sexta-feira, março 18, 2005

Caiu do Céu?

Igualzinho à torcida do Flamengo, adorei Trainspotting. Peralá. Vou começar de novo. Igualzinho à imensa torcida do Voltaço, glorioso campeão da Taça Guanabara, eu curti pacas o primeiro filme de Danny Boyle, que caiu em minhas mãos. Não sou um fã ardoroso de A Praia, aquele com o Leonardo di Caprio, mas deixei de lado atrações mais sedutoras na quente noite recifense para me enfiar em uma sala de cinema com minha amiga Kika Serra e passar duas horas viajando por uma Londres sem viv’alma no inteligente 28 Hours Later. Por conta disso enfrentei a fila e me espremi em uma cadeira do multiplex da Union Square para ver Million, que estréia no Brasil com o infame título Caiu do Céu, já entregando metade da história, em 24 de junho. Vale o trocado. Os meninos Lewis Owen McGibbon e, especialmente, Alexander Nathan Etel, são sensacionais. E, como o hilário pai da dupla, James Nesbitt, o político-cabeça do interessante pseudo-documentário Sunday Bloody Sunday. Tá bom, o fim do filme, made in Africa, é quase uma fotografia da Anne Geddes em movimento, implora o espectador pelas palmas no fim da projeção – inevitáveis no cinemão de Manhattan – , breguinha mesmo. Mas as sacadas da câmera de Boyle e o desempenho de Etel, que bate animadíssimos papos com santos católicos, inclusive uma Santa Clara chegada em um bagulho jamaicano, são imperdíveis. Ih, vou indo que já contei demais...

quinta-feira, março 17, 2005

Diretinho da Redação (8)

Ouça, secretário!

Nesta sexta-feira o Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, vai conversar com alunos e professores da Universidade de Nova Iorque (N.Y.U.). A idéia é contar a história do milagre do governo de esquerda que dá certo no lado meridional da América respeitando o mercado livre e as regras ditadas no número 700 da Rua 19, em Washington, sede do FMI. Muito que bem.

A palestra, entitulada “Dois Anos do Governo Lula: Progresso e Desafios”, deve ser bonita de ouvir. Mas quem sabe algum assessor não lembre o secretário de que, algumas vezes, não há nada mais saudável do que uma inversão de papéis. Que ouça mais do que fale. Que seja mais mineiro e menos petista. Se tiver tempo e disposição para tanto, Dulci vai descobrir que meninos e meninas de Manhattan andam, pelos corredores das universidades, buscando desesperadamente em quem acreditar. Igualzinho aos jovens brasileiros.

Talvez o camarada Dulci não saiba, mas nesta última quinta-feira três estudantes do City College, aqui nas terras de Bloomberg, foram mandados para o xilindró, no pior estilo da ditadura militar de que nos livramos há exatas duas décadas. Os meninos estavam protestando contra a presença de alistadores militares no que deveria ser uma feira de trabalho a fim de aproximar jovens talentosos de classe média-baixa de possíveis empregadores. Com os perigosos subversivos foram apreendidas faixas, bandeiras e adesivos, armas que o secretário Dulci manuseou com destreza anos a fio Brasilzão afora.

Há poucos dias tive a sorte de conhecer Chris Dugan, um jovem estudante que todos os dias deixa a sala de aula de seu curso de mestrado de Urbanismo para panfletar nos corredores do Hunter College. Sua causa é nobre – quer evitar que outros jovens sem dinheiro acabem parando no Iraque a fim de financiar sua educação. Exatamente como seu avô, ele virou fuzileiro naval. Decidiu abandonar as Forças Armadas anos atrás, ao conferir, em Belfast, a política de segurança dos Estados Unidos para o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte.

Quando descobriu que estava sendo entrevistado por um brasileiro, Chris, da maneira mais educada possível, me contou que o movimento estudantil norte-americano condena com a mesma ênfase a ocupação norte-americana no Iraque e a interferência internacional no Haiti. “Como é que podemos admirar a política externa de um país que aceita atuar como segunda-divisão das forças norte-americanas na América Latina? Como é que o governo do PT responde, no Brasil, às acusações de abusos de direitos humanos e atrocidades que nos chegam do Haiti? Nós tínhamos uma grande expectativa com relação ao Lula. Achávamos que ele poderia ser uma voz importante, que poderia inserir-se de modo inequívoco na história deste continente, mas estamos profundamente decepcionados”, me disse Chris.

Descendente de irlandeses, Chris vai comemorar esta semana o dia de São Patrício, padroeiro da Irlanda, comme il faut, entre goles de Guinness e boas lascas de Corned Beef. Se a ressaca permitir, no dia seguinte ele pretende ouvir a palestra de Dulci na N.Y.U. Do companheiro intelectual ele espera receber mais do que o Prato Feito das maravilhas do jeito petista de governar, com a cereja no topo da sobremesa principal, oferecida dias atrás pelo presidente chileno Ricardo Lagos com seus elogios rasgados ao governo Lula publicados na imprensa européia. Este, aliás, foi um gol de placa da diplomacia verde-e-amarela. Mas bem que o ministro Dulci poderia alimentar a alma dos curumins de cá contando por que, afinal de contas, o PT chegou ao poder. Será que ele se recorda?

Brazilian Girls - Bowery Ballroom - 16/03/2005

Uma noite com Sciubba no inverno congelante de Manhattan.

Acabo de chegar em casa depois do show das Brazilian Girls. Sensacional. A vocalista Sabina Sciubba entrou no palco do Bowery Ballroom empacotada em um pós-parangolé branco. Quando saiu de dentro do troço-pós-moderno a platéia, já hipnotizada, cantou junto, em francês, o coro de “Homme”. Sabina não via o público. Ela entrou em cena com uma fita adesiva xadrez sobre os olhos. Fita esta que ela não tira nem na volta ao palco, uma hora e meia depois, em um bis delicioso, com a vocalista sussurando, para alegria da galera: “I got a Problem. I got a Penis”.

Para quem chegou atrasado, Sabina é italiana e de brasileiro, além da dupla aqui do Brooklyn, podia-se reconhecer na platéia a Bebel Gilberto e o Pedro Baby, filho da Consuelo com o Gomes. Velhos baianos que somos, Will and I jantamos tarde no Havana Café, tempo suficiente para que as duas primeiras atrações – que incluíam um DJ underground cinqüentão – saíssem de cena.

As garotas espertas Meredith e Esther, com quem dividimos um dos sofás no espaço lounge do primeiro andar pouco antes de o show começar, disseram que não perdemos nada. Ou quase nada. Quando finalmente nos livramos do exército de seguranças vestidos de preto descobrimos que a casa do Lower East Side estava tão cheia, mas tão cheia, mas tão cheia que...não cabia mais um boné no locker room. Merda.

Casacos em punho – o plural aqui não é força de expressão, o inverno segue impiedoso em Nova Iorque – encaramos a pista do segundo andar, encontramos um bom espaço na boca do palco e dançamos, dançamos e dançamos a valer.

Sciubba e a banda mandam uma em inglês, outra em espanhol, mais uma em francês. Tem bossa nova, chanson, rap, música indiana, tango. E poesia. Declamada. Neruda. Também música de protesto dos camponeses alemães da idade média. Um mix da italiana doida que se traduz em um tributo moderníssimo ao fino da dance music dos anos 70.

E o melhor: apesar do hedonismo transpirado em cada movimento da vocalista, as Brazilian Girls têm horror à viadagem make-up oitentista. Elas não atraem somente os gays, felizes tributários da porção vamp de la Sciubba. O Bowery Ballroom está repleto de casais e de grupos de amigos vintões, trintões, quarentões e um ou outro cinquentão disfarçado de crítico de rock, com óculos de aro preto e boina vermelha. Ou amigo perdido do tal DJ que a gente não ouviu. Vai saber.

Não dá para ficar olhando muito para os lados. No palco, Didi Gutman nos teclados comanda uma farra que conta ainda com o baixo funkeado de Jesse Murphy, a bateria ensurdecedora de Aaron Johnston e o auxílio brejeiro de dois sopros em algumas músicas. E ela. A diva dos sujinhos de Manhattan. A italiana mais brasileira do Brooklyn. A performática que lembra a Rita Lee da época dos Mutantes, muleca que sabe tudo. Só não viu quem não quis. Ou quem preferiu fazer como Sciubba e dançou como Isadora, a noite toda, sem parar. Felicidade, hoje, foi um show das Brazilian Girls.

p.s: quem quiser pode entrar no http://www.braziliangirls.info/music.html e ouvir algumas das músicas do primeiro disco das B.G. Vale a clicada.