segunda-feira, dezembro 26, 2005

Diretinho da Redação (39)



Esta foi a última coluna do DR de 2005. Já está no Direto da Redação. Estou de férias, no Brasil, e só retorno em fevereiro. A coluna conta exatamente como eu cheguei, via Varig, ao Rio de Janeiro...


Varig: A Decadência de uma Empresa


As histórias vêm se acumulando e o risco de a narrativa que segue parecer repetitiva ou, no pior caso, banal, é grande, eu sei. Mas chegar ao Brasil pela Varig, venha-se de onde vier, está se transformando em uma espécie de via-crúcis do passageiro desavisado, que sofre na pele os efeitos da decadência da empresa.

No domingo último, cometi a imprudência de pegar o vôo Nova Iorque-São Paulo-Rio de Janeiro da Varig, marcado para sair às nove da manhã do aeroporto JFK, no Queens. A empresa pedia, encarecidamente, por conta dos ‘procedimentos de segurança’, que eu e os demais passageiros chegássemos ao terminal de embarque com três horas de antecedência. Acordei às cinco da matina e às seis estava de pé, obediente e compenetrado, na fila do check-in. Lá fui informado por um funcionário de que o vôo sairia com um ‘pequeno atraso’ de três horas. Mas que tudo estava bem, não havia cancelamento algum.

Tudo estava bem para quem, cara-pálida? Por que é que a Varig não avisou aos passageiros do tal atraso com alguma antecedência? Em tempos de mensagens eletrônicas e celulares, a empresa gaúcha está mais para os Flintstones do que para os Jetsons. Pior para quem pegaria uma conexão para Buenos Aires ou Montevidéu. Estes teriam de dormir no aeroporto de Guarulhos e torcer para que o vôo do dia seguinte não atrasasse.

Mas a confusão não terminou aí. A viagem que começaria agora às 11 da manhã sofreria novo atraso, causado por ‘problemas com o transporte da tripulação do hotel para o aeroporto’. Peralá. Então a tripulação seguia relaxando no hotel enquanto, nós, abnegados clientes, esperávamos pelo milagre do avião no saguão impessoal do JFK? E se nós todos havíamos conseguido chegar ao aeroporto, porque não o piloto e os comissários de bordo?

Mistérios da Varig, que aumentaram quando da chegada em São Paulo, à meia-noite. Lá fomos avisados de que a empresa havia preparado um vôo especial para os otários que haviam desembolsado em média US$ 1.000 por uma passagem de classe econômica. Aliás, parte dos passageiros havia comprado seu tíquete em São Francisco, com preço ainda mais salgado e contabilizando seis horas a mais de torturas do que eu. Não dava nem para competir.

Mas voltemos a São Paulo. O tal vôo especial, curiosamente, sairia uma hora e meia depois de nosso pouso na capital paulista. Teimoso, fui indagar o motivo da nova espera. A resposta me veio em um sorriso constrangedor: ‘Na verdade, este é um vôo que vem do Peru, e também está atrasado. Então, vamos colocar os passageiros no avião assim que ele pousar, tá bem?”. Não, não tava. Pergunto, à beira de um ataque de nervos: ‘Mas então não há vôo especial coisa nenhuma, vocês mentiram para nós? “Sim”.

Jamais vou saber ao certo se há alguma relação entre minha expressão de ódio profundo e a mensagem que ouvi no alto-falante cinco minutos depois. A empresa ofereceria um lanche em uma cafeteria do aeroporto – até então, fora de nossas casas desde as 5 da manhã, nós, de Nova Iorque, apenas tivéramos um almoço frugal e um lanchinho rápido dentro do avião. Imediatamente uma multidão formou uma fila que dava voltas em um dos portões de embarque de Guarulhos para garantir um sanduíche e um refrigerante.

Ali encontrei viajantes oriundos dos mais diversos pontos do globo – Milão, La Paz, Frankfurt. E, claro, do Recife, de Manaus, de Porto Alegre. Convenhamos, se a Varig trata a ‘gringada’ com este desrespeito, imaginem vocês, leitores amigos, como ela lida com a gente da brava nação Tupi. Um dos depoimentos colhidos pelo colunista foi o de um vôo Recife-Natal que, depois de horas de atraso, se transformou em uma viagem de ônibus. Isso mesmo. Paga-se uma passagem de avião e encara-se, madrugada adentro, as esburacadas rodovias brasileiras. Detalhe: um dos passageiros desta aventura era uma criança de 17 dias.

Depois de descobrir que minha história estava longe de ser das piores, entrei aos trancos e barrancos no avião que nos levaria ao Galeão. Conquistei uma cadeira à tapa – cada vez mais enrolada, a empresa avisa no último segundo que ‘as cadeiras não serão marcadas no vôo SP-Rio’ – apenas para descobrir que teríamos de esperar mais um pouco por conta de um problema técnico. Mais um.

Paciência testada de todas as maneiras possíveis, chegamos ao Rio depois das três da manhã. Como a Varig atrasou inúmeros vôos, a fila na alfândega era tamanha que invadia a área do Free Shop. Resignado, um passageiro mais gaiato olha para mim e dispara: “Foi ou não foi o vôo dos infernos?”. Foi.

Às 4h30 da manhã, quase 24 horas depois de sair de casa, minha irmã abria a porta, cara de sono, cabelo em pé, no bairro das Laranjeiras. Eu não conseguia dizer nada. Da próxima vez que voar o dia inteiro, pensei, que ao menos eu vá para o Japão. E certamente não viajarei de Varig.