sexta-feira, novembro 11, 2005
Que Mensalão Que Nada!
Hoje o Valor publica reportagem do blogueiro aqui sobre o sistema eleitoral norte-americano. Conversei com o correspondente do "The Independent" aqui nos Estados Unidos, Andrew Gumbel, que lançou um livaço, "Steal This Vote", em que conta a história das falcatruas eleitorais por aqui. Na terça-feira, em média, menos de 40% dos americanos compareceram às urnas - aqui o voto não é obrigatório - e elegaram novos governadores (de Nova Jérsei e Virgínia, duas vitórias democratas) e prefeitos de cidades importantes como Nova Iorque, Boston e Atlanta. A matéria está ai:
O PODER DAS CORPORAÇÕES NAS ELEIÇÕES
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor Econômico
Nesta terça-feira, menos de 40% dos americanos, em média, compareceram às urnas para decidir quem vai governar nos próximos anos os estados de Nova Jérsei e Geórgia e metrópoles como Nova Iorque e Boston. Esta imensa minoria também se posicionou sobre temas que alteram de forma significativa o dia-a-dia dos cidadãos, como a criação de linhas de transporte e o redirecionamento de polpudas fatias do orçamento público. “Os EUA são a democracia com menor participação popular do Ocidente. Se o voto aqui fosse obrigatório, como no Brasil, a coisa seria diferente. Mas este sistema serve a democratas e a republicanos, que preferem manter o eleitorado reduzido. A conseqüência é que os interesses econômicos e políticos dos menos abonados são completamente ignorados em Washington”. A afirmação, em entrevista exclusiva para o Valor, é do jornalista britânico Andrew Gumbel, correspondente do jornal ‘The Independent’ nos Estados Unidos e autor do livro definitivo sobre o processo eleitoral norte-americano, “Steal This Vote: Dirty Elections and the Rotten History of Democracy in América” (”Roube este voto: eleições sujas e a história podre da democracia norte-americana”).
A análise de Gumbel ajuda a preencher a lacuna de investigações sobre o controverso pleito de 2004. Enquanto a imprensa americana preferiu centrar fogo nas chamadas ‘guerras culturais’, apontando como razão central da vitória republicana temas como o aborto, o casamento gay e a relação cada vez mais nebulosa entre religião e Estado, quatro jornalistas, um acadêmico especializado no estudo das grandes corporações de mídia norte-americana e um respeitado político liberal de Illinois chegaram à conclusão de que os conservadores apenas se aproveitaram com mais esperteza de um sistema eleitoral viciado e anti-democrático.
Os livros também saem do forno no exato momento em que os brasileiros têm de lidar com a aparente falência de seu sistema representativo, em uma das mais vergonhosas legislaturas da história do Congresso Nacional. “Ao menos a virtual mesada que os deputados estariam recebendo para votar com o governo é uma prática completamente ilegal no Brasil. Nos EUA o sistema de financiamento eleitoral através das corporações é como uma mesada dentro da lei, desde que você respeite certos limites. Os congressistas não precisam receber um mensalão da Casa Branca porque os compromissos assumidos com seus financiadores são definidos de forma tão clara que eles votarão com o governo de forma automática”.
“Steal this Vote” mostra que dois aspectos do atual sistema eleitoral americano são especialmente funestos: o poder de influência das corporações, associado aos esquemas cada vez mais sofisticados de propaganda, e a ameaça das urnas eletrônicas. Como nos Estados Unidos os computadores não permitem uma recontagem manual, Gumbel lembra que é possível alterar o resultado de qualquer eleição de forma muito mais drástica: não apenas em uma seção, mas em centenas e centenas de distritos ao mesmo tempo, com a ajuda de um simples programa malicioso. Pior: as empresas que entraram na disputa para fornecer as urnas são grandes contribuintes dos partidos. E uma comissão eleitoral controlada pelos governos estaduais decide como as unidades devem ser distribuídas.
Assim, em Ohio, um estado decisivo nas eleições do ano passado, as filas nas grandes cidades, redutos democratas, impediram milhares de eleitores de votar, enquanto zonas eleitorais nas áreas menos populosas, de forte apelo republicano, receberam muito mais computadores, como mostra “O Que Deu Errado no Ohio?”, o relatório final de um aguerrido participante da comissão parlamentar que investigou o caótico pleito. Entre outras irregularidades que manchariam qualquer disputa realizada em países do Terceiro Mundo, zonas eleitorais registraram um comparecimento de mais de 98% e um distrito apurou os votos ‘em segredo’ por conta da ‘ameaça de um ato terrorista’. O comando das eleições em Ohio ficou nas mãos do secretário de Estado do governo local, que, exatamente como na Flórida em 2000, fazia parte do comitê executivo da campanha de Bush.
Para além de artimanhas e fraudes, todos tratam do destaque cada vez maior do dinheiro nas eleições americanas. Esta semana, dois milionários foram consagrados nas urnas: o republicano Michael Bloomberg, reeleito prefeito de Nova Iorque, e o democrata John Corzine, que fez sua fortuna na Goldman Sachs e troca o senado pelo governo de Nova Jérsei. Seu adversário foi o magnata da indústria farmacêutica Douglas Forrester. Eles gastaram oficialmente US$ 72 milhões nas campanhas, um recorde nacional. Bloomberg queimou US$ 66 milhões. “Democracia também pode ser definida pela distinção entre poder político e econômico. Era exatamente por isso que Thomas Jefferson prevenia os americanos da ascensão da tal ‘aristocracia dos endinheirados’. O montante investido nas candidaturas dos dois lados é a maior ameaça à democracia americana desde a década de 20”, ressalta Gumbel.
O jornalista aponta como única solução para a crise das democracias contemporâneas o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Para ele as eleições que presenciou desde que chegou ao país em 1998 deixaram claro que, nos EUA, nem republicanos nem democratas estão interessados no jogo limpo da democracia. E que a polarização entre duas forças políticas, seja de conservadores e liberais ou de socialistas e social-democratas, acaba por estabelecer um perigoso padrão maniqueísta eleitoral em que o perdedor é, sempre, o eleitor. “Democratas e republicanos querem vencer a qualquer custo e construíram um sistema eleitoral que não permite sequer a viabilização de uma terceira força política, no que talvez seja a maior traição ao mais básico princípio democrático”, diz Gumbel, um ardoroso defensor do direito de escolha.
AS ELEIÇÕES AMERICANAS E SEUS LIVROS
“Steal This Vote” – Lançado no ano passado, acaba de chegar às livrarias em formato de bolso. O livro de Andrew Gumbel foi uma coqueluche nas semanas que antecederam as eleições desta semana. A narrativa começa com a declaração do ex-presidente Jimmy Carter de que reprovaria sem hesitar o sistema eleitoral norte-americano, a começar pela inexistência de dois quesitos considerados fundamentais pelo Carter Center para um pleito justo: a igualitária exposição dos candidatos na mídia e a possibilidade de uma recontagem exata dos votos. Nation Books. US$ 16.
“Did George Bush Steal America’s 2004 Election? – Essential Documents” (“Bush surrupiou as eleições americanas de 2004? Documentos Essenciais”) - Bob Fitrakis, Henry Wasserman e Steve Rosenfeld, repórteres de Ohio, mostram como a vitória no pleito presidencial está ligada umbilicalmente ao controle das máquinas estaduais, em uma desconcertante semelhança com a República Velha brasileira. CICJ Books. US $40
“What Went Wrong In Ohio?” (“O Que Deu Errado em Ohio?”) – Com introdução de Gore Vidal, o livro é a reprodução do relatório final de John Conyers, deputado democrata de Detroit que investigou detalhadamente as eleições de 2004, revelando a manipulação do resultado especialmente através do controle das listas de votação. Academy Chicago. US$10.95.
“Fooled Again: How the Right Stole the 2004 Election & Why They’ll Steal the Next One Too (Unless We Stop Them)” (“Tapeados de novo: como a direita fraudou as eleições de 2004 e por que ela vai nos roubar a próxima, a não ser que a gente a impeça”) – O professor Mark Crispin Miller, da New York University, escreveu o livro em que conta como estrategistas democratas convenceram John Kerry a reconhecer a derrota imediatamente, para evitar a repetição da batalha de 2000. Em um encontro com o senador, na última semana de outubro, Miller conseguiu fazer com que Kerry, pela primeira vez, revelasse que acredita ter sido de fato garfado em 2004. Basic Books. $24.95.
O Massacre Que Ninguém Viu?
Esta semana o repórter Peter Popham, do jornal britânico "The Independent", escreveu uma bela reportagem sobre as novas evidências de que os EUA utilizaram armas químicas - em quantidades massivas - contra civis na cidade iraquiana de Falluja em novembro de 2004. Apesar de a história só aparecer na imprensa ocidental um ano depois do ocorrido, o que começa a ser chamado pelos jornalistas americanos de 'o massacre que ninguém viu' já era motivo de conversas mais ou menos sérias entre soldados que voltavam do Iraque e os poucos jornalistas independentes que seguem mandando notícias do país ocupado.
Popham lembra da terrível ironia de que o possível ataque a Falluja - um dos bastiões da resistência sunita - com armas químicas lembra o massacre dos curdos por Saddam Hussein, que teria utilizado o mesmo método para dizimar opositores da etnia no outro extremo do país.
A coisa ficou ainda mais feia quando outro repórter, Sigfrido Ranucci, da RAI italiana, colocou no ar imagens e uma série de entrevistas com jovens soldados americanos que participaram da 'tomada de Falluja' e que qualificam a ação de novembro de 2004 de 'matança de árabes'. Um dos soldados diz que 'viu os corpos de mulheres e crianças queimando depois do uso de armas químicas. Em um raio de 150 metros forma-se uma nuvem e ninguém sai dela vivo'.
A Rai também afirma que há provas de que se usou Napalm - uma violação à Convenção da ONU de 1980, que proíbe seu uso em perímetros urbanos - contra a população civil de Falluja.
As reportagens de Popham e de Ranucci podem ser lidas e vistas (o vídeo é especialmente forte) no endereço da sempre atenta TruthOut, é só clicar:
www.truthout.org/docs_2005/110805Z.shtml
Popham lembra da terrível ironia de que o possível ataque a Falluja - um dos bastiões da resistência sunita - com armas químicas lembra o massacre dos curdos por Saddam Hussein, que teria utilizado o mesmo método para dizimar opositores da etnia no outro extremo do país.
A coisa ficou ainda mais feia quando outro repórter, Sigfrido Ranucci, da RAI italiana, colocou no ar imagens e uma série de entrevistas com jovens soldados americanos que participaram da 'tomada de Falluja' e que qualificam a ação de novembro de 2004 de 'matança de árabes'. Um dos soldados diz que 'viu os corpos de mulheres e crianças queimando depois do uso de armas químicas. Em um raio de 150 metros forma-se uma nuvem e ninguém sai dela vivo'.
A Rai também afirma que há provas de que se usou Napalm - uma violação à Convenção da ONU de 1980, que proíbe seu uso em perímetros urbanos - contra a população civil de Falluja.
As reportagens de Popham e de Ranucci podem ser lidas e vistas (o vídeo é especialmente forte) no endereço da sempre atenta TruthOut, é só clicar:
www.truthout.org/docs_2005/110805Z.shtml
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