terça-feira, maio 20, 2008

ENTREVISTA/Stefan Sagmeister


A mais recente edição da revista FLORENSE trouxe o perfil que escrevi sobre o designer gráfico Stefan Sagmeister. Passamos - eu e o fotógrafo Victor Affaro - um fim de tarde de fim de inverno na cobertura do artista austríaco radicado em Nova Iorque desde o fim dos anos 70. O papo foi descontraído e rendeu 4 páginas. Ó só:

Stefan Sagmeister - O Johnny Depp do Design Contemporâneo
Por Eduardo Graça, de Nova York

A primeira reação ao se entrar no estúdio de Stefan Sagmeister, localizado em uma cobertura no Chelsea, é a de que um dos mais importantes designers gráficos do planeta cultua os contrastes como poucos. No primeiro andar, entre uma cozinha-bar e um banheiro, funciona o estúdio de fato. O segundo, a sala de reuniões onde esta entrevista aconteceu, é dominado pelo chandelier pop que Rody Graumans criou para a Droog em 1993. Sagmeister conta que o que chamou sua atenção foi o uso de elementos básicos (fios e muitas, muitas lâmpadas, destas que se compram na lojinha da esquina) para criar um efeito único. O terceiro andar é um paredão aberto ao céu de Nova Iorque, com o Empire State Building ao alcance do nariz. Daqui de cima pode-se até ver a fila de formiguinhas que vai se formando na entrada de um dos pontos turísticos mais populares da cidade.

O designer, que nasceu em Bregenz, na Áustria, e conversa em inglês com um sotaque igualmente forte e gracioso, sabe que o alto design pode ser encontrado no mais ordinário dos meios. Em seu mais recente livro – Things I Have Learned In My Life So Far (algo como Coisas Que Aprendi Em Minha Vida Até Agora, editado pela Abrams, a US$ 40) - ele utiliza papel higiênico, chocolate, fita adesiva, cachorro-quente, entre muitos outros meios nada convencionais, para apresentar mensagens de afirmação. Talvez a mais impactante seja a do macaco inflável, gigantesco, em que se precisa virar a página (ou, na exposição que ele apresentou no começo do ano na Deitch Projects, em Nova Iorque, dar a volta em torno da instalação) para apreender toda a mensagem: “Todos sempre pensam...”, começa, para terminar: “...que estão certos o tempo inteiro”.

Com uma suéter azul-clara, calça de pano azul-escura e um modernoso tênis azul-marinho, Sagmeister parece mais novo do que seus 45 anos. E do alto de seus 1,95m, acha graça dos sete anos que demorou para finalizar Things I Have Learned In My Life So Far. Também sorri da comparação feita recentemente por Paola Anteonelli, curadora-sênior de Arquitetura e Design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), que o batizou de o ‘Johnny Depp do design contemporâneo’. Surpreendente, radical, independente, quase ingênuo, quiçá brutal, o designer conta em entrevista exclusiva à Florense por que deixou de lado seu icônico trabalho com os gigantes nomes da música pop norte-americana (vide Lou Reed emergindo do nada em Set the Twilight, de 1996, o boneco G-I-Joe de David Byrne na capa de Feelings, e o leão assírio de Bridges to Babylon, dos Rolling Stones, ambos de 1997) a fim de explorar outros campos oferecidos pelo maravilhoso mundo do desenho gráfico contemporâneo: projetos sociais, científicos e pessoais. O fundamental, garante, é saber que ‘o tempo em que vivemos é o mais interessante e gratificante para as artes gráficas’.

"Não Há Melhor Momento Para Se Tornar um Desenhista Gráfico Do Que Este Em Que Vivemos"


- Depois de um ano sabático, você voltou a Nova Iorque, virou seu estúdio de pernas para o ar, lançou um livro que é a sensação do desenho gráfico no Hemisfério Norte e uma exposição que se transformou em um dos sites mais visitados do seu meio. Você aconselharia um período de descanso para um bom profissional se reinventar com sucesso?
- Pode-se ter uma idéia do que almejo fazer com meu trabalho olhando para o exemplar da Florense que você acaba de me dar. Aqui estão dois de meus maiores ídolos, Milton Glaser e Oscar Niemeyer, que têm uma inequívoca capacidade de reinvenção. No meu caso, o ano sabático, claro, funcionou muito bem para mim. Mas não posso, de fato, afirmar que esta é a melhor maneira de se preparar para uma nova etapa criativa. Tenho uma enorme dificuldade em ouvir conselhos, então não vou fazer o mesmo. Agora, a maioria dos designers que respeito criaram suas próprias maneiras de recarregar as baterias. Glaser, por exemplo, não trabalha às sextas-feiras, Massimo Vignelli sai mais cedo todos os dias, fecha o estúdio às três ou quatro da tarde. No meu caso, o peso do trabalho contínuo foi sentido, assim como acontece de forma geral com acadêmicos. Precisava recarregar as baterias. Cheguei em NY em 1993, decidi descansar sete ano depois, em 2000.

- O livro surgiu deste ano de descanso?
- Um pouco do que viria a se tornar o livro surgiu de fato naquele ano, mas de forma alguma a motivação da parada foi publicar algo. Ed Fella, um designer que admiro muito, professor da Califórnia Institute of Arts (Calarts), veio ocupar o estúdio na mesma época, começou a fazer sketch books muito interessantes, se dedicando exclusivamente a estes experimentos. Pensei que seria interessante fazer algo parecido justamente no momento em que eu chegava à maturidade de minha carreira. Ou assim eu pensava. Mas Ed foi minha real inspiração para o ano sabático.

- Você chegou a pensar em deixar o design gráfico de lado, não é?
- Na verdade, durante aquele ano, inicialmente, pensei que iria me tornar diretor de cinema. Cheguei a trabalhar bem a idéia na minha cabeça, mas abandonei este plano completamente depois de quatro semanas de muitas maquinações. Cheguei à conclusão de que precisaria de pelo menos dez anos para aprender uma linguagem nova como a do cinema. O tempo até que me animava, sabia? O que me amedrontou mesmo foi pensar que investiria uma década no aprendizado de uma nova linguagem para depois descobrir que possivelmente não teria nada a dizer de uma forma cinematográfica! Mas será que ainda havia algo diferente a dizer na linguagem que eu conheço? Na minha linguagem? No desenho gráfico? Talvez, mas queria fazer algo que não tivesse nada a ver com promoção e/ou música, vendas. Se você olhar para os principais estúdios de design de Nova Iorque, eles certamente estão hoje centrados na parte corporativa, mais comercial. Não queria isso. Comecei a pensar então nas muitas outras fronteiras que o design pode atingir...

- E você decidiu abandonar de vez justamente uma das características mais fortes da marca Sagmeister: sua fantástica produção de imagens voltadas para a música pop.
- É verdade. Estamos oficialmente fora da esfera da indústria musical. Esta foi uma das primeiras decisões depois do ano sabático. É que a música popular não tem mais a importância que teve em minha vida. Acho que hoje até temos acesso a mais música, de mais gêneros, de mais culturas, mas a maneira como a consumimos e como a encaramos é completamente diferente da dos anos 60 e 70, por exemplo. Quando tinha 17 anos, no fim dos anos 70, minha coleção de discos definia quem eu era. Não é o caso hoje para um jovem adolescente. Veja bem, não sou um nostálgico, de forma alguma. Há uma série de aspectos interessantes que o design pode ter um efeito direto e é para estes nichos que o estúdio está se focando, incluindo, com destaque, ciência e a arena social.


- Você poderia me dar alguns exemplos práticos desta guinada do estúdio?
- Temos aqui, por exemplo, um projeto de uma revista científica mais popular, voltada para jovens não necessariamente nerds, também estamos trabalhando ativamente na comunicação de um grupo que propõe uma modificação na legislação norte-americana para limitar os gastos militares no orçamento, obrigando certa porcentagem a ser direcionada para os gastos sociais. E mantemos projetos na Palestina, mais educacional, com o grupo OneVoice, voltado para as negociações de paz entre Israel e a Autoridade Palestina, e no Panamá, ligado à preservação da floresta tropical. Acho importante frisar que fiz esta transição logo antes da explosão do MP3, o que foi ao mesmo tempo providencial – hoje, em 2008, não sei de nenhum estúdio de design que tenha seu foco principal na indústria musical – e extremamente pessoal, no sentido de que foi uma decisão tomada por mim e não por uma imposição da indústria.

- Então é mesmo impossível imaginar hoje um estúdio de design gráfico repetindo sua experiência de se concentrar no universo musical...
- É impossível, especialmente por conta da desimportância atual do packaging musical. Mas, de novo, nada de nostalgia! Quem se tornou um designer nos anos 80 por conta das capas de disco, hoje se torna um profissional do ramo por conta dos vídeo games, ou dos telefones celulares. Aliás, se você olhar para a história da música com atenção, vai perceber que ela jamais precisou de qualquer aspecto visual. É possível que a tentativa de se criar um código visual para a música tenha acontecido entre os anos 40 e nossa década que agora vai ser lembrado como um período histórico.

"Experimente, Tente, Ouse, Faça Coisas em Todas as Direções"


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The Things I Have Learned é a cara dos anos 00. Fiquei impressionado ao entrar no site do livro e ver o espaço reservado para colaborações de internautas. Você vê o livro, que rendeu uma bela exposição no SoHo no início do ano, como ‘em progresso constante’?
- Sim! The Things I Have Learned, desde o título, é, nitidamente, um trabalho em progresso. Até a idéia de deixar em aberto as contribuições de amadores e designers dos quatro cantos do globo foi, também, uma sugestão externa, de visitantes da exposição. E adorei a idéia! Sempre fui muito crítico com relação a websites de livros. Queria fazer algo que fizesse sentido e se relacionasse com a obra em papel. E fiquei extremamente surpreso, não apenas com a qualidade das obras que apareceram lá, quase todas de amadores, mas também com a quantidade e com a velocidade com que elas são postadas. Abri o site há quatro semanas e já temos uma coleção impressionante. Diariamente há novidades! É impressionante quanta gente decidiu dedicar o seu tempo para postar lá, colocar suas próprias mensagens, em forma gráfica, do que aprenderam vida afora. Existem obras lá que certamente levaram horas e horas para serem concluídas.

- Isso me faz lembrar de uma de suas frases mais famosas, a de que o que você almeja fazer é criar design para não-designers. É isso mesmo?
- Sim, e, para o designer com esta ambição, não existe tempo melhor do que o que vivemos hoje. Há um interesse brutal por design de pessoas claramente fora do mundo do desenho gráfico. De uma certa maneira, design é mais acessível do que arte contemporânea, é mais próximo do dia-a-dia do cidadão comum. Senti isso em nossa exposição aqui no SoHo. Recentemente, também, o MoMA abriu uma exposição dedicada à relação entre a ciência e o design, extremamente sofisticada, e teve casa cheia todos os dias. Então, temos de aproveitar e deixar de lado a tentação de fazer design para nós mesmos, os criadores, o que pode até ser interessante aqui e acolá, mas é tão insular. Eu definitivamente decidi me tornar um designer porque gosto de falar com muitas pessoas ao mesmo tempo, de criar em meio à confusão, sabe? Talvez por isso os profissionais que admiro mais no mundo do desenho sejam justamente os que conseguem atingir uma audiência imensa, como Matt Groening e seus Simpsons.

- Você já disse aqui que não gosta de dar conselhos, mas teria uma mensagem para os estudantes de design no Brasil que vierem a ler a Florense?
- Experimente, tente, ouse, faça coisas em todas as direções. De novo, lembre-se que este é o tempo perfeito para se tornar um designer.

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