Esta foi uma 'Americana'. As fotos são minhas, tiradas no SoHo, na Union Square e no East Village.
Ó só:
Liquida Nova York
Eduardo Graça
Nobile busca os efeitos positivos da retração econômica. Conta que é possível pegar um teatro na Broadway (o casal viu Chicago, lotação esgotada, confirmando a máxima de que, na crise, a indústria do entretenimento navega feliz na maré alta do escapismo) e escolher com calma em que restaurante esticar a noite no Theater District. Ele conta que o Carmine’s, um italiano da Rua 44, bem popular entre brasileiros e normalmente com filas de virar o quarteirão, estava mais do que convidativo na semana que passou. “Pela primeira vez, em anos de Manhattan, não tivemos de disputar táxis no meio da rua. É um mar de carros amarelinhos pelas ruas, com os motoristas brigando para você entrar no carro deles. Subversão completa”, diz.
Erika, ainda saboreando a surpresa de conseguir uma mesa imediatamente no Carmine’s – “já houve ano em que tínhamos de esperar até uma hora para sentar"- chama a atenção do repórter para outra área improtante para a economia da cidade: o Fashion District. "Se você está achando o SoHo às moscas, precisa ver como andam as lojas da Quinta Avenda e da Madison", diz. Lá se concentram lojas mais exclusivas, como as da Louis Vuitton, Hermés e Saks, e o movimento, contam, não é dos melhores.
Depois da correria por descontos durante o momento de explosão da crise, no fim do ano passado, quando peças saíam até 70% mais baratas do que seus valores originais, a coleção de Primavera-Verão, a mais procurada por brasileiros, chegou às lojas sem qualquer abatimento. “É como se eles tivessem testando o consumidor, para ver se ele vai cair na tentação ou esperar para ver se os preços vão despencar novamente em algumas semanas”, diz Marilla. A vitrinista confessa que usou uma tática especial na hora de montar sua vitrine com a nova coleção da loja: escolheu peças variadas cujos preços não passam de US$ 80. “Assim o cliente só toma o susto quando já estiver dentro da loja”, conta, lembrando que entre os meses de novembro e fevereiro teve uma redução de cerca de 10% em suas vendas em relação ao mesmo período na virada de 2007 para 2008.
Pelo menos houve algum entra-e-sai durante o tempo em que a reportagem de Carta Capital esteve na Ariella. A 200m da loja de Marilla, na mesma calçada, a brasileira Rosa Chá – cujo foco são peças de praia – estava às moscas. Mas pelo menos no SoHo não se vê muitas lojas fechadas. No East Village, bairro dos restaurantes da moda e dos bares mais descolados da cidade, surpreende o número de placas procurando novos interessados em alugar espaços comerciais.
Algumas quadras a oeste e o panorama era completamente diverso. Na feira de produtos orgânicos da Union Square a comerciante Stephanie Villani, 40 anos, não conseguia disfarçar a empolgação. Com seus dois ajudantes, ela voltava à feira depois do descanso de inverno, e estava com medo da bruxa da recessão. “Montamos o nosso estande de manhãzinha cedo e começamos a ouvir histórias dos clientes. Cada história pior que a outra: dinheiro perdido no mercado de ações, economia com escola e plano de saúde, hipotecas de casas atrasadas. Um horror. Mas todo mundo contava uma história e comprava um peixe. Agora são quase cinco da tarde e já vendemos praticamente tudo!”, comemorava.
Histórias de pescadores, no entanto, não fazem grande sucesso do outro lado do East River. No Brooklyn Heights, que margeia a Ponte do Brooklyn, a crise chegou de forma avassaladora. A rua de comércio principal do bairro, a Montague Street, ganhou até mesmo uma série a ela dedicada no blog mais popular da área. O título - mais direto impossível - é A Crise na Montague.
Chris Calfa, da Lassen & Hennings, a tradicionalíssima casa delicatessen especializada em catering da Montague, diz que nunca viu uma diminuição de negócios como a desta temporada, nem durante as recessões dos anos 90 e o trauma pós-11 de setembro. Ele também comanda uma pizzaria e uma lanchonete na área. No bloco que vai da Clinton até a famosa Promenade, de onde se tem uma das melhores vistas da cidade, oito sinais de ‘aluga-se’ aparecem em destaque e uma das lojas que estão fechando as portas é a de Ann Taylor. A líder no setor de roupas femininas para a classe média americana não vai abandonar apenas o Heights. Serão 100 lojas fechando as portas em todo o país, um drástico aperto de cintos que comprova, na prática, a sensação de que a crise deixou Wall Street e contaminou Main Street de forma irreversível.
E qual é a saída? Para Calfa, reduzir o tamanho – e o preço - de seus disputados sanduíches e tortas. Para Marilla Maia, dois imensos cabides com promoções de até US$ 20, sem esquecer do velho e bom sorriso na face. E o truque da vitrine, claro. Para os Villani, se transformar em dublê de analista na hora de ouvir as histórias dramáticas da crise. “E, se oa história era muito barra-pesada, dávamos pedaços de pescado de brinde para se fazer sopa. E, como você pode ver, não sobrou mais nenhum. Dá para imaginar o teor das histórias”, diz Stephanie Villani, pela primeira vez com o rosto fechado nesta boa tarde de negócios na Union Square.