quarta-feira, março 22, 2006

Diretinho da Redação (43)


A coluna da semana já está no Direto da Redação.

Pense

Há três anos os EUA iniciaram a invasão do Iraque. Hoje, apenas hoje, pense no número de iraquianos mortos desde a queda de Saddam. A estimativa é de 100 mil pessoas. Agora pense que o motivo de 70% das mortes foi o caos econômico e social gerado pela presença alienígena em solo iraquiano nestes 36 meses. Pense que a maioria das vítimas é de crianças. Pense agora nos adolescentes filiados aos diversos grupos de resistência armada. Pense que eles aparecem nas reportagens uniformizados, vestindo camisetas de times de futebol, portando seus rifles, tal qual os meninos das favelas brasileiras.

Pense na tortura, na humilhação, no abuso sexual. Pense em Guantánamo e em Abu Ghraib. Pense nos 2.300 americanos sacrificados no Oriente Médio. Pense nos 16 mil que voltaram paralíticos, incrédulos, morto-vivos. Pense que alguns não têm mais pernas, outros perderam os braços, alguns retornam cegos e de muitos, muitos outros, foi tomada a razão. Pense nos justiceiros e nos homens-bombas. Pense nos 67 jornalistas assassinados nestes pouco mais de 1.000 dias de domínio norte-americano em Bagdá. Pense nas mesquitas que desabam, nas juras de vingança, nas famílias destroçadas. Pense nos seqüestrados abatidos, seus corpos caindo, suas cabeças ocultas, gravados com câmeras de última geração, ilustração maior da inconseqüência humana no sinistro vídeo-clipe destes três anos de mentiras.

Pense nas armas de destruição em massa jamais encontradas. Pense na democracia que não chega. Pense no US$ 1 trilhão estimados em custos até o momento para destruir e reerguer um país. Pense nos contratos superfaturados. Pense nos operários que comeram, nestes três anos, o resto da comida dos soldados americanos. Quando comeram. Pense nos 18 mil iraquianos que seguem lutando. Pense nos 133 mil americanos estacionados no Iraque. Pense nos 75 ataques diários feitos pelos iraquianos contra os americanos. Pense nas incursões semanais dos marines contra cidadãos iraquianos. Pense nas mães, xiitas, sunitas, dos adolescentes iraquianos, olhando impotentes os filhos com suas camisas de time de futebol e seus rifles de segunda mão. Pense agora nas mães, evangélicas, católicas, dos meninos americanos, cada vez mais sozinhas, consumidas pela distância e pela incerteza. Pense na fé das muçulmanas. Pense na fé das cristãs. Pense na ausência absoluta de esperança. Pense que, três anos depois, no Iraque não há lugar para a Razão.

Mas pense, por favor, no que escreveu esta semana o jornalista Bob Herbert, uma das vozes mais lúcidas do jornalismo estadunidense. “Qualquer um por aqui que achou uma boa idéia invadir o Iraque estava errado e precisa admitir isso. E aqueles que ainda continuam pensando que estão certos precisam urgentemente de terapia. Qualquer um que imaginou uma justificativa para esta guerra, pensou que ela seria lutada pelos filhos dos outros. Isto, por si só, é uma forma de depravação”. Pense.

segunda-feira, março 20, 2006

Para Americano Ver


Michel, no palco, fazendo ‘Regurgitofagia’ em inglês (ou naquela língua bem singular que é Michel falando inglês) me emocionou pacas. Levei uns amigos americanos. Alguns adoraram, outros se divertiram, outros, como eu já esperava, acharam que 'faltou algo mais político, mais orgânico' na peça. Ainda há, por aqui, a visão de que a América Latina tem de apresentar sua faceta social de modo escancarado, beirando o óbvio. Eu curti, muito. Michel é de uma coragem...Quando ele abre a janela do teatro no East Village e sai gritando, em português um 'abaixo à ditadura' e outras coisas mais, dá uma vontade de sair atrás, First Avenue acima, berrando com ele. Eu, hein? Mas que dá, dá!

Engraçado, no entanto, como a presença de Michel por aqui me trouxe, também, uma sensação de desconexão com minha rotina. Talvez a razão se deva ao fato de Michel carregar no rosto a imagem estampada da irmã dele, minha Simone querida. Aí a regurgitofagia quem faz sou eu, soltando pedaços desconexos de saudades de uma parte da minha vida, da minha família postiça carioca, de pessoas próximas que não estão por aqui. Mas banzo passa. Michel, não. Não demora muito ele volta. Manhattan não perde por esperar.

A foto, linda, linda, é da Débora 70.

Quinta Avenida

O www.edudobrooklyn.blogspot.com cresceu e ganhou filho novo. Um laboratório pop, o Quinta Avenida vai tentar reunir parte da trilha sonora do Brooklyn dos dias atuais. A Quinta Avenida do título não é a que dá nos museus mais pomposos de Manhattan. Não. Esta nasce em Fort Greene, corre em direção a Park Slope e só vai parar depois de Sunset Park. No caminho, clubes legais e música para todos os gostos - do folk iugoslavo (pois é) ao novo funk dos judeus ortodoxos. Com um sambinha no meio, que ninguém é de ferro. Resumo da ópera: naceu mais um blog, engatilhado aqui da minha laje, na fronteira exata de Clinton Hill com Fort Greene.

Clooneygate: mas será que a Ísis tinha razão?

Qual é o limite entre blogar e fazer jornalismo? A discussão é velha e ganhou mais um capítulo esta semana com a confusão aprontada por Ariana Huffington, a blogueira-celebridade, que vive publicando depoimentos de estrelas da política e do entretenimento em seu espaço na internet, um dos mais visitados – e valorizados – de Bushland. Pois bem, na semana passada, George Clooney, o próprio, apareceu nos domínios de Dona Ariana com uma mensagem se vangloriando por ser um liberal. Até aí morreu Neves, mas o problema é que ele não escreveu o texto, que pode ser lido aqui. A blogueira, soube-se logo depois, juntou uma série de declarações dadas por Clooney a Larry King (CNN) e ao jornal inglês The Guardian e produziu uma ‘exclusiva’ que nunca existiu.

Estava criado o Clooneygate, piada da semana nos blogs rivais de Ariana e nas páginas de mídia dos jornalões do país. Quanto mais se mexe na história, vai aumentando o interesse. Ariana conta que enviou à assessora de Clooney o texto para que ele aprovasse. E que só o publicou depois que o ator deu a devida permissão. O resultado é algo como um clipe de tevê, um quebra-cabeças editado a partir de cenas de um arquivo confiável, mas não identificado. Ágil, porém falso.

Quem lê o ‘texto de Clooney' é levado a acreditar que ele escreveu, de próprio punho, a ode liberal, em seu laptop, no conforto de sua villa italiana. “Eu não escrevi isso. Estas são respostas que eu dei, em contextos completamente diversos”, disse o ator. Clooney imaginou que as declarações iriam ser reproduzidas no blog da moça, contextualizando suas respostas. Depois de muita pressão e de pedradas diárias, dona Ariana finalmente pediu desculpas aos leitores e a Clooney e reconheceu o erro.

Agora, deixando de lado o acintoso ataque à ética jornalística, a gafe de Huffington me lembrou de uma velha história. Quem se lembra do inusitado pedido de casamento que Clooney teria feito à atriz Ísis de Oliveira quando ele era ainda pouco mais do que o bonitão da série Plantão Médico? A Ísis, coitada, acreditou piamente no conto do vigário e saiu comemorando nas páginas da imprensa carioca. Foi um mico escabroso. Mas Ísis se garantia com um documento da assessoria de Clooney confirmando o casório. Não sei não, mas eu fiquei com a pulga atrás da orelha: será que a assessora do Clooney era a mesma?