domingo, setembro 13, 2009

No Valor, Distrcit 9

Hoje, no Valor:

Cinema: Neill Blomkamp estreia na direção com sucesso de bilheteria em que alienígenas têm um pé em Johannesburgo e outro no Rio.


Ficção em tempo real


  • Por Eduardo Graça, para o Valor, da Cidade do México
  • 11/09/2009


Divulgação

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"Distrito 9": filme, que trata de xenofobia, faz referência aos métodos usados pelo regime do "apartheid", às manobras de Bush no Oriente Médio e às milícias cariocas


Um filme de ficção científica recheado de analogias sociopolíticas, dirigido por um sul-africano estreante, fascinado por "Cidade de Deus", produzido pelo diretor de "O Senhor dos Anéis" e com elenco encabeçado por um amador. Essa foi a receita da surpresa do verão americano, "Distrito 9", que já faturou US$ 103 milhões em quatro semanas nos cinemas dos Estados Unidos, sem nenhuma estrela hollywoodiana como chamariz.

Camiseta e calça de pano para enfrentar o calor da Península de Yucatán, Neill Blomkamp, de 29 anos, é o responsável pelo que a crítica americana celebra como a reinvenção de um gênero. Deixe-se de lado o "E.T." delicado de Steven Spielberg, a batalha entre o bem e o mal de "Guerra nas Estrelas" de George Lucas ou as questões filosóficas kubrickianas. O protegido de Peter Jackson, até então um competente diretor de vídeos musicais e comerciais, especializado em efeitos especiais e animação em 3-D, usa a ficção científica para tratar do tempo presente em uma área que conhece bem: a África do Sul. "Este é meu primeiro filme. Sabia que se fizesse algo muito sério, muito duro, era como se estivesse entrando no ringue para perder a briga. Apostei no híbrido. Sabia que a ficção científica tornaria o filme um pouco mais leve", diz Blomkamp.

Aficionado pela "violência satírica dos filmes de horror dos anos 80", em "Distrito 9" Bloomkamp conta a história de alienígenas cuja nave emperrou nas cercanias do Cabo da Boa Esperança e são forçados pelo governo sul-africano a viver como refugiados em um acampamento na periferia de Johannesburgo. O filme, com sua quantidade colossal de sangue e assassinatos, remete às primeiras obras de Jackson, responsável por "Trash-Náusea Total" e "Fome Animal". Mas a narrativa, em estilo "fake-doc", e as cenas em que a polícia invade a favela onde os alienígenas estão confinados, leva a plateia a pensar em "Cidade de Deus".

Blomkamp é fã do filme de Fernando Meirelles e pesquisou sobre a realidade carioca antes de concretizar seu primeiro longa-metragem: "'Cidade de Deus' é um filmaço. E li tudo o que pude sobre os policiais do Bope, agora sobre as milícias. Diria que o Brasil é o país mais semelhante ao cenário retratado em 'Distrito 9', esta mistura de fatias do Primeiro Mundo mescladas com quinhões do Terceiro Mundo".

Blomkamp repete mais de uma vez, durante a entrevista, que "se alguém quiser saber como será o mundo no futuro, precisa olhar para Johannesburgo e para o Rio de Janeiro". A ficção científica de sua imaginação está mais para Malthus do que para Orwell. "A discrepância entre pobres e ricos no planeta tende a aumentar. A população cresce e os recursos diminuem. Os ricos se refugiam em condomínios fechados, em busca de proteção. Em 50 anos o mundo se parecerá mais e mais com o Rio e a Johannesburgo de minha infância."

O diretor deixou a África do Sul em 1997, pouco antes de completar 18 anos. Passou pela fase de distensão do "apartheid" e jamais deixou de retornar regularmente a seu país, observando a institucionalização de um partido único e a modificação do caráter das tensões étnicas. "Meu primeiro contato real com a pobreza sul-africana deu-se quando fui com um grupo da escola a uma favela para pintar casas de pessoas mais pobres. Era como tínhamos contato, brancos e negros. 'Distrito 9' me faz recordar ou, melhor, apertar um botão no subconsciente que me transporta para questionamentos sociais fundamentais para mim. Tentei incorporar algumas das imagens que vi, ainda adolescente, no filme."

Como se estivesse de fato filmando um documentário, Blomkamp mudou o roteiro no ano passado, quando começava a filmar, depois da implosão do Zimbábue. Milhares de refugiados atravessaram a fronteira em direção à África do Sul e, relata o diretor, "é por isso que você vê em 'Distrito 9' os negros sul-africanos querendo que os alienígenas sejam confinados, mandados embora". E completa: "Um dos piores massacres que já aconteceram em meu país foi quando sul-africanos pobres, em sua maioria negros, incendiaram em 2008 as casas dos imigrantes e mataram cerca de 50 pessoas oriundas da antiga Rodésia. Despertou minha atenção o grau de violência usado, com gente sendo queimada viva e muitos linchamentos".

A xenofobia retratada no filme deixa para trás as diferenças étnicas, para tratar de algo incomodamente humano: a repulsa ao que identificamos como diferente. Nada mais diferente do que ETs com corpo de crustáceos e fanáticos por comida enlatada para gatos. Daí a decisão de trazer a trama para os dias de hoje, aqui e agora.

"Distrito 9" nasceu a partir do curta-metragem "Alive in Joburg", que já alinhavava o tema e trazia no papel-título o funcionário-padrão vivido por Wickus van der Merwe, escalado para informar aos alienígenas que eles serão transportados para uma área mais distante de Johannesburgo, um campo de concentração disfarçado de projeto habitacional. Uma executiva da Universal viu o curta e enviou para Peter Jackson, pois achava que havia ali, além das óbvias qualidades expostas em "Distrito 9", algo que poderia ser usado em "Halo", o filme baseado no videogame de mesmo nome então desenvolvido pelo diretor da trilogia "O Senhor dos Anéis".

Jackson gostou e os dois começaram a trabalhar em "Halo", até que problemas de direitos autorais os levaram à conclusão de que já tinham o filme que queriam fazer. O novo título remete ao Distrito 6, a área mais pobre reservada para negros na Cidade do Cabo durante o "apartheid". "Queria manter a idéia de comunidades segregadas, guetos, semiprisões, já que as pessoas eram forçadas a viver lá, espaços de confinamento onde esquecemos o outro. Apenas virei o 6 de cabeça para baixo e encontrei meu Distrito 9", diz Blomkamp.

No filme, os policiais são terceirizados, contratados por uma grande corporação, um detalhe que ganha importância com a descoberta, nesta semana, de que até mesmo a CIA terceirizou agentes no governo Bush II. "A polícia privada, no filme, é tanto uma referência aos métodos usados pelo regime do 'apartheid' em minha infância quanto às manobras de George W. Bush no Oriente Médio e as milícias cariocas. A sátira, ali, é dirigida especialmente para se fazer pensar sobre a impunidade desses exércitos particulares."

O repórter viajou a convite da Sony Pictures, distribuidora de "Distrito 9"