quinta-feira, junho 09, 2005

Fernando Gabeira, na Folha de Sábado

Está lá, disponível, no arquivo da Folha de S.Paulo, o fantástico texto de Fernando Gabeira, publicado neste sábado. Um trecho:

(...) essa certeza de que tudo se vence com dinheiro, essa confiança cega em neutralizar a televisão, ampliar a clientela social e simplesmente ignorar os milhares de consciências que assistem a tudo, é um dado novo. Os amigos não estão perdidos; simplesmente passaram a acreditar que o bandido vence no final. Enfrentamos cadeia, tortura e exílio e, de certa forma, sobrevivemos moralmente inteiros. A experiência do poder quebrou mais nossa vontade do que todos os paus-de-arara; os holofotes e o cordão de puxa-sacos nos confundiram mais do que choques elétricos. Amigos que enfrentaram horas de tortura para salvar os outros hoje se dedicam a produzir notinhas, uns contra os outros. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. Há dissoluções mais bonitas, passagens mais perfumadas. Esse episódio, mascarado de ascensão de um trabalhador ao governo, é uma crueldade histórica. Levarei muitos anos para justificar a mim mesmo como foi possível acreditar nisso, já no fim do século 20, quando experiência e prática nos incitavam a duvidar. Ignorantes da tragédia histórica, fomos condenados à farsa.

Verissimo, sobre a lama

Hoje, no Globo: (...) Não fosse por um detalhe, o que estaria em curso hoje no Brasil seria um clássico golpe conservador, com todo o seu arsenal de moralismo seletivo e denuncismo dirigido, contra um inadmissível governo de esquerda. O detalhe que falta, claro, é o governo de esquerda. No fim, a explicação que tem de ser dada não é a dos suspeitos para os jornais e as CPIs, é a do PT para os seus militantes e eleitores, para aquele cara acenando sua bandeira vermelha na esquina, sozinho, de graça, porque acreditava e confiava. E o que precisam lhe explicar é por que mágica seu voto no PT deu num Roberto Jefferson com tantos poderes no governo, inclusive o de derrubá-lo.

quarta-feira, junho 08, 2005

Diretinho da Redação (18)


Ao que vai nascer

Há uma grave lacuna política no país e ela precisa ser ocupada com urgência. O PT, aquele, foi atingido duramente na segunda-feira pela entrevista desavergonhada do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à Folha de S.Paulo. Não se trata de ‘mais um escândalo político envolvendo o governo Lula’. Se nos fiarmos nas denúncias do deputado, do governador de Goiás e do prefeito do Rio de Janeiro, parlamentares do PL e do PP recebiam uma mesada de R$ 30 mil para aprovar projetos do governo. Pior: desde janeiro, pelo menos, sabiam do ‘mensalão’ e, até prova em contrário, nada fizeram, por ordem de importância, os seguintes condôminos do governo: o presidente da república e seis ministros de Estado, entre eles José Dirceu, Aldo Rebelo, Ciro Gomes e Miro Teixeira. Este último ameaçou botar a boca no trombone, mas voltou atrás. Em entrevistas, Teixeira, indignado, vem dizendo que ‘a democracia não pode ficar nas mãos de ladrões”.

A frase é boa, mas vale a pergunta: qual foi a providência tomada pelos próceres da República desde janeiro, quando foram informados do ‘mensalão’? Parar de correr a sacolinha? É assim que se estanca a corrupção no governo dos companheiros? De acordo com Jefferson, Lula chorou, Dirceu deu murros na mesa e Ciro disse que não acreditava na denúncia pois ‘se tratava de muito dinheiro’. Isso apesar de Jefferson considerar que a prática do ‘mensalão’ era ‘coisa de câmara de vereadores de quinta categoria’. E nós com isso?

Aonde está o que resta do PT, daquele PT? Enquanto o velório do partido segue animado pelas verônicas de sempre e ‘neocorvos’ como o prefeito do Rio – fingindo indignação e dizendo que ‘nunca houve tanta corrupção no país’ – a sociedade brasileira ruma perigosamente para a ‘fascistização’ dos modos. Quando os políticos são considerados todos farinha do mesmo saco, policiais parabeninzados por aparecerem em fotos de jornais chutando a cabeça de acusados de crimes e cidadãos honestos vítimas de um ato de violência a cada 15 segundos no Rio de Janeiro, a serpente já está com metade da cebeça para fora do ovo.

Há 26 anos o PT surgiu traduzindo uma inegável evolução das forças progressistas do país. Nos falava de democracia, de combate ferrenho à corrupção e de uma crença na ética e na seriedade do trato com a coisa pública. Queiram seus detratores ou não, o PT foi sim o personagem mais importante da chamada Nova República. A cada vitória eleitoral daqueles que não tinham medo de ser feliz havia a certeza de que o país diminuía o fosso que separa a classe alta do imenso miserê. Acreditou quem quis, permanece de joelhos na igreja sem choro nem vela os acomodados, acostumados ao dízimo da vez.

Um dos personagens mais nefastos da política brasileira, Roberto Jefferson esfrega na cara de mais de 50 milhões de fiéis eleitores a questão: quem votou em Lula para que seu governo reorganizasse a partilha dos reais com os parlamentares dos partidos do Maluf e do Bispo Rodrigues? A triste ‘PMDBização’ do PT corrobora o que a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) detectou como ‘a metamorfose da ética petista no poder’.

O PT, aquele, acabou, não há mais. E agora, eleitor? Em apenas dois anos e meio de governo, os morubixabas do PT conseguiram de uma só vez assassinar a sigla, jogar a esquerda brasileira em uma crise sem tamanho e, mais importante, colocar em cheque, com seus Waldomiros, Delúbios e Silvinhos, as insituições da República, da qual o presidente Lula, em discurso emocionado, finalmente se lembrou que é o ‘seu maior defensor’. Trabalhador vota em Tabalhador? Balela. No Brasil, ontem e hoje, o mote é um só – aqui, meu amigo, parceiro apóia parceiro. O momento é o de respirar fundo, tapar o nariz e dar o passo à frente. É preciso jogar a pá de cal no caixão que reluz em nossa frente e depositar as esperanças ao que vai nascer. Quem sabe os que têm coragem para tanto não nos ofereçam algo tão novo quanto aquele tal de PT. Quem me acompanha?

Quando a gente pensa que já ouviu de tudo...

Acaba de dar na Rádio Guaíba que o ‘Repórter Vesgo’ foi expulso do Congresso. Os humoristas da Rede TV estavam gravando seu “Pânico” sobre o mensalão e, aparentemente, deputados e senadores se sentiram ‘ofendidos’. E nós, cara-pálida? Devemos nos sentir como?

terça-feira, junho 07, 2005

Quando a gente pensa que já leu de tudo...

...tá na Folha de S.Paulo de hoje:

...o ator Raul Cortez se dizia "admirado" no lançamento da nova Daslu, no sábado. Ele vai à loja uma vez a cada três meses e diz nunca ter desembolsado "mais de R$ 20 mil em uma compra. Mas já cheguei quase lá".

Folha - Que tal a nova Daslu?
Raul Cortez - Estupenda! A Daslu se assume como uma butique de luxo, que vende luxo. Admiro a coragem de quem não tem culpa de ter dinheiro e de expor isso de uma maneira tão aberta.
Folha - Essa culpa é comum?

Cortez - É. E aí as pessoas começam a contribuir com essas ONGs, essas obras beneméritas... O paulistano é um povo provinciano, preocupado com o que o outro vai pensar. E não vê que acontecem coisas piores no país. A corrupção desse governo me revolta. Essa história de barrar a CPI, de compra de deputados é terrível.
Folha - Mas o governo de Fernando Henrique, com o qual o senhor simpatizava, também sofreu denúncias.

Cortez - Mas [a corrupção] é um mal do povo brasileiro! Está na nossa genética ruim, feita com imigrantes, um povo degradado. As pessoas de Portugal que vieram eram as que mais atrapalhavam. Depois chegaram os outros imigrantes, já tentando impor respeito. Começou tudo errado.

PODE?

domingo, junho 05, 2005

Diretinho da Redação (17)


O texto abaixo está lá no www.diretodaredacao.com e trata de triste ironia. Ao mesmo tempo em que dois jornalistas – Bob Woodward e Carl Bernstein – são festejados por proteger durante três décadas sua fonte confidencial, outros 18 – entre eles Judith Miller, do “The New York Times” e Matt Cooper, da “Time” – podem parar na cadeia pelo mesmíssimo motivo. Sinal dos tempos.


Ele não podia ter aparecido em melhor hora. Garganta Profunda era W.Mark Felt, o número dois do F.B.I. na segunda metade dos anos 70. Foi ele quem ajudou os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do The Washington Post, a iniciar a queda irreversível do governo Nixon. Poderia hoje a imprensa repetir com qualquer membro do alto-escalão do governo Bush a seqüência de denúncias e provas inconstestáveis de sérias irregularidades que levaram à renúncia daquele outro governo republicano? Provavelmente não.

Nas últimas semanas a Casa Branca vem batendo na tecla de que a reportagem da Newsweek sobre a utilização de métodos nada ortodoxos – incluindo jogar o Corão privada abaixo – para conseguir informações de prisioneiros muçulmanos na base naval de Guantânamo, na ilha de Cuba, é o tipo de história que deveria ser banida do jornalismo sério e responsável. Principalmente porque a fonte principal da reportagem pediu que seu nome não fosse revelado. Ironia ou não, a Newsweek é a revista do mesmo grupo que publica o The Washington Post. E atinge novamente um governo extremamente conservador, comandado pela linha-dura do Partido Republicano.

A reportagem de Michael Isikoff e John Barry – dois sérios e premiados repórteres – gerou protestos em todo o mundo islâmico, notadamente no Afeganistão e no Paquistão. Uma das funções mais importantes – e raramente alcançada – das boas hostórias jornalísticas é justamente a de mexer com os leitores, chacoalhar o status quo, tornar-se o ponto de partida para a modificação da realidade. O governo Bush acha que este ‘jornalismo irresponsável’ representa nada mais do que uma ‘propaganda negativa’ para os Estados Unidos em uma região estratégica como o Oriente Médio.

Propaganda política e jornalismo não devem se misturar, a não ser em casos extremos. São como água e vinho. Mas tanto a denúncia da tortura de seres humanos praticada sistematicamente por soldados que representam um país reconhecido pela O.N.U. quanto a revelação do esquema fraudulento da eleição do principal mandatário da nação são traduzidos pelo neo-cons como anti-patriotismo. Não por acaso, neste exato momento, 18 jornalistas respondem a processo aqui nos Estados Unidos por conta de reportagens com graves denúncias em que o informante ajudou o trabalho do repórter, com a condição de que permaneceria anônimo. Na maior parte dos casos acredita-se que a fonte faz parte do establishment governamental – exatamente como no caso do Garganta Profunda.

Neste mês os donos dos principais jornais do país, incluindo o The New York Times, concordaram em diminuir progressivamente as reportagens que não apresentem todas as fontes ‘on the record’. O U.S.A. Today chegou ao cúmulo de banir para sempre de suas páginas histórias baseadas em informantes anônimos. Pena. Histórias como a do Garganta Profunda dependem de os capitães da imprensa confiarem mais em seus empregados do que nas benesses do governo federal. Mas também não deixa de ser revelador o motivo final pelo qual Felt decidiu, quase três décadas depois, revelar sua identidade. Glória e dinheiro. Busca de reconhecimento e de segurança financeira. Duas metas mais do que fundamentais na receita batida de se encontrar a felicidade ao modo norte-americano.