domingo, julho 12, 2009

CARTA CAPITAL - edição de 10/07

Mais um texto sobre o golpe em Honduras na Carta Capital desta semana:

INTERNACIONAL

Nas mãos de Obama
10/07/2009 17:36:08

Eduardo Graça

Na semana em que o golpe de Estado em Honduras teve sua primeira vítima, a pressão para que os EUA intervenham de forma mais incisiva na política centro-americana aumentou significativamente. A morte de Isis Obed Murillo, 19 anos, nas cercanias do Aeroporto Internacional de Tegucigalpa foi, de acordo com diplomatas norte-americanos, o trágico evento que impulsionou o governo golpista a iniciar negociações formais com o presidente deposto Manuel Zelaya, a partir da quinta-feira, na Costa Rica, sob interferência direta da secretária de Estado, Hillary Clinton. No domingo, usando um avião cedido pelo governo da Venezuela, Zelaya tentou sem sucesso retornar à capital hondurenha. Em terra firme, milhares de manifestantes e soldados entraram em choque e, de acordo com a Human Rights Watch (HRW), há evidências de que os militares dispararam contra ativistas pró-Zelaya.

“A violência das Forças Armadas e o tamanho da multidão, a maior desde o golpe, aumentam a pressão sobre os EUA para encontrar uma solução para o impasse. O cenário parece muito com a tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002, só que o Exército hondurenho tem mais prática do que o venezuelano em táticas repressivas. Daqui foi orquestrada a série de assassinatos nos anos 80 contra cidadãos de El Salvador e Nicarágua”, aponta o economista Mark Weisbrot, presidente da ONG Just Foreign Policy e colunista da rede de jornais McClatchy-Tribune, em artigo publicado na quinta-feira no The Huffington Post.

Para Weisbrot, uma das mais reveladoras manifestações sobre a natureza do golpe veio do principal porta-voz legal das Forças Armadas, o coronel Herberth Inestroza, que disse “ser muito difícil para nós, com nosso treinamento, aceitar um governo de esquerda. Na verdade, é impossível”. Tanto Inestroza quanto o líder militar do golpe, o general Romeo Vázquez, receberam treinamento na Escola das Américas, denunciada por grupos de direitos humanos por conta do desenvolvimento de prática de torturas aplicadas contra militantes de esquerda nos anos 60 e 70 pelas ditaduras militares instauradas com apoio de Washington na América Latina.


Em relatório produzido sobre o confronto de domingo, a HRW dá conta de que pelo menos dez outros cidadãos teriam sido feridos à bala, com possivelmente mais uma vítima fatal. “As evidências que analisamos, em vídeo e fotos, sugerem que os soldados atiraram contra manifestantes desarmados. O governo provisório tem a obrigação de iniciar uma investigação independente imediatamente”, diz José Miguel Vivanco, diretor da HRW para as Américas.


O ministro das Relações Exteriores do governo provisório, Enrique Ortez, afirmou que, se houve algum ferido, a culpa é dos manifestantes, já que as Forças Armadas usaram apenas balas de festim. Ortez notabilizou-se por ter dito em entrevista para uma rádio local que o presidente Barack Obama é “um
negrito que não sabe de nada”. O vídeo e as imagens de Obed Murillo, ferido na cabeça, sendo carregado pelos manifestantes correu mundo, assim como a maquiagem feita pelo jornal La Prensa, que apoia o golpe, com o sangue sendo eliminado da foto, apresentado como um exemplo da manipulação da mídia pelo governo hondurenho.

A cena dramática aumentou a pressão da comunidade internacional contra o governo golpista, mas não arrefeceu a oposição. O descontentamento da classe média não diminuiu desde a última pesquisa sobre o governo Zelaya, conduzida em outubro de 2008 pelo Gallup. O índice de aprovação do presidente – um fazendeiro transformado após as eleições em aliado bolivarianista de Hugo Chávez - beirava a casa dos 25%. Nas ruas de Honduras, as manifestações contra o presidente deposto ainda são mais numerosas do que as de seus seguidores. “Setenta a 80% dos hondurenhos não querem o retorno de Zelaya. Ele e seus partidários são ladrões, corruptos, mentirosos. E é impossível se governar um país apenas com os sindicalistas, sem o Legislativo, o Judiciário, a sociedade civil, as igrejas e o empresariado”, diz a pediatra Sandra Rivas, 41, que vive na cidade operária de San Pedro Sula, a segunda maior do país.


Rivas, que tem família no Brasil, lembra que a Constituição hondurenha não prevê um processo de impedimento legal do presidente pelo Congresso, como aconteceu no Brasil com Fernando Collor de Mello. E, com a negativa das Forças Armadas de garantir a segurança do plebiscito que, há duas semanas, determinaria a convocação de uma Assembléia Constituinte, havia o receio da manipulação dos resultados pelo governo. Uma das intenções do presidente seria a de alterar a Constituição afim de revogar a proibição da reeleição para cargos executivos.

“E três dias antes do plebiscito a turba de Zelaya invadiu o galpão em que estavam as urnas, já confiscadas pelas Forças Armadas. Todos tinham certeza de que não haveria transparência na contagem dos votos. Não queremos a repetição do que aconteceu na Bolívia, na Nicarágua, na Venezuela”, diz Rivas.


O que os golpistas em Honduras – sede da principal base aérea norte-americana na América Central – não contavam era com a defesa enfática da ordem democrática por Washington. “Os EUA apóiam a restauração imediata do presidente hondurenho, ainda que ele tenha se posicionado de forma clara contra a política externa norte-americana. Há, aqui, um princípio maior em jogo”, afirmou esta semana o presidente Obama.

Rivas diz que a oposição não contava com o apoio dos EUA, já que era fato conhecido a oposição do embaixador norte-americano em Tegucigalpa ao golpe. “Mas não esperávamos uma reação tão agressiva e parcial da comunidade internacional”, reconheceu.


Durante a semana, a secretária de Estado, Hillary Clinton negou-se a afirmar, depois de encontro oficial com Zelaya, que apoiava sua volta imediata ao poder: “Não quero me adiantar às conversas em Costa Rica entre as duas partes”. Mas Clinton se negou a receber uma delegação do governo golpista e os EUA anunciaram a suspensão total do programa de ajuda militar com Honduras, no valor de 16,5 milhões de dólares. Mais significativo: a maior economia do planeta congelou os 50 milhões de dólares que seriam enviados este ano para o país centro-americano e ameaçou vetar os 130 milhões aprovados pela ONU dentro do projeto Metas do Milênio.


Clinton foi a principal articuladora do encontro de quinta-feira em San José, mediado pelo Prêmio Nobel e presidente costa-riquenho Oscar Arias. Pela primeira vez Zelaya e Roberto Micheletti, que, há dois anos, era sua escolha predileta para sucede-lo no cargo, estariam frente à frente. Mas Zelaya deixou a casa de Arias pouco antes da chegada de Micheletti. No caminho do hotel o presidente deposto disse que não está interessado em concessões e pediu o “restabelecimento do estado de Direito, da democracia e do retorno ao poder do presidente eleito pelo povo hondurenho”. Micheletti disse que não há negociações que considerem o retorno de Zelaya ao poder. O próximo passo, de acordo com o presidente costa-riquenho, é um encontro com quatro representantes de cada grupo. Se houver avanços, um encontro entre os dois líderes será marcado.


Em Honduras, forças pró-Zelaya tomaram várias rodovias que ligam o país a El Salvador e Nicarágua, enquanto os partidários de Micheletti saíram as ruas em San Pedro Sula. No portão de sua casa, Oscar Arias disse que “temos a oportunidade de resolver esta crise em dois dias”, mas “por outro lado, esta situação pode-se arrastar por dois meses”. Em artigo na página de opinião do Washington Post publicado no mesma quinta-feira, Arias escreve que o episódio Honduras demonstra, uma vez mais, que os erros do passado da América Latina estão historicamente próximos demais para serem ignorados. Resta saber se o velho estadista conseguirá encontrar um caminho para um país tão isolado quanto dividido.