sexta-feira, junho 03, 2005

Quem Tem Medo de Kathleen Turner?


foto:Carol Rosegg

Há um momento crucial na encenação de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, em cartaz aqui na Broadway. É quando Kathleen Turner, ou melhor Martha, encara o teatro repleto e diz: “Eu não tenho senso de humor algum. Possuo um apurado senso do ridículo, mas careço do mínimo senso de humor!”. O público, por razões reveladas no texto que segue, aplaude de pé. Na quinta-feira passada consegui uma cobiçada cadeira no mezanino do Longacre Theatre, na rua 48, para realizar missão agradabilíssima: contar para o público português os motivos pelo qual se tornou quase uma obrigação cívica testemunhar a atuação de la Turner, que, neste domingo, concorre ao prêmio Tony de melhor atriz, o Oscar do teatro norte-americano.

Expectativas havia. E muitas. Para começar, o autor Edward Albee decidiu dar o sinal verde para a encenação do diretor britânico Anthony Page, mas pediu para escolher os atores que fariam os protagonistas do espetáculo – vividos no cinema magistralmente por Elizabeth Taylor e Richard Burton. Durante seis anos – isso mesmo, seis anos – Albee entrevistou inúmeras possíveis ‘Marthas’, gente fina como Jessica Lange, Frances McDormand, Stockard Channing e até Bette Midler. Mas o autor, de 77 anos, só bateu o martelo quando escutou a peça, frase após frase, lida por Turner e seu magnífico parceiro de palco, Bill Irwin, no loft de Page no Chelsea, em julho do ano passado.

Ninguém sabia disso, mas naquele dia Kathleen Turner completava exatos 50 anos. Sem consultar ninguém, assim que foi informada da reação emocionada de Albee, a atriz, em fase final de recuperação de um caso severo de artrite reumática, decidiu fazer uma operação no joelho. Queria se movimentar com destreza pelo palco durante as três horas de trabalho.

Em cena, tudo o que se sabe dos últimos anos de Kathleen Turner parecem potencializar uma atuação catártica, que leva o público a se deliciar cada vez que ela revela, em uma piscadela de olhos, uma nova Martha. Primeiro, a quarentona bebum que parece certa de ter vivido uma história sem razão de ser. Em seguida, a mulher sedutora que ataca o convidado da noite na frente do marido. No derradeiro ato, a desprotegida racional, lidando com medos imensos, mas ciosa de que eles são todos seus. Seus e de George.

Não há como não se pensar no drama de Turner enquanto Martha desce as escadas de sua casa em uma cidade universitária na Nova Inglaterra em um vestido negro colado e sóbrio, insinuante e exato. Pouco tempo atrás, médicos temeram que a hilária protagonista de “Mamãe é de Morte” iria parar numa cadeira-de-rodas. Confessadamente assustada, Turner conta que só teve um remédio: mergulhar de cabeça em um tratamento pesado que incluiu quimioterapia e uso de esteróides. Ao mesmo tempo, começaram a surgir rumores de que ela estava bebendo além da conta.

De fato, poucas semanas depois de encerrada sua temporada em “A Primeira Noite de Um Homem”, aprensentada na Broadway três anos atrás com críticas horrendas, Turner se internou em uma clínica de reabilitação para se livrar do álcool. E como a Martha de Albee tem um aptetite insaciável por bebida, o autor não negou que esta foi uma das razões pela qual escolheu Turner para a encenação.

Da primeira fileira do segundo andar do Longacre, deleitando-me com a coreografia desenhada por Page e pensando no que escreveria para a Sabado, só pude aplaudir as escolhas de Albee. Os atores coadjuvantes – David Harbour e Mireille Enos – estão soberbos. Não é à toa que os quatro artistas foram indicados para o Tony, juntamente com a figurinista Jane Greenwood e a peça, na categoria melhor releitura. Também não é gratuita a consagração de Turner como “a diva das divas” pela crítica local, em uma temporada que ainda conta com Jessica Lange (vivendo Amanda Wingfield , de “À Margem da Vida”, de Tennesse Williams) e Natascha Richardson (encarnando a Blance DuBois de “Um Bonde Chamado Desejo”).

Em exata metáfora, Matt Wolf, crítico do jornal inglês “The Observer”, comparou a interpretação de Kahtleen Turner a um balão que, furado de modo violento, vai se esvaziando lentamente para choque e fascínio do público. Imperial, a atriz conduz sem pausas este bolero de bêbados. Uma dança triste de um casamento destruído por uma tragédia oculta do público, que permanece atento até o último rodopio. Ou até o sibilar derradeiro de Martha, rendida aos braços de seu George no chão do palco da Broadway, tal qual uma criança indefesa, mas consciente de seu lugar: “Quem-tem-medo-de-Virginia-Woolf-Virginia-Woolf-Virginia-Woolf?”. Kathleen Turner tem.

terça-feira, maio 31, 2005

Diretinho da Redação (16)



Defuntos redivivos apoiando seus candidatos favoritos em dia de eleição, compra de votos, gente comparecendo duas vezes à mesa eleitoral, denúncias de corrupção e tráfico de influência para todos os lados, três resultados diferentes em seis meses de apuração de votos. Aonde? Em Severinópolis? Não. Aqui, nos Estados Unidos mesmo, mais precisamente no estado de Washington, na costa oeste, cuja capital é a cosmopolita Seatlle.Esta semana televisões e jornais daqui acompanham com atenção mais um capítulo desta sitcom política que não tem data para terminar. A Côrte Estadual de Washington começou a ouvir os advogados do candidato republicano, Dino Rossi, que perdeu o pleito de novembro, depois de três recontagens, para a democrata Chrsitine Gregoire, por 129 votos, em um universo de 2,8 milhões de eleitores. Ele não aceita a derrota. Se alguém decidir ligar hoje para o comitê de Dino Rossi vai encontrar do outro lado linha simpáticos atendentes dizendo “Rossi para governador, bom dia!”. Lobistas dos dois lados do campo político local rumaram para Seattle e, ao som do pós-grunge característico da bela cidade em que chove mais por ano do que em Londres, tentam sair vitoriosos desta queda-de-braço a qualquer custo.A qualquer custo mesmo. Os democratas anunciaram um ‘investimento’ de US$ 500 mil dólares – vindos em boa parte de sobras da caixa de campanha do senador Kerry em 2004 – em lobistas, advogados e material para a miliância. Os republicanos estimam que os custos finais da brincadeira, que deve seguir para a Suprema Côrte, já estão em US$ 3 milhões. O irônico é que a principal linha da defesa democrata para a acusação republicana de que inúmeras irreglaridades – como o voto dos mortos-vivos – foram cometidas em redutos liberais do estado é a de que as bandalhas também ocorreram, só que com mais intensidade, nos cantões conservadores. Todos concordam que corrupção elitoral houve, é claro.A eleição que nunca acaba está sendo acompanhada, ‘atentamente’, pela Casa Branca, avisa o cada vez mais poderoso líder do governo no senado, Bill Frist. E nós com isso? George Bush, é verdade, não apareceu na tevê dizendo que apóia as obstruções de Dino Rossi porque, afinal de contas, ‘parceiro ajuda parceiro’. Mas, no exato momento em que a sociedade brasileira se debate com mais um escândalo, desta vez envolvendo a aliança PT-PTB, é bom lembrar que corrupção não cheira mal apenas no Brasil. Que é uma vantagem e um direito democrático podermos vê-la estampada de modo gritante nas primeiras páginas dos jornais, para horror de governistas e guardiães do $, aflitos por conta de uma virtual contaminação da crise política nos humores do mercado. Cá como lá, o importante é apurar. CPI já.