sábado, agosto 19, 2006
Mario Vargas Llosa: Cuba à la Putin
O jornal argentino La Nacion publicou hoje um artigo do escritor peruano Mario Vargas Llosa em que ele analisa a situação cubana, aponta a total falta de interesse dos EUA em apostar numa 'Cuba Libre' e aposta na lenta transformação do regime cubano para algo mais próximo de um regime fechado de direita, à la Rússia de Putin. Vale ler o artigo, na íntegra, infelizmente apenas em espanhol, aqui.
sexta-feira, agosto 18, 2006
ENTREVISTA/Bill T.Jones
Saiu hoje no caderno Eu&Fim de Semana, do Valor Econômico, meu texto sobre a turnê brasileira da companhia de dança de Bill T.Jones.
Transgressões de Bill T. Jones
Por Eduardo Graça, para o Valor
18/08/2006
Punho negro cerrado voltado para o teto do palco. Foi assim, emulando o gesto característico dos Panteras Negras, que Bill T. Jones encerrou no mês passado sua participação no festival anual do Lincoln Center, apresentando "Blind Date". A imagem, a um só tempo incômoda, démodé e elegante, traduz o espírito de sua Arnie Zane Dance Company, que traz ao Brasil outra de suas coreografias mais recentes, "Another Evening: I Bow down". Uma catarse sócio-cultural, em que os dançarinos dividem o palco com uma banda de hardcore e traduzem em movimento temas como a intolerância religiosa, a pertinência da arte em um mundo fadado ao desastre, a guerra e, claro, o racismo, "Another Evening" deveria ser apresentada pela primeira vez, curiosamente, em um palco instalado no World Trade Center, um dia depois do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Animado com a turnê brasileira - que inclui espetáculos no Rio (Theatro Municipal, 26 e 27 de agosto), São Paulo (Municipal, 1º e 2 de setembro) e Brasília (Sala Villa-Lobos, 30 de agosto) -, o artista conversou com o Valor em Manhattan.
Bill T. Jones não aparenta seus 54 anos. Cabeça raspada, corpo musculoso, postura perfeita, o coreógrafo se faz notar, inicialmente, pela voz austera, que preenche a sala com a mesma velocidade com que os dançarinos de sua companhia se movimentam em cena."O 'Another Evening' que será apresentado aos brasileiros é resultado da crise espiritual por que passo. Há um ano me debatia com o gosto amargo deixado pelo furacão Katrina quando fomos convidados para participar de um evento promovido por estudantes da Universidade de Nova York. Foi ali que decidimos incorporar uma banda de hardcore a 'Another Evening', que já contava com um violino e um piano. Veja bem, em 1969, eu estava em Woodstock, viajando com LSD ao som de Jimi Hendrix. Jamais imaginei que um dia iria entender esta coisa de heavy metal."
De fato, a Regain The Heart Condemned, da cena independente do Bronx, nada tem de hippie. Mas é comandada por um vocalista hispânico que berra, à la Sepultura, textos budistas também ofertados ao público em versão mais branda, na voz de um monge. Paraíso e inferno, libertação e dor, hardcore e new age, Jones está definitivamente interessado em opostos. Tanto em "Blind Date" quanto em "Another Evening", ele se debate com a sensação de sufocamento coletivo de uma América - "e do mundo também" - intoxicada por certezas.
Ousado, "um filho do Sul batista, como Martin Luther King", ele se apropria, como os "imbecis da direita religiosa", que execra, de arma milenar - a Bíblia. Trechos do "Levítico" surgem em "Blind Date" como a pontuar a temporalidade de regras há muito caducas enquanto toda uma porção de "Another Evening" nasce de uma das imagens mais poderosas do "Gênese": o grande dilúvio. "No Velho Testamento, Deus oferece uma aliança a Noé e anuncia que a água não vencerá novamente. Mas o desastre sempre retorna, na tsunami, com o Katrina. E a promessa jamais é cumprida. Fui encontrar então nos textos budistas um Deus que se aplica mais ao nosso tempo de incertezas, um Deus que não quer nos garantir que não haverá mais dor, que os desastres todos se dissiparão."
Em "Another Evening", os dançarinos se movimentam de modo quase frenético, como em um transe guiado por Jones, narrador da aventura que iremos testemunhar. Seus passos sugerem sons que não podemos ouvir em um primeiro momento, mas que parecem sorrateiramente gravados em algum canto de nossa memória. É aqui que o coreógrafo revela de maneira mais explícita seu legado pós-moderno, com a singularidade das frases coreográficas executadas pelos bailarinos, aparentemente desconexas, mas em busca de uma harmonia utópica, que ainda há de imperar.
Parte da crítica americana nunca se entendeu bem com o que acredita ser uma certa queda por gestos literais de Jones - como o punho cerrado do fim de "Blind Date", referência direta aos Pantera Negras, que, 40 anos atrás, introduziram os americanos numa explosiva comunhão de maoísmo e nacionalismo negro. Jones não dá o braço a torcer, e lembra que o pulo do gato é saber o momento correto de recorrer ao movimento menos sofisticado, mas de reconhecimento imediato por uma gama maior de pessoas.
Quando soube que viria ao país pela terceira vez, Jones buscou por desastres naturais que tocassem a platéia de forma mais direta. Descobriu que nossas terras de fato têm mais flores, que não sofremos com terremotos ou tufões, mas encontrou paralelos em desgraças outras, que também nos levam, ao fim do dia, a clamar por um Deus teimosamente surdo. "O cerne de 'Another Evening' é a batalha da vida. Meu exército são os dançarinos. Minhas armas são meus pensamentos, a beleza, o suor, o som, as palavras. Mas quem é o inimigo? Como explicar quem é o responsável para uma criança brasileira que vê os presos em São Paulo comandarem, de dentro das cadeias, massacres contra a população indefesa? O responsável, o inimigo, é a intolerância, a ignorância." Depois do fim da turnê, ele passará dois dias trabalhando com os jovens dançarinos da Cia. Étnica de Dança, oriundos da periferia carioca.
Um de seus maiores assombros ao revisitar a realidade brasileira foi a discussão em torno das ações de política afirmativa do governo Lula. "Meu Deus! Nos anos 60, os negros americanos fantasiavam o Brasil como o paraíso da miscigenação. Acho ótimo, no entanto, que o país esteja enfrentando sua realidade racial. Sou um resultado direto da política de cotas para negros na educação. Sem ela, jamais teria ido à universidade nem seria quem eu sou." Foi na Universidade de Nova York que Jones travou contato com a dança moderna e conheceu seu parceiro Arnie Zane, coreógrafo e dançarino que morreu em 1988, em decorrência de complicações por conta da aids.
Jones, que também contraiu o vírus do HIV, ousou criar, em 1994, uma performance a partir de um workshop com doentes terminais. Ao levá-los para o palco por meio de imagens gravadas, Jones teve seu "Still/Here" rotulado de "victim art" pela revista "New Yorker", que o acusou de não se apresentar como artista, e sim como um mártir. Em "Another Evening", ele torna a nos lembrar da mais humana das condições - a mortalidade - com depoimentos emocionados das vítimas do furacão Katrina.
No último quarto de século, Bill T. Jones se acostumou a encontrar nas páginas da imprensa o adjetivo transgressor precedendo seu nome. "É claro que eu quero falar da beleza. Mas é possível um artista sério vivendo nos dias de hoje se dizer apolítico? Não! Minha política está na minha face, basta olhar para mim." O coreógrafo não se cansa de buscar compreender o multifacetado, injusto, apocalíptico mundo em que vivemos. Tampouco titubeia em dividir suas descobertas com os que se dispõem assistir suas maquinações. Ao público brasileiro resta a menor - mas não menos prazerosa - das tarefas: o privilégio de conferir esta doída travessura por ele batizada, com singeleza, de "Another Evening".
Transgressões de Bill T. Jones
Por Eduardo Graça, para o Valor
18/08/2006
Punho negro cerrado voltado para o teto do palco. Foi assim, emulando o gesto característico dos Panteras Negras, que Bill T. Jones encerrou no mês passado sua participação no festival anual do Lincoln Center, apresentando "Blind Date". A imagem, a um só tempo incômoda, démodé e elegante, traduz o espírito de sua Arnie Zane Dance Company, que traz ao Brasil outra de suas coreografias mais recentes, "Another Evening: I Bow down". Uma catarse sócio-cultural, em que os dançarinos dividem o palco com uma banda de hardcore e traduzem em movimento temas como a intolerância religiosa, a pertinência da arte em um mundo fadado ao desastre, a guerra e, claro, o racismo, "Another Evening" deveria ser apresentada pela primeira vez, curiosamente, em um palco instalado no World Trade Center, um dia depois do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Animado com a turnê brasileira - que inclui espetáculos no Rio (Theatro Municipal, 26 e 27 de agosto), São Paulo (Municipal, 1º e 2 de setembro) e Brasília (Sala Villa-Lobos, 30 de agosto) -, o artista conversou com o Valor em Manhattan.
Bill T. Jones não aparenta seus 54 anos. Cabeça raspada, corpo musculoso, postura perfeita, o coreógrafo se faz notar, inicialmente, pela voz austera, que preenche a sala com a mesma velocidade com que os dançarinos de sua companhia se movimentam em cena."O 'Another Evening' que será apresentado aos brasileiros é resultado da crise espiritual por que passo. Há um ano me debatia com o gosto amargo deixado pelo furacão Katrina quando fomos convidados para participar de um evento promovido por estudantes da Universidade de Nova York. Foi ali que decidimos incorporar uma banda de hardcore a 'Another Evening', que já contava com um violino e um piano. Veja bem, em 1969, eu estava em Woodstock, viajando com LSD ao som de Jimi Hendrix. Jamais imaginei que um dia iria entender esta coisa de heavy metal."
De fato, a Regain The Heart Condemned, da cena independente do Bronx, nada tem de hippie. Mas é comandada por um vocalista hispânico que berra, à la Sepultura, textos budistas também ofertados ao público em versão mais branda, na voz de um monge. Paraíso e inferno, libertação e dor, hardcore e new age, Jones está definitivamente interessado em opostos. Tanto em "Blind Date" quanto em "Another Evening", ele se debate com a sensação de sufocamento coletivo de uma América - "e do mundo também" - intoxicada por certezas.
Ousado, "um filho do Sul batista, como Martin Luther King", ele se apropria, como os "imbecis da direita religiosa", que execra, de arma milenar - a Bíblia. Trechos do "Levítico" surgem em "Blind Date" como a pontuar a temporalidade de regras há muito caducas enquanto toda uma porção de "Another Evening" nasce de uma das imagens mais poderosas do "Gênese": o grande dilúvio. "No Velho Testamento, Deus oferece uma aliança a Noé e anuncia que a água não vencerá novamente. Mas o desastre sempre retorna, na tsunami, com o Katrina. E a promessa jamais é cumprida. Fui encontrar então nos textos budistas um Deus que se aplica mais ao nosso tempo de incertezas, um Deus que não quer nos garantir que não haverá mais dor, que os desastres todos se dissiparão."
Em "Another Evening", os dançarinos se movimentam de modo quase frenético, como em um transe guiado por Jones, narrador da aventura que iremos testemunhar. Seus passos sugerem sons que não podemos ouvir em um primeiro momento, mas que parecem sorrateiramente gravados em algum canto de nossa memória. É aqui que o coreógrafo revela de maneira mais explícita seu legado pós-moderno, com a singularidade das frases coreográficas executadas pelos bailarinos, aparentemente desconexas, mas em busca de uma harmonia utópica, que ainda há de imperar.
Parte da crítica americana nunca se entendeu bem com o que acredita ser uma certa queda por gestos literais de Jones - como o punho cerrado do fim de "Blind Date", referência direta aos Pantera Negras, que, 40 anos atrás, introduziram os americanos numa explosiva comunhão de maoísmo e nacionalismo negro. Jones não dá o braço a torcer, e lembra que o pulo do gato é saber o momento correto de recorrer ao movimento menos sofisticado, mas de reconhecimento imediato por uma gama maior de pessoas.
Quando soube que viria ao país pela terceira vez, Jones buscou por desastres naturais que tocassem a platéia de forma mais direta. Descobriu que nossas terras de fato têm mais flores, que não sofremos com terremotos ou tufões, mas encontrou paralelos em desgraças outras, que também nos levam, ao fim do dia, a clamar por um Deus teimosamente surdo. "O cerne de 'Another Evening' é a batalha da vida. Meu exército são os dançarinos. Minhas armas são meus pensamentos, a beleza, o suor, o som, as palavras. Mas quem é o inimigo? Como explicar quem é o responsável para uma criança brasileira que vê os presos em São Paulo comandarem, de dentro das cadeias, massacres contra a população indefesa? O responsável, o inimigo, é a intolerância, a ignorância." Depois do fim da turnê, ele passará dois dias trabalhando com os jovens dançarinos da Cia. Étnica de Dança, oriundos da periferia carioca.
Um de seus maiores assombros ao revisitar a realidade brasileira foi a discussão em torno das ações de política afirmativa do governo Lula. "Meu Deus! Nos anos 60, os negros americanos fantasiavam o Brasil como o paraíso da miscigenação. Acho ótimo, no entanto, que o país esteja enfrentando sua realidade racial. Sou um resultado direto da política de cotas para negros na educação. Sem ela, jamais teria ido à universidade nem seria quem eu sou." Foi na Universidade de Nova York que Jones travou contato com a dança moderna e conheceu seu parceiro Arnie Zane, coreógrafo e dançarino que morreu em 1988, em decorrência de complicações por conta da aids.
Jones, que também contraiu o vírus do HIV, ousou criar, em 1994, uma performance a partir de um workshop com doentes terminais. Ao levá-los para o palco por meio de imagens gravadas, Jones teve seu "Still/Here" rotulado de "victim art" pela revista "New Yorker", que o acusou de não se apresentar como artista, e sim como um mártir. Em "Another Evening", ele torna a nos lembrar da mais humana das condições - a mortalidade - com depoimentos emocionados das vítimas do furacão Katrina.
No último quarto de século, Bill T. Jones se acostumou a encontrar nas páginas da imprensa o adjetivo transgressor precedendo seu nome. "É claro que eu quero falar da beleza. Mas é possível um artista sério vivendo nos dias de hoje se dizer apolítico? Não! Minha política está na minha face, basta olhar para mim." O coreógrafo não se cansa de buscar compreender o multifacetado, injusto, apocalíptico mundo em que vivemos. Tampouco titubeia em dividir suas descobertas com os que se dispõem assistir suas maquinações. Ao público brasileiro resta a menor - mas não menos prazerosa - das tarefas: o privilégio de conferir esta doída travessura por ele batizada, com singeleza, de "Another Evening".
quinta-feira, agosto 17, 2006
Diretinho da Redação (49)
O texto da semana, sobre quem, de fato, perdeu a guerra entre Israel e Líbano, já está no DR.
A CONSCIÊNCIA ANGUSTIADA DE ISRAEL
Primeiro foi o Hezbolá. Depois Bush, escoltado por Condoleezza e Rumsfield. Nessa semana todos se declararam vencedores da guerra entre Israel e os libaneses. Cacoete de repórter, quase sempre me interessam mais os discursos dos derrotados. Ontem, durante o funeral de seu filho Uri, sargento de 22 anos morto em serviço no sul do Líbano, o escritor israelense David Grossman, em emocionado discurso, disse que ‘nossa família, nós, perdemos esta guerra. Israel fará agora um exame de consciência. E nós nos dobraremos na dor, envolvidos pelo imenso amor que recebemos de tantas pessoas que em sua maioria não conhecemos’.
O choque de proporções nacionais gerado pela morte de Uri é compreensível. Desde menino ele era uma figura próxima dos israelenses. Sempre acompanhava o pai, David, a mãe, Michal, e o irmão, Yonatan, nos muitos protestos contra a ocupação da Palestina. A Santíssima Trindade da literatura contemporânea de Israel – Grossman, Amos Oz e A.B.Yehoshua – tem militado como poucos intelectuais de nossos tempos na causa da devolução dos territórios ocupados. Também vem insistindo em sonhar a utopia da convivência harmônica entre todos os semitas – judeus e árabes - em uma sociedade laica e plural. “Vento Amarelo”, de Grossman, narrado na Cisjordânia, é considerado pelos críticos ‘a maior denúncia, por um sionista, do expansionismo israelense jamais escrita”. É também um livro belíssimo de se ler.
Na quinta-feira passada os ‘três grandes’ publicaram nos jornais israelenses uma carta em que pediam um imediato cessar-fogo no sul do Líbano. Em uma entrevista coletiva realizada em Tel-Aviv, a poucos metros do Ministério da Defesa, os escritores disseram que “Israel iniciou uma guerra por motivos justos, mas a decisão de aumentar as proporções desta invasão é um equívoco. Israel cruzou o Rio Litani duas vezes. Não precisamos passar para a outra margem uma vez mais. Precisamos lembrar que o Líbano não é nosso Vietnã. Ele é nosso vizinho, com quem teremos de conviver para sempre, não destruí-lo”. Os intelectuais foram imediatamente atacados pelo aparente paradoxo de se defender a necessidade de proteção do estado judeu ao mesmo tempo em que se condenava sua compulsão belicosa. E então veio a notícia da morte do filho de Grossman.
David tinha 30 anos quando Uri nasceu. Detinha o posto de coronel do exército, mas sempre detestara as guerras. Havia publicado apenas dois livros, mas já era uma voz importante na denúncia dos massacres cometidos em nome da segurança israelense em Beirute, neste mesmo Líbano, então ocupado, terra em que seu filho tombaria, no dia anterior ao armistício, dentro de um tanque Merkava, atingido por um míssil de fabricação russa lançado por guerrilheiros do Hezbolá.
Consumido pela dor, cercado de amigos e familiares no Cemitério do Monte Herzel, em Jerusalém, onde descansam nomes caros ao sionismo, como Golda Meir, Yitzhak Rabin e o próprio Herzel, Grossman nos fala da necessidade de os israelenses refletirem sobre seus atos. Ele os pede um exame de consciência. Durante anos a fio, o escritor foi apresentado a seus milhares de leitores fora do Oriente Médio como a ‘consciência angustiada de Israel’. Epíteto que não poderia ser mais exato em tempos tão infelizes.
quarta-feira, agosto 16, 2006
Momento Blog: Cold Spring-NY
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