sexta-feira, novembro 24, 2006

ENTREVISTA/Ridley Scott


O Valor Econômico (aqui, para assinantes) publicou hoje minha entrevista com o diretor Ridley Scott, que estréia na primeira semana de dezembro seu Um Bom Ano, com Russell Crowe no papel principal. O papo, no hotel The Mark, no Upper East Side, foi bem legal, ele falou bastante sobre as filmagens de American Gangster, com Crowe (novamente!) e Denzel Washington.

Do sol da Provence à Big Apple

Por Eduardo Graça, para o Valor
24/11/2006

O domingo é de céu azul em um dia glorioso de outono em Nova York, mas sir Ridley Scott, 69 anos, ainda não conseguiu atravessar a rua, sair do The Mark Hotel e caminhar pelo Central Park. Do lado de fora da janela os tambores dos diferentes grupos folclóricos representando nações da América Latina na famosa parada do dia de Cristóvão Colombo invadem a suíte. É um dos raros momentos em que os muitos habitantes de Manhattan, que Scott venera, parecem respirar em ritmo de feriado. O clima festivo, no entanto, não contagia o diretor britânico. Cansado, com largas olheiras e poucos sorrisos, ele divide sua atenção entre o lançamento de seu primeiro longa-metragem açucarado, "Um Bom Ano", que estréia nos cinemas brasileiros na sexta-feira, dia 1º, e a agenda corrida das filmagens de "American Gangster", sem data de estréia definida. Dois filmes completamente distintos, um passado na bucólica Provence, na França meridional; outro nas ruas do Harlem dos perigosos anos 1970. Mas com um protagonista em comum: Russell Crowe, que já havia trabalhado com Scott no arrasa-quarteirão "Gladiador".

"Um Bom Ano", que custou US$ 35 milhões e arrecadou apenas US$ 3,7 milhões em sua primeira semana, acabou tendo sua mais famosa frase proferida por ninguém menos do que Rupert Murdoch, o poderoso chefão da Fox (que abrigou a produção de Scott). Sincero, ele afirmou em uma entrevista que, ao contrário de "O Diabo Veste Prada", sucesso de seu estúdio, "Um Bom Ano" havia sido um "inesperado fracasso". Idealizador de obras originais e impressionantes como "Alien", "Blade Runner" e "Telma e Louise", foi Scott quem deu a idéia a Peter Mayle, seu vizinho em um vinhedo no sul da França, para escrever a história de Max Skinner (Crowe), alto funcionário de um banco de investimentos, frio e individualista, que se humaniza ao herdar uma vinícola aparentemente decadente na Provence, terra adorada de seu tio Henry (Albert Finney). Com uma forte pitada cômica, um quê de nostalgia e uma bela morena (Marion Cotillard, de "Eterno Amor") que logo cai nas graças de Skinner, Scott vai muito além de um bom ano - termo utilizado pelos vinicultores para celebrar uma safra excepcional - e procura apresentar sua receita de uma boa vida.

Exatamente como a dezena de narrativas de Mayle, "Um Bom Ano" parece direcionado a espectadores mais ou menos semelhantes aos protagonistas dos romances do escritor inglês, presos em suas rotinas que incluem o vaivém da casa para o trabalho, a insana competição dentro do escritório e um clima quase sempre frio e chuvoso, em que o acúmulo de capital vale mais do que o contato humano. Sem uma taça de vinho para acompanhá-lo, Scott, que tem fama de ser brigão no set de filmagem, conversou com o Valor, a seco, calmo e com uma voz baixinha, quase sussurrando, sobre estas e outras aventuras.
- Qual a linha de raciocínio que pode-se estabelecer entre três de suas mais recentes escolhas, "Gladiador", "Um Bom Ano" e "American Gangster"?
- Não há conexão alguma. São três linguagens diferentes, com personagens completamente diferentes, histórias diversas. Há, claro, o Russell. Mas ele é um ator que tem essa capacidade impressionante de se transformar e que se interessou pelos projetos justamente por que eles não tinham muito em comum uns com os outros.
- O senhor desenvolveu uma relação muito especial com Russell Crowe? Afinal de contas parte da experiência de se filmar é justamente o imenso tempo que se passa ao lado da equipe. Nas filmagens de "Gladiador" houve uma série de notícias sobre possíveis desentendimentos entre o senhor e ele...
- Para realmente mergulhar juntos em um trabalho, muitas vezes, você precisa ir fundo em certos desentendimentos em relação ao conceito do que você está filmando. E às vezes essas batalhas são importantíssimas para o desenrolar de um projeto vitorioso...
- Gostaria de saber, afinal, quem venceu em "Gladiador" (risos)?
- Filmar é um processo muito difícil, especialmente se você é sério, como o Russell. Mas acho que no fim ele respeitou minhas escolhas, mais um motivo para continuarmos juntos. Acho que o que se estabeleceu entre nós foi uma relação de confiança, fundamental para que eu realizasse tanto "Gladiador" quanto "Um Bom Ano" e agora "American Gangster". Pronto, está aí a linha de raciocínio que você queria! [risos]. Embora não haja nada como filmar personagens que ainda estão vivos.
- Como em "American Gangster"...
- Exatamente. O filme trata da história do Frank Lucas, vivido pelo Denzel Washington, que foi o maior traficante de drogas no Harlem nos anos 70, conhecido como Superfly, e do agente da seção de narcóticos Richie Roberts, que conseguiu estabelecer uma parceria com Lucas e desbaratar o crime na parte norte aqui do Central Park. Este quem faz é o Russell. E hoje em dia Roberts é um senhor advogado de defesa, o que é algo original para um policial de tamanho sucesso em levar seus suspeitos para o banco dos réus.
- E como se dá a parceria entre os dois?
- Roberts oferece a Lucas a chance de entregar, um a um, todos os policiais corruptos da cidade. E ele ficaria menos tempo entre as grades. Acaba pegando 17 anos. Hoje Lucas tem 74 anos e tanto Denzel Washington quanto Russell mergulharam na vida desses dois homens de modo impressionante. Estou muito animado e ainda temos pelo menos mais um mês de filmagens aqui, além da viagem para as montanhas do Camboja, já que parte da heroína vendida por Lucas na cidade chegava dentro dos caixões de soldados mortos na Guerra do Vietnã, o que é, no mínimo, bizarro.
- Mas não é igualmente bizarro o senhor trocar a paradisíaca Provence pela Nova York violenta e sem esperança dos anos 1970?
- Eu preciso de mudanças radicais como esta. É assim que funciono. Tenho horror a fazer coisas iguais. Veja minha carreira. Não poderia ter feito filmes mais diversos uns dos outros, não é mesmo?
- É verdade que "Um Bom Ano" nasceu de uma notícia de jornal?
- De fato, eu li uma reportagem sobre pequenos vinicultores que estavam ganhando rios de dinheiro com vinhos de butique, raros e com sabores realmente especiais, produzidos em pequena escala em sítios da Provence, e tive a idéia para um argumento. Conversei com Peter (Mayle) e ele topou escrever o livro com o compromisso de que eu levaria para a tela em seguida [risos], como se isso funcionasse dessa maneira simples.
- Mas como foi parar na Provence?
- A resposta mais simples do mundo: estava em busca de sol. Vivi dez anos em uma propriedade linda na Inglaterra, uma fazenda belíssima, com meus cachorros e cavalos, mas chovia o tempo todo. E apesar de ter desenvolvido lá uma outra paixão, que é a habilidade de cultivar jardins, desenhá-los mesmo, minha família queria sair de lá de qualquer maneira. Acabei vendendo a propriedade e reencontrei o fazendeiro que tenho dentro de mim no sul da França. E lá o clima e o terreno não poderiam ser mais fantásticos. Eu me apaixonei mesmo.
- O senhor tem uma pequena vinícola. Pode nos contar o segredo de se produzir um bom vinho?
- Pois é justamente ter um bom ano. [risos]. Agora, eu falo sério, boa temperatura é fundamental, mas, claro, no fundo é o solo que dita a qualidade do vinho, especialmente quando falamos de um bom Bordeaux. Há agora um grande investimento em tecnologia em locais tão diversos quanto a Austrália, a Nova Zelândia, que tem um champanhe sensacional, e a Califórnia. Sem esquecer da África do Sul, é claro. Napoleão Bonaparte, quando foi confinado em Santa Helena, relacionava entre os prazeres a possibilidade de beber o melhor vinho sul-africano. O vinhedo, até hoje, aliás, chama-se Bonaparte.
- O senhor acredita que "Um Bom Ano" entra naquele terreno perigoso de alertar o homem moderno que ele vem se esquecendo de aproveitar a vida?
-Não diria isso não. Ao menos eu espero sinceramente que a maioria dos seres humanos não estejam tão desconectados assim da essência de suas vidas. Vivendo em Nova York nos últimos quatro meses da minha vida, tenho sentido o oposto. Esta cidade é absolutamente lotada de pessoas completamente diferentes dividindo um espaço minúsculo, cada qual com seu cachorro - adoro isso sobre Manhattan, a quantidade de cachorros e a limpeza das ruas, sabia? -e essas pessoas vivendo seus sonhos com a maior força de vontade.
- Já que agora estamos falando de persistência, o senhor vai fazer 70 anos quando do lançamento de "American Gangster". Já imagina qual novo gênero vai explorar depois da história de amor e do policial?
- Essa é boa [risos]. Não sei. Mas eu voltei a pintar. Aliás, me reencontrei recentemente com o David Hockney, que foi meu colega de classe, e cometi a tolice de revelar isso a ele. Imagina, ele me mostrou aquelas coisas maravilhosas que ele tem feito, umas aquarelas de paisagens do Marrocos que são puro Matisse. E eu jamais conseguiria pintar algo dessa qualidade, com aquela luz absolutamente fantástica.

HAPPY FEET/Folha de S.Paulo


Saiu hoje na Folha de S.Paulo (aqui, para assinantes da Folha ou do UOL) meu texto sobre o filme Happy Feet - o Pingüim. Conversei com os atores Robin Williams e Elijah Wood e com o diretor George Miller. Também saiu esta semana, na Contigo! (aqui, apenas para assinantes), meus pingue-pongues com Wood e Williams. Sim, o filme é bem engraçadinho.

Cinema

Pingüim bate 007 e chega ao país


Versão brasileira tem Daniel de Oliveira e Magal substituindo vozes de Elijah Wood e Robin Williams

Para Wood, "Happy Feet", animação que superou bilheteria de James Bond nos EUA, ensina a valorizar senso de individualidade

EDUARDO GRAÇA*
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Uma legião de pingüins animados por computador tomou de assalto os cinemas americanos no último dia 17 e chega hoje ao Brasil, com as vozes de Daniel de Oliveira (no lugar do "hobbit" Elijah Wood) e Sidney Magal (substituindo Robin Williams) na versão dublada.
"Happy Feet: O Pingüim" já amealhou US$ 42 milhões nas bilheterias americanas, superando o novo James Bond e seu "Cassino Royale" na disputa pelo topo da lista na primeira semana do lucrativo período de feriados nos EUA, que começa no Dia de Ação de Graças (ontem) e vai até o Ano Novo.

"Happy Feet" conta a história de Mano, um pingüim imperador (os mesmos retratados em "A Marcha dos Pingüins", vencedor do Oscar no ano passado) que, ao contrário de seus pares, é incapaz de cantar. Com a voz e os imensos olhos azuis de Elijah Wood, Mano é um exímio dançarino, mas precisa deixar o conforto da vida ao lado dos pais (nas vozes de Hugh Jackman e Nicole Kidman) e encontrar os amigos Ramon, um machão latino, e Lovelace, com seu timbre emprestado de Barry White (ambos na voz de Robin Williams), para descobrir que não existe mal nenhum em ser diferente. "A grande mensagem do filme é a valorização do senso de individualidade", diz Wood em entrevista à Folha. "Aquilo que aparentemente nos separa uns dos outros é, muitas vezes, a essência do que somos, e devemos celebrar isso com intensidade. Eu me sinto extremamente satisfeito por ser, em muitos aspectos, bem diferente da imagem convencional de uma estrela de Hollywood."

Elvis e Robin Williams

Uma das razões do sucesso de "Happy Feet" é a trilha sonora, que também alcançou os primeiros lugares das paradas musicais. Há de tudo um pouco -Elvis, Beach Boys, Beatles, Prince e até Robin Williams cantando "My Way" em espanhol. "O George [Miller, diretor] pediu, e acabou saindo essa coisa meio "Brokeback Mountain" que é o Ramon cantando para o Mano: "No lo sé como te dejar'", brinca Williams, tentando criar algo como o som de um pingüim cantor de tango, para a diversão de Wood, que cai na gargalhada: "O que mais me fascinou no Mano foi essa desconexão dele com as opiniões negativas que os outros têm dele. Por ingenuidade e uma enorme auto-confiança, ele não dá bola para o julgamento alheio. Esta é uma senhora qualidade que busquei exacerbar na hora de colocar a voz no estúdio", diz.
Foi George Miller quem decidiu incluir no projeto temas sérios, como os danos causados na Antártica pela indústria pesqueira, o aquecimento global, a violência e a imigração ilegal, com a velha fábula do patinho feio incrementada por problemas contemporâneos caros a crianças e adultos.

"A parte mais assustadora ficou concentrada na ação dos leões marinhos, que me lembram os momentos mais sombrios de clássicos da Disney, como "Bambi" e "Pinóquio'", diz Miller. "E mesmo o público mais conservador, mesmo os evangélicos que não acreditam em aquecimento global, conseguirão se identificar com personagens mais autoritários do mundo dos pingüins", completa, com certa dose de ironia.

* O jornalista EDUARDO GRAÇA viajou a convite da distribuidora Warner

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, que já está no DR, é sobre a morte de meu querido Robert Altman, diretor de filmes fundamentais para se entender os Estados Unidos.


Publicada em: 23/11/2006

MORRE O ÚLTIMO GRANDE DIRETOR DE HOLLYWOOD
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Poucos foram capazes de decifrar com tamanha exatidão estes estados mais ou menos unidos. Poucos compreendiam tão bem o paradoxo do país-continente e da vida ensimesmada dos que teimam em permanecer com o queixo enterrado no próprio umbigo. Ainda me lembro da sensação de felicidade, vergonha e ironia que impregnou a sala de cinema na primeira sessão do primeiro dia de lançamento aqui em Nova Iorque de seu mais recente filme, ainda em cartaz no Brasil, A Praire Home Companion, um retrato preciso da vida modorrenta e mágica do coração dos EUA.

Robert Altman nasceu em Kansas City, no Missouri. Endereço mais americano não há. Aos 81 anos de idade, podia passar a mão pelos cabelos brancos e dar uma risada de esgueio, a cabeça deslizando pescoço abaixo, ao contemplar uma obra que inclui, para citar apenas meus favoritos, Nashville, Mash, McCabe&Mrs. Miller, Kansas City e Gosford Park. Altman morreu nesta segunda-feira, de câncer, em Los Angeles. E vem recebendo tributos de famosos e fãs, de gente que conseguiu entender como o povo daqui levou George W.Bush por duas vezes à Casa Branca revendo Nashville, de acadêmicos gratos pelo adjetivo ‘altmanesco’, uma tradução para os diálogos rápidos e que se dão ao mesmo tempo na tela, utilizado especialmente em Mash, um por cima do outro, igualzinho à vida real.

O grande Elliott Gould, uma das estrelas de Mash, disse ontem que, com a morte de Altman, desaparecia o último grande diretor de cinema norte-americano, na tradição de John Ford. E ponto final. Ao ouvir Gould não há como não deixar de pensar que o épico, a amplitude nada generosa da paisagem americana se traduzia, em Altman, no detalhe, na velocidade e exatidão do diálogo, na vontade de correr riscos que o levaram a muitos erros em sua carreira de mais de 40 filmes – mas também a deliciosos acertos, e imedietamente me vêm em mente obras de assinatura indiscutível como Short Cuts e O Jogador, e há tantas outras, o que não há mais é tempo.

Quem sabe Gould tenha tentado dizer que Altman era o representante derradeiro de um panteão de criadores cinematográficos apaixonados essencialmente por seus atores, fascinados pelo artesanato da atuação. Não é mero acaso que sua última obsessão nas telas tenha sido Meryll Streep, a maior das atrizes de Hollywood, com quem iria voltar a filmar no ano que vem. A semana fica mais triste, os EUA mais pobres e os espectadores de cinema mais solitários em suas cadeiras com a morte do querido Robert Altman