Aqui vai:
Ex-assessor de presidentes cobra rigor de Obama com Israel
O hoje professor Aaron Miller caminha com o presidente da ANP Mahmud Abbas, durante visita do então militante palestino a Washington em setembro de 1997 |
Eduardo Graça
Direto de Nova York
Uma das estrelas do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos, o escritor Aaron Miller acaba de lançar nos EUA o livro The Much Too Promised Land: America's Elusive Search for Arab-Israeli Peace (A Terra Prometida Demais: A Nebulosa Tentativa Norte-Americana de Um Acordo de Paz entre Árabes e Israelenses), um estudo dos últimos 20 anos de conflitos no Oriente Médio, ainda sem tradução em português.
Auxiliar direto de sete secretários de Estado dos EUA desde o governo de Jimmy Carter, Miller escreveu em janeiro um editorial na revista Newsweek pedindo que o presidente Obama seja mais duro com Israel e lembrando que a destruição em Gaza não ajudará Tel-Aviv a assegurar seus objetivos principais. É possível transformar o cenário de terra-arrasada em uma plataforma para a paz?
A reportagem do Terra conversou com Miller sobre as perspectivas de um novo tabuleiro de xadrez na região com a chegada de novos personagens, como a secretária de Estado Hillary Clinton e seu enviado especial para a região, o experiente ex-senador George Mitchell, conhecido por sua mediação no conflito entre católicos e protestantes na Irlanda.
Os palestinos dizem que as três semanas de ataques israelenses na Faixa de Gaza foram um massacre. Israel, por sua vez, afirma que o Hamas utilizou a própria população como escudo, sendo os maiores responsáveis pelas vítimas civis. O senhor acredita que saberemos de fato o que aconteceu na invasão de janeiro?
Não creio. Temos aqui duas narrativas completamente diferentes para justificar o comportamento e as ações de cada lado. Mas, francamente, é impossível negar ou ignorar a perda da vida humana, que, até este momento em que estamos conversando chegam a 1.300 pessoas assassinadas. E deste número, 45%, no mínimo, de civis, incluindo crianças. Também não se pode ignorar a realidade de milhares de feridos. Não tem jeito, isso acontecerá todas as vezes em que um Estado decidir operar em um área populosa, ainda que a intenção primeira de Israel claramente não fosse a de atacar civis.
E Israel alcançou seus objetivos em Gaza?
O objetivo de Israel não era apenas o de destruir o aparato militar do Hamas, mas especialmente garantir o fim da possibilidade de foguetes serem lançados de Gaza com alvos nas cidades israelenses. E eles vinham acontecendo como uma intensidade impressionante. Creio que, provavelmente, Israel conseguiu realizar este objetivo inicial, acho que não se verá foguetes na parte meridional de Israel tão cedo. Mas o preço foi muito alto. Israel alega que avisou a população dos ataques através de telefonemas e outros meios de comunicação, mas a realidade é que, naquelas circunstâncias, com a intensidade do ataque, não havia qualquer chance de não matar uma quantidade imensa de cidadãos, que foi o que aconteceu.
O senhor está falando da perda humana, que de fato é a parte mais horrenda do ataque israelense, mas também houve uma perda de autoridade de Tel-Aviv no momento em que se tenta novamente discutir a paz na região.
É verdade que as chances de paz são ainda menores agora, mas argumentaria que elas já eram mínimas antes da operação militar. Israel calculou a invasão militar com absoluta precisão. Eles estavam prontos para aceitar as conseqüências do desastre diplomático. Sim, as demonstrações nas ruas do mundo ocidental foram gigantescas, mas a questão é: o quão custoso, de fato, foi para a diplomacia israelense ter invadido Gaza? Não esqueça, uma semana depois de entrarem em Gaza, os líderes de Alemanha, Grã-Bretanha e França estavam jantando com a liderança israelense. Com os EUA e as três nações européias, as relações continuam iguais, não foram ameaçadas em momento algum. Tel-Aviv estava determinada a dar uma lição ao Hamas e não se importou com as conseqüências ou qualquer reação externa.
Uma das conseqüências políticas mais óbvias parece ser o enfraquecimento do presidente da Autoridade Palestina, Mahamoud Abbas. Há relatos de que forças do Fatah teriam reclamado extra-oficialmente com Tel-Aviv pelo fato de Israel não ter destruído de forma ainda mais incisiva o aparato do Hamas.
Não há dúvidas quanto a isso. Abbas sai ainda mais enfraquecido, mas precisamos lembrar que ele já era uma figura fraca, um comandante de um mini-Estado na Cisjordânia onde, no fim das contas, ele sequer exerce o controle de fato. Mas a síntese de sua posição débil é a de que durante estes 23 dias em que os israelenses estavam bombardeando Gaza, Abbas não pôde fazer nada, nem mesmo usar sua relação com os EUA ou Israel para salvar os palestinos. Não pôde fazer com que os israelenses parassem. Não pôde forçar uma intervenção norte-americana. E digo isso com tristeza, porque considero Abbas um bom e moderado líder. Qual o papel dele em um compromisso para o fim do lançamento de mísseis em território israelense? Nenhum. Israel também precisa lidar com o Hamas se quiser seu soldado, que foi seqüestrado, de volta ao país.
Mas é possível negociar com o Hamas?
Para Israel, esta negociação se dá através do Egito. Creio que em 10 dias teremos uma definição clara, com um cessar-fogo negociado via Cairo. Prevejo que a trégua dure pelo menos um ano e que haja, em algum momento, uma troca de prisioneiros. É o Hamas que tem poder e influência na Palestina hoje e suas lideranças o exercem, de certo modo, deixando do outro lado do espelho a fraqueza de Abbas e do Fatah.
O senhor vê o Egito como negociador-mor do conflito. Recentemente o senhor criticou o governo Bush, dizendo que os EUA se marginalizou nos últimos anos, no que diz respeito às discussões de paz na região. O senhor crê que a administração Obama mudará este cenário?
Ainda creio que os EUA têm um papel importante a cumprir no conflito árabe-israelense. Mas sou cético de que, mesmo com nossa mediação, conseguiremos avançar no estabelecimento de paz entre Israel e Palestina. Não acredito que conseguiremos resolver as quatro questões fundamentais aqui: Jerusalém, refugiados, fronteiras e segurança. Não há como se chegar a nenhum acordo hoje e não creio que os EUA conseguirão produzir uma solução. Talvez possamos ajudar a reconstruir Gaza, assegurar um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, assegurar que os portos de entrada da Palestina sejam abertos, para que a economia local se desenvolva e fortalecer Abbas na Cisjordânia. Podemos até tentar promover encontros discretos entre Israel e Palestina, mas até mesmo isso requeria um enorme esforço de Washington e não estou certo de que esta é a prioridade de Obama no momento. E enquanto israelenses e palestinos piamente acreditam que eles são o centro do mundo, os norte-americanos estão focados na crise econômica. Esta será a prioridade óbvia do governo Obama.
A América Latina se sentiu completamente ignorada pelo governo Bush depois dos atentados de 11 de setembro. O senhor crê que a crise econômica diminuirá ainda mais a importância da região no governo Obama?
Sugiro a você que a música mudará e que a forma de aproximação dos EUA na região será melhor. Mas a atenção de Washington continuará sendo dedicada ao senhor Hugo Chávez, ao petróleo venezuelano, ao México e aos irmãos Castro em Cuba. E Washington vê hoje o Brasil, especificamente, como um jogador de importância não mais regional, e sim mundial em termos econômicos. Mas em termos de política externa, as prioridades deste governo serão o Oriente Médio e o Sudeste Asiático. Lá estão as maiores ameaças aos interesses norte-americanos, não na China, na Rússia ou na América Latina. A histeria que se viu aqui no episódio dos contras na Nicarágua durante o governo Reagan (quando Washington financiou os grupos anti-sandinistas sob a desculpa de que se assegurava contra uma invasão nicaragüense) e que agora se repete com o mito da ameaça venezuelana não são criveis. A real ameaça à segurança dos EUA está no Oriente Médio e no Sudeste Asiático.
Exatamente por isso a secretária de Estado Hillary Clinton foi severamente criticada por não ter ido imediatamente para o Oriente Médio, optando por enviar o ex-senador George Mitchell para representar os interesses da administração Obama na região.
Mas o fato de Mitchell ter sido designado para a região dois dias após Obama ter assumido o governo é evidência suficiente de que esta administração quer ser vista como mais focada na região do que a anterior. E eles estão. Só questiono as chances de sucesso de Mitchell. Não adianta mudar o cenário e os atores, a peça precisa melhorar como um todo. E para tanto precisaremos ser efetivos, o que não creio que será o caso.
O senhor escreveu recentemente um editorial na revista Newsweek em que dizia que os dias dos EUA como parceiro incondicional de Israel estariam chegando ao fim e que Barack Obama precisava ser mais duro com Tel-Aviv. O senhor acredita que isso já está acontecendo? Não seria uma tarefa ainda mais complicada se as pesquisas de opinião estiverem corretas e o ultra-conservador Benjamin Netanyahu assumir o poder nas eleições da semana que vem?
Sim, é possível e lhe dou dois exemplos. Em 1977, com Menachem Begim, e em 1996, com o próprio Netanyahu, ambos do linha-dura Likud, conseguimos ajudar os dois lados a de fato assinarem acordos. Não acredito que a eleição de Netanyahu significará o fim de qualquer possibilidade de paz. Mas meu argumento é bem simples: os EUA, hoje, tem uma relação especial com Israel. E esta relação, de melhores amigos, não vai mudar, ela é calcada em vários fatores que não são ligados ao processo de paz. A maioria dos norte-americanos acredita que comunga dos mesmos valores que os israelenses, que é a fundação desta relação. O que questiono é a forma desta relação, tanto durante o governo Clinton quanto o de George W. Bush, que excluiu qualquer tipo de crítica, especialmente em relação à política de colonização da Cisjordânia, de confisco de terras dos palestinos, de demolição de casas. Atos que não são, em hipótese alguma, relacionados à segurança de Israel. Os americanos querer acreditar que qualquer desejo israelense é, em princípio, um objetivo americano. Não há lógica aqui.
Não há dois países no globo em concordância absoluta...
Exato. Por isso meu chamado à nova administração, que perceba a distinção entre os interesses de Washington e Tel-Aviv. Qual será, por exemplo, o papel do governo Obama na reconstrução de Gaza? Não podemos, por conta de nossa própria legislação, enviar qualquer assistência material ao Hamas, considerado uma organização terrorista. Isso é lei, não é política externa. Seria preciso um imenso esforço para se passar uma lei no Congresso que estabelecesse uma exceção. Honestamente, a maior contribuição que os EUA podem dar, hoje, é assegurar que as entradas de Gaza, na fronteira com Israel, permaneçam abertas. Sem este simples ato, sufoca-se economicamente a Faixa de Gaza. E Israel quer usar estes postos de fronteira como elemento fundamental de barganha, para conseguir o que quer, incluindo o fim da entrada de armas pelo mercado negro.
Há mais de 20 anos o senhor vem observando o Oriente Médio. Crê que estamos no pior dos mundos hoje?
Estou especialmente preocupado com as perspectivas para um acordo de paz entre Israel e Palestina. Mas, por outro lado, creio que abriu-se uma oportunidade para um acordo entre Israel e Síria, incluindo a devolução das Colinas de Golan, o que seria um enorme impulso para a normalização das relações de Tel-Aviv com o mundo árabe. Creio que isso possa acontecer até o fim do primeiro mandato de Obama. Vai ser um processo complicadíssimo, mas poderá de fato ocorrer.