segunda-feira, junho 01, 2009
domingo, maio 31, 2009
Pop Culture. Really?
O vídeo está aqui: http://gawker.com/5273616/bruno-gets-up-close-and-personal-with-eminem
quarta-feira, janeiro 02, 2008
Na Vitrola: Sharon Jones, a Carcereira do Ritmo, a musa de Denzel

Sharon Jones é o máximo. Você escuta a moça e sua banda - os Dap-Kings - e pensa que voltou aos anos 60. E volta feliz da vida. Ela é a Amy Winehouse com a cabeça no lugar certo, se é que me entendem. Adepta de uma estética retrô que pegou pelo ouvido os antenados do Brooklyn (a moça nasceu em Augusta, na Georgia, berço de James Brown, mas baixou por aqui ainda menina), Jones é a Tina Turner da fase Ike que não se rendeu ao pop. Já deveria ter sido levada para shows no Brasil. Iria arrasar.
Sua trajetória não foi das mais fáceis. As portas lhe foram fechadas nos anos 80 por fazer uma música que não cabia no universo disco-pop de então. Esnobada pela geração MTV, ela só chegou às paradas com os singles que lançou na segunda metade dos anos 90 pela Desco Records. Enquanto não conseguia viver de sua música, Jones foi trabalhar como carcereira no presídio da Rykers Island. Devia ser a prisão mais swingada dos EUA. Mas tudo mudou com o lançamento, há cinco anos, do ótimo Dap Dippin', que rolou na minha vitrola ainda no Flamengo com a constância merecida.
Mas ainda gosto mais do álbum lançado no fim de 2007, 100 Days, 100 Nights. O que me atrai é a ponte direta com o funk e o soul dos anos 70, bem distante do neo-soul ou do R&B contemporâneo, de gente como India.Arie e Alicia Keys, para quem, sorry periferia, torço mesmo o nariz. Tudo isso é para lamentar o anúncio que dona Jones acaba de fazer ao incluir um show nova-iorquino em sua turnê de inverno, justamente no dia 15 de fevereiro, quando estarei em praias cariocas.
Como não se pode ter tudo ao mesmo tempo agora, pode-se ver aqui uma amostra do poder de fogo de dona Jones, no clipe genial da faixa-título do discão, aqui. Para encontrar o granulado e o preto-e-branco ideal do vídeo, Sharon Jones deu um pulo no e-bay e comprou por US$ 50 câmeras da idade da pedra lascada. O resultado é sensacional. Vale a clicada.
Onipresente, a moça também é uma das melhores coisas de The Great Debaters, filme dirigido por Denzel Washington que estreou por aqui com boas críticas no Natal e que ainda não tem data de estréia no Brasil. No drama sobre os estudantes de uma escola de segundo-grau com alunos negros que derrota em uma competição de debates alunos brancos nos EUA da era Jim Crow, Sharon Jones brilha em seis faixas, duas delas acompanhada pelo Angelic Voices of Faith.

terça-feira, novembro 20, 2007
The Age of Music is Past

Bem interessante a coluna de hoje do David Brooks, aqui no NYT, tratando da segmentação da música popular a partir da virada dos anos 80 e a diminuição de sua ressonância na sociedade. É um texto interessante, que ecoa um pouco a entrevista que fiz com o Chris Anderson, editor da Wired.
Alguns dos trechos mais interessantes da coluna de Brooks:
The 1970s were a great moment for musical integration. Artists like the Rolling Stones and Bruce Springsteen drew on a range of musical influences and produced songs that might be country-influenced, soul-influenced, blues-influenced or a combination of all three. These mega-groups attracted gigantic followings and can still fill huge arenas.
But cultural history has pivot moments, and at some point toward the end of the 1970s or the early 1980s, the era of integration gave way to the era of fragmentation. There are now dozens of niche musical genres where there used to be this thing called rock. There are many bands that can fill 5,000-seat theaters, but there are almost no new groups with the broad following or longevity of the Rolling Stones, Springsteen or U2.
People have been writing about the fragmentation of American music for decades. Back in the Feb. 18, 1982, issue of Time, Jay Cocks wrote that American music was in splinters. But year after year, the segmentation builds.
People who have built up cultural capital and pride themselves on their superior discernment are naturally going to cultivate ever more obscure musical tastes. I’m not sure they enjoy music more than the throngs who sat around listening to Led Zeppelin, but they can certainly feel more individualistic and special.
Steven Van Zandt, (the guitarrist guitarist for Bruce Springsteen and the E Street Band) believes that if the Rolling Stones came along now, they wouldn’t be able to get mass airtime because there is no broadcast vehicle for all-purpose rock. And he says that most young musicians don’t know the roots and traditions of their music. They don’t have broad musical vocabularies to draw on when they are writing songs. As a result, much of their music (and here I’m bowdlerizing his language) stinks.He describes a musical culture that has lost touch with its common roots. And as he speaks, I hear the echoes of thousands of other interviews concerning dozens of other spheres.
It seems that whatever story I cover, people are anxious about fragmentation and longing for cohesion. This is the driving fear behind the inequality and immigration debates, behind worries of polarization and behind the entire Barack Obama candidacy.
If you go to marketing conferences, you realize we really are in the era of the long tail. In any given industry, companies are dividing the marketplace into narrower and more segmented lifestyle niches.
We live in an age in which the technological and commercial momentum drives fragmentation. It’s going to be necessary to set up countervailing forces — institutions that span social, class and ethnic lines.Music used to do this. Not so much anymore.
quinta-feira, novembro 01, 2007
Perfil/BEBEL GILBERTO

A Bravo! que acabou de sair nas bancas traz o perfil que escrevi de Bebel Gilberto, 41 anos, a cantora brasileira de maior sucesso no exterior desde Carmen Miranda. A conversa com Bebel aconteceu no verão nova-iorquino, em uma tarde deliciosa e repleta de gargalhadas. Aí vai o texto, as fotos são do meu amigo Victor Affaro:
Moça de Família
Por Eduardo Graça
Já na primeira frase da música que abre Momento, seu mais novo disco, Bebel Gilberto diz para si própria, introspectiva: "Tem tanta coisa aí tão escondida que você não quer nem mais lembrar". Será mesmo? Faz um calor infernal no verão de Manhattan quando a filha de João Gilberto e Miúcha, imensos óculos escuros, se despede do porteiro do prédio onde vive, no Village, dando-lhe conselhos sobre um tratamento de saúde para um problema de bexiga. Bebel é uma bela mulher de 41 anos, que apresenta suas armas logo de saída: um sorriso maior do que o rosto queimado de sol e uma capacidade de falar com desenvoltura sobre o mais banal dos assuntos. Sem tempo nem para respirar, os passos ainda desafinados, fruto de um acidente inusitado, "coisas que só acontecem com a Bebel", ela recebe a reportagem de BRAVO! em sua "cozinha improvisada": um restaurante japonês da vizinhança, que também é o favorito de Tom Waits e David Byrne.
Duas semanas antes do lançamento de Momento, que fecha uma trilogia para o selo belga Crammed, Bebel estava saindo do Nublu, o templo underground da música mais interessante que é feita hoje em Nova York, quando um homem despencou sobre seus pés. Assim. No burburinho da noite do East Village, enquanto ela se preparava para entrar no táxi, o grandalhão, mais para lá do que para cá, se desequilibrou e caiu sobre os pés da cantora e compositora.
No início, ela achou engraçado. Mas a dor e o inchaço lhe mostraram que algo mais grave havia acontecido. O pé, as cirurgias, o gesso, a fisioterapia, a primeira noitada em que pôde novamente beber sua cerveja, a volta claudicante à sagrada rotina das caminhadas pelas ruas nova-iorquinas, tudo faz parte da geografia sentimental mais recente de Bebel. Logo depois da primeira operação, a cantora se apresentou em Londres com um gesso enorme. A crítica britânica pegou pesado. O jornal The Guardian chegou a dizer que, "em boa parte do espetáculo, ela foi incapaz de repetir o formato sensual da pop-bossa que lhe deu tanto prestígio". Bebel se submeteu depois a uma segunda cirurgia e ficou com o pé imobilizado até a primeira semana de junho. Já é tempo de deixar a bruxa para trás. Daí a vontade de fazer a sessão de fotos para a BRAVO! em pleno chafariz da Washington Square, um símbolo da anarquia organizada da metrópole que Bebel aprendeu a chamar de sua (na verdade, a cantora nasceu em Nova York, onde seus pais moravam na época, mas depois se mudou para o Rio).
"Os maiores lembram que, quando eu era pequena, sempre dizia que um dia iria viver em Manhattan. Na virada dos anos 80 para os 90, eu estava meio perdida no Brasil, mas o que me fez vir mesmo para cá foi a vontade de me aproximar do meu irmão." João Marcello, seu irmão mais velho, é filho de seu pai com a cantora baiana Astrud Gilberto, radicada há décadas nos Estados Unidos. "Passei a vida cultivando o desejo de conhecê-lo melhor e agora somos muito próximos. Estacionei na casa dele um pouco, em Nova Jersey, e depois atravessei o rio para me instalar em Manhattan", conta, entre uma e outra mordida nos petiscos preparados pela cozinha do restaurante favorito.A roupa do dia, prática e casual, comprova a correria dos últimos meses: ela usa um biquíni resguardado por um top e uma calça ligeiramente dobrada na altura do tornozelo. Depois do almoço, voa para a fisioterapia e termina o dia ensaiando com sua banda na cobertura onde mora. O pé ainda é um estorvo para a cantora, que fez a primeira operação, no Brasil, em março, sob os cuidados da amiga Paula Lavigne. Como boa parte dos norte-americanos de sua idade, Bebel não tem um plano de saúde. "Paula é sensacional e me deu uma força enorme. Por ser poderosa e adorar botar ordem em tudo, definiu minha vida: passagem, o médico que iria tratar de meu pé, tudo. Depois do acidente, antes mesmo de ligar para minha mãe, telefonei para a Paula."
A ex-mulher de Caetano Veloso costuma brincar com Bebel, amiga dos bons tempos de Baixo Leblon, dizendo que ela é a única solteira feliz que conhece. Bebel acha graça do elogio truncado: "Tive recentemente alguns namoros mais sérios, mas em geral estive sozinha. O velho chavão da mulher-bem-sucedida-relativamente-conhecida assusta mesmo. E não sou exatamente maria-vai-com-as-outras, eu dou as cartas, né? Tem de ser muito homem para agüentar".
A virada dos 40 a presenteou ainda com outro clichê: o desejo incontrolável de se tornar mãe. "Pode escrever aí que meu próximo passo é congelar óvulos. Que nada, estou brincando! Agora, é possível que em seis meses você me encontre apaixonada e grávida, porque o tal do relógio biológico existe de fato, há uma urgência clara, embora jamais pensei em ter um filho sozinha. Família é tudo. É a chatice, é o compromisso, mas é tudo o que busco na vida. Com sinceridade total. Quero uma relação, sou monogâmica, gosto da coisa mais certa. Pensando bem, acho que esse é o único campo em que não sou louca...", brinca.
ALÔ, MAMÃE
Mesclando o mistério contemplativo de João Gilberto com a explosão descompromissada de Miúcha Buarque de Hollanda, Bebel pode passar três anos debruçada sobre uma canção como Words, outro destaque de Momento, ou decidir, no estúdio, de uma hora para a outra, intuitiva, modificar o planejamento do dia e migrar para uma idéia nova que lhe ocorreu naquele instante. Ela costuma cantar no banheiro e entrando no táxi, mas pára de ouvir música - qualquer música - quando começa a maratona de gravar seus discos. Algumas canções lhe chegam como um raio, outras demoram uma eternidade, carentes de polimento e dedicação. "Acho que tenho um tanto de João e um tanto de Miúcha. Sou introspectiva, mas também adoro ser o entertainer. Não tenho medo algum de palco. Trabalho muito no estúdio, sou caxias mesmo, mas gosto mais do palco. O barato é você estar ali, com o público."
Recentemente, num show em São Francisco, Bebel percebeu que um espectador mantinha seu telefone desafiadoramente ligado. A cantora desceu do palco, tomou-lhe o aparelho e ligou para sua mãe, no Brasil. Miúcha não estava em casa. A show woman não se fez de rogada e pediu que toda a platéia gritasse, em uníssono, "Miucha, I love you", para ficar gravado na secretária eletrônica.
Uma memória recorrente de Bebel são as ausências dos pais quando ela era mais nova. "Não tinha horário para fazer dever de casa nem para o almoço. Fui criada com a empregada, vendo televisão. Chico [Buarque, irmão de Miúcha], Marieta [Severo] e minhas primas eram minhas referências familiares mais próximas. Talvez teria sido menos complicado se tivesse tido um pouco mais de base em casa... Mas já reclamei muito disso. Chega! Finalmente percebi que também aprendi um monte de coisas mais rápido por conta dessa situação."
O palco, por exemplo, ela conheceu muito cedo. Aos 8 anos, se apresentou com a mãe e o saxofonista Stan Getz no Lincoln Center, em Nova York. Aos 11, estava no coro de um dos maiores sucessos do teatro musical brasileiro - Os Saltimbancos, do tio Chico em parceria com o italiano Sergio Bardotti. "Divido minha vida em dois períodos: antes e depois dos Saltimbancos. Imagina, ainda não era adolescente e já ganhava meu dinheiro!Todas as crianças me adoravam. Comprava roupas da moda, era uma peruinha total. E, por ser alta para a idade, ia de tarde dançar na matinê da New York Disco, no Rio, e curtia festinhas todos os fi ns de semana. Já sabia me divertir."
A quarta faixa de Momento, Os Novos Yorkinos, é uma homenagem aos Novos Baianos, que fizeram parte do catecismo lúdico-musical de Bebel. "Essa é a música mais sincera que já fiz. Fala de uma gente menos racional, mais louca, mais emotiva, tudo o que as pessoas não podem ser hoje em dia. Uma gente que não tem vergonha de dizer que já usou maconha, que bebe, que fuma um cigarro de vez em quando."
A convivência com Moraes Moreira, Baby Consuelo & cia. vem do tempo em que os músicos viviam numa chácara em Jacarepaguá, um dos endereços favoritos de João Gilberto. Ele levaria algumas vezes Bebel a tiracolo para madrugadas musicais inesquecíveis na então longínqua zona oeste do Rio de Janeiro. O clássico disco Acabou Chorare, de 1972 foi batizado a partir da expressão usada pela menina de 6 anos para tranqüilizar o pai, preocupado com um tropeço da filha e a choradeira que ela protagonizara.
Dois anos depois, o grupo gravaria o samba-choro Bebel, de João, em uma versão especialmente feliz. E uma década mais tarde, Marília Mattos, mulher de Moraes Moreira, apresentaria Bebel a Cazuza, um encontro que acabou definindo a trajetória musical da cantora. "Não seria quem sou, não seria nem artista, se não fosse por ele. Lembro que, quando lhe dizia estar com a idéia de uma letra, ele me impulsionava: 'Mas você tem de escrever, mulher!'. Cazuza virou uma estrela, se tornou famoso, e agora me pego pensando se existe essa coisa de os mortos verem a gente... Acho que ele e Suba ficariam orgulhosos de mim. Acho até que dão uma força!"
Bebel conheceu o produtor Mitar Subotic, o Suba, sérvio que morava em São Paulo, depois de uma apresentação de João Gilberto no Carnegie Hall, em Nova York. "Saímos para jantar, ficamos ouvindo música até as 5 da matina e decidimos que tínhamos de fazer algo juntos. Mudei-me para a casa do tio Sergito [irmão mais velho de Chico], na Vila Madalena, e lá ficamos produzindo o Tanto Tempo, meu segundo disco-solo, que seria lançado em 2000 [o primeiro é um EP de 1986]." Suba morreu pouco antes do lançamento, num incêndio, e não chegou a ver o enorme sucesso do trabalho. O álbum vendeu mais de 1 milhão de cópias e fez a carreira de Bebel finalmente decolar.
Não deixa de ser significativo o fato de Suba e Bebel terem se conhecido após uma noite regada a João Gilberto. Se há algo constante nos três discos mais recentes da cantora(Tanto Tempo, Bebel Gilberto e Momento) é a influência da batida gilbertiana do violão. Bebel lembra que, aos 4 anos, mudou-se com seus pais para a Cidade do México. Eles viviam em uma casa imensa, com poucos móveis, acústica perfeita para João, que tocava violão sem parar. O som do disco João Gilberto en México, com as clássicas interpretações de Farolito e Besame Mucho, a acompanharia por toda a vida.
Mas música, diz Bebel, não se discute na sala de jantar dos Gilberto ou dos Buarque de Hollanda. "Veja bem: a mamãe acaba de lançar um disco, eu não ouvi ainda o dela, nem ela o meu. É que a gente compete por espaço, sabe? (risos). Sempre foi assim. Mamãe sempre foi muito crítica comigo, então não procuro muito saber a opinião dela. A de meu pai, menos ainda. Meu tio também não costuma opinar. Quando tem muita gente envolvida no mesmo métier, você acaba, talvez, se fechando um pouco..."Um dos pontos altos de Momento é a versão de Bebel para Caçada, pérola do cancioneiro de Chico Buarque presente na trilha sonora do filme Quando o Carnaval Chegar, de 1972. "Desde criança, essa música me chama a atenção. Fiz a versão e mostrei para o Chico meio de surpresa. Era aniversário de minha avó, ele foi me pegar em casa, eu estava com um namorado novo, aquele constrangimento, o clima meio tenso, e eu, para limpar a barra com ele, disse, ouve aí, e coloquei para tocar no carro mesmo. Ele não fez nenhum comentário mais direto, mas acho que gostou."
GLOBETROTTER
Dezesseis anos depois de ter deixado o Brasil, Bebel confessa que, apesar das visitas costumeiras, já se sente um pouco como "um peixe fora d'água". Graças ao sucesso de Tanto Tempo, o disco de uma brasileira que mais vendeu no exterior, converteu-se em artista de projeção planetária. "Às vezes acho que ninguém entende por que me dedico tanto à carreira, por que faço essas excursões todas pelo mundo, por que entro num ônibus e percorro cinco cidades da Alemanha. Loucura? Pode ser, mas assim vendo discos e ganho público. Você acha que o Caetano faria isso? Não. Ele vai apenas para Berlim, se for. Eu, só neste ano, já estive na Finlândia, Noruega, Bulgária, Turquia e Croácia. Todos também acham que fiquei rica. Nada disso. Os Gilbertos não são tão bem-sucedidos financeiramente. Mas, pelo menos, somos felizes e bons vivants."
Após duas cervejas, Bebel se solta de vez. "Momento é o disco em que apareço mais como letrista. Acho que estou ficando com menos medo de falar de mim... Busco a inovação o tempo todo. Ser livre e boêmia em Nova York faz com quevocê sempre se renove, não se prenda a formatos, não fique estagnada." Talvez esteja justamente aí o segredo da solteira mais feliz do Village que, caso tivesse de se explicar por meio de uma única música, não titubearia. Escolheria A Mulher, de Caetano Veloso, gravada por Gal Costa no álbum Água Viva: "Lá vai a mulher subindo/ a ponta do pé tocando ainda o chão/ já na imensidão/ é lindo/ ela em plena mulher/ brilhando no poço de tempo que abriu-se/ ao rés de seu ser de mulher/ que se abriu/ sem ter que morrer/ todo homem viu".
quarta-feira, agosto 08, 2007
DO BAÚ/PERFIL: Miúcha (1999)

Semana passada passei uma tarde deliciosa no sul da ilha de Manhattan com a cantora e compositora Bebel Gilberto e, fuçando meus arquivos, encontrei este pingue-pongue que fiz da mãe da moça, Miúcha, publicado na capa do Caderno B, do Jornal do Brasil, em 1999, editado pela querida Regina Zappa. É interessante como a conversa girava em torno do momento da necessidade de se (re)descobrir o Brasil real, acima do país de fantasia vivido apenas na experiência americanófila das elites do sudeste e do sul.
Miúcha não se explica, por EDUARDO GRAÇA
Como seu último CD, 'Rosa Amarela', que está saindo agora no Brasil, a irmã de Chico Buarque é para ser ouvida e se sentir
Se algum engraçadinho perguntasse a Heloísa Buarque de Hollanda que música a definiria ela titubearia, aguardaria um olhar cúmplice do gato Dengo, com o qual divide sua cobertura na Ataulfo de Paiva, ali pertinho do Antonio's, no Leblon, e finalmente responderia: Paz, do compadre João Donato. Os amigos da turma do funil não precisam se assustar. Miúcha continua revirando os olhinhos antes de soltar aquela gostosa gargalhada. Principalmente agora, quando comemora o lançamento de Rosa amarela , CD que quebra um jejum de 10
anos sem gravações no Brasil da mais sapeca das filhas de dona Amélia. Uma conferida, ainda que de esguelha, no menu escolhido por Miúcha para seu novo disco, leva à pista certeira: Rosa amarela remete imediatamente às duas parcerias da cantora com Tom Jobim. Os clássicos - e esgotadíssimos - Miúcha e Antonio Carlos Jobim (77) e Miúcha e Tom (79). No repertório, pepitas de Capiba, Jacob do Bandolim, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Aldir
Blanc, Ary Barroso, Edu Lobo, Isamel Neto, Antônio Maria, Paulinho da Viola, Maurício Tapajós. Só fera.
E, exatamente como nos anos 70 - Miúcha passou boa parte da década anterior na Europa e nos Estados Unidos com o então marido João Gilberto -, a sensação é de redescoberta do Brasil. O exílio, mais uma vez, acabou. Rosa amarela, é verdade, foi lançado há dois anos no Japão, pela gravadora Omagatoki. Que bancou toda a produção. Só assim Miúcha pôde voltar a gravar no país. Querelas do Brasil. Mas não tem grilo não que a gente vai levando. Ou traduzindo a explicação da cantora na apresentação de Rosa amarela. Escondida atrás de sua máquina de escrever elétrica, Miúcha arrisca: um disco não se explica. Antes, se escuta, se sente. Exatamente como a pequerrucha Heloísa dos olhos felizes.
- Por que você ficou dez anos sem gravar?
- Porque os únicos projetos que surgiam eram de pot-pourris de Bossa Nova. Aquela coisa de um disco feito todo em cinco dias. Não dava, né?
- E como é que você se sentia?
- Eu me sentia castrada. E a história era sempre a mesma. A de que a música que o povo quer escutar é outra. Não concordo. O que acontece é que determinados segmentos musicais são mais trabalhados do que outros. Veja o caso do Lenine, por exemplo. Um artista fantástico que só foi descoberto pelas gravadoras agora. Muito tarde. A história do Lenine vem lá do bloco
Segura a coisa que eu chego lá , de Olinda, há mais de uma década. E ele já era este Lenine...
- Nestes dez anos em que não gravou no país você esteve longe do Brasil?
- Ao contrário. Tenho viajado muito e participei de projetos que me deram outra visão do país. Por um lado, fiz o Vitrines , que me levou a lugares como São Bernardo do Campo. Por outro, pego minha mochila, levo minhas partituras e me embrenho em locais como Pirinópolis, Alto do Paraíso, Chapada dos Veadeiros. Aliás, o que tem de maluco nestes lugares, é um luxo!
(risos). Nos dois casos há um público absolutamente carente de música popular brasileira. Aliás, minha percepção é de que o Brasil anda carente de música popular brasileira. Aquela questão de que "o Brazil não conhece o Brasil" é cada vez mais urgente.
- A própria história da gravação de Rosa amarela mostra isso ...
- É engraçado porque foi preciso que os japoneses decidissem bancar o disco para que eu lançasse um CD no Brasil. A única condição deles é que eu lançasse primeiro no Japão, o que aconteceu há dois anos.
- E como surgiu o interesse dos japoneses?
- Como todo mundo sabe, eles adoram música brasileira. Fiz uma turnê lá em 96 e, seis meses depois, o disco já estava lançado. Voltei para shows e foi uma loucura.
- E agora a gente até pode achar um CD seu nas lojas de discos ...
- Antes só tinham as coletâneas, os "acervos". Os discos com o Tom, por exemplo, só consigo achar na versão americana. Que é hilária. O encarte diz que sou muito talentosa e fiz dois discos: um com o Antônio Carlos Jobim e outro com seu filho, o Tom. (riso). Não dá, né?
- Rosa amarela é dedicado ao Tom. As gravações e o show que vocês fizeram no Canecão e depois em Buenos Aires e Roma devem trazer boas recordações...
- Nosso primeiro disco foi dedicado ao Radamés (Gnatalli). E aí a primeira lembrança é de nossos encontros no Lucas de tardezinha. Depois me recordo dos ensaios, um sonho! E do Tom espantado porque eu conhecia tudo do Ataulfo Alves. É que a gente cantava muito em casa. Éramos sete irmãos, quatro meninas e três meninos. Logo formamos um coro. E as meninas imitavam as pastoras dos discos do Ataulfo...
- Maninha lembra bem esta época, né?
- O Vinícius mexia muito com o Chico por causa de Maninha. Como ele freqüentava nossa casa na Pacaembu, dizia que o Chico era um grandissíssimo mentiroso. Não havia jaqueira nenhuma, muito menos porão (risos). Mas acho que esta música mostra bem aquele mistério que é o mundo das crianças...
- Seus pais encaravam bem esta família dó-ré-mi?
- De jeito nenhum (risos). Enquanto nós nos esguelávamos no carramanchão da Pacaembu cantando Noite de luar para os namorados que passavam na rua, tudo bem. Mas quando ensaiamos uma profissionalização, mamãe não achou a menor graça.
- Como assim?
- Papai (o sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda) era um boêmio. E vivia levando pito da
mamãe. Um dia, ou por não querer ir sozinho ou por querer levar um pito duplo, me carregou com ele para a "Cave", uma boate da moda em São Paulo. Eu já tinha em casa Canção de meu bem e as músicas de Vinícius para Orfeu da Conceição. Resultado: cheguei na "Cave", fui para o palco e cantei tudinho....
- E...
- Dois dias depois saiu uma notinha em um jornal. Minha mãe apareceu com uma vassoura e sobrou para nós dois (risos). Mas não era só comigo não. O Chico cantou no rádio, pela primeira vez, escondido dela.
- E logo depois você foi morar no exterior...
- Ganhei uma bolsa e fui estudar História da Arte na Sorbonne. Mas já estava mal-intencionada. Tanto que levei meu violão. E também os primeiros discos da Bossa Nova. Ficava ouvindo João (Gilberto) e suspirando: um dia vou me casar com este homem! Pois não é que o diabo ouviu? (risos)
- E você conheceu o João na França, né?
- Foi hilário. Em Paris fiquei próxima do grupo dos estudantes latino-americanos. Íamos sempre para uma daquelas boates baratas de Saint-Germain, a La Candelaria, onde as estrelas eram Violeta Parra e Los Incas. Nesta época eu e Dudu do Banjo resolvemos partir para a Itália
e Grécia cantando e passando o chapéu na rua. E o João estava nos grandes teatros. Nós sempre tentávamos assistí-lo e nunca conseguíamos. Até que um dia ele apareceu de surpresa no La Candelaria, para conhecer a Violeta...
- E acabou encontrando você...
- Pois é. Alguém disse que ele precisava ver a chica brasileira que cantava Bossa Nova. Ele ficou me olhando por uma fresta e eu conversei uns 10 minutos com ele sem saber quem era. Dali sairíamos no mesmo carro com um monte de gente. Ele então me propôs: quando o carro der a primeira parada, vamos sair correndo? E eu, envergonhadíssima, sabendo que ia pagar o maior mico! O resultado é que sumimos e as pessoas ficaram perplexas. Logo estávamos namorando...
- Namorar o João devia ser estranhíssimo...
- Claro (risos)! Era muito doido. E eu era sua maior tiete. Uma vez preparei uma noite romântica, quis levá-lo em um restaurante. E ele, já naquela época, odiava restaurantes. Pensei então no óbvio: crepe suzette e fondue. Quando o garçom acendeu o fogo ele quase teve um troço: "pára com isso que vai incendiar tudo!" (risos)
- E vocês foram logo para os Estados Unidos, né?
- E lá virei datilógrafa em um edifício na Madison Square. Obriguei o João a escrever uma carta, que ele estava me contratando como secretária. Mandei para o Brasil, mas não colou muito. Alguém me dedou e foi um Deus-nos-acuda. Pedimos então ao Jorge Amado, que tinha sido padrinho do primeiro casamento do João e era muito amigo do papai, para escrever uma carta recomendando o João...
- Esta correspondência deve ser hilária...
- E era. Jorge dizia que o João, como todo músico, era meio maluco, mas que era boa gente. Aquela solidariedade típica de baiano. Resultado: João se divorciou da Astrid (Gilberto), nos casamos e ficamos por lá...
- E você deixou o canto de lado por um bom tempo...
- Mas lá descobri que não faço questão de ser cantora. O que adoro é estudar violão, estudar flauta. Preciso é da companhia da música, sempre. E viver com o João estes anos todos foi a maior formação musical de minha vida.
- Aí vieram as parcerias com o Tom, o musical Os Saltimbancos e um longo silêncio. Não dá vontade de ir embora para o Japão?
- Acho que tenho preguiça de sair do país. Rosa amarela, como disse, não deixa de ser uma descoberta de um novo Brasil. Que as pessoas não conhecem, formado por uma enorme massa que não tem grana para ir às casas de espetáculo, mas que sabe cantar Tom, Vinícius, Ary, Custódio. É um Brasil riquíssimo, por trás das vitrines.
- Miúcha, você está em paz?
- Estou parando de fumar, minha voz está mais bonita, os amigos estão próximos, tenho estudado muito e percebido que a música, por si só, contém algo de fé. Estou, sim, em paz.
RETRATOS DO BRASIL
(as músicas de Rosa amarela, faixa a faixa)
Cabrochinha - uma das duas inéditas, composição de Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro. Bem-humorada e moderníssima, para Miúcha é uma versão carioca de Jackson do Pandeiro, sem esquecer das releituras do Cascabulho.
João e Maria - o clássico de Chico Buarque acabara de ser composto e entraria no CD Miúcha e Antonio Carlos Jobim. Mas Aloysio de Oliveira, produtor do disco, queria algo ainda mais pessoal do irmão de Miúcha. Foi quando ele compôs Maninha ("se lembra quando toda modinha falava de amor/pois nunca mais cantei/ ó maninha/ depois que ele chegou"). Nara Leão acabou gravando João e Maria e agora Miúcha volta à canção.
De você eu gosto - pérola muitas vezes esquecida da dupla Tom Jobim/Aloysio de Oliveira, do início dos anos 60. Por incrível que pareça, é o primeiro dos clássicos da Bossa Nova gravado por Miúcha.
A mesma rosa amarela- canção de Capiba e Carlos Pena Filho que dá título ao CD, faz parte da memória musical de Miúcha. Que já a cantava nos improvisados corais dos irmãos Hollanda no casarão do Pacaembu, em São Paulo.
Doce de coco- Outra antiga paixão da cantora, parceria de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho.
Pressentimento - Outra de Hermínio, agora com Elton Medeiros, lembra o tempo em que Miúcha e Cristina imitavam as vozes das pastoras de Ataulfo Alves.
Santo Amaro - Parceria de Luiz Cláudio Ramos com Franklin da Flauta e Aldir Blanc. Choro já gravado por Miúcha em 1980 e presença obrigatória nas turnês japonesas.
Assentamento- composta por Chico para o projeto Terra, de Sebastião Salgado, virou hino do MST e teve sua primeira gravação feita por Miúcha (só os japoneses sabiam disso).
Por causa desta cabocla - Pérola de Ary Barroso e Luiz Peixoto, que volta e meia surgia nos ensaios com Tom Jobim e com Rafael Rabello, com quem Miúcha gravaria um disco.
Choro bandido - a linda pareceria de Chico e Edu Lobo ganha interpretação especialíssima.
Valsa de uma cidade - Ismael Netto e Antônio Maria pedem passagem enquanto Miúcha solta a voz sonhando com um Rio tranqüilo, "leve como um musical da Metro".
Só o tempo- sem mais comentários, uma leitura singular para a obra-prima de Paulinho da Viola (o amor é um segredo/ e sempre chega em silêncio/como a luz no amanhecer")
Querelas do Brasil - Não por acaso esta composição de Maurício Tapajós e Aldir Blanc fecha o disco. Foi a partir da frase-encerramento de Tom em Antonio Carlos Jobim e Miúcha - "o Brazil não conhece o Brasil" - que a dupla compôs a música. Que volta agora mais atual do que nunca. (E.G.)
sexta-feira, agosto 03, 2007
ENTREVISTA/ Yoko Ono

Esta também foi para a edição da BIZZ que está nas bancas brasileiras. Yoko Ono, a viúva mais famosa do rock, foi um encanto, ainda que um tanto econômica, respondendo minhas perguntas em forma de hai-kai. Dois dois discos que ela lançou por aqui este ano, o álbum de remies Open Your Box não sai da vitrola aqui de casa.
A Viúva Alegre
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a Bizz
Aos 74 anos, Yoko Ono ela acaba de ser (re)descoberta por uma geração de jovens fãs eletrizados por dois lançamentos: o ótimo Yes, I’m a Witch e o interessante álbum de remixes Open Your Box, pronto para ser tocado nas pistas de dança menos óbvias do planeta, e com as assinaturas de Pet Shop Boys, Felix da Housecat e Basement Jaxx. Já para a cerzidura de Yes, I’m a Witch, uma deliciosa brincadeira com a forma pela qual foi tratada por parte da critica e dos fãs que a culpam até hoje pelo fim dos Beatles, a viúva de John Lennon enviou seu catálogo para 16 artistas-amigos (gente como os Flaming Lips, Cat Power, Peaches e Antony). Estes escolheram uma faixa e a reinventaram quase sempre de modo engenhoso. Ou, como prefere Yoko, com menos reverência e mais requebro. Sim, ela gosta de dançar. E música brasileira.
- Você anda dizendo que se identifica profundamente com o título do disco e que se orgulha de ser uma bruxa...
- Pois é, eu compus e gravei a canção Yes, I’m a Witch em 1974 e, veja só você, ela foi considerada por demais provocadora para ser ser lançada. Ninguém quis. Mas agora, 33 anos depois, está aí finalmente para quem quiser ouvir, o que eu adoro. Nossa sociedade mudou muito nestas três décadas. E gosto das mudanças!
- No ano passado o documentário The U.S. vs John Lennon, que você fez questão de aplaudir de pé, fazia um paralelo entre os anos Nixon e a repressão da era Bush. Nos anos 70 você e John passaram por poucas e boas quando o governo Americano tentou negar-lhe o visto de permanência nos EUA. Você diria que a reação de Washington aos ataques terroristas a Nova Iorque nos fez ficar 30 anos atrasados?
- Acho que neste sentido nada mudou, as coisas são exatamente como eram antes. Ou seja, temos de lidar com a realidade de que sempre vão existir pessoas que acreditam em outras verdades, diferentes das nosas. Diria que algumas vezes, para nós dois, foi quase perigoso lutar por aquilo em que acreditávamos. Mas, sabe de uma coisa? Nós temos de continuar com a cabeça erguida, sempre!
- Yes, I’m A Witch fez com que mais jovens descobrissem sua música. Você diria que, de alguma maneira, a sua carreira foi ofuscada pelo brilho e pelo talento de John? Devia ser difícil ter de dividi-lo com o restante do mundo...
- Nunca encarei nosso relacionamento desta maneira. Nós não estávamos dividindo nossa história juntos com o restante do planeta. Éramos até que bem privados, e posso garantir que tivemos uma ótima e divertida vida a dois.
- Qual foi a sua reação ao ouvir pela primeira vez as versões de sua obra feitas por gente de gerações mais novas mas completamente antenadas com sua música?
- A sensação foi a de felicidade, de perceber que o mundo está sacando minhas idéias.
- A versão dos Flaming Lips para Cambridge 1969, à la Ornette Coleman, é uma maravilha. O que você falou para o Wayne Coyne quando escutou pela primeira vez a faixa?
- Muito, muito obrigado mesmo.
- Você se sentiu rejuvenescida vendo todos estes meninos tocando suas músicas no disco?
- Não sei. Mas olha, não posso dizer se Yes, I’m A Witch fez-me sentir mais jovem por uma simples razão: não sou uma velha. Se eu começar a me sentir mais jovem vou acabar virando um bebê!
- Seu filho Sean (Lennon) adora música brasileira e anos atrás, em um festival no Rio de Janeiro, dividiu o palco com um dos grandes heróis do rock brasileiro, Arnaldo Baptista, dos Mutantes. Ele ouvia música brasileira em casa quando voltava da escola?
- Diferentemente de meu filho, eu não possuo um entendimento mais intelectualizado da música brasileira. Quando eu escuto aqueles ritmos, quando ouço aquelas canções que vocês fazem, acontece algo mais simples, mais intuitivo: meu corpo começa a se movimentar e é como se eu tivesse que dançar. Eu amo dançar, adoro música que me faça dançar, está em meu sangue. E é o meu corpo quem me garante – a boa música brasileira é sensacional. Ela me faz me sentir eternamente jovem.
Diário de Bordo - Bon Jovi MTV Unplugged

A Revista BIZZ que está nas bancas publicou meu Diário de Bordo do Bon Jovi Unplugged, gravado pela MTV aqui no Brooklyn e acompanhado em uma noite de verão pelo blogueiro, que se armou de toda a paciência do mundo para ouvir duas, três, quatro versões dos hits da banda de Nova Jérsei. Aqui vai a versão integral:
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a Bizz
Bon Jovi Unplugged – Diário de Bordo
19h. As meninas muito loiras e muito maquiadas de Nova Jérsei correm para ocupar as cadeiras mais próximas do palco instalado em um estúdio cinematográfico no Brooklyn. Vai começar a gravação do Bon Jovi Unplugged, inaugurando a nova fase do programa idealizado pela MTV, que terá na seqüência o Police e Mary J.Blidge. Cerca de 400 fãs cantam sem parar Never Say Goodbye e Let It Rock, lembrando que a noite é uma criança, boba, feliz e despreocupada.
20h05. Calça jeans colada no corpo, camisa preta e imensa corrente de prata com uma caveira, Jon Bon Jovi parece bem mais novo do que seus 45 anos. A seu lado, sentado, Richie Sambora, todo de preto, inchado, aparenta bem mais que seus 47. O público é brindado com Lost Highway, faixa-título do novo CD da banda, com alto teor country. A platéia responde com batidinhas de pé como se estivesse no Tennessee.
20h30. No palco, à formação clássica do Bon Jovi se juntam dois pianos, um banjo e uma orquestra de cordas. Ao todo, nove violinos. É Livin’ On a Prayer em versão noir, um lamento soturno, tristíssimo. Os violinos seguem em Bed of Roses, Joey e (You Want To) Make a Memory e permanecem ao fundo na parceria com Leeann Rimes, a diva loira que solta o vozeirão na romântica Strangers. Não parece haver espaço para rock no acústico do Bon Jovi.
21h25.Os violinos partem. A platéia parece acordar. A banda toca You Give Love a Bad Name em uma versão cool, mais jazzística. Agrada. Jon ensaia um sapateado no palco e rebola. A partir daí seus gestos ganham em dramaticidade, como se ele estivesse em um estádio de futebol. A banda não o acompanha. “Meu Deus, lá se vão 21 anos. Esta música já ganhou a maioridade. E foi nosso primeiro sucesso”, diz. Seguem Born to Be My Baby e It’s My Life, esta com o auxílio dos garotos da The All-American Rejects.
22h05. Momento cover. A escolha: a linda Hallelujah, de Leonard Cohen. “Queria ter escrito esta música. Quando ouvi pela primeira vez foi num show do Jeff Buckley e lembro de ter falado para quem estava do meu lado – taí a música de trabalho do álbum. E a pessoa me respondeu: ô bestalhão, este é um clássico da música pop!”, confessa, rindo. A interpretação é reverente ao extremo e deve ajudar Cohen a superar os problemas financeiros por que vem passando recentemente.
22h30. Depois de uma ótima Keep The Faith é hora de I’ll Be There For You. O fundo do palco fica azul e figuras de nuvens aparecem na parede em uma tentativa de se criar um clima zen. Mas alguma coisa parece errada com Sambora, que briga com o violão. Jon olha de esguio, nitidamente irritado.
23h. Jon e Richie estão sozinhos no palco. “Estávamos descalços na apresentação do Grammy em 1989, passando o som, eu com febre alta, e começamos a tocar Wanted Dead or Alive, assim, acústico. Estávamos com muito medo, não tínhamos nem os vestidos de luxo da Madonna nem sabíamos dançar como o Bobby Brown. Mas decidimos ser o mais despojados possíveis. E foi assim que nasceu o MTV Unplugged”, conta Bon Jovi, antes de tocar, por duas vezes, a música com Richie a seu lado. Este tentava caprichar na bluesada segunda voz, mas não conseguia acertar os acordes. O resultado foi gravá-la pela terceira vez, com toda a banda no palco. Jon olha para Richie, enfático: “Desta vez deixa comigo, ok?”.
23h15. Aos tropeços, acaba a gravação do MTV Unplugged do Bon Jovi. A aposta no virtuosismo e nas versões com teor mais country deve agradar em cheio o consumidor médio norte-americano, que já se deleitou com as versões da banda apresentadas na temporada mais recente do programa American Idol. Mas, e os fãs brasileiros? Taí um mistério que nem o Lobão desvenda com facilidade.
sexta-feira, abril 27, 2007
Oh, Joni!

Há desde as rendições de joelho (como a da conterrânea k.d.lang para Blue, do disco homônimo, de 1971) às surpresas agradabilíssimas de meu querido Sufjan Stevens (ensolarado cover de Free Man in Paris, de Court & Spark, 1973, um de meus CDs de cabeceira) e sim, Mano Caetano, transformando a caribenha Dreamland (do fraquinho Don Juan's Reckless Daughter, de 1977) em uma quase folk-samba canção. Uma delícia.
Aproveitei a viagem para levar para casa um disco essencial da canadense que desfalcava minha coleção - Ladies of the Canyon, de 1970, quando ela troca de vez a guitarra pelo piano como instrumento de acompanhamento da maioria de suas composições. Nos quatro anos seguintes ela lançaria Blue, For the Roses e Court and Spark, uma seqüência impressionante de obras-primas que, arrisco, garantem a Joni a posição de compositora mais importante da música pop norte-americana nos últimos quarenta anos.
Aos 64 anos, Joni Mitchell vive tranqüilamente em Los Angeles, segue fumando um cigarro atrás do outro e, depois de anunciar a aposentadoria em 2002, está finalizando um novo disco de inéditas, Shine, inspirado pela invasão do Iraque. Em março último ela foi o tema de um imperdível documentário na Radio 2 britânica, Come in From the Cold, em que revela que começou a compor para desopilar a dor de um péssimo casamento. 'Eu sentava com meu violão e uma xícara de café e compunha, compunha. Não tenho dúvidas de que era uma forma de exorcismo".
Oh, Joni!
A Tribute to Joni Mitchell
De Prince a Caetano, passando por Annie Lennox e Elvis Costello, uma constelação de artistas presta tributo a Joni Mitchell, que lança ainda este ano um disco de inéditas.
quarta-feira, abril 25, 2007
Música Do Dia: Meg Baird

Ontem chegou aqui em casa o primeiro disco solo de Meg Baird, direto da Philadelphia. Eu já conhecia o trabalho dela com a banda de folk Espers e havia adorado sua voz em "Afraid", cover de Nico, outra eterna favorita, que aparece no disco The Weed Tree, de 2005. O Espers me foi apresentado pelo Devendra Banhart na onda do folk neo-psicodélico (ou freak folk para os mais íntimos) que tomou conta do Brooklyn nas duas últimas primaveras. Rapidamente percebi que eles eram, da turma decidida a revitalizar o folk, os mais obcecados com nomes clássicos da cena britânica, como Pentangle e Bert Jansch, sem cair no pastiche.
Pois My Dear Companion, o solo da Meg que chega às lojas norte-americanas agora em maio, é ainda mais delicado do que os dois álbuns do Espers. O timbre de sua voz, a um só tempo suave e incisivo, enamorado dos velhos vocais indígenas dos Apalaches, nos revela belezuras como a versão da "Valsa dos Jogadores de Tênis", da obscura dupla Daisy DeBolt e Allan Fraser, presente no cult Fraser & DeBolt With Ian Guenther, de 1971. Coincidentemente, no último sábado, enquanto aproveitávos o sol de primavera para zanzar pelas ruas largas de Red Hook, escutamos o disco da dupla canadense em uma vitrola carcomida instalada nos fundos de uma lojinha que vendia sabonetes artesanais. Coisas do Brooklyn.

Uma delícia.
Ouça "The Waltze of the Tennis Player", aqui.
quarta-feira, março 21, 2007
SHOW/Welcome to Dreamland
FREAK BROTHERS
Evento organizado por David Byrne reúne adeptos do neo-folk no lendário Carnegie Hall
E quem disse que não se dá vivas a Iemanjá em Manhattan? No dia 2 de fevereiro, com a chuva castigando impiedosamente o inverno nova-iorquino, Cibelle, vestido azul-água comme il faut, adentrou o palco do Carnegie Hall e dedicou a jobiniana Por Toda a Minha Vida à deusa das águas em uma interpretação delicada. Ao lado da parceira de Suba no delicioso São Paulo Confessions estavam o coletivo californiano Vetiver e o nerdíssimo britânico Adem. O pretexto era Welcome to Dreamland, a segunda das quatro noites organizadas por David Byrne dentro da série Perspectives, o evento de luxo da temporada no mais cool dos palcos do circuito mainstream da cidade.
DEVENDRA BANHART FECHOU A NOITE ORGANIZADA POR DAVID BYRNE APRESENTANDO DUAS MÚSICAS NOVAS. NUMA DELAS, DECLARA: "ESTOU DOIDÃO, ALEGRE E LIVRE"
Pela terra dos sonhos passaram ainda as irmãs Casady, isto é CocoRosie, com seus vestidos vitorianos, harpas, violinos e vozes de um estranhamento ímpar; a diva folk Vashti Bunyan, responsável pelo clássico folk Another Diamond Day (1968) e que cantou lindamente Pillow, do primeiro (e melhor) disco de Adem, Homesongs; e, claro, Devendra Banhart. O fã de Caetano fechou a noite com duas arrebatadoras músicas novas, com banda eletrificada no palco, e letras de uma objetividade desconcertante. Em uma delas ele declara que ‘está doidão, alegre e livre’. Em Banderas, a nova carta de intenções de Banhart, com Cibelle nos backing vocals, ele parte das semelhanças nos desenhos de símbolos de terras tão distantes quanto a Alemanha e a Califórnia a fim de encontrar um tempo de congraçamento entre os homens de boa paz.
Não por acaso, com Byrne à frente, ecoando suas palavras no início do evento (‘que este seja mais uma provocação do que apenas um outro show’) os artistas se juntaram ao fim para cantar o Bird’s Lament, de Moondog, o mais freak dos folks, que vivia nas ruas de Nova Iorque e morreu em 1999, aos 83 anos. Durante mais de duas décadas ele bateu ponto logo ali na esquina da rua 54 com a Sexta Avenida, portando seu chapéu de viking e cantando como ninguém. Foi de arrepiar.
terça-feira, março 13, 2007
RESENHA/ARCADE FIRE - Neon Bible (2007)

A revista Bizz que está nas bancas saiu com minha resenha de um disco sensacional, o novo do Arcade Fire, Neon Bible. Este mês os canadenses foram tema de duas belas reportagens por aqui, na New Yorker e na revista dominical do The New York Times, na semana em que se apresentaram em Manhattan, dentro de uma igreja gótica. Não consegui ir aos shows mas o disco não sai da vitrola aqui de casa.
Arcade Fire – Neon Bible (Merge Records, importado)
Cotação Máxima: 5 estrelas

Nem vem que não tem. Neon Bible, o CD que o Arcade Fire lança em março na zona norte do mundo não é um novo Funeral, quiçá o lançamento mais importante de 2004 na seara do indie rock. E a constatação aqui, é um elogio.
Antes de fundar a banda com sua mulher Régine Chassagne, Butler passou anos estudando as Escrituras. Pois o Evangelho segundo o Arcade Fire está muito mais para o Apocalipse do que os Atos dos Apóstolos. O único milagre, aqui, é passar incólume pela explosão da música do quinteto canadense. Logo no Gêneses de sua bíblia pós-moderna os canadenses nos transportam para um universo muito mais sombrio do que o do primeiro trabalho da banda. “Espelho, espelho na parede/ Revele-me aonde as bombas cairão”, roga Win Butler, voz frágil, na acachapante Black Mirror, prova de que a estética Bowie-Berlim está mais viva do que nunca.
As cordas, os coros, o namoro com o barroco, as harmonias complexas poderiam funcionar, para um ouvido mais apressado, como ponto de ligação óbvio entre os dois discos. Mas, aqui, a fantasia dói mais, justamente por ter-se materializado de forma tão crua. Neon Bible insiste em nos mostrar que o pesadelo é aqui e agora. E para tanto aumentou-se o peso da percussão do primeiro-irmão William Butler e do baixo de Régine. Sim, depois do funeral, só nos resta o rock’n’roll.
Nas 11 faixas de Neon Bible há referências claras a Bruce Springsteen (ouça Keep The Car Running, com a hipnótica repetição do titulo da faixa, Windowswill e, especialmente, a linda Antichrist Television Blues); uma canção anti-guerra toda calcada em uma belíssima introdução feita em órgão de igreja (Intervention, dos versos ‘Não quero lutar/Não quero morrer/Apenas quero ouvir o seu lamúrio’), a delicada Ocean of Noise, que quase alcança o lirismo da valsa Crown of Love, de Funeral; e a confessional My Body is a Cage, em que Butler nos assegura: ‘Vivo em uma era/ Cujo o nome eu desconheço/E embora o medo me mantenha em movimento/Meu coração bate cada vez mais lentamente’.
Com sua beleza melancólica, este é um disco para se ouvir repetidas vezes, bem alto, aos berros, sem pausa, como se o ouvinte tivesse todo o tempo do mundo para, de fato, se entregar ao êxtase proposto pelo Arcade Fire. O ano começou muitíssimo bem. (Eduardo Graça)
segunda-feira, março 12, 2007
Chiclete Com Banana

Só deu Gilberto Gil ontem no caderno dominical de Artes do NYT. Matéria de capa, página inteira, com o Larry Rother (pois é) tratando 'da grande anomalia da pop music contemporânea': o político-compositor. O pretexto são as três semanas da turnê norte-americana do Ministro da Cultura, que começa nesta quarta-feira com uma palestra no South by Southwest, em Austin, Texas, o festival de rock independente mais interessante destas bandas. Aqui em NYC Gil se apresenta no dia 20, no Carnegie Hall.
A reportagem, com o título 'Gil Hears The Future' apresenta doutor Gilberto, 64 anos, primeiro negro a assumir uma cadeira no primeiro escalão do governo federal, como figura central nas discussões sobre as novas formas de distribuição da música depois da explosão digital. "Acredito que a cultura digital carrega consigo uma nova noção de propriedade intelectual. E esta nova cultura de trocas pode e deve ser um fator importante para a formulação das políticas públicas para o setor", diz Gil.
Há ainda espaço para se destacar a aliança de Gil com o Creative Commons, o programa Pontos Culturais, o aspecto visionário do Tropicalismo (que remixava e sampleava muito antes da explosão da música eletrônica) e a crítica à chamada World Music ("e seus safaris culturais, comandados por aventureiros em Land Rovers procurando por espécimes exóticos").
Diz Gil:
"Estou em um ponto de minha vida em que não quero mais ter comprometimento algum com minha carreira, no sentido estrito da profissão. Eu já não vejo mais a música como um campo a ser explorado. Eu a vejo como uma área alternativa de ação, parte de um imenso repertório de possibilidades à minha disposição. Música é algo visceral em mim e ainda que não esteja pensando sobre ela, ainda estarei fazendo música, sempre".