quinta-feira, março 24, 2005

Diretinho da Redação (9)



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Da Barra De Ser Negro, Nos EUA, Hoje

Nunca foi tão difícil ser negro nos Estados Unidos. Quem diz isso é o sociólogo Elijah Anderson, professor da Pennsylvania University e autor do clássico Being Here And Being There, que pode ser encontrado, infelizmente apenas em inglês, em algumas boas livrarias do Brasil.

Sua afirmação pode ser facilmente combatida ao constatar-se que, neste exato momento, uma negra ocupa uma das principais posições políticas no governo do país. Condolezza Rice já é apontada como possível candidata à presidência. Em sua corrente edição, a Time diz que Rice já é "maior e mais popular" do que Bush no exterior. Também não se pode esquecer que Colin Powell, outro negro, foi quem passou o bastão da Secretaria de Estado para a sucessora. Um dos senadores mais festejados do flanco democrata, Barack Obama, é negro e foi eleito em Illinois no ano passado com votação excepcional.

Anderson sabe disso. Sua provocação se traduz no que ele chama de ponto-limite do processo de "cooptação" do negro na sociedade americana. De um lado da calçada estão os que, como ele próprio, conseguiram se formar na universidade, aproveitaram as oportunidades da política de afirmação, abocanharam uma vaga no serviço público e encontraram um novo lugar na sociedade. Do outro lado da calçada está o "superstar", que saiu da pobreza jogando basquete, cantando rap ou encontrando uma vaga na máquina de Hollywood. No meio da rua continua a maioria dos que não conseguiram se mover na pirâmide social da América do Norte e que são vistos como uma aberração ou ameaça à segurança e tranqüilidade da maioria ordeira e branca do país.

Anderson tem números. Durante dez anos na última década, metade da população negra de Nova Iorque ou não estava trabalhando ou vivia de sub-empregos. Mas ele também vai aonde o negro está. Foi em um lava-rápido de Filadélfia que ele descobriu um fator ainda mais intenso no processo de "auto-segregação" do negro. Os jovens "afro-americanos", que costumeiramente ajudavam o serviço do posto de gasolina local, foram substituídos por outros negros, que em geral não falam inglês. São imigrantes, vindos da África ou do Caribe, dispostos a ganhar menos da metade pelo mesmo serviço. Negros que não são reconhecidos como "irmãos" pelos que aqui já estavam há séculos.

Para complicar ainda mais o quebra-cabeças racial há o cada vez mais popular discurso da culpa da pobreza. Anderson acompanhou recentemente o comediante Bill Cosby em uma jornada até Newark, subúrbio de Nova Jérsei, que conta com uma enorme população negra. Oito jovens haviam sido assassinados nas ruas do bairro e a comunidade estava, compreensivelmente, em pânico. Cosby discursou, Jamseon conta, para uma igreja batista repleta. Ele culpou os negros por sua imobilidade e passividade social. Falou de estudos que provavam que "afro-americanos", como ele, absorviam menos nas escolas do que estudantes de outros grupos étnicos. E bradou: "Vocês precisam ter um plano de vida, uma meta. Vocês não têm nada!". Jameson destaca a total ausência de perspectiva histórica ou social no discurso imediatista conservador.

Os líderes dos Panteras Negras morreram ou foram desacreditados. A comunidade negra, nas últimas três décadas, sofreu como poucas a guerra das drogas nas ruas das grandes cidades deste país. Os rappers de Nova Iorque, jovens milionários, aparecem nos jornais populares da cidade em fotos que são feitas invariavelmente em dois cenários: estúdios de gravação ou portas de delegacias. Uma caminhada à tarde por bairros de alta população negra aqui no Brooklyn revela uma realidade muito semelhante à das favelas brasileiras: um número impressionante de homens adultos sentados, fumando, bebendo, conversando sobre Condolezza Rice. Jameson não poderia estar mais certo: nunca foi tão difícil ser negro nos Estados Unidos.