quarta-feira, janeiro 26, 2005

Diretinho da Redação

Coluna da semana, saindo do forno. Quem quiser conferir in loco basta clicar em www.diretodaredacao.com. O texto entrou no ar hoje.

Pau no Pobre!

Aqui, como aí, ninguém atura os pobres. Já explico. Esta semana um pobre-coitado desabrigado tentava se proteger do frio - que transitou em seus piores momentos pela casa dos 20 C negativos com uma tempestade de neve no meio - e acendeu um fogo amigo na parede de sua morada. Que vinha a ser um buraco utilizado diariamente por cerca de 600 mil nova-iorquinos, onde passam as linhas A e C do metrô, as azuizinhas. O resultado foi uma pane no sistema de transporte público da cidade e a interrupção por meses - alguns técnicos mais céticos falam em anos - da linha de trem subterrâneo que liga uma grande parte do Brooklyn (inlcuindo o aeroporto JFK) ao lado oeste de Manhattan.

Em um triste momento de comunhão, a mídia local, do liberal The New York Times ao conservador New York Post, resolveram botar a culpa no pobre. Pau no pobre! Ele, afinal de contas, não poderia estar acendendo uma fogueira em um dos corredores subterrâneos ao lado da estação de Chambers Street. Há, segundo estatísticas oficiais, centenas de desabrigados vivendo nos túneis subterrâneos do secular metrô da cidade. Pesquisadores e especialistas em urbanismo, no entanto, falam em milhares. Há famílias que vivem debaixo da terra, os chamados "ratos humanos". Não há uma linha nas principais publicações da cidade sobre a incapacidade da sociedade norte-americana de lidar com os desabrigados, os com-teto-público-mas-sem-luz, os "loosers", na cidade mais rica do planeta.

Para muitos nova-iorquinos, os desabrigados que povoam cada canto da cidade são encarados como "pós-hippies", uma gente que, por inspiração ou piração, resolveu abandonar a realidade e se alimentar do rico lixo de uma sociedade extremamente consumista. Gente que escolheu a miséria. E nem pense em argumentar que muitos deles têm problemas mentais graves. O que seria óbvio leva a uma impressionante discussão - nos sites, nos programas de entrevista na televisão, na página de cartas dos jornais - sobre a necessidade de se isolar esta gente, de tirar os miseráveis do metrô e transportá-los para alguma ilha distante ou "sanatório para pessoas especiais", como acaba de falar um liberal de casaca (e são tantos aqui) na televisão local.

Nova Iorque e os Estados Unidos não querem encararar algumas de suas mais graves deficiências. O espisódio desta semana, que me afetou diretamente, pois era um usuário fiel das linhas azuizinhas, escancara mais uma vez a fragilidade do sistema de segurança da cidade e cristaliza a imagem que o mundo já formou dos meus vizinhos como um todo - uma gente que só enxerga o miserável quando ele atrapalha, de forma tragicômica, a vida cotidiana de seus vizinhos privilegiados do mundo de riba.

Um comentário:

Anônimo disse...

Também freqüentei essas linhas e fiquei aqui imaginando onde é que os "ratos humanos" se escondem... Não consegui visualizar ainda esse 'buraco' por onde eles entram e no qual permanecem durante a noite, saindo no dia seguinte para seus "afazeres", quaisquer que sejam. Enfim... claro que eles tinham que levar a culpa, afinal, incomodam tanto com sua simples presença, mesmo que subterrânea!

Show de bola esse artigo, Dudu!

Gabi Sandes