sexta-feira, agosto 03, 2007

O Homem de Ferro, o filme


Esta foi para a Bizz que está nas bancas, uma prévia do filme O Homem de Ferro, uma das grandes apostas da Paramount para 2008.

À Prova de Ferrugem
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a Bizz


Mais Uma Adaptação da Marvel, O Homem de Ferro promete ser o blockbuster de 2008


“Estou mortinho da Silva. Jamais imaginei que dirigir este filme seria tão exaustivo”. O desabafo é do diretor Jon Favreau, no grupo criado especialmente por sua eminência para abastecer os fãs curiosos sobre a quantas andam as filmagens de O Homem de Ferro, o filme mais aguardado de 2008. As primeiras imagens divulgadas pela Paramount parecem indicar que Robert Downey Jr. está perfeito como Tony Stark, com ou sem armadura. “Logo depois das sessões de fotos tive a certeza: Downey era o próprio Homem de Ferro”, jura Favreau.

Mas é verdade que o novo todo-poderoso da Marvel Comics, principal financiadora do projeto, andou fazendo cortes na produção? E que o principal vilão do filme, o sinistro Mandarim, teria simplesmente desaparecido? E que o veterando Jeff Bridges (que encarna o Monge de Ferro) e o bonachão Terrence Howard (que faz o piloto de avião e primeiro-amigo Jim Rhodes) vivem às turras no set de filmagem? E que além do filme Favreau está também preparando uma graphic novel que chegará às bancas na época do lançamento do blockbuster? E por que não se fala na bela Gwyneth Paltrow, escalada para viver a curvilínea secretaria e algo-mais Pepper Potts?

“Eu sei que tenho estado quieto nos últimos dias, mas tenho meus motivos. Primeiramente, me sinto como se fosse um general em meio à uma gigantesca operação militar. Não tenho outra vida a não ser o set de filmagens. Depois porque não quero que imagens soltas capturadas na internet acabem formando uma opinião prévia sobre um filme que somente vai chegar às telas no ano que vem. E eu quero fazer vocês caírem das poltronas dos cinemas quando o filme estrear!”, escreve Favreau. No Havaí para a promoção do desenho animado Tá Dando Onda, Jeff Bridges, com uma cabeleira que o deixava quase irreconhecível (aguardem o filme, meninos!) não deixou por menos e avisou que Favreau está apostando tudo no realismo. E que a armadura usada por Downey Jr. é ‘sensacional’. “É impressionante como a tecnologia avançou desde que eu fiz Tron. Vocês não perdem por esperar!”, disse.

ENTREVISTA/ Yoko Ono


Esta também foi para a edição da BIZZ que está nas bancas brasileiras. Yoko Ono, a viúva mais famosa do rock, foi um encanto, ainda que um tanto econômica, respondendo minhas perguntas em forma de hai-kai. Dois dois discos que ela lançou por aqui este ano, o álbum de remies Open Your Box não sai da vitrola aqui de casa.

A Viúva Alegre
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a Bizz

Aos 74 anos, Yoko Ono ela acaba de ser (re)descoberta por uma geração de jovens fãs eletrizados por dois lançamentos: o ótimo Yes, I’m a Witch e o interessante álbum de remixes Open Your Box, pronto para ser tocado nas pistas de dança menos óbvias do planeta, e com as assinaturas de Pet Shop Boys, Felix da Housecat e Basement Jaxx. Já para a cerzidura de Yes, I’m a Witch, uma deliciosa brincadeira com a forma pela qual foi tratada por parte da critica e dos fãs que a culpam até hoje pelo fim dos Beatles, a viúva de John Lennon enviou seu catálogo para 16 artistas-amigos (gente como os Flaming Lips, Cat Power, Peaches e Antony). Estes escolheram uma faixa e a reinventaram quase sempre de modo engenhoso. Ou, como prefere Yoko, com menos reverência e mais requebro. Sim, ela gosta de dançar. E música brasileira.


- Você anda dizendo que se identifica profundamente com o título do disco e que se orgulha de ser uma bruxa...
- Pois é, eu compus e gravei a canção Yes, I’m a Witch em 1974 e, veja só você, ela foi considerada por demais provocadora para ser ser lançada. Ninguém quis. Mas agora, 33 anos depois, está aí finalmente para quem quiser ouvir, o que eu adoro. Nossa sociedade mudou muito nestas três décadas. E gosto das mudanças!

- No ano passado o documentário The U.S. vs John Lennon, que você fez questão de aplaudir de pé, fazia um paralelo entre os anos Nixon e a repressão da era Bush. Nos anos 70 você e John passaram por poucas e boas quando o governo Americano tentou negar-lhe o visto de permanência nos EUA. Você diria que a reação de Washington aos ataques terroristas a Nova Iorque nos fez ficar 30 anos atrasados?
- Acho que neste sentido nada mudou, as coisas são exatamente como eram antes. Ou seja, temos de lidar com a realidade de que sempre vão existir pessoas que acreditam em outras verdades, diferentes das nosas. Diria que algumas vezes, para nós dois, foi quase perigoso lutar por aquilo em que acreditávamos. Mas, sabe de uma coisa? Nós temos de continuar com a cabeça erguida, sempre!

- Yes, I’m A Witch fez com que mais jovens descobrissem sua música. Você diria que, de alguma maneira, a sua carreira foi ofuscada pelo brilho e pelo talento de John? Devia ser difícil ter de dividi-lo com o restante do mundo...
- Nunca encarei nosso relacionamento desta maneira. Nós não estávamos dividindo nossa história juntos com o restante do planeta. Éramos até que bem privados, e posso garantir que tivemos uma ótima e divertida vida a dois.

- Qual foi a sua reação ao ouvir pela primeira vez as versões de sua obra feitas por gente de gerações mais novas mas completamente antenadas com sua música?
- A sensação foi a de felicidade, de perceber que o mundo está sacando minhas idéias.

- A versão dos Flaming Lips para Cambridge 1969, à la Ornette Coleman, é uma maravilha. O que você falou para o Wayne Coyne quando escutou pela primeira vez a faixa?
- Muito, muito obrigado mesmo.

- Você se sentiu rejuvenescida vendo todos estes meninos tocando suas músicas no disco?
- Não sei. Mas olha, não posso dizer se Yes, I’m A Witch fez-me sentir mais jovem por uma simples razão: não sou uma velha. Se eu começar a me sentir mais jovem vou acabar virando um bebê!

- Seu filho Sean (Lennon) adora música brasileira e anos atrás, em um festival no Rio de Janeiro, dividiu o palco com um dos grandes heróis do rock brasileiro, Arnaldo Baptista, dos Mutantes. Ele ouvia música brasileira em casa quando voltava da escola?
- Diferentemente de meu filho, eu não possuo um entendimento mais intelectualizado da música brasileira. Quando eu escuto aqueles ritmos, quando ouço aquelas canções que vocês fazem, acontece algo mais simples, mais intuitivo: meu corpo começa a se movimentar e é como se eu tivesse que dançar. Eu amo dançar, adoro música que me faça dançar, está em meu sangue. E é o meu corpo quem me garante – a boa música brasileira é sensacional. Ela me faz me sentir eternamente jovem.

Diário de Bordo - Bon Jovi MTV Unplugged


A Revista BIZZ que está nas bancas publicou meu Diário de Bordo do Bon Jovi Unplugged, gravado pela MTV aqui no Brooklyn e acompanhado em uma noite de verão pelo blogueiro, que se armou de toda a paciência do mundo para ouvir duas, três, quatro versões dos hits da banda de Nova Jérsei. Aqui vai a versão integral:

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a Bizz

Bon Jovi Unplugged – Diário de Bordo

19h. As meninas muito loiras e muito maquiadas de Nova Jérsei correm para ocupar as cadeiras mais próximas do palco instalado em um estúdio cinematográfico no Brooklyn. Vai começar a gravação do Bon Jovi Unplugged, inaugurando a nova fase do programa idealizado pela MTV, que terá na seqüência o Police e Mary J.Blidge. Cerca de 400 fãs cantam sem parar Never Say Goodbye e Let It Rock, lembrando que a noite é uma criança, boba, feliz e despreocupada.

20h05. Calça jeans colada no corpo, camisa preta e imensa corrente de prata com uma caveira, Jon Bon Jovi parece bem mais novo do que seus 45 anos. A seu lado, sentado, Richie Sambora, todo de preto, inchado, aparenta bem mais que seus 47. O público é brindado com Lost Highway, faixa-título do novo CD da banda, com alto teor country. A platéia responde com batidinhas de pé como se estivesse no Tennessee.

20h30. No palco, à formação clássica do Bon Jovi se juntam dois pianos, um banjo e uma orquestra de cordas. Ao todo, nove violinos. É Livin’ On a Prayer em versão noir, um lamento soturno, tristíssimo. Os violinos seguem em Bed of Roses, Joey e (You Want To) Make a Memory e permanecem ao fundo na parceria com Leeann Rimes, a diva loira que solta o vozeirão na romântica Strangers. Não parece haver espaço para rock no acústico do Bon Jovi.
21h25.Os violinos partem. A platéia parece acordar. A banda toca You Give Love a Bad Name em uma versão cool, mais jazzística. Agrada. Jon ensaia um sapateado no palco e rebola. A partir daí seus gestos ganham em dramaticidade, como se ele estivesse em um estádio de futebol. A banda não o acompanha. “Meu Deus, lá se vão 21 anos. Esta música já ganhou a maioridade. E foi nosso primeiro sucesso”, diz. Seguem Born to Be My Baby e It’s My Life, esta com o auxílio dos garotos da The All-American Rejects.

22h05. Momento cover. A escolha: a linda Hallelujah, de Leonard Cohen. “Queria ter escrito esta música. Quando ouvi pela primeira vez foi num show do Jeff Buckley e lembro de ter falado para quem estava do meu lado – taí a música de trabalho do álbum. E a pessoa me respondeu: ô bestalhão, este é um clássico da música pop!”, confessa, rindo. A interpretação é reverente ao extremo e deve ajudar Cohen a superar os problemas financeiros por que vem passando recentemente.

22h30. Depois de uma ótima Keep The Faith é hora de I’ll Be There For You. O fundo do palco fica azul e figuras de nuvens aparecem na parede em uma tentativa de se criar um clima zen. Mas alguma coisa parece errada com Sambora, que briga com o violão. Jon olha de esguio, nitidamente irritado.

23h. Jon e Richie estão sozinhos no palco. “Estávamos descalços na apresentação do Grammy em 1989, passando o som, eu com febre alta, e começamos a tocar Wanted Dead or Alive, assim, acústico. Estávamos com muito medo, não tínhamos nem os vestidos de luxo da Madonna nem sabíamos dançar como o Bobby Brown. Mas decidimos ser o mais despojados possíveis. E foi assim que nasceu o MTV Unplugged”, conta Bon Jovi, antes de tocar, por duas vezes, a música com Richie a seu lado. Este tentava caprichar na bluesada segunda voz, mas não conseguia acertar os acordes. O resultado foi gravá-la pela terceira vez, com toda a banda no palco. Jon olha para Richie, enfático: “Desta vez deixa comigo, ok?”.

23h15. Aos tropeços, acaba a gravação do MTV Unplugged do Bon Jovi. A aposta no virtuosismo e nas versões com teor mais country deve agradar em cheio o consumidor médio norte-americano, que já se deleitou com as versões da banda apresentadas na temporada mais recente do programa American Idol. Mas, e os fãs brasileiros? Taí um mistério que nem o Lobão desvenda com facilidade.

ENTREVISTA/Cornel West

Hoje o Valor Econômico publicou minha entrevista com o professor Cornel West, uma das estrelas da Universidade de Princeton, conselheiro da campanha presidencial do senador democrata Barack Obama e que lança esta semana um CD de hip-hop. Na conversa, uma análise nada tímida das relações étnicas no Brasil e um mergulho no mundo da cultura popular vista por olhos acadêmicos mas nada herméticos. Eu adorei o bate-papo.


Filosofia, hip-hop e Barack Obama
Por Eduardo Graça, para o Valor
03/08/2007


Divulgação
West: "Ignorar a questão racial brasileira, como se tem feito, leva apenas a um futuro em que, necessariamente, essas questões voltarão de forma mais assustadora"



Professor de filosofia da Universidade de Princeton e mais influente intelectual negro dos Estados Unidos das duas últimas décadas, Cornel West, de 54 anos, foi parar na reportagem de capa da revista "Newsweek" há duas semanas ao declarar oficialmente seu apoio ao senador Barack Obama nas prévias do Partido Democrata. Alçado ao posto de conselheiro da campanha presidencial do jovem senador de Illinois, West lança em agosto seu segundo CD, "Never Forget: A Journey of Revelations", um álbum por ele classificado como "hip-hop consciente", com convidados como Prince, Talib Kweli, Gil Scott-Heron, Tavis Smiley, KRS-One e Andre 3000 (Outkast). Cabelo afro, barba grossa e óculos de aros negros, West diz que seduziu os artistas com a idéia de participar de um produto destinado a incitar os jovens a consumir "música popular sofisticada".
Nas letras, recados diretos a Washington (em "Bushanomics", ele e Kweli lembram que "o governo deve respeitar a vontade do povo/ pois é ele quem serve à população/ e não o contrário") e uma nítida tentativa de recuperar o histórico poder de fogo da música negra urbana, reaproximando-a de temas como o aumento da desigualdade social nos EUA da era Bush, o antiislamismo, o poder concentrado na mão das grandes corporações, a neo-homofobia e a segregação racial. Um retrato do andar de baixo dos EUA que muitas vezes é ignorado pelo mainstream.
Dedicado a Curtis Mayfield, "Never Forget" está longe de ser uma análise acadêmica do hip-hop. West tem uma visão crítica da elite intelectual ianque. Em 2001, ele abandonou seu posto na Universidade de Harvard acusando o então presidente da instituição, o economista Lawrence Summers, de racismo. Foi justamente em Cambridge, na Escola de Direito, que ele ministrou, ao lado do hoje ministro das Ações de Longo Prazo, Roberto Mangabeira Unger, durante seis anos, um prestigiado curso sobre democracia, embrião de seu mais recente trabalho, "Democracy Matters: Winning the Fight Against Imperialism", lançado em 2004 nas livrarias americanas.
Observador atento da realidade brasileira e amigo do presidente venezuelano Hugo Chávez, que lhe deu de presente uma biografia de Simon Bolívar, guardada com carinho na estante de seu escritório na Universidade de Princeton, no estado de New Jersey, West conversou numa quente tarde de verão com a reportagem do Valor sobre o momento decisivo pelo qual passa o Brasil, onde o enfraquecimento do mito da democracia racial se dá ao mesmo tempo em que os setores progressistas buscam encontrar novas formas de participação popular na complexa engrenagem política do país. A seguir, trechos da entrevista:


Valor: O sr. esteve no Brasil nos anos derradeiros da ditadura militar. Gostou do que viu?
Cornel West: Fui em 1980, para ver de perto o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base, de Leonardo Boff, de Gustavo Gutierrez, da Teologia da Libertação. E conheci fantásticos guerreiros cristãos da liberdade que me inspiraram muito. Mas lá se vão 27 anos. Você sabe que a primeira tradução de "Questão de Raça", ainda em 1993, foi a brasileira? Mas aí já são outros 14 anos, tanta coisa mudou. Converso sempre com amigos brasileiros e percebo que o Brasil vive um momento historicamente importantíssimo, não apenas por conta da necessidade de fortalecer a democratização de uma sociedade profundamente marcada pelo legado pesado de um passado oligárquico e de opressão militar, mas também a de tentar descobrir em como se dá a relação entre essa nova prática democrática e o legado da ideologia de supremacia racial do branco colonizador.


Valor: De fato, há no Brasil uma intensa discussão sobre as políticas raciais adotadas pelo governo Lula, com as políticas afirmativas e a reserva de vagas para descendentes de negros nas universidades públicas. A própria discussão de raça, em um país marcado pela miscigenação, parece incômoda ou fora do lugar para boa parte dos acadêmicos e da sociedade brasileira...
West: Se o governo do PT está empenhado em destruir o mito da democracia racial brasileira, então conta com meu total apoio. É algo de bom que se está fazendo pelo Brasil. É preciso encarar como real a existência de uma ideologia dominante de supremacia branca na história brasileira. Mas é preciso, também, estabelecer uma conversa com o todo da população, uma reflexão crítica sobre o que está acontecendo com o país. Não se destrói um mito para, em seu lugar, criar uma mímica da experiência americana, por exemplo. Isso é muito importante. A questão racial no Brasil não deve, de modo algum, ser orientada pelo que aconteceu no império americano. Esse complexo de inferioridade, aí sim, é que estaria fora do lugar. Agora, é possível aprender com a experiência americana, com Martin Luther King Jr. Ignorar a questão racial brasileira, como se tem feito, leva apenas a um futuro em que, necessariamente, essas questões voltarão de forma mais assustadora. Sei que a esquerda brasileira, historicamente, se preocupou mais com questões de classe. É compreensível essa abordagem do problema, pois a desigualdade socioeconômica no Brasil é astronômica, mas é uma abordagem inadequada. É indispensável diminuir a distância entre ricos e pobres, mas, insisto, sozinha esta é uma ação inadequada.


Valor: Por que essa ênfase na necessidade de criar também iniciativas de reparação racial em um país com as características do Brasil?
West: Porque existe uma clara conexão entre raça e pobreza que, quando ignorada, fortalece o mito da democracia racial. Não é apenas uma mera coincidência o número de negros pobres no Brasil. É a herança da escravidão. Quando fui ao Brasil, visitei as favelas. Em São Paulo, por conta da migração interna, havia de fato menos negros do que em outros bolsões de pobreza brasileiros, mas em outras regiões, como no Rio, em Minas e na Bahia, isso é claro. Se um governo quer tratar com seriedade o problema da desigualdade social brasileira, é impossível passar por cima do aspecto racial e de gênero que o envolve. É preciso encarar as três facetas do problema - classe, raça e gênero. A direita americana, quando ataca as políticas afirmativas, por exemplo, se esquece de que elas não foram fundamentadas apenas em critérios raciais, mas também beneficiaram as mulheres. Aqui mesmo em Princeton, até 1969, não havia mulher presente na vida universitária. Agora você tem uma mulher presidente da universidade. A supremacia masculina é tão ignóbil quanto a do branco ou a do rico. E não quero de forma alguma vestir aqui a carapuça do americano que vai dizer aos brasileiros como lidar com a questão racial. Nossa conversa só está me fazendo querer voltar o mais rapidamente possível ao Brasil, para ouvir e aprender com os que estão lidando com a questão racial, tema tão importante para ambos os países.


Valor: O sr. fala da importância de levar essa discussão para a população como um todo. De certa forma é o que faz, atuando nos filmes da série "Matrix" e agora com o CD de hip-hop, o que não é o que se espera de um filósofo...
West: Se você se considera um democrata extremo, como eu, é preciso se levar em conta a variedade de seu público, especialmente se você está interessado em uma "paidéia cantada", ou seja, subvertendo o termo grego, a educação-total dançante. Eu quero falar com os jovens. Eles me interessam profundamente. E a sensibilidade e o ponto de vista deles são desproporcionadamente tocados pela música, pelo hip-hop, pelo reggae. E, se sou um educador, quero levar consciência crítica, compaixão, desejo por justiça e esperança para os mais jovens. Seja por meio das minhas aulas, dos meus textos ou, agora, de um CD. Eu já tenho 17 títulos de livros publicados, outros certamente ainda virão, mas qual terá o impacto nos jovens de um disco em que junto forças com Prince e Talib Kweli?


"O governo Bush não está falido só ideologicamente. Talvez seja o governo de extrema-direita mais incompetente que já tivemos"


Valor: E eles entenderam o caráter subversivo e, de certa forma, anti-establishment, do CD?
West: Sim! Desde o início eles se empolgaram com a idéia de fazer um trabalho para "acordar" os jovens, engajá-los politicamente, fazê-los refletir sobre a noção de justiça nos dias de hoje. E trata-se de um álbum extremamente político, com letras fortes, como em "Mr.President" e "Bushanomics". Basicamente, eu dei a eles um conceito - vamos fazer um disco a partir da preservação do espírito e do legado de Curtis Mayfield, das músicas de protesto de R&B dos anos 1960 e 1970, da Motown. E eles adoraram. Claro, deixei bem claro que não iria fingir que sou um rapper, um hip-hopper, nesta altura do campeonato [risos]. Mas sou apaixonado pelos jovens e pela cultura das ruas de meu país a ponto de ousar utilizar a linguagem deles para incitá-los a ficar mais críticos aos que os cercam, à xenofobia, à homofobia, ao materialismo e à projeção de ascensão social vazia que, muitas vezes, estão presentes no próprio hip-hop. Embora, é claro, todos esses aspectos negativos apareçam na cultura americana como um todo e não apenas na música urbana negra. Foi isso. Disse ao André 3000, por exemplo, que queria realçar o aspecto libertário do hip-hop, pois não acredito em censura de qualquer tipo ou formato. E Prince, com "Dear My Man", foi além do que eu imaginava. Ele arrasou [risos].


Valor: O sr. se identifica como um "democrata extremado" em seu livro mais recente, "Democracy Matters". Quão difícil é exercer a democracia proposta pelo sr. na era Bush?
West: Ah, é quase impossível. Minha filosofia é antidogmática, favorável à autocrítica permanente e devota fiel do poder da improvisação. Então, você acaba se revelando muito radical frente ao que está exposto na cena política nacional. Mas o consenso neoliberal acabou. O cenário é outro.A direita americana está profundamente combalida, o Partido Republicano enfraquecido, as críticas ao Nafta cada vez mais consistentes e há uma certa latino-americanização, no pior sentido, do governo Bush, como muito bem aponta o economista Paul Krugman, ao esmiuçar o caráter cada vez mais oligárquico e plutocrata da economia americana.


Valor: No ano que vem teremos eleições presidenciais nos Estados Unidos e o sr. acaba de declarar apoio ao senador Barack Obama. O que o levou a assumir a posição de conselheiro não remunerado da candidatura Obama?
West: Aceitei com entusiasmo o convite porque não há dúvidas de que, quando se pensa em capacidade de realizar políticas públicas e em autoridade, ele é muito melhor do que todas as outras opções. O governo Bush não está falido apenas ideologicamente. Ele é incompetente. Historicamente, talvez seja o governo de extrema-direita mais incompetente que já tivemos por aqui. Não sou um fã do Partido Democrata, mas sei que Obama tem vontade de fazer as reformas políticas de que precisamos. Por isso estou com ele. Hillary Clinton tem 49% de rejeição, em média, em todas as pesquisas. E isso não muda facilmente. Os democratas precisam entender que, com ela, dificilmente vencerão as eleições do ano que vem.


Valor: O sr. acha que a eleição de Obama seria uma revolução para os negros dos Estados Unidos?
West: Não iria tão longe, mas acho que seria extremamente importante. Com um simbolismo semelhante ao da vitória de Lula no Brasil em 2002. Pois Obama trata com naturalidade de assuntos como a crescente disparidade social nos Estados Unidos, os problemas raciais, a necessidade de criar mais empregos. Só esperamos que ele não se envolva em escândalos de corrupção como o governo petista. Sei que isso muitas vezes tem a ver com a própria engenharia do Estado, mas para os setores progressistas em todo o mundo não poderia ter havido momento pior para os escândalos do PT.


Valor: Tratando deste momento em que a esquerda ganha espaço na América Latina, o sr. visitou recentemente a Venezuela e se reuniu com o presidente Chávez. Qual foi sua impressão dele?
West: Tive discussões maravilhosas com meu querido irmão Hugo Chávez. Queria muito conversar com ele, pois tenho uma profunda desconfiança da imprensa americana, que o apresenta como mais um ditador latino-americano. Em Caracas, fiz questão de falar bastante sobre a necessidade de manter intacto o compromisso com o processo democrático.Visitei as favelas da cidade e vi como funcionavam os magníficos programas de combate à pobreza. E presenciei a irritação da elite local, por conta de suas ações sociais.


Valor: Vocês conversaram sobre literatura?
West: No tempo em que passei com ele, Chávez lia Walt Whitman compulsivamente. Certo dia, ele falava de sua paixão por "Os Miseráveis" e Victor Hugo, de seu encantamento, como eu, pelos textos produzidos pelos teólogos da libertação e aproveitei para usar uma frase de Ralph Waldo Emerson. Disse: presidente, imitação é suicídio. A Venezuela não pode imitar Cuba. A voz de Chávez não pode ser a de um novo Fidel Castro. É preciso evitar o pior de Cuba - as perseguições, a censura, a rejeição da liberdade individual - e investir em uma democratização profunda da sociedade venezuelana. Ele precisa evitar a todo custo cair na armadilha da direita, que é a de fazê-lo entrar na fantasia do autoritário antidemocrata. Fui-me embora e, nove meses depois, o reencontrei às vésperas do inverno, quando ele veio anunciar o subsídio da PDVSA para os cidadãos dos bairros mais pobres de Nova York enfrentarem o frio podendo ter aquecimento em casa...


Valor: E como foi a reação dos nova-iorquinos? Afinal, todas as distribuidoras receberam uma carta do Congresso pedindo petróleo subsidiado, já que, por conta da destruição no Golfo de México provocada pelo furacão Katrina, o preço do barril tinha ido para a estratosfera. E a única companhia a responder ao apelo foi a PDVSA...
West: Meus irmãos negros do Harlem e do Bronx o adoraram. Aquilo foi fascinante. E o episódio provou algo que é sempre muito interessante para refletirmos, especialmente se vivemos em países como o meu ou o seu: as classes mais pobres se interessam, sim, por democracia, direitos e liberdade, mas estão ainda mais preocupadas em ter acesso aos recursos básicos de sobrevivência, não é mesmo? Precisamos refletir sobre isso. Mas aí vou deixar essa questão para meu amigo Roberto Mangabeira Unger. Quem sabe ele, que é uma das maiores vozes sobre a prática da democracia no mundo contemporâneo, já não tem algum pensamento interessante sobre o tema para a gente discutir agora que faz parte do gabinete do Lula?