quinta-feira, janeiro 27, 2005

Amo Muito Tudo Isso

A matéria do dia, para quem ainda não leu, está hoje em O Globo (http://www.oglobo.com.br/) e vai assinada pelos repórteres Ana Wambier, Marco Antônio Cavalcanti e Roberta Oliveira. Em uma sacada simples, desmascaram o boboca (polêmico é adjetivo a ser usado com mais parcimônia e oferecido a sujeitos com inteligência mais obesa) do Larry Rother entrevistando as senhoras tchecas que apareciam na foto da matéria do The New York Times que jurava que a garota de Ipanema não é mais a tal.

A partir dos dados do IBGE que detecataram um aumento da obesidade no país, nosso repórter favorito resolveu provar que a juventude dourada do Posto Nove está mais para turista do Meio-Oeste disputando Big Macs em Times Square. De novo um exemplo de péssimo jornalismo, de apuração malfeita e de um cacoete aqui do intocável NYT de que fazer reportagem em país de periferia é moleza, basta ter a idéia genial e conseguir encaixar um personagem aqui, outro acolá. Troféu Ronald Mc Donald’s de cara-de-pau do ano para o Rother.

Mas, como a gente odeia injustiça, quem sabe não é o caso de o seu Rother, que parece estressado, aproveitar o Carnaval para relaxar e ouvir boa música? Uma sugestão é o samba do bloco dos jornalistas cariocas, o Imprensa Que Eu Gamo, composto pelos colegas Marceu Vieira, Janjão e Fábio Nascimento, que diz assim: “Deu no New York Times/que a Garota de Ipanema é fofa/e viram nas morenas bundas flácidas/com celulites e culotes retumbantes/ que a nossa musa agora é uma baleia/sereia de antigos carnavais/’O Brazil não conhece o Brasil’/O Lula é presidente ou um barril?/Não gosta de cachaça/Não entende de mulher/O Larry Rohter, será que ele é?/VEJA, ISTO É a nossa ÉPOCA/Só tem PLAYBOY, não há MANCHETE nem VISÃO/Já não tenho mais emprego/Mas pelo menos me livrei do pescoção/No carnaval, eu faço frila/No Mercadinho, em liquidação/(Imprensa, meu bem)Imprensa Que Eu Gamo, meu bem/Cheguei a dez, mas já estou a mais de cem(e o Larry deu!)".

Aqui do frio de deizinhos negativos eu também boto o meu bloco na rua e amo muito tudo isso.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Diretinho da Redação

Coluna da semana, saindo do forno. Quem quiser conferir in loco basta clicar em www.diretodaredacao.com. O texto entrou no ar hoje.

Pau no Pobre!

Aqui, como aí, ninguém atura os pobres. Já explico. Esta semana um pobre-coitado desabrigado tentava se proteger do frio - que transitou em seus piores momentos pela casa dos 20 C negativos com uma tempestade de neve no meio - e acendeu um fogo amigo na parede de sua morada. Que vinha a ser um buraco utilizado diariamente por cerca de 600 mil nova-iorquinos, onde passam as linhas A e C do metrô, as azuizinhas. O resultado foi uma pane no sistema de transporte público da cidade e a interrupção por meses - alguns técnicos mais céticos falam em anos - da linha de trem subterrâneo que liga uma grande parte do Brooklyn (inlcuindo o aeroporto JFK) ao lado oeste de Manhattan.

Em um triste momento de comunhão, a mídia local, do liberal The New York Times ao conservador New York Post, resolveram botar a culpa no pobre. Pau no pobre! Ele, afinal de contas, não poderia estar acendendo uma fogueira em um dos corredores subterrâneos ao lado da estação de Chambers Street. Há, segundo estatísticas oficiais, centenas de desabrigados vivendo nos túneis subterrâneos do secular metrô da cidade. Pesquisadores e especialistas em urbanismo, no entanto, falam em milhares. Há famílias que vivem debaixo da terra, os chamados "ratos humanos". Não há uma linha nas principais publicações da cidade sobre a incapacidade da sociedade norte-americana de lidar com os desabrigados, os com-teto-público-mas-sem-luz, os "loosers", na cidade mais rica do planeta.

Para muitos nova-iorquinos, os desabrigados que povoam cada canto da cidade são encarados como "pós-hippies", uma gente que, por inspiração ou piração, resolveu abandonar a realidade e se alimentar do rico lixo de uma sociedade extremamente consumista. Gente que escolheu a miséria. E nem pense em argumentar que muitos deles têm problemas mentais graves. O que seria óbvio leva a uma impressionante discussão - nos sites, nos programas de entrevista na televisão, na página de cartas dos jornais - sobre a necessidade de se isolar esta gente, de tirar os miseráveis do metrô e transportá-los para alguma ilha distante ou "sanatório para pessoas especiais", como acaba de falar um liberal de casaca (e são tantos aqui) na televisão local.

Nova Iorque e os Estados Unidos não querem encararar algumas de suas mais graves deficiências. O espisódio desta semana, que me afetou diretamente, pois era um usuário fiel das linhas azuizinhas, escancara mais uma vez a fragilidade do sistema de segurança da cidade e cristaliza a imagem que o mundo já formou dos meus vizinhos como um todo - uma gente que só enxerga o miserável quando ele atrapalha, de forma tragicômica, a vida cotidiana de seus vizinhos privilegiados do mundo de riba.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Colorado de Ódio

Revólver em casa

Quem nunca viu um bom filme de bangue-bangue passado no Velho Oeste pode até se espantar. Já explico. Passei uma semana fora de Nova Iorque, zanzando em Denver e Bolder, nas cercanias de Aspen, no estado do Colorado, no oeste americano. Lá, George Bush venceu as eleições presidenciais de 2004 com 52% dos votos válidos. Lá, presenciei uma conversa animada entre duas senhorinhas da classe média sobre a necessidade de se manter em casa uma arma de fogo. As duas não vêem a hora de ir à loja mais próxima e escolher o modelo mais eficiente.

Bandoleiros de Colfax Avenue

Não adianta lembrar às duas louras – sim, as senhorinhas são, ou estão, perdoem-me a falha na apuração, amarelíssimas - que há muito desapareceram na areia do deserto as legendas de Jim Miller e Billy The Kid. O perigo, as senhorinhas me avisam, mora cada vez mais ao lado. São, é claro, os imigrantes. Não os asiáticos, “uma força de trabalho muito bem-vinda à nossa comunidade”, que além de tudo, me aponta uma delas, são “limpinhos”. O novo fora-da-lei do Oeste americano é hispânico, muito provavelmente mexicano, amontoado nas cercanias de Colfax Avenue, uma espécie de Praça Mauá de Denver, iluminada por decadentes casas-de-fama-suspeita durante a noite e mais comportada à luz dia, quando ostenta um pujante comércio-do-bom-e-do-barato.

Efeito Colateral

As senhorinhas não acreditam em números. Elas dão de ombros para os estudos que mostram a altamente treinada polícia estadual como uma das campeãs no abate de inocentes ao caçar bandidos pelas tardes coloradas. Com um sorriso de canto de boca, as senhorinhas deixam escapar que é preciso entender estes equívocos como “efeito colateral”. Igualzinho aos iraquianos mortos naquele distante país do Golfo Pérsico. Efeito colateral, me dizem, na lata.

O Rio era lá

Uma merda a América Profunda? Vai ver alguém me explica em bom e claro português por que cargas d`água saí de Denver com a sensação de que tinha batido um dedo de prosa, azar o meu, com duas patricinhas de Ipanema. Experimenta voltar no texto e trocar ‘hispânico’ por ‘favelado’, ‘mexicano’ por ‘mulatinho’, ‘asiático’ por ‘empregada doméstica’ e ‘efeito colateral’ pelo quê mesmo?





Um Blog Um

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Como todo mundo viu, a revista Time enxergou em George W.Bush a personalidade de 2004. Na edição da última semana do ano que passou o colunista Andrew Sullivan resolveu tratar dos blogs, outro destaque do ano. Também editor da The New Republic, ele ontem assinou a capa do caderno de livros do The New York Times, em uma resenha sobre duas publicações que tratam de um dos mais vergonhosos episódios deste “ano de Bush” – a tortura a prisioneiros iraquianos. O onipresente escriba (ele também dá as caras no http://www.andrewsullivan.com/) sentenciou, no texto “O Ano dos Rebeldes”, que os blogs viveram sua ascensão e queda no ano que passou.

Como Assim?


Sullivan diz que o auge do poderio dos blogs teria sido a demissão do gente-boa Dan Rather do principal jornalístico da televisão norte-americana, o 60 Minutes, por conta de informações incorretas acerca da maneira como Bush filho teria escapado, com providencial ajuda de Bush pai, da Guerra do Vietnã. Foram os blogs que detectaram a origem fraudulenta do documento apresentado no 60 Minutes, causando uma crise sem precedentes no jornalismo da CBS. Já o resultado das eleições que dividiram o país ao meio, com a vitória conservadora, representa a derrota da “estratégia de guerrilha dos blogs, que seguirão à margem, pois, como guerrilheiros que são, não estão a fim de governar, mas de acertarem o que vêem pela frente”.

No pasarán!


Balela. A blogosfera é uma ferramenta preciosa para os que buscam notícias instantâneas com riqueza de detalhes e uma boa dose de calor humano, cada vez mais ausentes dos flashes insossos disparados a todo momento pelas agências de notícia em tempo real. É assim no Iraque e no Afeganistão, foi assim na Ucrânia, com blogs como o Rascunho da Neeka (http://vkhokhl.blogspot.com/), da jornalista Veronika Khokhlova, a quem tive a felicidade de entrevistar mês passado nos domínios do NoMínimo (http://www.nominimo.com/).

Vai no Fred


Na hora de relatar as histórias do cotidiano, do dia-a-dia de quem enfrenta o desastre, também está sendo difícil superar a cobertura dos blogs da tragédia do Sudeste Asiático, com o Tsunami que dominou o noticiário nas últimas semanas. Foi no blog do Fred Robart, o Desse Jeito Por Favor (www.thiswayplease.com/extra.html), que se viu primeiro as fotos de barcos destroçados na costa do Sri Lanka, para desespero dos pescadores de Jaffna. Robart conta a história de homens que aprenderam a conhecer todos os segredos do mar e que agora têm medo de voltar a exercer seu trabalho regularmente. Vale a leitura.

Mais Um Blog Um


Como vocês viram, começaram hoje os trabalhos do http://www.edudobrooklyn.blogspot.com/, com textos em português criados a partir do terraço aqui de casa, na ponta de Long Island, com vista para Manhattan, com direito ao World Trade Center e ao espaço vazio em que reinavam as Torres Gêmeas. O convite taí. Quem quiser que me acompanhe.