Ouça, secretário!
Nesta sexta-feira o Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, vai conversar com alunos e professores da Universidade de Nova Iorque (N.Y.U.). A idéia é contar a história do milagre do governo de esquerda que dá certo no lado meridional da América respeitando o mercado livre e as regras ditadas no número 700 da Rua 19, em Washington, sede do FMI. Muito que bem.
A palestra, entitulada “Dois Anos do Governo Lula: Progresso e Desafios”, deve ser bonita de ouvir. Mas quem sabe algum assessor não lembre o secretário de que, algumas vezes, não há nada mais saudável do que uma inversão de papéis. Que ouça mais do que fale. Que seja mais mineiro e menos petista. Se tiver tempo e disposição para tanto, Dulci vai descobrir que meninos e meninas de Manhattan andam, pelos corredores das universidades, buscando desesperadamente em quem acreditar. Igualzinho aos jovens brasileiros.
Talvez o camarada Dulci não saiba, mas nesta última quinta-feira três estudantes do City College, aqui nas terras de Bloomberg, foram mandados para o xilindró, no pior estilo da ditadura militar de que nos livramos há exatas duas décadas. Os meninos estavam protestando contra a presença de alistadores militares no que deveria ser uma feira de trabalho a fim de aproximar jovens talentosos de classe média-baixa de possíveis empregadores. Com os perigosos subversivos foram apreendidas faixas, bandeiras e adesivos, armas que o secretário Dulci manuseou com destreza anos a fio Brasilzão afora.
Há poucos dias tive a sorte de conhecer Chris Dugan, um jovem estudante que todos os dias deixa a sala de aula de seu curso de mestrado de Urbanismo para panfletar nos corredores do Hunter College. Sua causa é nobre – quer evitar que outros jovens sem dinheiro acabem parando no Iraque a fim de financiar sua educação. Exatamente como seu avô, ele virou fuzileiro naval. Decidiu abandonar as Forças Armadas anos atrás, ao conferir, em Belfast, a política de segurança dos Estados Unidos para o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte.
Quando descobriu que estava sendo entrevistado por um brasileiro, Chris, da maneira mais educada possível, me contou que o movimento estudantil norte-americano condena com a mesma ênfase a ocupação norte-americana no Iraque e a interferência internacional no Haiti. “Como é que podemos admirar a política externa de um país que aceita atuar como segunda-divisão das forças norte-americanas na América Latina? Como é que o governo do PT responde, no Brasil, às acusações de abusos de direitos humanos e atrocidades que nos chegam do Haiti? Nós tínhamos uma grande expectativa com relação ao Lula. Achávamos que ele poderia ser uma voz importante, que poderia inserir-se de modo inequívoco na história deste continente, mas estamos profundamente decepcionados”, me disse Chris.
Descendente de irlandeses, Chris vai comemorar esta semana o dia de São Patrício, padroeiro da Irlanda, comme il faut, entre goles de Guinness e boas lascas de Corned Beef. Se a ressaca permitir, no dia seguinte ele pretende ouvir a palestra de Dulci na N.Y.U. Do companheiro intelectual ele espera receber mais do que o Prato Feito das maravilhas do jeito petista de governar, com a cereja no topo da sobremesa principal, oferecida dias atrás pelo presidente chileno Ricardo Lagos com seus elogios rasgados ao governo Lula publicados na imprensa européia. Este, aliás, foi um gol de placa da diplomacia verde-e-amarela. Mas bem que o ministro Dulci poderia alimentar a alma dos curumins de cá contando por que, afinal de contas, o PT chegou ao poder. Será que ele se recorda?
quinta-feira, março 17, 2005
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