quinta-feira, abril 02, 2009

AMERICANA: Uma Crônica da Recessão em NYC

A Carta Capital publicou na edição que circula esta semana uma crônica-reportagem deste escriba, na abertura da revista, na seção normalmente chamada de 'Brasiliana'.

Esta foi uma 'Americana'. As fotos são minhas, tiradas no SoHo, na Union Square e no East Village.

Ó só:

Liquida Nova York

Eduardo Graça

"É fácil constatar a crise em Nova York. Você observa o número de pessoas zanzando pela cidade e a quantidade de bolsas que carregam. A temperatura já começou a esquentar, mas há bem menos sacolas que pessoas, presságio de que as contas podem não fechar no fim do mês.” O texto é de economista, mas a criadora do método empírico de análise da crise financeira em Main Street (termo usado pelos norte-americanos para definir o comércio de rua, em oposição a Wall Street) é a vitrinista brasileira Marilla Maia, 44 anos, uma das duas funcionárias fixas da Ariella, no coração do SoHo, onde se concentram as lojas de marca mais populares da cidade, destino primeiro de sacoleiros de todas as nacionalidades.

Nas ruas de paralelepípedo que cercam a Broadway acima da Canal e abaixo da Houston, o corre-corre de transeuntes é o mesmo de todo começo de primavera, com os casacos aposentados e lojas como a Banana Republic, a Gap e a japonesa Uniqlo a apresentar suas novas coleções. Donos da loja Malharia Nacional, com sede em Jacutinga, no interior mineiro, e filiais no Belenzinho e no Brás, em São Paulo, Erika Caramel, 37 anos, e seu marido, Nobile, de 39, vêm religiosamente a Manhattan para se manter atualizados e comprar peças. Mas a experiência nesta primavera foi menos frutífera. “As coleções estão bem mais fracas, não há muitas inovações. Parece que as lojas resolveram investir no que já tinham em mãos. É mais em conta dar uma renovada básica no estoque do ano passado, né? Moda de crise”, arrisca Erika.

Nobile busca os efeitos positivos da retração econômica. Conta que é possível pegar um teatro na Broadway (o casal viu Chicago, lotação esgotada, confirmando a máxima de que, na crise, a indústria do entretenimento navega feliz na maré alta do escapismo) e escolher com calma em que restaurante esticar a noite no Theater District.
Ele conta que o Carmine’s, um italiano da Rua 44, bem popular entre brasileiros e normalmente com filas de virar o quarteirão, estava mais do que convidativo na semana que passou. “Pela primeira vez, em anos de Manhattan, não tivemos de disputar táxis no meio da rua. É um mar de carros amarelinhos pelas ruas, com os motoristas brigando para você entrar no carro deles. Subversão completa”, diz.

Erika, ainda saboreando a surpresa de conseguir uma mesa imediatamente no Carmine’s – “já houve ano em que tínhamos de esperar até uma hora para sentar"- chama a atenção do repórter para outra área improtante para a economia da cidade: o Fashion District. "Se você está achando o SoHo às moscas, precisa ver como andam as lojas da Quinta Avenda e da Madison", diz. Lá se concentram lojas mais exclusivas, como as da Louis Vuitton, Hermés e Saks, e o movimento, contam, não é dos melhores.

Depois da correria por descontos durante o momento de explosão da crise, no fim do ano passado, quando peças saíam até 70% mais baratas do que seus valores originais, a coleção de Primavera-Verão, a mais procurada por brasileiros, chegou às lojas sem qualquer abatimento. “É como se eles tivessem testando o consumidor, para ver se ele vai cair na tentação ou esperar para ver se os preços vão despencar novamente em algumas semanas”, diz Marilla. A vitrinista confessa que usou uma tática especial na hora de montar sua vitrine com a nova coleção da loja: escolheu peças variadas cujos preços não passam de US$ 80. “Assim o cliente só toma o susto quando já estiver dentro da loja”, conta, lembrando que entre os meses de novembro e fevereiro teve uma redução de cerca de 10% em suas vendas em relação ao mesmo período na virada de 2007 para 2008.

Pelo menos houve algum entra-e-sai durante o tempo em que a reportagem de Carta Capital esteve na Ariella. A 200m da loja de Marilla, na mesma calçada, a brasileira Rosa Chá – cujo foco são peças de praia – estava às moscas.
Mas pelo menos no SoHo não se vê muitas lojas fechadas. No East Village, bairro dos restaurantes da moda e dos bares mais descolados da cidade, surpreende o número de placas procurando novos interessados em alugar espaços comerciais.

Em apenas um bloco na Rua 12, entre as Avenidas A e B, três lojas fechadas deixaram ilhados o salão John Gabriel. O cabeleireiro de mesmo nome, com seu enorme afro, atendia um único cliente enquanto respondia com pouco ânimo a razão do relativo sucesso. “Os negócios estão indo mais ou menos. Mas não posso conversar muito agora porque o cliente pode reclamar. E este eu não posso perder!”, se desculpava, revelando que cabeludos em busca de um retoque se transformaram em objeto de desejo de profissionais como o estilista do Village.

Algumas quadras a oeste e o panorama era completamente diverso. Na feira de produtos orgânicos da Union Square a comerciante Stephanie Villani, 40 anos, não conseguia disfarçar a empolgação. Com seus dois ajudantes, ela voltava à feira depois do descanso de inverno, e estava com medo da bruxa da recessão. “Montamos o nosso estande de manhãzinha cedo e começamos a ouvir histórias dos clientes. Cada história pior que a outra: dinheiro perdido no mercado de ações, economia com escola e plano de saúde, hipotecas de casas atrasadas. Um horror. Mas todo mundo contava uma história e comprava um peixe. Agora são quase cinco da tarde e já vendemos praticamente tudo!”, comemorava.

Os Villani são donos da Blue Moon Fish e trazem para Nova Iorque pescados frescos de Long Island. Os dois sucessos do dia foram o filé de cod – um primo do nosso bacalhau, mas em estado natural – que saía a US$ 10,95 por libra, e graúdas vieiras escolhidas a dedo por Stephanie. “As pessoas me disseram que estão deixando de ir nos restaurantes e cozinhando mais em casa por conta da crise, como forma de economizar. Hoje tive um dos melhores primeiros dias de primavera de nossa história! Já estou apostando em um ano especialmente bom. É estranho dizer isso, mas, para mim, a crise acabou se revelando em mais dinheiro na caixa registradora”, disse.

Histórias de pescadores, no entanto, não fazem grande sucesso do outro lado do East River. No Brooklyn Heights, que margeia a Ponte do Brooklyn, a crise chegou de forma avassaladora. A rua de comércio principal do bairro, a Montague Street, ganhou até mesmo uma série a ela dedicada no blog mais popular da área. O título - mais direto impossível - é A Crise na Montague.

Chris Calfa, da Lassen & Hennings, a tradicionalíssima casa delicatessen especializada em catering da Montague, diz que nunca viu uma diminuição de negócios como a desta temporada, nem durante as recessões dos anos 90 e o trauma pós-11 de setembro. Ele também comanda uma pizzaria e uma lanchonete na área. No bloco que vai da Clinton até a famosa Promenade, de onde se tem uma das melhores vistas da cidade, oito sinais de ‘aluga-se’ aparecem em destaque e uma das lojas que estão fechando as portas é a de Ann Taylor.
A líder no setor de roupas femininas para a classe média americana não vai abandonar apenas o Heights. Serão 100 lojas fechando as portas em todo o país, um drástico aperto de cintos que comprova, na prática, a sensação de que a crise deixou Wall Street e contaminou Main Street de forma irreversível.

E qual é a saída? Para Calfa, reduzir o tamanho – e o preço - de seus disputados sanduíches e tortas. Para Marilla Maia, dois imensos cabides com promoções de até US$ 20, sem esquecer do velho e bom sorriso na face. E o truque da vitrine, claro. Para os Villani, se transformar em dublê de analista na hora de ouvir as histórias dramáticas da crise. “E, se oa história era muito barra-pesada, dávamos pedaços de pescado de brinde para se fazer sopa. E, como você pode ver, não sobrou mais nenhum. Dá para imaginar o teor das histórias”, diz Stephanie Villani, pela primeira vez com o rosto fechado nesta boa tarde de negócios na Union Square.