quarta-feira, junho 21, 2006
Diretinho da Redação (45)
O texto da semana, reproduzido aqui embaixo, já está no site do DR.
Uma Conversa Com Mario Vargas Llosa
Em dezembro tive a oportunidade de conversar com o mais popular dos escritores peruanos, Mario Vargas Llosa. Latino-americanos em Nova Iorque, sentados cada qual em uma poltrona de veludo do pomposo Salão Verde do Teatro do Estado, tratamos de temas diversos. O terrorismo que nos cerca a todos, no centro e na periferia do império, a miséria, a ignorância e os desgovernos na América Latina, a literatura, incluindo seu mais recente livro, que acabara de finalizar, e, claro, as eleições presidenciais peruanas.
Naquele momento, a rejeição ao presidente Toledo e ascensão de Evo Morales na Bolívia leváva-nos à conclusão de que Olanta Humalla, o nacionalista amigo do coronel Hugo Chávez, venceria o pleito de março. O escritor apostava em um resultado diferente. Do alto de seus 70 anos, Vargas Llosa vê uma América Latina complexa, mas não mais em ‘estado de desespero’, como em tantas outras ocasiões. Eufórico, comemorava as pesquisas que indicavam que menos da metade dos peruanos aprovava a volta do ex-presidente Fujimori a Lima. Banido por um dos piores escândalos de corrupção da história andina, o aventureiro de origem japonesa foi justamente quem derrotara o laureado escritor – muitas vezes apresentado, na seara política sul-americana, como uma versão intelectualmente mais sofisticada de Fernando Henrique Cardoso – na disputa presidencial de 1990.
Depois do resultado da peleja deste ano, Llosa, aliviado, disse que o presidente eleito, Alan García, era o ‘mal menor’. Para ele, a derrota de Humalla foi um duro golpe no que considera ser o ‘projeto megalomaníaco de Chávez’. Uma opção que distanciaria o Peru dos modelos que mais o interessam: o Chile e a Espanha. Llosa trata do tema ao mesmo tempo em que seu novo livro acaba de desbancar o “Código da Vinci” da lista dos mais vendidos em língua espanhola.
“Travessuras de Uma Menina Malvada”, que finalmente chegou em minhas mãos, não é uma obra-prima como “Conversa na Catedeal” ou mesmo o mais recente e delicioso “A Festa do Bode”, sobre os desmandos de Trujillo na República Dominicana. Como ele me havia contado aqui em Nova Iorque, em suas 376 páginas o livro atravessa quatro décadas alternando cenários: Lima, Paris, Londres, Madri. Cidades em que Vargas Llosa viveu e que modificaram-no profundamente. Lendo, entendo melhor o motivo pelo qual ele enrusbeceu quando perguntei se esta não seria sua obra mais pessoal. Aqui, ele conta a história de um certo Ricardo, jovem típico da classe média limenha, e de sua eterna espera por uma misteriosa chilena, a sádica beldade do título do livro.
Em seu primeiro ‘romance de amor’, o escrivinhador nos oferece essencialmente um protagonista que parece se abster de interferir nos rumos da própria vida. Esta é que o leva, como na malandra sapiência pagodinha. Sua trajetória nos remete inevitavelmente ao intelectual que, desencantado com o socialismo real, rompeu com o marxismo e com seu então fraternal amigo García Márquez a fim de tornar-se um ‘observador atento’ do que se passa ao seu redor, sem cacoetes militantes. E sem maiores arrependimentos.
Pois o escritor que se enveredou pelo sertão baiano e encontrou na ‘guerra do fim do mundo’ de Antônio Conselheiro a parábola exata para a intolerância religiosa de nossos tempos vê na Espanha contemporânea sua anti-Cuba possível. O Ricardo de “Travessuras” enxerga Madri como o símbolo da ‘história feliz dos tempos modernos’. Exatamente como o Mario da vida real, certo de passar os melhores anos de sua vida no país que ‘aproveitou a globalização como nenhum outro, deixando de ser uma península ensimesmada para se transformar em rica babel contemporânea’. Pode-se até discordar, mas dá o que pensar.
A Capa da Semana
Esta é a Semana do Orgulho Gay aqui em Nova Iorque. E no momento em que o governo conservador de Washington tenta utilizar a luta pelo 'casamento de homossexuais' como bandeira política nas eleições do segundo semestre, o Village Voice publica esta capa fenomenal, ilustração do quadrinista Alex Ross, um estalante beijo na boca entre George W. Bush e o tenebroso vice-presidente Dick Cheney, sob o mote hippie "Faça Amor, Não Faça Guerra". Uma ousadia que poucas publicações brasileiras têm. O velho Voice, uma sombra do que um dia foi, ainda nos surpreende.
segunda-feira, junho 19, 2006
Futebol - Nós, os irracionais
Neste fim de semana o jornalista húngaro László Darvasi, 44, que entende muito de literatura e de futebol, escreveu um artigo bem interessante para o jornal alemão Berliner Zeitung, histórico periódico que foi um dos mais importantes da antiga Alemanha Oriental.
Em seu texto, lindo, lindo, Darvasi estabelece uma relação entre o amor dos brasileiros pelo 'aspecto mágico e irracional do futebol' com o ato de escrever. A foto é uma homenagem ao mais irracional dos magiares, o capitão do esquedrão vermelho de 1954, Ferenc Puskas. A tradução é do blogueiro aqui:
Se há uma diferença entre literatura e futebol, é que, no futebol, é nítido quem venceu, e de que maneira. Algumas vezes, é verdade, nós não entendemos totalmente como aqueles onze chegaram à vitória final, mas basta olhar para o placar, que não mente.
Na literatura, algumas vezes, você se vê jogando muito tempo depois de o tempo regulamentar ter encerrado, e sequer percebe que as arquibancadas estão tão vazias quanto um coração desesperançado. Você segue em campo mesmo quando já perdeu a partida séculos atrás. Ou a venceu. Um personagem de Salman Rushdie disse uma vez que os eventos mais importantes de nossa vida sempre acontecem quando estamos ausentes. Tente transportar esta sentença para o futebol
RED HOT CHILI PEPPERS/Irving Plaza (9/05/2006)
O texto abaixo está na Bizz deste mês, resenha do blogueiro sobre o show do Red Hot Chili Peppers no Irving Plaza, lançamento mundial do CD Stadium Arcadium. Uma boa coleção de fotos da noite, incluindo a que abre o post, pode ser encontrada aqui.
Eduardo Graça, de Nova Iorque
Red Hot Chili Peppers – Irving Plaza, New York City, 9/05/2006
O segurança do Irving Plaza não me pediu o crachá. Ao contrário, quando ameacei mostrar os apetrechos eletrônicos que carregava, ele sorriu e deixou escapar que ‘o que tinha de ser vazado, já vazou mesmo’. Em um show fechado para convidados e jornalistas os Red Hot Chili Peppers encararam o palco pela primeira vez desde que o baixista Flea, 43, decidiu se manifestar publicamente contra o vazamento de Stadium Arcadium na internet. Por mais de duas horas os californianos seguraram a platéia nas mãos, alternando músicas do disco duplo e sucessos do passado, com direito a participação especialíssima de Omar Rodriguez, o guitarrista do The Mars Volta, banda que vai abrir os shows da turnê mundial que começa nesta primavera na Europa.
A apresentação foi marcada para a véspera do lançamento do álbum duplo da banda, e pegou Flea com discurso pronto: “Quem baixou as músicas pela internet está ouvindo algo com uma qualidade musical péssima. Estamos arrasados. Trabalhamos por um ano e meio para gravar o épico de nossas vidas e agora um idiota colocou as músicas na rede de qualquer maneira. John, especialmente, está devastado”. Pode ser. Mas quem prestasse atenção apenas ao lado esquerdo do palco teria a certeza de que tanta dor só fez bem a Frusciante, 36. Não por acaso o batera Chad Smith, 43, vive dizendo que o grande diferencial de Stadium Arcadium chama-se John Frusciante: “Se nos discos mais recentes a cada 15 músicas o John solava em quatro, neste a guitarra manda em quase todas as faixas. Nossa turnê este ano poderia ser chamada de Frusciante Rock Show!”.
Em uma amostra do que deve acontecer nos grandes estádios – a banda deve voltar ao Brasil em 2007 – o show começou e terminou com sessões instrumentais marcadas por solos de Chad e longos rifes de Frusciante e Flea, enquanto um Anthony Kiedis, 43, especialmente afinado, dançava sem parar, freneticamente, mostrando seus músculos para um público tão jovem quanto atento. E que se animou ao ouvir Dani Califórnia, 21st Century e Snow, todas do disco novo, o nono da banda, novamente sob a batuta do produtor Rick Rubin. Mas ainda havia mais.
Teve Frusciante cantando em falsete How Deep is Your Love, o hit mela-cueca dos Bee Gees. E teve Flea estraçalhando The Needle and the Damage Done, uma das composições mais sombrias de Neil Young, olhos vidrados em Frusciante, recuperado depois de anos de vício em heroína e cocaína e agora um ferrenho adepto da meditação. Com o jogo ganho, teve até corinho em Californication, Scar Tissue e Give It Away, esta já com o reforço de Rodriguez. E a certeza de que a versão-cara-limpa dos RHCP – uma vitamina encorpada cujos ingredientes principais são o velho funk, melodias mais elaboradas e um Frusciante solando lindamente – desce redondinha.
GUNS’N’ROSES/Hammerstein Ballroom (12,13,15 e 17 de Maio)
Mês passado acompanhei uma das apresentações do Guns'N'Roses - a banda do seu Axl Rose - aqui no Hammerstein Ballroom, para a Bizz. O texto completo está nas bancas, ao lado de uma reportagem de Paulo Terron. O meu vai aqui embaixo:
GUNS’N’ROSES – Nova Iorque - Hammerstein Ballroom (12, 13, 15 e 17 de Maio)
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a BIZZ
IIIIIIIAAAAAAAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII! São onze e meia da noite de quarta-feira e a última das quatro apresentações dos Guns’N’Roses na primavera nova-iorquina acaba de começar. O grito, a bocarra aberta, as notas altas, altíssimas, o microfone imenso em punho, até o rebolado, são os mesmos – Axl Rose voltou. E diz a que veio: assim, uma atrás da outra, sem tempo para respirar, emenda Welcome to the Jungle, It’s So Easy e Mr.Brownstone.
Pouco mais de 3 mil fãs cantam, dançam e se abraçam no que tinha tudo para ser uma apresentação histórica. Calma. O dia foi longo. Desde às seis e meia da tarde fiéis seguidores da banda formavam uma fila quilométrica, que ultrapassava em cinco quadras os limites do Hammerstein, instalado no meio da cidade, na Rua 34, entre a Sétima e a Oitava Avenida. A ansiedade era imensa. Tratava-se do primeiro show da banda em Nova Iorque desde a fatídica noite no Madison Square Garden, no longínquo 2002. De lá para cá, sete faixas do aguardado Chinese Democracy – projeto iniciado há uma década e que teria consumido mais de US$ 13 milhões – vazaram na rede, o guitarrista Buckethead abandonou de vez o barco e Axl substituiu a imagem de eremita pela de quarentão encrenqueiro em festas e boates da cidade (chegando a trocar socos com o magricela Tommy Hilfiger em uma festa de aniversário na boate Plumm).
Uma hora e meia depois que os meninos da banda de punk-metal britânica Bullet For My Valentine encerram sua insossa apresentação com um ‘vocês estão preparados para o novo Guns?’, Axl & Cia. surgiram em meio a um cenário para lá de kitsch. Longas escadarias conduziam os músicos a dois queijos de desfile de escola-de-samba, reservados para o batera Brian Brain Mantia e os dois tecladistas, Dizzy Reed e Chris Pitman, este último se revezando nos bongos. No centro da plataforma ficavam Rose, o baixista Tommy Stinson e os guitarristas Robin Finck, Richard Fortis e Ron Thal. Este último, até a semana anterior, um dos líderes da banda de rap-metal local Bumblefoot.
No fundo do palco, longos panos dourados com caracteres chineses e telas de vídeo. À frente, Axl, óculos escuros, camisa de couro com o botão aberto, torso malhado à mostra, jeans escuros e uma cruz de prata no pescoço. O cabelo, todo trançadinho, agora termina em um rabo-de-cavalo. “Eu estou gostando para c…de estar aqui! Vocês não têm idéia do que isso significa para mim!”, diz.
A esta altura, o público, em sua maioria acima dos 30, está em suas mãos. Sinal de que a noite será inesquecível. O Hammerstein é conhecido por ser uma casa difícil de ser domada. Aqui vi em 2001 um grande show dos Strokes. Avassalador. Um ano depois os queridinhos do Belle & Sebastian encurtaram uma apresentação marcada por bocejos e ruídos de celulares. Não seguraram. O novo Guns entrou no Hammerstein como se estivesse em pleno Maracanã, em um gostinho de como vai ser a turnê dos festivais de verão Europa afora. Axl comandou olas, ofereceu o microfone à galera, falou pacas. Parecia feliz.
Tanto que partiu com gás para a amostra dos primeiros quitutes novos, coisas como The Blues, Madagascar (com imagens de Martin Luther King nos vídeos), There Was a Time e IRS, todas de ‘Chinese Democracy’, que finalmente deverá ser lançado no segundo semestre deste ano. O público ameaça seguir cantando com o vocalista, que provoca: “Estão cantando as músicas novas? Baixaram da internet, né? Seus desgraçados”. Para os que ainda não escutaram, elas são menos Guns e mais Axl, repleta de teclados em um flerte com ritmos eletrônicos às vezes irritantes e repetitivos.
O jeito foi fazer o caminho de volta com as versões de Knockin’ On Heaven’s Door (esta com menção à invasão do Iraque: “andamos, andamos, e cá estamos de novo no mesmo lugar”) e Live or Let Die. Aqui a voz de Axl falha. Ela vai lhe faltar de novo, mais à frente, em Sweet Child O’ Mine. Compreende-se. Ele, afinal, acaba de completar 44 anos. É preciso respirar. As oportunidades aparecem quando explosões e fogos cênicos desviam a atenção do público. E quando o showman dá lugar ao primeiro de longos seis solos, seguramente os momentos mais fracos da noite.
Há de um tudo no momento-virtuose da noite. Percussão crua, um surto jethrotulliano de Finck e até um dueto com variações a partir de Beautiful, de Christina Aguilera. Sim, você leu corretamente. Será que Axl ainda precisa convencer o público – e a si mesmo – de que esta banda é tão boa quanto os Guns originais? Antes que a questão seja respondida nosso guru volta ao palco para dizer que um ‘velho parceiro dos tempos de skate’ está ali de bobeira para tocar com seus amigos. É Izzy Stradlin que mostra serviço em Think About You com um dos guitarristas originais do Guns.
A platéia ainda urra quando alguém aparece no palco de chapéu preto. Não, não é Slash. É Kid Rock, mala suprema, ajudando Axl e Izzy a segurar Night Train. Outro incorrigível arroz-de-festa, Sebastian Bach – alguém aí lembra do Skid Row? - bateu ponto em My Michelle. Mas tudo parece ensaiado. Ensaiado demais. Falta espontaneidade na apresentação do novo Guns e sobram firulas.
Por falar nas tais, um piano é levado ao já poluído palco e é hora de November Rain, com uma cascata de fogos de artifício que levam um fã mais desconfiado a desabafar, bem do meu lado, ‘mas será que o Axl resolveu se transformar no Ozzy Osbourne?”. Não há tempo para maldades. Logo isqueiros acesos anunciam Patience. Que chega acompanhada de uma altaneira bandeira brasileira, prontamente levada ao palco. Axl estende a verde-e-amarela por dois segundos, murmura ‘São Paulo’, olha para o teto, agradece e segue em frente.
Este foi um show de Axl Rose. E isso já diz muito. Se a nova encarnação do Guns é melhor ou pior do que a que o Brasil tanto celebrou? Depende da fé de cada um. A melhor medida de que valeu a nova festa na floresta? O sorriso do vendedor de suéteres do GNR ao fim do show. Serviço completo, não sobrou nenhuma unidade. O preço? R$ 200. Mas a noite ainda não havia terminado. E Paradise City abraça os sobreviventes em meio a uma chuva de confete e papel picado. Foi quase carnaval. Quase. Porque boa parte da platéia sabia muito bem que ainda não foi desta vez que presenciaram o tal milagre na Rua 34.
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