O Valor Econômico publicou neste fim de semana meu perfil do escritor norte-americano de origem afegã Khaled Hosseini. Mais conhecido por seu campeão de vendas O Caçador de Pipas, que vendeu quase 1 milhão de exemplares no Brasil, o romancista, que nasceu em Cabul, lançou aqui em NY na semana passada seu segundo livro, Mil Sóis Esplêndidos, que deve chegar às livrarias brasileiras no fim de agosto. Meu encontro com Hosseini foi no quarto andar da B&N da Union Square, em meio a fãs (em sua maioria adolescentes do sexo feminino) que gritavam desesperadamente seu nome. Um pouco assustado, ele encontrou tempo para conversar sobre seu método de trabalho, sua visita ao Afeganistão depois de 17 anos de exílio e sua opinião sobre a permanência das tropas da OTAN, estacionadas em seu país desde a invasão norte-americana de 2001.
Autor de O Caçador De Pipas Lança Novo Livro
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor
Houve um momento no verão de 2004 em que era impossível pegar o metrô em Nova Iorque sem esbarrar em pelo menos um leitor de O Caçador de Pipas por vagão de trem. A medida do sucesso do primeiro livro de Khaled Hosseini, lançado há quatro anos, pode ser dada também de forma mais exata – seus 4 milhões de exemplares vendidos até o mês passado. Ou ainda pela multidão que invadiu a maior livraria do sul da ilha de Manhattan na semana passada para conseguir um autógrafo do escritor afegão naturalizado norte-americano no lançamento nova-iorquino de seu segundo livro, Mil Sóis Esplêndidos, que chega às livrarias brasileiras em agosto. “Pode parecer exagero, mas eu tenho certeza de que ninguém se surpreendeu mais com o sucesso do Caçador de Pipas do que eu mesmo”, diz Hosseini, 42 anos, mais jovem, mais alto e menos tímido do que a maioria de seus fãs esperava.
Rosto angular, cabelo negro muito curto, Hosseini ainda parece mais o médico da Califórnia do que o campeão de vendas que verá no fim deste ano suas criaturas mais famosas, Amir e Hassan, na tela grande, na versão cinematográfica de O Caçador de Pipas, sob a batuta de Marc Foster, do ótimo Mais Estranho Que A Ficção. Nos últimos dois anos e meio, no entanto, ele deixou a medicina de lado para dedicar-se especialmente à literatura. “Meu primeiro livro retratou, em certa medida, um triângulo amoroso entre personagens masculinos. Quando ainda estava escrevendo O Caçador de Pipas já sabia que o segundo seria uma história de amor entre personagens femininos, novamente no Afeganistão. Queria especificamente escrever sobre a mulher afegã. Sobre a dureza de ser uma mulher no Afeganistão dos últimos anos”, filosofa.
Mil Sóis Esplêndidos, titulo de um de um poema do século XVII, uma ode à antiga Cabul da época do Império Durrani e da formação do moderno Afeganistão, conta a história de Mariam e Laila, e se passa entre 1970 e 2003. As personagens principais, exatamente como Amir e Hassan, são separadas por classes sociais, mas acabam se encontrando ao casarem-se com o mesmo homem e passarem, juntas, pela sucessão de conflitos que destruíram o país natal de Hosseini – a invasão soviética em 1979, a resistência islâmica, a guerra civil com os talibãs e a ocupação da OTAN desde 2001 – e suas implicações na vida cotidiana das duas mulheres. “Vejo o livro como um tributo pessoal ao heroísmo, à coragem e à impressionante resistência das mulheres afegãs. Mas é também uma crônica da violência brutal e das perdas que, para elas, parecem não terminar nunca. É este sentimento de impotência e desespero que, no fim das contas, une estas mulheres”.
Mariam é a filha ilegítima de um rico empresário da cidade de Herat, no extremo ocidental do país. Laila nasceu em berço esplêndido, mas passa por poucas e boas até ser forçada ao matrimônio como opção para fugir da prostituição. Rico em imagens, o livro já teve os direitos cinematográficos adquiridos pelo produtor Scott Rudin (de As Horas e Notas sobre um Escândalo). “Em O Caçador de Pipas utilizei em grau muito mais elevado minha própria memória, cenas que ficaram em minha cabeça durante a infância em Cabul, como a do mercado de pulgas. O processo de Mil Sóis foi radicalmente diverso”, conta, resgatando uma das cenas mais fortes do livro.
Hosseini nasceu em Cabul, filho de um diplomata e uma diretora de colégio público. Seu pai trabalhava na embaixada em Paris quando os soviéticos atravessaram a fronteira com seus tanques em 1979. Ele tinha 11 anos. Toda a família recebeu asilo político nos EUA e, de certa maneira, ele revela, O Caçador de Pipas proporcionou-lhe um súbito reencontro com a dura realidade do Afeganistão, que havia se tornado um lugar distante, sem qualquer proximidade emocional para o doutor da Califórnia.
Ele retornou à capital afegã em 2003, pouco antes de lançar o livro. “Tinha saído de lá há 17 anos e era apenas mais um exilado voltando para a sua cidade natal. Mas minha Cabul não existia mais. Bairros inteiros haviam sido completamente destruídos e o número de pessoas mutiladas e de viúvas era brutal. No centro da cidade, crianças choravam e pediam dinheiro. Lembro-me que disse a meu cunhado, que viajou comigo, que não agüentaria duas semanas. Senti-me exatamente como o Amir quando ele volta para o Afeganistão. Era decididamente um turista, um outsider. Mas depois fui me aclimatando e o povo de Cabul me tratou tão bem que me senti novamente em casa”, revela.
A diferença entre a Cabul de O Caçador de Pipas, cujo desenlace se dá a partir das memórias um narrador vivendo na distante Califórnia, e a sempre presente cidade agonizante de Mil Sóis, é radical. E se O Caçador de Pipas conquistou seus leitores aos poucos, a partir de grupos de leituras e de seminários comandados por acadêmicos e leigos interessados em saber mais sobre o país de onde Osama bin Laden tramou os atentados de 11 de Setembro, o peso de escrever uma seqüência é um tema ainda inflamável para o escritor. “Não foi nada fácil. Em O Caçador de Pipas meu único compromisso era comigo mesmo. Mil Sóis é um projeto mais ambicioso, escrito a partir de um ponto de vista feminino, com um elenco de personagens imenso e entra muito mais profundamente na história afegã. Ele só se desvelou quando estas mulheres todas começaram a falar comigo, se tornaram pessoas reais, seres humanos com medos, receios e desejos. Ali eu as entendi e vi que o livro estava começando a ficar pronto. Mas durou mais ou menos um ano para eu perceber isso e, honestamente, cheguei a pensar que deveria retornar à Medicina”.
Hosseini já foi comparado por críticos ao brasileiro Paulo Coelho, especialmente por conta de seu estilo narrativo, muito próximo, reconhece o autor de O Caçador de Pipas, à tradição dos contadores de história das estepes asiáticas, com os grandes mitos sendo passados geração após geração à beira da fogueira. Mas ele enfatiza que a surpresa, o inesperado, foram os ingredientes fundamentais na construção de seus romances. “Tenho um amigo que está escrevendo um livro de ficção-científica há 13 anos. Sério! E ele tem tudo esquematizado, como se fosse um sotryboard mesmo. Sou o exato oposto. Gosto de sentar na frente do computador, aberto para o que der e vier. Se me preparo para escrever com a história mais ou menos esquematizada, não dá certo. Meu grande prazer, é ser surpreendido pelos meus personagens. Por exemplo, Amir e Hasan não seriam meio-irmãos quando pensei na história. Um dia, decidi, li para minha mulher, ela gostou, e pronto, eles eram irmãos”, diz, relembrando, para deleite de uma platéia em silêncio absoluto, um dos momentos-chave do best-seller.
Hosseini gosta de repetir que seus livros são, no fim das contas, ‘duas simples declarações de amor’. Assim como em O Caçador de Pipas, a história de amor fraternal contada por Hosseini em Mil Sóis se resolve com a redenção de seu personagem principal. O compromisso do médico-escitor com as causas humanitárias é outro ingrediente importante na primeira impressão oferecida pelo suave Hosseini. No evento em que a reportagem do Valor esteve presente os marcadores de livro vendidos juntamente com os romances de Hosseini (com o limite de um exemplar de O Caçador de Pipas por pessoa, por conta do já defasado estoque da livraria em questão, a maior do país) tiveram o lucro das vendas reveirtido para ONGs que prestam auxílio aos refugiados de Darfur, na atribulada região do Sudão.
Mas haveria, afinal, espaço para a salvação do Afeganistão? “Sou um otimista ao extremo. E é importante dizer que melhoras aconteceram desde a destituição dos Talibãs. Tivemos eleições democráticas, contamos com mulheres no Parlamento e há um maior respeito às liberdades individuais. A pobreza ainda é terrível, não há investimento significativo em Educação e os índices de mortalidade infantil estão entre os maiores do mundo, mas creio que sem segurança tudo fica ainda mais caótico. Fiquei muito assustado quando vi que este ano, pela primeira vez na história, eles estavam utilizando a tática de homens-bomba. Isso é inédito! Afegãos podem até matar uns aos outros, mas se matarem por uma causa? Sei que pode parecer um exagero, mas, anotem o que eu digo, se a OTAN retirar as tropas do país agora, os Talibãs retomam o poder em questão de dias. Eu disse dias. E eles estão dispostos a tudo.”
domingo, junho 03, 2007
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