sexta-feira, maio 23, 2008

O Sonho da Revolução Verde-e-Vermelha nos EUA

Saiu hoje no caderno Eu&Cultura, do jornal Valor Econômico, meu texto sobre a explosão do mercado de trabalho relacionado à energia sustentável e à ecologia aqui nos EUA. Também fiz uma retranca sobre a situação brasileira.

Os colarinhos-verdes
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
23/05/2008

Eles aparecem em todos os programas dos candidatos à Casa Branca e são considerados estratégicos pelos democratas. São os trabalhadores de colarinho-verde - variante do colarinho-branco dos empresários e do colarinho-azul dos operários -, encontrados nas indústrias de energia renovável, combustíveis alternativos e na construção de prédios ecologicamente corretos. Em dezembro, George W. Bush sancionou o Green Jobs Act, autorizando investimento de US$ 125 milhões para treinamento de trabalhadores interessados em se especializar na área. O alvo dos candidatos é a massa de operários-eleitores que perderam emprego por causa da mão-de-obra mais barata na China e na Índia. Mas a tentativa de ligar o movimento verde à solução de um dos maiores entraves socioeconômicos dos EUA também está mexendo de forma intensa com a inteligência progressista da zona norte do mundo.


Coordenador-geral da Oakland Apollo Alliance, coalizão de ambientalistas, trabalhadores e ativistas políticos voltada para a criação de empregos verdes na área de Oakland (subúrbio operário da Califórnia), Ian Kim participou do lobby que levou Washington a reconhecer a necessidade de investir em especialização para uma área que cresce a olhos vistos, em trabalhos como a instalação de painéis solares, a jardinagem orgânica e a construção verde. "Foi um investimento modesto. Nosso setor precisa de bilhões de recursos para começarmos a combater a pobreza por meio da ampliação do universo do colarinho-verde. Hoje gastamos US$ 1,4 bilhão/ano no Iraque. Parte desse dinheiro poderia estar sendo investida na reorganização de nossa economia", diz Kim, professor de estudos urbanos da Universidade de São Francisco.

Ele sublinha que a importância simbólica do Green Jobs Act, no entanto, é inegável. De acordo com estimativas da Sociedade de Energia Solar Americana (Ases), a atual força de trabalho de 8,5 milhões de colarinhos-verdes deve chegar a 40 milhões em 2030. Um estudo da Cleantech Network, especializada em investimento verde, mostra que para cada US$ 100 milhões investidos, criam-se hoje 250 mil novos postos de trabalho nos EUA. Em 2007, apenas na Califórnia, corporações privadas investiram US$ 654 milhões na criação de 33 painéis solares (ante US$ 253 milhões em 2006). Não por acaso, uma nova função aparece no mercado: a dos headhunters especializados em empregos de colarinho-verde, como a Green Careers. O Instituto de Tecnologia do Oregon (OIT), por sua vez, acaba de formar o primeiro grupo de 50 estudantes superiores especializados em energias renováveis. Outros cursos semelhantes pipocam país afora, para entusiasmo dos candidatos à Casa Branca, que não querem ver esses postos de trabalho rumarem para a Ásia.

Liderada pelo advogado Van Jones, a Oakland Apollo Alliance foi criada por ativistas sociais e ambientalistas de uma das áreas mais afetadas pela crise da pós-industrialização. Enquanto o Vale do Silício multiplicava fortunas, Oakland amargava índices recordes de desemprego e crime. O mote de Jones é marxista: "Ofereça o trabalho de que mais precisamos para as pessoas que mais precisam de trabalho." Parece simples, mas a união de ecologistas com operários em torno da idéia de que os EUA deveriam acelerar o passo na direção de uma economia limpa, com a criação de milhares de empregos no meio do caminho, levou a discussão da ética verde para além da eco-elite e encontrou surpreendente abrigo nas centrais sindicais mais poderosas do país. "Nosso maior orgulho foi estabelecer essa ligação com os trabalhadores. Se o movimento verde ficar preso aos aspectos comportamentais, estaremos fadados à desimportância", diz Kim.

Ao lado do Sustainable South Bronx, de Nova York, a Apollo Alliance criou a campanha Verde para Todos, que defende o investimento imediato de US$ 1 bilhão do governo federal para deslanchar uma revolução verde-e-vermelha no país, com a capacitação de pelo menos 250 mil trabalhadores no que já é conhecido como o Plano Marshall do século XXI.

A mobilização já começou. Oakland é a primeira cidade dos EUA a contar com um Green Jobs Corps (GJC), voltado para a capacitação de profissionais nas áreas de manufaturas de biocombustíveis e instalação de painéis solares. A prefeitura decidiu investir US$ 250 mil para dar o gatilho no GJC. Na cidade, 13% dos menores de idade vivem abaixo da linha de pobreza. Ao mesmo tempo, o governo local anunciou incentivos fiscais para atrair empresas como a Grid Alternatives, que, desde 2004, já habilitou 1.700 profissionais na prática de instalação de painéis solares. De acordo com a Apollo Alliance, em 2006 foram investidos US$ 2,9 bi no setor, aumento de 80% em relação ao ano anterior.

Uma das figuras políticas mais importantes do país, a democrata Nancy Pelosi, é uma entusiasta da criação de um Green Job Corps nacional. Durante anos a fio compreendido nos EUA como uma subcultura fechada em si mesma, o pensamento ecológico tem conquistado novos espaços desde a exposição dos perigos do aquecimento global e da transformação do ex-vice-presidente Al Gore em apóstolo do crescimento sustentável.


Estimativa mostra que atual força de trabalho de 8,5 milhões de trabalhadores dessa área deve chegar a 40 milhões em 2030


Agora, ativistas ligados a movimentos sociais, como Jones e Kim, começam a dizer sem medo que os trabalhadores precisam ver o verde, também, no bolso. E recebem mais interesse da opinião pública dos verdes mais tradicionais, como o eterno candidato à Presidência pelo Partido Verde, Ralph Nader.

No Brasil, Beto Mesquita, diretor do Instituto BioAtlântica, pensa que a excitação por conta dos empregos de colarinho-verde nos EUA tem tudo para ser repetida no país. "Um dos maiores desafios para a recuperação da Mata Atlântica, por exemplo, é a conciliação da necessidade de ações de restauração florestal com a geração de novas oportunidades de trabalho e renda. A cadeia produtiva da restauração florestal - que inclui atividades como coleta de sementes de espécies nativas, produção de mudas, plantio e manutenção de áreas - apresenta um tremendo potencial de expansão e de profissionalização."

Mesquita lembra que regiões economicamente deprimidas no Brasil, com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), distantes dos grandes parques industriais e com reduzida cobertura florestal nativa, podem se beneficiar de oportunidades relacionadas à recuperação e à preservação dos serviços ambientais das florestas nativas. Ele cita como exemplos a produção e o armazenamento de água, o seqüestro de carbono da atmosfera e a proteção de paisagens naturais, fundamentais para o ecoturismo, segmento da indústria de viagens que mais cresceu no mundo na última década.

Mas nem tudo é consenso. Nos EUA, ambientalistas têm criticado a ligação entre criação de postos de trabalho na área do meio ambiente e diminuição da pobreza e da desigualdade. Acabar com a poluição e com a pobreza da maior economia do globo parece tarefa complexa demais para ser abordada de forma simplista. Gente como Rich Sweeney, da organização Ressources for the Future, pondera que a relação de causa e efeito, quando estabelecida, enfraquece o discurso verde e desvia o foco de um problema completamente diverso das mazelas sociais enfrentadas em países com sociedades desiguais, como os Estados Unidos, ou, em um caso extremo, o Brasil.

Qual seria, afinal, a relação possível entre a adoção de uma política ambiental responsável e o combate à pobreza? "Quem mais sofre com a degradação ambiental são as camadas mais pobres. Também é possível perceber uma tendência de certos setores em relacionar preservação ambiental com pobreza a partir da idéia de que os impactos ambientais graves - e muitos deles perfeitamente evitáveis, com a adoção de tecnologias limpas e sustentáveis - seriam apenas um aspecto inevitável do crescimento econômico", comenta Mesquita.

O diretor do BioAtlântica lembra o estudo feito pelo professor José Augusto Pádua, da Universidade Rural do Rio de Janeiro, apresentando correlação entre altas taxas de desemprego e desmatamento das florestas nativas. "Não é justo atribuir à criação de um parque nacional ou de uma reserva extrativista a função de, além de proteger a natureza, gerar renda e combater a pobreza. Essa combinação de fatores só será possível em situações muito peculiares. Seria a mesma coisa que exigir, como contrapartida e de maneira genérica, que o Bolsa Família fosse também um programa de preservação ambiental."

Ian Kim diz que a experiência vitoriosa de Oakland tem tudo para se repetir em outras cidades economicamente deprimidas, como Detroit. Em todo o Estado de Michigan, um dos berços da hoje enfraquecida indústria automobilística americana, os investimentos têm se concentrado na energia eólica e na construção de turbinas utilizando a mão-de-obra especializada oriunda dos muitos desempregados do parque industrial tradicional, cada vez mais diminuto. Beto Mesquita concorda. E lembra que no Brasil, também, a nova fronteira dos serviços ambientais, especialmente a proteção e a recuperação dos mananciais hídricos e as ações de redução da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, aponta claramente para esse novo paradigma. Uma parceria verde-e-vermelha que parece ter chegado para ficar.


Lógica de candidatos americanos mostra-se ineficaz no Brasil


Ao pregar a multiplicação dos empregos do colarinho-verde para combater problemas sociais, Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain (um republicano que sempre se diferenciou da maioria de seus pares quando se trata de política ambiental) batem na mesma tecla: a de que é fundamental investir no setor para garantir logo uma "reserva de mercado", ou seja, impedir que esses postos de trabalho migrem para economias emergentes onde a mão-de-obra barata, ainda que especializada, será mais farta.

Curiosamente, o mesmo raciocínio não funciona quando a lógica é aplicada na zona sul do planeta. O pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na semana passada, foi visto pela inteligência liberal do mundo ocidental como peça importante de um quebra-cabeça ainda insolúvel, em que os principais jogadores parecem guiados ora pela necessidade de afirmação da soberania nacional da Amazônia, ora pela sugestão - cada vez mais imperativa - de que a região é um patrimônio de toda a humanidade.

Em reportagem extensa o jornal "The New York Times" considerou medidas propostas recentemente pelo governo brasileiro - como a criação de um visto especial para os estrangeiros interessados em visitar a Amazônia - reflexos de uma certa "paranóia" protecionista que grassaria no país. A saída de Marina Silva, contrária à ânsia desenvolvimentista vista anteriormente com tamanha força apenas no governo de Emílio Garrastazu Médici, ilustraria um aparente paradoxo do governo do PT. Brasília estaria ao mesmo tempo interessada em consolidar sua liderança na discussão de temas fundamentais para a economia verde, como energias alternativas, combate ao efeito estufa e compensação financeira pela preservação da áreas verdes, e em definir a Amazônia como tema unicamente brasileiro.

Do outro lado do Atlântico, o britânico "The Independent" saiu com um superlativo editorial afirmando que a saída de cena da "fada da floresta" era nada menos do que uma ameaça para a sobrevivência do planeta. O texto lembra que quase 25% da emissão de gás carbônico no mundo vem da derrubada das florestas tropicais, ante 14% produzida por carros, aviões e indústrias. E que a queimada de florestas, em um único dia, coloca mais dióxido de carbono na atmosfera do que 8 milhões de pessoas voando entre Londres e Nova York. O jornal sugere o investimento - dividido entre todas as nações do planeta, com exceção do Brasil - de US$ 80 bilhões para a proteção da Amazônia, o que geraria uma multidão de empregos de colarinho-verde no país. Mas, em contra-partida, Brasília concordaria que "essa região do Brasil é importante demais para ficar a cargo apenas dos brasileiros".

Com ou sem a proliferação de postos de trabalho na área verde, a queda-de-braço em torno da Amazônia é cada vez mais protagonista no planejamento estratégico do Brasil dos anos 2000. (EG)

quinta-feira, maio 22, 2008

Eleições 2008: Racismo No Sul dos EUA

Muito boa esta reportagem da Al-Jazeera em inglês sobre a dificuldade de Barack Obama em convencer os norte-americanos brancos de classe média-baixa, especialmente os do sul do país, a apoiarem um candidato negro nas eleições de novembro. Dá o que pensar...

125 Anos de Ponte do Brooklyn



As fotos são do fantástico fotógrafo e querido amigo Fábio Seixo. A ponte é a do Brooklyn, aqui ao lado de casa, que celebra hoje 125 anos. Para mim, disparada, a atração mais bonita da cidade, com vistas de se perder o fôlego.

terça-feira, maio 20, 2008

Os Números de uma Eleição

Mais do que conceitos e propostas, o que impressiona na disputa pelo controle do Império são números, números, números. O ótimo site político Daily Kos recebeu por e-mail, da campanha do senador do Illinois, hoje de noite, um dado mais do que interessante: dos novos doadores à campanha de Obama no mês de abril (200 mil cidadãos), 94% contribuíram menos de US$ 200.

É assim que ele vem revolucionando a maneira de se tornar uma candidatura finaceiramente viável aqui nos EUA, chegando ao total de US$ 31,9 milhões arrecadados no mês passado. Neste exato momento ele conta com US$ 46,5 milhões em caixa. A campanha de Hillary Clinton, que se fixou no velho modelo dos grandes doadores, amarga cerca de US$ 20 milhões...em dívidas.

A primeira-dama, que acaba de vencer a primária do Kentucky graças ao voto dos eleitores mais conservadores, da zona rural do estado sulista, tem justamente na dívida milionária seu ponto mais fraco na tentativa ainda desesperada de conseguir a indicação à presidência.

ENTREVISTA/Stefan Sagmeister


A mais recente edição da revista FLORENSE trouxe o perfil que escrevi sobre o designer gráfico Stefan Sagmeister. Passamos - eu e o fotógrafo Victor Affaro - um fim de tarde de fim de inverno na cobertura do artista austríaco radicado em Nova Iorque desde o fim dos anos 70. O papo foi descontraído e rendeu 4 páginas. Ó só:

Stefan Sagmeister - O Johnny Depp do Design Contemporâneo
Por Eduardo Graça, de Nova York

A primeira reação ao se entrar no estúdio de Stefan Sagmeister, localizado em uma cobertura no Chelsea, é a de que um dos mais importantes designers gráficos do planeta cultua os contrastes como poucos. No primeiro andar, entre uma cozinha-bar e um banheiro, funciona o estúdio de fato. O segundo, a sala de reuniões onde esta entrevista aconteceu, é dominado pelo chandelier pop que Rody Graumans criou para a Droog em 1993. Sagmeister conta que o que chamou sua atenção foi o uso de elementos básicos (fios e muitas, muitas lâmpadas, destas que se compram na lojinha da esquina) para criar um efeito único. O terceiro andar é um paredão aberto ao céu de Nova Iorque, com o Empire State Building ao alcance do nariz. Daqui de cima pode-se até ver a fila de formiguinhas que vai se formando na entrada de um dos pontos turísticos mais populares da cidade.

O designer, que nasceu em Bregenz, na Áustria, e conversa em inglês com um sotaque igualmente forte e gracioso, sabe que o alto design pode ser encontrado no mais ordinário dos meios. Em seu mais recente livro – Things I Have Learned In My Life So Far (algo como Coisas Que Aprendi Em Minha Vida Até Agora, editado pela Abrams, a US$ 40) - ele utiliza papel higiênico, chocolate, fita adesiva, cachorro-quente, entre muitos outros meios nada convencionais, para apresentar mensagens de afirmação. Talvez a mais impactante seja a do macaco inflável, gigantesco, em que se precisa virar a página (ou, na exposição que ele apresentou no começo do ano na Deitch Projects, em Nova Iorque, dar a volta em torno da instalação) para apreender toda a mensagem: “Todos sempre pensam...”, começa, para terminar: “...que estão certos o tempo inteiro”.

Com uma suéter azul-clara, calça de pano azul-escura e um modernoso tênis azul-marinho, Sagmeister parece mais novo do que seus 45 anos. E do alto de seus 1,95m, acha graça dos sete anos que demorou para finalizar Things I Have Learned In My Life So Far. Também sorri da comparação feita recentemente por Paola Anteonelli, curadora-sênior de Arquitetura e Design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), que o batizou de o ‘Johnny Depp do design contemporâneo’. Surpreendente, radical, independente, quase ingênuo, quiçá brutal, o designer conta em entrevista exclusiva à Florense por que deixou de lado seu icônico trabalho com os gigantes nomes da música pop norte-americana (vide Lou Reed emergindo do nada em Set the Twilight, de 1996, o boneco G-I-Joe de David Byrne na capa de Feelings, e o leão assírio de Bridges to Babylon, dos Rolling Stones, ambos de 1997) a fim de explorar outros campos oferecidos pelo maravilhoso mundo do desenho gráfico contemporâneo: projetos sociais, científicos e pessoais. O fundamental, garante, é saber que ‘o tempo em que vivemos é o mais interessante e gratificante para as artes gráficas’.

"Não Há Melhor Momento Para Se Tornar um Desenhista Gráfico Do Que Este Em Que Vivemos"


- Depois de um ano sabático, você voltou a Nova Iorque, virou seu estúdio de pernas para o ar, lançou um livro que é a sensação do desenho gráfico no Hemisfério Norte e uma exposição que se transformou em um dos sites mais visitados do seu meio. Você aconselharia um período de descanso para um bom profissional se reinventar com sucesso?
- Pode-se ter uma idéia do que almejo fazer com meu trabalho olhando para o exemplar da Florense que você acaba de me dar. Aqui estão dois de meus maiores ídolos, Milton Glaser e Oscar Niemeyer, que têm uma inequívoca capacidade de reinvenção. No meu caso, o ano sabático, claro, funcionou muito bem para mim. Mas não posso, de fato, afirmar que esta é a melhor maneira de se preparar para uma nova etapa criativa. Tenho uma enorme dificuldade em ouvir conselhos, então não vou fazer o mesmo. Agora, a maioria dos designers que respeito criaram suas próprias maneiras de recarregar as baterias. Glaser, por exemplo, não trabalha às sextas-feiras, Massimo Vignelli sai mais cedo todos os dias, fecha o estúdio às três ou quatro da tarde. No meu caso, o peso do trabalho contínuo foi sentido, assim como acontece de forma geral com acadêmicos. Precisava recarregar as baterias. Cheguei em NY em 1993, decidi descansar sete ano depois, em 2000.

- O livro surgiu deste ano de descanso?
- Um pouco do que viria a se tornar o livro surgiu de fato naquele ano, mas de forma alguma a motivação da parada foi publicar algo. Ed Fella, um designer que admiro muito, professor da Califórnia Institute of Arts (Calarts), veio ocupar o estúdio na mesma época, começou a fazer sketch books muito interessantes, se dedicando exclusivamente a estes experimentos. Pensei que seria interessante fazer algo parecido justamente no momento em que eu chegava à maturidade de minha carreira. Ou assim eu pensava. Mas Ed foi minha real inspiração para o ano sabático.

- Você chegou a pensar em deixar o design gráfico de lado, não é?
- Na verdade, durante aquele ano, inicialmente, pensei que iria me tornar diretor de cinema. Cheguei a trabalhar bem a idéia na minha cabeça, mas abandonei este plano completamente depois de quatro semanas de muitas maquinações. Cheguei à conclusão de que precisaria de pelo menos dez anos para aprender uma linguagem nova como a do cinema. O tempo até que me animava, sabia? O que me amedrontou mesmo foi pensar que investiria uma década no aprendizado de uma nova linguagem para depois descobrir que possivelmente não teria nada a dizer de uma forma cinematográfica! Mas será que ainda havia algo diferente a dizer na linguagem que eu conheço? Na minha linguagem? No desenho gráfico? Talvez, mas queria fazer algo que não tivesse nada a ver com promoção e/ou música, vendas. Se você olhar para os principais estúdios de design de Nova Iorque, eles certamente estão hoje centrados na parte corporativa, mais comercial. Não queria isso. Comecei a pensar então nas muitas outras fronteiras que o design pode atingir...

- E você decidiu abandonar de vez justamente uma das características mais fortes da marca Sagmeister: sua fantástica produção de imagens voltadas para a música pop.
- É verdade. Estamos oficialmente fora da esfera da indústria musical. Esta foi uma das primeiras decisões depois do ano sabático. É que a música popular não tem mais a importância que teve em minha vida. Acho que hoje até temos acesso a mais música, de mais gêneros, de mais culturas, mas a maneira como a consumimos e como a encaramos é completamente diferente da dos anos 60 e 70, por exemplo. Quando tinha 17 anos, no fim dos anos 70, minha coleção de discos definia quem eu era. Não é o caso hoje para um jovem adolescente. Veja bem, não sou um nostálgico, de forma alguma. Há uma série de aspectos interessantes que o design pode ter um efeito direto e é para estes nichos que o estúdio está se focando, incluindo, com destaque, ciência e a arena social.


- Você poderia me dar alguns exemplos práticos desta guinada do estúdio?
- Temos aqui, por exemplo, um projeto de uma revista científica mais popular, voltada para jovens não necessariamente nerds, também estamos trabalhando ativamente na comunicação de um grupo que propõe uma modificação na legislação norte-americana para limitar os gastos militares no orçamento, obrigando certa porcentagem a ser direcionada para os gastos sociais. E mantemos projetos na Palestina, mais educacional, com o grupo OneVoice, voltado para as negociações de paz entre Israel e a Autoridade Palestina, e no Panamá, ligado à preservação da floresta tropical. Acho importante frisar que fiz esta transição logo antes da explosão do MP3, o que foi ao mesmo tempo providencial – hoje, em 2008, não sei de nenhum estúdio de design que tenha seu foco principal na indústria musical – e extremamente pessoal, no sentido de que foi uma decisão tomada por mim e não por uma imposição da indústria.

- Então é mesmo impossível imaginar hoje um estúdio de design gráfico repetindo sua experiência de se concentrar no universo musical...
- É impossível, especialmente por conta da desimportância atual do packaging musical. Mas, de novo, nada de nostalgia! Quem se tornou um designer nos anos 80 por conta das capas de disco, hoje se torna um profissional do ramo por conta dos vídeo games, ou dos telefones celulares. Aliás, se você olhar para a história da música com atenção, vai perceber que ela jamais precisou de qualquer aspecto visual. É possível que a tentativa de se criar um código visual para a música tenha acontecido entre os anos 40 e nossa década que agora vai ser lembrado como um período histórico.

"Experimente, Tente, Ouse, Faça Coisas em Todas as Direções"


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The Things I Have Learned é a cara dos anos 00. Fiquei impressionado ao entrar no site do livro e ver o espaço reservado para colaborações de internautas. Você vê o livro, que rendeu uma bela exposição no SoHo no início do ano, como ‘em progresso constante’?
- Sim! The Things I Have Learned, desde o título, é, nitidamente, um trabalho em progresso. Até a idéia de deixar em aberto as contribuições de amadores e designers dos quatro cantos do globo foi, também, uma sugestão externa, de visitantes da exposição. E adorei a idéia! Sempre fui muito crítico com relação a websites de livros. Queria fazer algo que fizesse sentido e se relacionasse com a obra em papel. E fiquei extremamente surpreso, não apenas com a qualidade das obras que apareceram lá, quase todas de amadores, mas também com a quantidade e com a velocidade com que elas são postadas. Abri o site há quatro semanas e já temos uma coleção impressionante. Diariamente há novidades! É impressionante quanta gente decidiu dedicar o seu tempo para postar lá, colocar suas próprias mensagens, em forma gráfica, do que aprenderam vida afora. Existem obras lá que certamente levaram horas e horas para serem concluídas.

- Isso me faz lembrar de uma de suas frases mais famosas, a de que o que você almeja fazer é criar design para não-designers. É isso mesmo?
- Sim, e, para o designer com esta ambição, não existe tempo melhor do que o que vivemos hoje. Há um interesse brutal por design de pessoas claramente fora do mundo do desenho gráfico. De uma certa maneira, design é mais acessível do que arte contemporânea, é mais próximo do dia-a-dia do cidadão comum. Senti isso em nossa exposição aqui no SoHo. Recentemente, também, o MoMA abriu uma exposição dedicada à relação entre a ciência e o design, extremamente sofisticada, e teve casa cheia todos os dias. Então, temos de aproveitar e deixar de lado a tentação de fazer design para nós mesmos, os criadores, o que pode até ser interessante aqui e acolá, mas é tão insular. Eu definitivamente decidi me tornar um designer porque gosto de falar com muitas pessoas ao mesmo tempo, de criar em meio à confusão, sabe? Talvez por isso os profissionais que admiro mais no mundo do desenho sejam justamente os que conseguem atingir uma audiência imensa, como Matt Groening e seus Simpsons.

- Você já disse aqui que não gosta de dar conselhos, mas teria uma mensagem para os estudantes de design no Brasil que vierem a ler a Florense?
- Experimente, tente, ouse, faça coisas em todas as direções. De novo, lembre-se que este é o tempo perfeito para se tornar um designer.