segunda-feira, julho 06, 2009

CARTA CAPITAL - edição de 3/07


Internacional

Não será como nos anos 60

03/07/2009 14:55:24

Eduardo Graça, de Nova York


Para desconsolo de alguns imitadores brasileiros do estilo neocon, ninguém teve a coragem de defender o golpe militar que depôs Manuel Zelaya da Presidência de Honduras. Ao contrário. Houve uma inédita convergência entre os Estados Unidos e a Venezuela na condenação aos golpistas. A Organização dos Estados Americanos (OEA) exigiu a recondução de Zelaya ao poder até sábado 4, caso contrário Honduras será suspensa pelo organismo.


Analistas concordam que a veemência com que o presidente Barack Obama condenou o movimento armado redimensionou a extensão das mudanças da política externa norte-americana. Em 2002, o governo Bush reagiu de forma mais do que simpática à quartelada contra Hugo Chávez na Venezuela. “A reação é parte da tentativa de se diminuir os danos causados pela desastrosa política de Bush para a região. Foi na tomada de posição de Obama, aliás, que a reação decidida do presidente Lula contra o golpe teve mais impacto. Brasília ajudou Obama a dar o tom de sua resposta, menos presa à linha moderada da secretária Hillary Clinton”, diz o professor
Alejandro Velasco, especialista em América Latina na Universidade de Nova York e autor de celebrado trabalho sobre protestos urbanos na Venezuela entre 1958 e 1989.

Os EUA, que mantém em Honduras a Base Aérea de Soto Cano, sua principal unidade militar na América Central, considera a administração Roberto Micheletti ilegal. O político assumiu o executivo após uma “declaração de ausência” do presidente Zelaya votada no Congresso. Zelaya fora enviado de avião para Costa Rica, de pijamas, em uma seqüência de acontecimentos que lembrava a Brasília de abril de 1964. O governo Obama também adiantou o corte da ajuda econômica ao país se o ultimato da O.E.A. não for respeitado. Um oficial do departamento de Estado disse ao New York Times que a administração democrata aposta no isolamento total do novo governo, pois “não há mais espaço no século XXI para este tipo de golpe”.


Sinal dos tempos. De acordo com documentos oficiais, o golpe militar contra o governo esquerdista democraticamente eleito de Jacobo Arbenz em 1954 na Guatemala foi arquitetado pela C.I.A. a partir de Tegucigalpa. Meio século depois, veio de Washington a pressão para que o Banco Mundial anunciasse a suspensão de uma linha de crédito de 270 milhões de dólares que seriam usados em projetos sociais em Honduras. O incremento da atuação do Banco Mundial na América Latina é uma prioridade do governo Obama e são cada vez menos secretas as conversas nos EUA para que a instituição receba o comando de um líder latino-americano a partir de 2011. O nome favorito de Obama seria justamente o do presidente Lula. O Banco Inter-Americano de Desenvolvimento também anunciou pausa por tempo indeterminado de todos os projetos no país centro-americano, um dos mais pobres da região, com 50% da população vivendo em extrema pobreza, de acordo com a ONU.


Fica a dúvida de até quando os golpistas agüentarão a pressão internacional. Em Honduras, o novo governo não parece interessado em ceder um milímetro a sua posição: militares, a maioria conservadora no legislativo e a Suprema Corte entendem o ato militar de domingo como um contra-golpe, uma reação à tentativa de Zelaya de estabelecer um governo nos moldes do bolivarianismo chavista, desrespeitoso do equilíbrio entre os três poderes e fincado em uma prática de plebiscitos permanentes reduzindo a força da democracia representativa.


Tal linha de raciocínio não ganhou eco na mídia internacional. O NY Times destacou a manchete do Estado de São Paulo da terça-feira dando conta de que “Obama lidera a reação contra o golpe em Honduras” como um exemplo da política multilateral prometida pelo democrata na campanha eleitoral posta em prática em um momento de crise. Já o Washington Post pediu em editorial que Obama vá “além de Brasil e Chile” e condene tanto o golpe quanto a tentativa de ataque democrático de Zelaya à democracia representativa. O jornal não entrou no mérito da aprovação das reeleições pelos legislativos sem participação popular, como no caso do Brasil em 1998. Nem informou seus leitores que o plebiscito de domingo em Honduras daria aos eleitores o poder de convocar uma Assembléia Constituinte.


No jogo de xadrez da política externa nas Américas, Washington teria aumentado seu poder de pressão na hora de denunciar futuros abusos de governos eleitos democraticamente, como os da Bolívia, Nicarágua e Venezuela. Não por acaso, ganhou destaque na cobertura do golpe nos EUA as declarações dos líderes da oposição em Caracas, com a Acción Democrática rebatizando Hugo Chávez de “o George Bush da América Latina” por conta de sua ameaça de enviar tropas para Honduras. “Na batalha entre as visões de democracia que imperam hoje na região, o golpe em Honduras é uma derrota para Chávez na medida em que ele consolida Obama como defensor do princípio democrático”, diz Velasco.


Além de anunciar que não há a menor possibilidade de aceitar o retorno de Zelaya - um rico fazendeiro eleito com apoio da elite em 2006 e que deixou de lado o credo neo-liberal pelo evangelho chavista nos últimos dois anos depois de bater de frente contra o tratado de livre-comércio firmado com os EUA - o governo provisório de Honduras afirmou também estar preparado para defender a democracia hondurenha pela força das armas.

Na quarta-feira, Micheletti decretou estado de emergência e derrubou direitos constitucionais como a inviolabilidade de domicílio e o limite de 24 horas para prisões preventivas. O toque de recolher, em vigor desde domingo, permanecerá pelo menos até sábado, quando se encerra o prazo dado pela OEA para o retorno de Zelaya, que foi longamente aplaudido em seu discurso esta semana na sede da ONU.
Na quinta-feira, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, partiu para Tegucigalpa com sugestões como a anistia geral para os golpistas e a garantia de que Zelaya seja impedido de disputar a reeleição.

Se o impasse persistir, a pior opção, garante o historiador Greg Grandin, é a intervenção armada. Em comentado artigo na The Nation, o diretor do programa de pós-graduação de História da NYU diz que o departamento de Estado já trabalha com uma “alternativa Haiti”.


“Em 1994, Bill Clinton trabalhou para a volta de Jean-Bertrand Aristide ao poder. Foi um desastre, com aumento da pobreza e polarização política que prepararam o terreno para um segundo golpe de estado, em 2004, apoiado por Bush”, lembra. Washington, diz Grandin, deveria manter a posição de seguir o restante da América e evitar a todo custo uma saída militar para a crise: “Quando a presidente do Chile visitou Washington no mês passado um repórter perguntou a Obama se ele pediria desculpas em nome dos EUA pelo golpe contra Allende em 1963. Ele disse que estava interessado em olhar para o futuro. Pois bem, esta é uma oportunidade de ouro para Obama mostrar que ele rompeu mesmo com o passado e alinhou os EUA com a democracia em todos os seus tons, ainda que não se goste do ator principal escolhido pelos cidadãos de seus povos”.