados foi justamente a possibilidade de explorar o meu lado irlandês!”, conta. Scorsese irlandês? Como assim? “ É, sim senhor! Gangues de Nova Iorque, por exemplo, trata também da vida dos irlandeses no sul de Manhattan, não é? Poderia também falar da importância da poesia irlandesa na minha vida e da noção do catolicismo dublinense, bem diferente do italiano. Mas vou ser mais direto: sabe qual foi minha maior influência no cinema? Todos os filmes de John Ford, este fabuloso diretor irlandês-americano. Durante as filmagens pensava especialmente em Como Era Verde O Meu Vale, daqueles sofridos mineiros irlandeses tentando a sorte na América. Os filmes de Ford tratavam,a final, da importância da família em nossas vidas, algo muito próximo da realidade ítalo-americana. Foram eles que me levaram, acredito, a querer mergulhar mais de uma vez neste universo”, diz.

Apesar de baseado em um filme de ação de Hong Kong (alguns de seus principais diretores, como Wong Kar-Wai e John Woo, não se cansam de apontar Scorsese entre suas principais influências) e ser considerado o mais comercial dos recentes projetos do diretor nova-iorquino, Os Infiltrados reflete na tela a falta de ética, o vale-tudo, a corrupção sem culpa ou endereço certo onipresente nos dias de hoje. Nunca é claro quem é mais pernicioso, mais virulento – se o safado chefão que também presta serviços ao governo vivido por Nicholson ou se os policiais – entre eles, figurantes de luxo como Alec Baldwin, Marin Sheen e Mark Wahlberg – nada ortodoxos em seus métodos de trabalho. “A primeira coisa que pensei quando terminei de ler o roteiro foi esta sensação de que voltamos a um estado zero de moral no mundo de hoje. Assim como o 11 de Setembro nos deu um Ground Zero, também nos presenteou, infelizmente, com esta Moral Zero”.

No filme, praticamente nenhum dos personagens leva em conta questões éticas ou morais. Talvez apenas a psiquiatra que atende o presonagem de Di Caprio e se casa com o de Matt Damon, vivida pela atriz Vera Farmiga. “É, mas mesmo ela comete deslizes de caráter sérios. De um certo modo, ela também é dúbia, também tem duas caras. O filme trata de um mundo em que a moral não tem importância alguma. Um mundo em que a trsiteza e a sensação de desespero são palpáveis. Este é o mundo de Os Infiltrados”, diz Scorsese, fechando a cara pela primeira vez enquanto a chuva cai anunciando o começo do outono em sua cinzenta Manhattan.

quinta-feira, novembro 09, 2006

ENTREEVISTA/Leonardo DiCaprio & Matt Damon

A Contigo! publicou esta semana minhas entrevistas com Leonardo DiCaprio e Matt Damon, duas das principais estrelas do divertidíssimo longa de Martin Scorsese, Os Infiltrados, que estréia nesta sexta-feira nos cinemas brasileiros.


Leonardo DiCaprio e Matt Damon
OS DESEJADOS

Por Eduardo Graça, de Nova York


Martin Scorsese confronta os dois - e mais um timaço de astros - em Os Infiltrados, no melhor estilo ''se correr o bicho pega, se ficar o bicho come''


O ator Leonardo DiCaprio, 31 anos, e o diretor Martin Scorsese, 63, engataram um romance profissional em Gangues de Nova York, filme dirigido pelo baixinho do Queens em 2002, com o galã baby face como um dos protagonistas, e desde então têm se relacionado muito bem, obrigado. A parceria rendeu também O Aviador (2004), pelo qual DiCaprio foi indicado ao Oscar de melhor ator e Scorsese de melhor diretor (nenhum dos dois levou a cobiçada estatueta para casa) e agora o sensacional (e violento) Os Infiltrados, que estréia sexta (10).

Mais sarado, DiCaprio leva as mulheres à loucura como o policial irlandês Billy Costigan - mesmo urrando um quilo de palavrões e sendo surrado igual a um saco de pancadas. Além de bonitão, ele manda muito bem.

Dois Leos num só
Pena que sua versão em carne e osso seja tão insípida e nada simpática, pelo menos em público. Taciturno, mais sério do que Matt Damon, 36, seu negativo no filme (ele faz o policial Colin), Leo, como é chamado pelos colegas, se veste como um galã fashion: camisa preta sob um terno igualmente negro e cabelo curto máquina 1 igualzinho ao do seu personagem no longa. E não responde a nenhuma questão pessoal.

Paraíso em Miami

Já Damon, mais relaxado, contou como levou vantagem em relação aos colegas na filmagem, uma vez que cresceu em Boston (locação do filme) e não precisou aprender o sotaque da cidade. O ator vive hoje em Miami e diz que sua casa é "o melhor lugar do mundo" - ele vive com a mulher, a ex-garçonete argentina Luciana Barroso, e as duas filhas, Alexia, 8 anos (filha só de Luciana, mas que ele adotou), e Isabella, 4 meses. A seguir, trechos da entrevista com os dois.


Leo, o sisudo


Como foi dividir o set com Jack Nicholson?
Foi sensacional! Ele é completamente imprevisível. Em várias cenas eu não sabia o que ia acontecer. Lembro-me do Jack dizendo que seu personagem deveria ser mais durão comigo (risos). No dia seguinte recebi um aviso: "Leo, toma cuidado. Jack trouxe para o set um extintor de incêndio, uma arma, caixas de fósforo e uma garrafa de uísque" (risos). Ele é um dos maiores atores vivos. E me ajudou a construir um personagem que passa 24 horas em pânico.

Foi você quem decidiu que iria fazer o mocinho no filme?
Cá entre nós, eu queria mesmo era fazer o personagem do Jack (Nicholson - um gângster violentíssimo).

Seu personagem é um rapaz durão, violento mesmo...
Pois é, bem diferente de tudo o que já fiz nas telas. Não existe essa coisa de reagir de modo violento em minha vida. Por isso Billy me interessou.


Matt, o falante


Como entrou no projeto de Os Infiltrados?
Brad (Pitt, um dos produtores do filme), Leo e eu estávamos relaxando numa sauna! Só estou contando isso porque acho importante os momentos em que os grandes projetos nascem (risos). Não, sério, Brad me contatou e eu disse que seria um sonho participar do filme. Foi o sim mais fácil da minha carreira!

Queria fazer o mocinho?
A gente decidiu no cara e coroa! (risos). Acho que nós dois adoraríamos fazer qualquer um dos personagens. Mas, vendo o filme, não me imagino no papel do Leo.

Como foi o laboratório para viver o policial Colin?
Mergulhei na subcultura dos policiais locais e os acompanhei em algumas operações de apreensão de drogas e prisão de traficantes.

Não foi perigoso?
Não. Sabia que estava seguro, pois eles levaram duas vezes mais policiais do que o padrão. E fiquei na retaguarda, com um colete à prova de balas.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Diretinho da Redação (49)


Acaba de entrar no DR a coluna da semana, sobre a vitória dos democratas e a nova divisão de poder no Congresso norte-americano.

MUDANÇA DE ARES NOS EUA


Eduardo Graça


Foi uma noite e tanto. Depois de uma mobilização impressionante, com militantes batendo de casa em casa e carregando eleitores pelas mãos até os postos de votação, os democratas conquistaram uma vitória substanciosa nas eleições de ontem para o Congresso e o governo de boa parte dos estados da federação. A derrota de George Bush era esperada mas os resultados revelaram mais do que o cansaço dos americanos com a lambança da ocupação do Iraque, cujo epílogo foi a renúncia do secretario da Defesa, Donald Rumsfield. Mais da metade dos raivosos eleitores disseram que votariam contra a cultura da corrupção, dominante em Washington, ecoando a histórica capa da revista Rolling Stone, que na semana passava apontou sem dó os ‘dez piores congressistas da pior legislatura da história da república’. Nove eram republicanos _ dois deles ficaram sem mandato.

As conquistas da oposição não foram poucas. Pela primeira vez um candidato socialista foi eleito para o senado (no estado mais gauche do país, Vermont). Sob o controle dos republicanos há uma década, Massachusetts mudou de lado com gosto: elegeu por larga margem o democrata Deval Patrick, o segundo negro a comandar um estado do país desde que os afro-americanos conquistaram no braço o direito de ir às urnas na chamada Reconstrução dos anos 60. A Câmara dos Representantes contará com a primeira mulher em seu comando desde a independência, a liberal Nancy Pelosi, de São Francisco. E em Nova Iorque a lavada da oposição incluiu vitórias na casa dos 70% para a senadora Hillary Clinton e o novo governador Elliott Sptizer, que encerrou 12 anos de domínio conservador em Albany, tornando-se uma liderança importante a ser considerada no xadrez político de 2008.

Mas a vitória dos democratas, comemorada pelos militantes ao som de Start me up, dos Rolling Stones, não se traduz em um avanço da agenda progressista nos EUA. Pelo contrário. O nordeste do país, é fato, ficou mais democrata, exatamente como o sul ficara ostensivamente republicano em 1994 (e assim permanece). Os novos democratas são, em sua esmagadora maioria, social-conservadores, gente como o xerife Brad Ellseworth de Indiana e o fazendeiro Jon Tester, senador de Montana, ferrenho defensor do direto de os cidadãos portarem armas. Ou o virtual senador eleito em Virgínia, Jim Webb, que serviu no primeiro escalão do governo Reagan. Todos são contrários ao casamento entre homossexuais e ao direito ao aborto, e favoráveis a uma retirada lenta e gradual do Iraque. Darão uma nova face ao partido do senador negro de Illinois, Barack Obama, um dos nomes cotados para a sucessão de Bush.

O que se aprende da aventura eleitoral de 2006 é que os republicanos foram tanto para a direita que os independentes – gente que não se identifica com nenhum dos dois partidos dominantes no cenário político do país – votaram em bloco, de maneira inédita, com os democratas. Se a aliança conservadora criada por Reagan na segunda metade dos anos 70 era calcada na moral e nos bons costumes, as hostes de Clinton, Obama e Pelosi acenam com um outro grande consenso, aparentemente mais sofisticado, pavimentado pela defesa da ética. Resta saber se os democratas, de volta, de modo triunfal, ao comando do Congresso, seguirão com as mãos limpas até a grande batalha de 2008.

domingo, novembro 05, 2006

Desserviço Provinciano

Muito bom o artigo da professora e querida amiga Maria Luiza Franco, sobre a visão desenvolvimentista às avessas imperante no cenário político brasileiro desde a primeira eleição de FHC, que nos leva a situações asfixiantes como a demonstração de força desesperada dos controladores de vôo esta semana em todo o Brasil. Vale a leitura:

Desserviço provinciano
Maria Luiza Franco
Jornalista, mestre e doutoranda em Semiologia pela UFRJ.

Os tucanos chegaram firme no governo com o projeto de modernizar o país.A chamada grande imprensa saudou a entrada do Brasil no circuito das nações do “Primeiro mundo”.

Privatizaram o patrimônio público sob o aplauso e apoio de matérias e editoriais.Adotaram o consenso de Washington com seu superávit primário anunciado com sorriso, cada vez mais largo, sempre que aumentava o percentual de retração da economia. E na esteira dessa visão desenvolvimentista às avessas, aeroportos foram ampliados e repaginados para servir de carta de apresentação de um país que passou a ser sem ter sido.

No faz-de-conta, obviamente não estavam computadas as questões relativas ao elemento humano.Aliás, essa é a lógica do ótimo do Pareto, aquele economista que esquadrinhou matematicamente a sociedade ‘ótima’, e problema de quem não se encaixasse nela. Três leitos, quatro doentes, a sorte está lançada e quem chega por último que se arranje.Porque a sociedade ideal é imexível. Essa dolorosa experiência foi naturalizada pela chamada grande imprensa e tratada como necessária ao processo de desenvolvimento do país.

A aviação comercial não escapou dessa arquitetura e muito menos da mesma perspectiva provinciana e irresponsável da chamada grande imprensa. Provinciana porque baba na gravata por qualquer sinal emitido pelo mercado regulador transnacional, e irresponsável porque incentiva a irritação dos passageiros enaltecendo a condição de consumidor que tudo pode na relação primária do pagou-passou.
A mentalidade do poder ilimitado do indivíduo-cliente chega agora ao transporte aéreo, só que nessa dimensão o buraco é muito mais em cima. Avião não é ônibus, e a massa de cidadãos que hoje acessa esse meio de transporte precisa ser esclarecida sobre as profundas diferenças entre os dois modos de locomoção, em lugar de ser estimulada a brandir seu direito de consumidor acima de qualquer segurança que passa, sim, pelas condições de trabalho dos controladores de vôo.
Esses profissionais são os responsáveis pelo tráfego aéreo. São os olhos dos pilotos. Conduzem os aviões a partir do solo, e não foram incluídos no projeto de modernização do país que o tucanato comprou de fora e reescreveu para dar uma versão ainda pior, versão essa que a chamada grande imprensa sustentou com manchetes e chamadas positivas.

No dito ‘Primeiro mundo’, os passageiros têm experiência no trato entre direito e limite do consumidor. No aeroporto de Heathow, em Londres, Inglaterra, é recorrente a espera de até três horas dentro de uma aeronave à espera de autorização para a decolagem. É claro que ninguém gosta, mas as condições de tráfego são essas e deve-se cobrar dos especialistas as alternativas para contornar o problema. No monumental Charles de Gaulle, de Paris, França, também não é incomum ficar três horas na sala de embarque e mais tantas seis dentro de um avião até que melhorem as condições do tempo e o piloto receba permissão para decolar. Como não há espetáculo da mídia, por muitas razões que valem outro artigo, ninguém se anima a protagonizar um papel que só interessa a uma imprensa para qual democracia significa tão somente a liberdade ditatorial do mercado temperada pelo reconhecimento do Direito do homem que de espectador passou a ser, também, o agente propagador dos sentidos emanados pela mídia. Haja vista a cobertura do acidente da Gol. Mais uma vez a chamada grande imprensa não se ocupou de esclarecer, mas de transtornar ainda mais os sentimentos já à flor-da-pele. É preciso informar que no meio da aviação as causas dos desastres aéreos são apuradas com o objetivo de garantir que os acidentes não se repitam, e não com o propósito de punir ou de fornecer subsídios para ressarcimento.A razão parece óbvia. A ordem de grandeza dos componentes envolvidos num acidente de avião costuma contabilizar mais mortos do que vivos.Mas não foi assim que o assunto foi tratado.Punir e cobrar foram a tônica das coberturas no melhor estilo da sociedade do controle e de mercado.

Agora, a irresponsabilidade se repete, sensacional e sem esclarecimento na delicada situação que envolve os controladores de vôo. De fato, parodiando o astronauta da Apolo 13, "Cidadãos, we have a problem".

quinta-feira, novembro 02, 2006

Diretinho da Redação (49)



ARMADILHAS DE CAMPANHA

Eduardo Graça


O ministro Celso Amorim comentou e a agência Reuters publicou que o presidente George Bush telefonou ontem para seu colega brasileiro cumprimentando-o pela vitória na corrida presidencial. De bate-pronto teria perguntado, em tom jocoso, se Lula poderia lhe emprestar o 'know-how' para o pleito que, em uma semana, vai decidir como serão os anos derradeiros do ex-governador do Texas em seu segundo período na Casa Branca. Na próxima terça-feira os eleitores americanos vão votar para governador, senador e o equivalente a deputados federais e estaduais em todo o país. E Bush tem toda razão de pedir arrego a Lula. As pesquisas indicam que os Democratas devem retomar o controle da Câmara dos Representantes (que perderam em 1994) e quiçá também do Senado.

O chanceler brasileiro não disse se Lula revelou a receita de sua vitória acachapante sobre os social-democratas no domingo que passou. Mas, vejam só, no mesmo dia em que os dois comandantes das maiores democracias da América bateram o papo cordial, Bush animou a campanha daqui batendo numa tecla tocada incessantemente pelo petista durante o segundo turno e em seu discurso de posse (em que vestiu a camiseta com a mensagem de que ‘a vitória era do Brasil’): o nacionalismo.

Se a campanha de Lula criou a idéia de que o PSDB, em sua segunda encarnação em Brasília, iria acabar de vez com o patrimônio público, se desfazendo de Petrobras, Correios, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e o que ainda restasse em poder do Estado, os republicanos saíram-se hoje com a exigência de que os democratas se desculpem por denegrirem os heróicos soldados americanos que lutam pela vitória da ‘liberdade’ no Iraque ocupado. Se Lula permite-se confundir com o Brasil, Bush é o Tio Sam em armas no Oriente Médio.

Em infeliz declaração, o senador democrata John Kerry, em um palanque na Califórnia, afirmou que os jovens americanos de classe média-baixa têm duas claras opções pela frente: ou investem na educação e entram no cada vez mais competitivo mercado de trabalho ou acabarão em armadilhas como o Iraque ocupado. Simplista, realista, mas pouco cuidadoso. O veterano de guerra do Vietnã ofereceu um prato cheio para os republicanos, quase tão saboroso quanto o que, na semana passada, Fernando Henrique Cardoso deu de lambuja ao PT ao dizer que ‘não tinha nada contra a privatização da Petrobras’.

Os republicanos, acuados por uma série de escândalos e atolados até o pescoço no mar de lama do Iraque, finalmente saíram para o ataque, acusando os Democratas de preconceito social e de anti-patriotismo, ao apostatem na derrota das forças armadas ianques. Em um inflamado discurso na Geórgia, onde seu candidato ao senado andou comparando os negros a macacos e corre o risco de não se reeleger, Bush exigiu que Kerry se desculpasse com os militares e seus familiares, virando pela primeira vez o jogo do Iraque a favor dos Republicanos.

Do mesmo modo que não se sabe o que o presidente Lula andou aconselhando a Bush Júnior, é difícil prever o efeito da derrapada de Kerry nos resultados de uma eleição que, até o momento, se resumia a um plebiscito nacional sobre o apoio à permanência das tropas no Iraque ocupado. Ao menos já se sabe que os democratas não andam se consultando com os tucanos. Ao contrário de Geraldo Alckmin, que apareceu fantasiado de garoto-propaganda do governo federal, com bonés do BB, camisetas da Petrobras e bolsas de mão da CEF, retrato de uma oposição caipira em um país determinado a não encarar suas reais deficiências de frente, Kerry, tentando provar que aprendeu as lições da campanha presidencial de 2004, convocou imediatamente a imprensa para dizer peremptoriamente que não tinha nada que se desculpar com a política desastrosa de Washington no Oriente Médio, responsável pela morte de milhares de americanos.

Em menos de uma semana vamos descobrir o resultado, por aqui, de tamanho fuzuê.

ENTREVISTA/Christian Bale


Christian Bale e Hugh Jackman: Um grande confronto
Por Eduardo Graça, de Los Angeles


O ator do Batman e o alter ego de Wolverine se enfrentam num filme sobre mágica e obsessão


O que será que acontece quando Batman encontra Wolverine? A resposta é um tapa nas costas e um demorado abraço. Christian Bale, 32 anos, a mais recente encarnação de Bruce Wayne (com e sem máscara) nas telonas, e Hugh Jackman, 38, estrela-mor da cinessérie X-Men, são os protagonistas de O Grande Truque, novo longa do diretor Christopher Nolan (o mesmo de Batman Begins, que em fevereiro estará dirigindo Christian Bale na continuação do filme, O Cavaleiro
Negro
).

Os dois, que fora das telas levam uma vida até que bem parecidas - são muito bem-casados e Bale é pai de uma menina (ele não diz por nada deste mundo o nome dela) de 1 ano, enquanto Jackman é de um casal, Oscar, 6, e Ava, 1 -, conversaram com Contigo! em um hotel de Los Angeles para falar dos dois mágicos enredados em uma rivalidade sem tamanho, alimentada por mortes, acidentes, paixões e muita ambição. Abaixo, os principais trechos das entrevistas realizadas no encontro da revista com os dois belos e talentosos atores.

Christian Bale - marido fiel e apaixonado


Sir Michael Caine (que está em O Grande Truque e faz o Alfred de Batman Begins) disse que o admira muito, por sua extrema dedicação. Ele jura que, observando seu método de trabalho, descobriu que era um profissional muito preguiçoso (risos)...


Bondade dele. Cá entre nós, sou um completo molengão (risos). Adoro uma boa soneca. Sou tão preguiçoso quanto Michael Caine, juro! Embora talvez tão obsessivo quanto Borden, meu personagem em O Grande Truque.

Como foi sua preparação para entrar na pele de Borden? Aprendeu mágica?

Li o romance que inspirou o filme (The Prestige, de Christopher Priest), pesquisei sobre a vida de mágicos famosos, conversei com alguns deles e, sim, aprendi alguns truques. Eu sabia que não teria a chance de usar a maioria dos truques no filme, mas foi uma maneira de entrar no personagem. Alguns truques - como quando faço objetos desaparecerem em minhas mãos - acabaram me levando a desenvolver tiques nervosos (risos).


No filme você trabalha com assistentes belíssimas, uma delas vivida pela atriz Scarlett Johansson. Se fosse um mágico de verdade e pudesse escolher uma assistente, quem seria?


Sem dúvida, minha mulher, Sibi (Blazic, 36. Ela, que é assistente pessoal da atriz Winona Ryder, é realmente linda). Nesta você não me pega! (risos). E, ao contrário do Borden, que é cheio de mistérios, eu jamais teria segredos com a minha família.

ENTREVISTA/Hugh Jackman


Agora a entrevista com om simpaticíssimo Hugh Jackman, também para a Contigo!

Hugh Jackman - fantasia de infância


No filme, você vive um mágico que gosta de estar no palco o tempo todo. Você também tem essa relação com o teatro?
Eu adoro o palco (diz isso após acariciar cuidadosamente o cabelo e tomar um gole de seu chá). Se Chris Nolan (diretor do filme) me chamar agora para fazer uma peça em um teatro-poeira de Manchester, eu vou correndo (risos).

Bale disse que aprendeu alguns truques...
Ah, é? Não me peça para fazer nenhum! (risos). Não, sério, eu faria. O problema é que não trouxe minha caixinha de mágica (risos). Sabe, quando a gente é criança, na Austrália (onde nasceu), um dos presentes clássicos é a tal caixinha de mágica, com truques, varinhas, poções. De certa forma, O Grande Truque me permitiu retomar essa fantasia.

Como foi para o Wolverine encontrar Batman? (risos)...

Christian é um cara muito legal, mas até mesmo ele sabe que Wolverine é mais poderoso que Batman. O homem-morcego tem aqueles cintos e um carro todo incrementado, mas Wolverine é um mutante, né? (risos).

Bale se diz um workaholic. Você também é?

Eu não, mas minha mulher acha que sim! Debra (Lee Furness, 46, atriz) vive dizendo que sou muito caxias. Eu acho que não sou workaholic porque tenho uma imensa capacidade de me desligar do trabalho. Adoro atuar e trabalho duro, mas sei desligar o botão (risos).

O GRANDE TRUQUE - THE PRESTIGE (2006)


Saiu hoje na Folha de S.Paulo (texto aqui, para assinantes) meu texto sobre o filme O Grande Truque, que estréia este fim de semana nos cinemas brasileiros. Conversei com o diretor Christopher Nolan e os atores Michael Caine, Hugh Jackman e Christian Bale.

Filme reúne intérpretes de Batman e Wolverine

Christian Bale e Hugh Jackman vivem "jogo de espelhos" de Nolan em "O Grande Truque"


Os atores e o diretor, Christopher Nolan, falam à Folha sobre o filme, que também tem David Bowie no papel de cientista


EDUARDO GRAÇA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Em um confronto entre Wolverine e Batman, você apostaria suas fichas em qual super-herói? O novo filme de Christopher Nolan (de "Batman Begins") contrapõe Hugh Jackman - famoso por encarnar o mais esquentado dos X-Men - a Christian Bale - o Bruce Wayne mais convincente do cinema- num duelo situado no ocaso da Inglaterra vitoriana. "O Grande Truque" chega hoje ao Brasil, depois de ocupar o topo da lista dos mais vistos em sua estréia nos EUA e de arrecadar R$ 30 milhões em duas semanas. O filme tem ainda Michael Caine, que voltará a viver o mordomo Alfred na continuação da saga do homem-morcego, "O Cavaleiro Negro"; Scarlett Johansson, como uma sensual ajudante de palco; e David Bowie, um cientista rival de Thomas Edison.

Óculos escuros pendurados na camiseta preta, Christian Bale encara a reportagem da Folha com um silêncio enigmático antes de sacudir as mãos em um vaivém frenético, dar uma exclamação de espanto e cair na gargalhada. "Desculpe a brincadeira. É que as pessoas acham que o filme é uma série de truques que Hugh e eu executamos em teatros.
Nada mais falso", diz. O ator lembra que o coelho na cartola de "O Grande Truque" é o jogo de espelhos dos Nolan - assim como em "Amnésia", o roteiro é do irmão caçula, Jonathan. O espectador nunca sabe bem o que é realidade e o que é ilusão.

Há sete anos, quando leu o romance "The Prestige", de Chritopher Priest, Nolan soube que tinha um filme em mãos. "Só não sabia que caminho seguir. Tive de passar por "Amnésia", "Insônia" e "Batman Begins" até entender o que fazer." Foi em um jantar em Londres, após as filmagens de "Batman", que Nolan mostrou a Bale o roteiro de "O Grande Truque". "Liguei para ele no dia seguinte dizendo que queria fazer o Alfred, personagem de origem social mais pobre. Ele topou, e pensei: será que ele conseguirá me ver como alguém diferente do Bruce Wayne?", conta Bale. "Engraçado ele ter achado isso. É um dos atores mais talentosos que conheço", diz Nolan.

Nesta reunião informal de súditos da rainha, sir Michael Caine não faz feio. "Meu personagem é o mais próximo do homem comum. É com ele que o público se identifica", acredita. Seu Cutter é o tutor de dois jovens que se tornarão inimigos mortais após um acidente que deixa marcas profundas em Robert Angier (Hugh Jackman). "Convidei o Hugh pelo domínio de palco dele. Ele tem o carisma de um mágico, prende a audiência até o último suspiro", diz Nolan. Há dois anos, Jackman estrelou com sucesso na Broadway o musical "The Boy from Oz". "Não me senti um peixe fora d'água por Christian e sir Michael terem trabalhado com Nolan antes. Só deixei claro quem ganharia uma batalha entre Batman e Wolverine. O mutante, claro!", completa, rindo, o ator e produtor de "Wolverine", que deve chegar aos cinemas brasileiros na mesma época que "O Cavaleiro Negro".

O jornalista EDUARDO GRAÇA viajou a convite da distribuidora Warner

domingo, outubro 22, 2006

Pop: Um senhor bate-papo

Infelizmente apenas em inglês, está no site do jornal dominical inglês The Observer um sensacional bate-papo entre Jarvis Cocker (leia-se Pulp), Nick Cave, a cantora de folk Beth Orton, meu querido Antony Hegarty (a doce voz dos nova-iorquinos Antony & The Johnsons, a canadense Mary Margaret O'Hara, o britânico Anthony Glenn (da banda The Hours) e o jornalista Paul Morley. Esta turma se reuniu em Dublin para discutir algo aparentemente tão banal quanto saber para que serve, afinal de contas, a música nos dias de hoje. Entre as muitas histórias divertidas estão a negativa de Cave em ceder os direitos de Red Right Hand para uma propaganda de papel higiênico na Nova Zelândia e o lembrete que Barney Summer, do New Order, exigiu para gravar Blue Monday em uma propaganda de refrigerantes, no início dos anos 80: um imenso cartaz que dizia:"Estamos fazendo isso por US$ 400 mil".

Raízes do Brasil, 70 Anos


Por conta do lançamento da edição comemorativa dos 70 Anos de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, uma das obras fundamentais para se entender Pindorama, o Estadão publicou dois belos textos no Caderno 2 de hoje. O meu favorito é o da professora da USP, e autora do ótimo Nas Barbas do Imperador, Lilia Schwarcz.

Nossa Raízes Profundas
Lilia Moritz Schwarcz

Há quem diga que o Brasil não é para principiantes e que, para entender o País, é preciso um esforço de tradução. É fato que não há cultura que abra mão de um bom tradutor; a nossa, porém, contou com um, particularmente, bem sucedido: Sérgio Buarque de Holanda. Dono de frases e definições lapidares, Holanda fez da interdisciplinaridade mais do que uma voga rápida: foi ensaísta, crítico literário, historiador.

É do historiador a descoberta pelo 'gosto da maravilha e do mistério', dupla inseparável na literatura de viagem e presente em seu livro Visão do Paraíso. É também do pesquisador a arguta definição encontrada no ensaio O Pássaro e a Sombra, quando analisou o poder pessoal de D. Pedro II e concluiu que a vontade imperial carregava 'muito lastro para pouca vela': paródia certeira para pensar a política brasileira, também nos dias de hoje. É ainda o crítico quem descreve nossos 'sertões ermos', em O Extremo Oeste, não distinguindo um espanhol de um português, senão pela montada. É por fim de Sérgio Buarque de Holanda o alerta, contido em Raízes do Brasil, ao apego irrestrito que manifestamos aos 'valores da personalidade'. Em questão estava a possível - e desejável - emergência de instâncias de representação que se sobrepusessem às persistentes estruturas privadas. 'Em terra onde há muito barão não há acordo possível' resumia Holanda, ironizando nosso teimoso e renitente clientelismo.

É por essas e por outras que os setenta anos da publicação de Raízes do Brasil merecem retomada, leitura e atenção. O livro envelheceu tão bem como os bons vinhos, e continua trazendo um incômodo alerta acerca dos limites dessa nossa 'modernidade tropical', condicionada pelo descrédito com relação às instituições e pelo antigo ditado: 'aos amigos tudo, aos inimigos a lei'. A obra carrega, ainda, a marca de ter lançado a voga da 'cordialidade', termo tão citado como mal compreendido. O País se definiria a partir da mania de jogar tudo para a esfera do privado; sinal maior de nossa identidade, entendida, em Raízes, como problema e não solução.

Mas essa obsessão com a definição do caráter particular de nossa cultura, refletido na busca de interpretações do Brasil, não data desta época e muito menos do livro de Holanda. Não é hora de fazer uma lista das teorias ou passar a limpo autores que - como Silvio Romero, Euclides da Cunha, Manuel Bonfim, Joaquim Nabuco ou Oliveira Viana - enfrentaram o tema da identidade, tudo isso entre finais do 19 e inícios do 20. Também não é o caso de retomar as máximas da geração realista dos anos 1870, que elegeu a raça como elemento definidor da nacionalidade. Na verdade, restara um certo mal-estar, legado por este grupo de intelectuais, que entendeu o cruzamento de raças como sinônimo da falência da nação. Por isso mesmo, os grandes intérpretes dos anos 1930 produziram ensaios que se contrapunham frontalmente ao antigo suposto teórico, que resumiu mestiçagem como degeneração.

A nova aposta centrava-se em desenhar a variedade desse imenso País a partir de uma imagem só, alentada até. E é nesse momento que algumas obras nascem clássicas. Casa Grande Senzala, de Gilberto Freyre, publicado em 1933, invertia o papel do escravo e dos negros na formação nacional. Inspirado na antropologia cultural norte-americana, o livro trazia o ambiente patriarcal nordestino como modelo de nacionalidade e propunha uma nova visão desse país. A mestiçagem - menos biológica e mais cultural - era destacada não mais como veneno, mas tal qual redenção.


O texto completo, e uma outra análise bem interessante, do embaixador Sérgio Paulo Rouanet, pode ser lido aqui, para assinantes do Estadão.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, sobre a investida das gravadoras contra os 'piratas musicais' jea está no DR.

PIRATARIA BRASIL

Eduardo Graça


Em uma conversa com os alunos da faculdade de economia da NYU na abertura do ano letivo, que aqui começa no outono, depois das férias de verão, o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, um dos críticos mais perspicazees da globalização como ela é, contou que viveu há pouco tempo, na China, um dilema pessoal que revela muito os tempos paradoxais em que vivemos. Stiglitz fora inquirido por profissionais chineses ávidos por saber mais sobre sua posição sobre direitos autorais na era da internet. O ex-presidente do Banco Mundial parou por um segundo e decidiu ser honesto: não tinha a menor idéia se preferiria saber que seus livros – incluindo o recente best-seller Making The Globalization Work - haviam sido pirateados ou completamente ignorados pelos chineses. A resposta o deixou aliviado: suas obras, todas, vendiam muitíssimo bem no mercado negro de Pequim. A troca do conhecimento, ainda que por meios ilegais, existia. Mas será que a W.W.Norton, que publicou o livro em setembro, concorda com o professor da Universidade de Columbia?

A historieta vem a calhar na semana em que a indústria musical – leia-se as grandes corporações que controlam a produção, distribuição e venda de CDs e DVDs mundo afora – anunciou uma nova leva de 8 mil processos contra indivíduos que andam trocando arquivos musicais na rede de computadores. E, pela primeira vez, alguns dos processados pelas ‘majors’ são cidadãos brasileiros.

A Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), que move os processos em nome das corporações, acredita que os piratas – indivíduos que colocaram na rede álbuns inteiros de artistas para o consumo gratuito de felizes internautas – incentivam o desrespeito à lei, ao direito autoral e à propriedade privada. E um dos maiores mercados ilegais seria o brasileiro. No país, mais de 1 bilhão de músicas (quase 5% de todo o consumo no mundo) baixadas ilegalmente estariam circulando pelos computadores de jovens das classes alta e média de Pindorama, parcela da população que tem acesso ao sistema de banda larga.

Aqui nos EUA já há quase um consenso entre a geração mais jovem de que música não se compra na loja, se troca na rede. Gasta dinheiro quem é otário ou tem muito para esbanjar. Pode-se levar em conta a perversidade de tal raciocínio, que pune os artistas tanto quanto seus mecenas, mas os preços altos dos CDs e a facilidade de reprodução na era digital viraram de cabeça para baixo os padrões éticos em vigor.

A IFPI anda especialmente preocupada com o mercado brasileiro, onde os lucros das gravadoras teriam diminuído pela metade nos últimos seis anos. Mas será que os processos – parte dos piratas já entrou em acordo, pagando multas de até U$ 3 mil (mais de R$ 6 mil) – vão diminuir o troca-troca musical na rede? Será que eles não acontecem justamente por conta da distância astronômica estabelecida pelas gravadoras com seu público-alvo? Os piratas oferecem, quase sempre, um catálogo mais apurado e abrangente do que as boas lojas do mercado tradicional – eles não se limitam aos lançamentos do momento, mas investem no apetite dos colecionadores, que se vêem abandonados por uma indústria focada de modo desproporcional no lucro em detrimento do conhecimento, exatamente o oposto do que preocupa o professor Stiglitz. A batalha, aqui, está apenas começando.

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, sobre a investida das gravadoras contra os 'piratas musicais' jea está no DR.

PIRATARIA BRASIL

Eduardo Graça


Em uma conversa com os alunos da faculdade de economia da NYU na abertura do ano letivo, que aqui começa no outono, depois das férias de verão, o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, um dos críticos mais perspicazees da globalização como ela é, contou que viveu há pouco tempo, na China, um dilema pessoal que revela muito os tempos paradoxais em que vivemos. Stiglitz fora inquirido por profissionais chineses ávidos por saber mais sobre sua posição sobre direitos autorais na era da internet. O ex-presidente do Banco Mundial parou por um segundo e decidiu ser honesto: não tinha a menor idéia se preferiria saber que seus livros – incluindo o recente best-seller Making The Globalization Work - haviam sido pirateados ou completamente ignorados pelos chineses. A resposta o deixou aliviado: suas obras, todas, vendiam muitíssimo bem no mercado negro de Pequim. A troca do conhecimento, ainda que por meios ilegais, existia. Mas será que a W.W.Norton, que publicou o livro em setembro, concorda com o professor da Universidade de Columbia?

A historieta vem a calhar na semana em que a indústria musical – leia-se as grandes corporações que controlam a produção, distribuição e venda de CDs e DVDs mundo afora – anunciou uma nova leva de 8 mil processos contra indivíduos que andam trocando arquivos musicais na rede de computadores. E, pela primeira vez, alguns dos processados pelas ‘majors’ são cidadãos brasileiros.

A Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), que move os processos em nome das corporações, acredita que os piratas – indivíduos que colocaram na rede álbuns inteiros de artistas para o consumo gratuito de felizes internautas – incentivam o desrespeito à lei, ao direito autoral e à propriedade privada. E um dos maiores mercados ilegais seria o brasileiro. No país, mais de 1 bilhão de músicas (quase 5% de todo o consumo no mundo) baixadas ilegalmente estariam circulando pelos computadores de jovens das classes alta e média de Pindorama, parcela da população que tem acesso ao sistema de banda larga.

Aqui nos EUA já há quase um consenso entre a geração mais jovem de que música não se compra na loja, se troca na rede. Gasta dinheiro quem é otário ou tem muito para esbanjar. Pode-se levar em conta a perversidade de tal raciocínio, que pune os artistas tanto quanto seus mecenas, mas os preços altos dos CDs e a facilidade de reprodução na era digital viraram de cabeça para baixo os padrões éticos em vigor.

A IFPI anda especialmente preocupada com o mercado brasileiro, onde os lucros das gravadoras teriam diminuído pela metade nos últimos seis anos. Mas será que os processos – parte dos piratas já entrou em acordo, pagando multas de até U$ 3 mil (mais de R$ 6 mil) – vão diminuir o troca-troca musical na rede? Será que eles não acontecem justamente por conta da distância astronômica estabelecida pelas gravadoras com seu público-alvo? Os piratas oferecem, quase sempre, um catálogo mais apurado e abrangente do que as boas lojas do mercado tradicional – eles não se limitam aos lançamentos do momento, mas investem no apetite dos colecionadores, que se vêem abandonados por uma indústria focada de modo desproporcional no lucro em detrimento do conhecimento, exatamente o oposto do que preocupa o professor Stiglitz. A batalha, aqui, está apenas começando.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Diretinho da Redação (49)

O texto da semana é sobre a reportagem da tevê australiana que flagrou um Alckmin diferente. Dêem uma olhada no vídeo.

UM OUTRO ALCKMIN NO YOUTUBE

Eduardo Graça

Se o presidente Lula fosse um dos cerca de 40 milhões de internautas que entram todos os dias no site YouTube ele não teria ficado tão espantado com a agressividade de Geraldo Alckmin no debate de domingo na Bandeirantes. Está lá, para quem quiser ver, uma faceta pouco conhecida do ex-governador. Se nas tevês brasileiras ele aparece calmo ao extremo, uma combinação de coroinha de igreja com professor de magistério, no programa Dateline, apresentado no dia 2 de agosto pela rede australiana SBS, ele reage indignado, interrompendo bruscamente a repórter Olivia Rousset quando questionado sobre a falência da política de segurança pública do PSDB em São Paulo.

Durante doze anos Alckmin despachou no Palácio Bandeirantes, sede do governo paulista. No entanto, não entendeu a insistência da repórter em saber se ele estava de fato chocado com a ação dos grupos de extermínio em São Paulo. A reação de Alckmin – “se eu soubesse que este era o tema do programa não teria dado a entrevista” – só não é cômica porque arreganha a um só tempo o grau de subserviência da mídia brasileira e o descaso de boa parte de nossa elite política com a inteligência do cidadão de Pindorama. Por que não se fez uma entrevista como esta na televisão brasileira? Será que os políticos exigem dos jornalistas o conhecimento prévio da pauta e só conversam com a imprensa se as perguntas os agradam? “Este é um problema do governo do estado de São Paulo, vá procurar as autoridades”, ensina Alckmin à imprensa estrangeira.

Quando Olívia Rousset, em vão, argumenta que ninguém nos Bandeirantes quer ouvir falar sobre o assunto, nem mesmo a Secretaria de Segurança Pública e a chefia da Polícia, Alckmin usa seu inglês pela primeira vez e deixa a repórter falando sozinha: “Bye, bye!”. Tudo isso pode ser acompanhado no YouTube, site criado em fevereiro de 2005 por três amigos e que acaba de ser comprado por US$ 1,67 bilhões pela turma do Google. Todos os dias aproximadamente 100 milhões de vídeos são baixados de graça no site, que responde sozinho por 46% do mercado de vídeos na internet e, até ontem, contava com 67 funcionários em sua folha de pagamento.

Em pouco mais de um ano o YouTube se transformou em uma impressionante videoteca virtual, reunindo tanto imagens históricas da televisão mundial quanto registros de concertos de rock que pareciam perdidos para sempre. Com eleições por aqui em quatro semanas, pululam no site imagens que mostram candidatos ao Congresso norte-americano em situações comprometedoras, especialmente em comícios e aparições públicas (que ganharam nova dimensão com a gravação amadora, livre das regras das grandes redes jornalísticas). O vírus, felizmente, parece ter chegado ao Brasil. O Google, ao abocanhar o site, anunciou estar ciente de que terá de encontrar meios para assegurar a seriedade das imagens publicadas e evitar a pirataria. Mas também assegurou que seu novo produto manterá a vocação libertária que o caracteriza desde o nascedouro.

A transcrição do programa da SBS sobre o descaso das autoridades com a violência em São Paulo, uma aula de jornalismo inteligente e independente, pode ser lida em http://news.sbs.com.au/dateline/index.php?page=transcript&dte=2006-08-02&headlineid=1166, infelizmente apenas em inglês. Mas o link da gravação com Alckmin foi felizmente postado no YouTube. E conta com legendas em português. Para quem tem acesso à rede de computadores e vai votar no segundo turno das eleições presidenciais, o endereço, obrigatório, é o http://www.youtube.com/watch?v=vsRynm18_Eg

quinta-feira, outubro 05, 2006

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, que já está no DR, lembra que aqui nos EUA e aí no Brasil não há lugar para santos no exercício do poder. E que todo o cuidado é pouco com os iconoclastas de ocasião.


NOS EUA DE FOLEY, NO BRASIL DE CLODOVIL

Eduardo Graça

O Congresso dos EUA vive uma de suas mais graves crises com a descoberta de que o deputado que comandava o programa federal dedicado à erradicação da pedofilia trocava picantes mensagens eletrônicas com estagiários adolescentes. O republicano Mark Foley, da Flórida, renunciou ao mandato esta semana quando o escândalo ganhou a primeira página dos jornais. O Foleygate tem tudo para ser a versão ianque da ‘compra do dossiê’ que faltava para os democratas tentarem virar o jogo e retomarem o controle do Congresso. Até porque ninguém sabe ao certo como a baixaria veio a público justamente há um mês das eleições.

O Foleygate é mais um de uma série de escândalos que levou os americanos, em pesquisas conduzidas por diferentes institutos, a considerar esta a pior legislatura da República. Aqui não se tem Waldomiro, Freud ou Marcos Valério, mas pululam os Jack Abramoffs, que compram boa parte dos congressistas e controlam seus votos. Um deputado da Califórnia processado por corrupção teve o desplante de dizer que era impossível resistir a iates, mansões e viagens internacionais proporcionadas por intermediários de certas corporações. E ainda buscou dividir a vergonha com a sociedade, perguntando, exatamente como Clodovil em sua primeira entrevista pós-eleição: e quem não faria o mesmo?

Nos EUA de Foley, não se ouviu sequer de um único congressista envolvido nos seguidos escândalos de corrupção nos últimos quatro anos um pedido de desculpas. Ninguém se disse arrependido por ter utilizado um cargo público para estabelecer seu balcão de negociatas. E o Foleygate só aumentou o tamanho da bronca. Líderes cristãos de extrema-direita agora disputam espaço com os progressistas na sessão livre de catiripapos contra os mandatários públicos. O Legislativo, denunciam, se reduziu a um ‘parque de diversões para predadores sexuais’.

Mas o que vem tirando mesmo o sono dos eleitores é a revelação de que alguns congressistas republicanos, incluindo a autoridade mais alta da casa, J.Dennis Hastert, fiel aliado do presidente Bush, sabiam, desde junho, das investidas do deputado Foley aos ‘meninos do Capitólio’. E abafaram o caso de olho nas eleições do mês que vem, que vão decidir quem controlará o Senado e a Câmara Baixa nos próximos dois anos. Pior: o deputado Thomas Reynolds, de Nova Iorque, que enfrenta uma dura batalha em seu distrito, sabia do caso, calou-se e ainda recebeu de lambuja, dos bolsos de Foley, uma ajuda de US$ 100 mil para sua campanha. Enquanto o escândalo vai ganhando dimensões gigantescas, com a imprensa pedindo as cabeças de Reynolds e Hastert, o ultra-conservador Foley, pressionado por seus próprios advogados, assumiu sua homossexualidade, revelou, a quem interessar possa, que foi molestado por um sacerdote quando tinha 13 anos, jurou ter ‘apenas’ trocado e-mails picantes mas jamais mantido relações sexuais com os meninos do Capitólio e prometeu abandonar a política.

No Brasil de Clodovil há quem se espante com o aparente paradoxo de o PT, justamente o PT, ungido árbitro da ética pela mídia, pela academia e pelas urnas, ter se envolvido em tanta falcatrua. Nos EUA de Foley, o Partido Republicano, que chegou ao poder pregando do púlpito o culto à moral e aos bons costumes e a defesa do cidadão comum, marca sua passagem por Washington com um ataque sem precedentes à família, aos direitos individuais, ao bolso da classe média, à liberdade de expressão e às minorias. Os cenários se assemelham quando revelam a corrosão do atual modelo de democracia representativa. Mas também nos mostram a necessidade de se desconfiar daqueles que almejam a canonização social através da política. Não há lugar para santos no exercício do poder. Do mesmo modo, todo o cuidado é pouco com os iconoclastas de ocasião. Nos EUA de Foley, os republicanos acabam de desenterrar o caso do deputado democrata Mel Reynolds, de Chicago, que foi parar na prisão tanto pelo recebimento de propinas de lobistas quanto por seu envolvimento com um menor de idade, voluntário em sua campanha. Reynolds foi vergonhosamente perdoado pelo presidente Bill Clinton. No Brasil de Clodovil o solo também é fértil para os que quiserem fuçar o passado dos novos paladinos da descência nacional – ou alguém reza de olhos fechados na igreja de Antônio Carlos Magalhães, César Maia, Eduardo Azeredo, Fernando Henrique, Anthony Garotinho e Geraldo Alckmin?

sexta-feira, setembro 29, 2006

ENTREVISTA/NICHOLAS CAGE

Hoje o Valor Econômico publicou a entrevista que fiz com Nicholas Cage, estrela do novo filme de Oliver Stone, Torres Gêmeas, que estréia este fim de semana nos cinemas brasileiros.

Para Cage, Dor Não É Política

29/09/2006

Valor
: "As Torres Gêmeas" foi recebido com festa pela direita americana. Como se posiciona sobre a reação do governo Bush aos ataques de 11 de setembro?
Nicholas Cage: Nosso filme termina no dia 12 de setembro. Não quero de modo algum pensar neste filme de forma política. Acho que seria desonesto com Oliver [Stone] e com a força de "As Torres Gêmeas". O filme trata da luta pela sobrevivência e da coragem de dois policiais.

Valor: Há o aspecto religioso. O personagem do policial Will Jimeno chega a ver Jesus Cristo. Isso o incomodou?
Cage: Um de meus principais exercícios antes de começar a filmar foi me encontrar com o policial John McLoughlin, ver sua família. Gravei em vídeo o encontro e fiz milhares de perguntas. Uma das coisas de que ele se lembra é que ele e Will pediam a Deus por suas vidas, pela chance de saírem daqueles escombros com vida. Quis entender como sua mente venceu a luta. Minha busca foi entender isso, observar e aprender com seus momentos de desespero e, sim, claro, de fé. "As Torres Gêmeas" é um filme emocional. Não é, no entanto, uma obra que o deixará para baixo quando sair do cinema. Você sai com a sensação de que anjos, de fato, existem. John e Will são heróis. Para sobreviver, tiveram de virar um só. Tentar politizar a história é um erro.

Valor: É sua primeira colaboração com Oliver Stone, um diretor marcado por filmes como "Platoon", "JFK" e "Nixon". Não passou por sua cabeça que ele aumentaria o teor político da história?
Cage: Sabe que a gente não conversou sobre o aspecto político dos ataques, Al-Quaeda, Osama, Bush? Até porque John McLoughlin não sabia de nada disso quando estava soterrado nos escombros. Oliver é sensacional. A principal característica de seus filmes, para mim, é que nos fazem pensar. Meu maior receio seria o foco na violência, no desastre. Ele tem interesse zero nisso.

Valor
: Houve chiadeira de parte da opinião pública americana contra o que seria a exploração econômica da tragédia...
Cage: Aquelas imagens foram reais e é sempre melhor enfrentar a realidade do que abraçar a ignorância. Quero saber o que aconteceu nos escombros do World Trade Center. É claro que entendo a preocupação das famílias dos sobreviventes e a dor de reviver a história. Quanto à exploração econômica, doei o cachê para diversas instituições. Boa parte da bilheteria irá para a caridade.

Valor: Foi bom exercício trabalhar apenas com o rosto na maior parte do filme?
Cage: Usei a imaginação para tentar representar aquilo que John me contou que tinha sentido durante as horas em que ficou soterrado.

Valor: Como Nicholas Cage, cidadão americano que estava em casa quando os ataques aconteceram, vê o filme?
Cage: O longa-metragem foi uma boa resposta a minhas preces. Pretendia fazer algo que inspirasse as pessoas, que ajudasse outros seres. Espero ter atingido o objetivo. Acho que contar a história de John McLoughlin e Will Jimeno é uma boa maneira de nos purificar, de curar nossas feridas.
(Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York)