Mostrando postagens com marcador design. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador design. Mostrar todas as postagens

terça-feira, maio 20, 2008

ENTREVISTA/Stefan Sagmeister


A mais recente edição da revista FLORENSE trouxe o perfil que escrevi sobre o designer gráfico Stefan Sagmeister. Passamos - eu e o fotógrafo Victor Affaro - um fim de tarde de fim de inverno na cobertura do artista austríaco radicado em Nova Iorque desde o fim dos anos 70. O papo foi descontraído e rendeu 4 páginas. Ó só:

Stefan Sagmeister - O Johnny Depp do Design Contemporâneo
Por Eduardo Graça, de Nova York

A primeira reação ao se entrar no estúdio de Stefan Sagmeister, localizado em uma cobertura no Chelsea, é a de que um dos mais importantes designers gráficos do planeta cultua os contrastes como poucos. No primeiro andar, entre uma cozinha-bar e um banheiro, funciona o estúdio de fato. O segundo, a sala de reuniões onde esta entrevista aconteceu, é dominado pelo chandelier pop que Rody Graumans criou para a Droog em 1993. Sagmeister conta que o que chamou sua atenção foi o uso de elementos básicos (fios e muitas, muitas lâmpadas, destas que se compram na lojinha da esquina) para criar um efeito único. O terceiro andar é um paredão aberto ao céu de Nova Iorque, com o Empire State Building ao alcance do nariz. Daqui de cima pode-se até ver a fila de formiguinhas que vai se formando na entrada de um dos pontos turísticos mais populares da cidade.

O designer, que nasceu em Bregenz, na Áustria, e conversa em inglês com um sotaque igualmente forte e gracioso, sabe que o alto design pode ser encontrado no mais ordinário dos meios. Em seu mais recente livro – Things I Have Learned In My Life So Far (algo como Coisas Que Aprendi Em Minha Vida Até Agora, editado pela Abrams, a US$ 40) - ele utiliza papel higiênico, chocolate, fita adesiva, cachorro-quente, entre muitos outros meios nada convencionais, para apresentar mensagens de afirmação. Talvez a mais impactante seja a do macaco inflável, gigantesco, em que se precisa virar a página (ou, na exposição que ele apresentou no começo do ano na Deitch Projects, em Nova Iorque, dar a volta em torno da instalação) para apreender toda a mensagem: “Todos sempre pensam...”, começa, para terminar: “...que estão certos o tempo inteiro”.

Com uma suéter azul-clara, calça de pano azul-escura e um modernoso tênis azul-marinho, Sagmeister parece mais novo do que seus 45 anos. E do alto de seus 1,95m, acha graça dos sete anos que demorou para finalizar Things I Have Learned In My Life So Far. Também sorri da comparação feita recentemente por Paola Anteonelli, curadora-sênior de Arquitetura e Design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), que o batizou de o ‘Johnny Depp do design contemporâneo’. Surpreendente, radical, independente, quase ingênuo, quiçá brutal, o designer conta em entrevista exclusiva à Florense por que deixou de lado seu icônico trabalho com os gigantes nomes da música pop norte-americana (vide Lou Reed emergindo do nada em Set the Twilight, de 1996, o boneco G-I-Joe de David Byrne na capa de Feelings, e o leão assírio de Bridges to Babylon, dos Rolling Stones, ambos de 1997) a fim de explorar outros campos oferecidos pelo maravilhoso mundo do desenho gráfico contemporâneo: projetos sociais, científicos e pessoais. O fundamental, garante, é saber que ‘o tempo em que vivemos é o mais interessante e gratificante para as artes gráficas’.

"Não Há Melhor Momento Para Se Tornar um Desenhista Gráfico Do Que Este Em Que Vivemos"


- Depois de um ano sabático, você voltou a Nova Iorque, virou seu estúdio de pernas para o ar, lançou um livro que é a sensação do desenho gráfico no Hemisfério Norte e uma exposição que se transformou em um dos sites mais visitados do seu meio. Você aconselharia um período de descanso para um bom profissional se reinventar com sucesso?
- Pode-se ter uma idéia do que almejo fazer com meu trabalho olhando para o exemplar da Florense que você acaba de me dar. Aqui estão dois de meus maiores ídolos, Milton Glaser e Oscar Niemeyer, que têm uma inequívoca capacidade de reinvenção. No meu caso, o ano sabático, claro, funcionou muito bem para mim. Mas não posso, de fato, afirmar que esta é a melhor maneira de se preparar para uma nova etapa criativa. Tenho uma enorme dificuldade em ouvir conselhos, então não vou fazer o mesmo. Agora, a maioria dos designers que respeito criaram suas próprias maneiras de recarregar as baterias. Glaser, por exemplo, não trabalha às sextas-feiras, Massimo Vignelli sai mais cedo todos os dias, fecha o estúdio às três ou quatro da tarde. No meu caso, o peso do trabalho contínuo foi sentido, assim como acontece de forma geral com acadêmicos. Precisava recarregar as baterias. Cheguei em NY em 1993, decidi descansar sete ano depois, em 2000.

- O livro surgiu deste ano de descanso?
- Um pouco do que viria a se tornar o livro surgiu de fato naquele ano, mas de forma alguma a motivação da parada foi publicar algo. Ed Fella, um designer que admiro muito, professor da Califórnia Institute of Arts (Calarts), veio ocupar o estúdio na mesma época, começou a fazer sketch books muito interessantes, se dedicando exclusivamente a estes experimentos. Pensei que seria interessante fazer algo parecido justamente no momento em que eu chegava à maturidade de minha carreira. Ou assim eu pensava. Mas Ed foi minha real inspiração para o ano sabático.

- Você chegou a pensar em deixar o design gráfico de lado, não é?
- Na verdade, durante aquele ano, inicialmente, pensei que iria me tornar diretor de cinema. Cheguei a trabalhar bem a idéia na minha cabeça, mas abandonei este plano completamente depois de quatro semanas de muitas maquinações. Cheguei à conclusão de que precisaria de pelo menos dez anos para aprender uma linguagem nova como a do cinema. O tempo até que me animava, sabia? O que me amedrontou mesmo foi pensar que investiria uma década no aprendizado de uma nova linguagem para depois descobrir que possivelmente não teria nada a dizer de uma forma cinematográfica! Mas será que ainda havia algo diferente a dizer na linguagem que eu conheço? Na minha linguagem? No desenho gráfico? Talvez, mas queria fazer algo que não tivesse nada a ver com promoção e/ou música, vendas. Se você olhar para os principais estúdios de design de Nova Iorque, eles certamente estão hoje centrados na parte corporativa, mais comercial. Não queria isso. Comecei a pensar então nas muitas outras fronteiras que o design pode atingir...

- E você decidiu abandonar de vez justamente uma das características mais fortes da marca Sagmeister: sua fantástica produção de imagens voltadas para a música pop.
- É verdade. Estamos oficialmente fora da esfera da indústria musical. Esta foi uma das primeiras decisões depois do ano sabático. É que a música popular não tem mais a importância que teve em minha vida. Acho que hoje até temos acesso a mais música, de mais gêneros, de mais culturas, mas a maneira como a consumimos e como a encaramos é completamente diferente da dos anos 60 e 70, por exemplo. Quando tinha 17 anos, no fim dos anos 70, minha coleção de discos definia quem eu era. Não é o caso hoje para um jovem adolescente. Veja bem, não sou um nostálgico, de forma alguma. Há uma série de aspectos interessantes que o design pode ter um efeito direto e é para estes nichos que o estúdio está se focando, incluindo, com destaque, ciência e a arena social.


- Você poderia me dar alguns exemplos práticos desta guinada do estúdio?
- Temos aqui, por exemplo, um projeto de uma revista científica mais popular, voltada para jovens não necessariamente nerds, também estamos trabalhando ativamente na comunicação de um grupo que propõe uma modificação na legislação norte-americana para limitar os gastos militares no orçamento, obrigando certa porcentagem a ser direcionada para os gastos sociais. E mantemos projetos na Palestina, mais educacional, com o grupo OneVoice, voltado para as negociações de paz entre Israel e a Autoridade Palestina, e no Panamá, ligado à preservação da floresta tropical. Acho importante frisar que fiz esta transição logo antes da explosão do MP3, o que foi ao mesmo tempo providencial – hoje, em 2008, não sei de nenhum estúdio de design que tenha seu foco principal na indústria musical – e extremamente pessoal, no sentido de que foi uma decisão tomada por mim e não por uma imposição da indústria.

- Então é mesmo impossível imaginar hoje um estúdio de design gráfico repetindo sua experiência de se concentrar no universo musical...
- É impossível, especialmente por conta da desimportância atual do packaging musical. Mas, de novo, nada de nostalgia! Quem se tornou um designer nos anos 80 por conta das capas de disco, hoje se torna um profissional do ramo por conta dos vídeo games, ou dos telefones celulares. Aliás, se você olhar para a história da música com atenção, vai perceber que ela jamais precisou de qualquer aspecto visual. É possível que a tentativa de se criar um código visual para a música tenha acontecido entre os anos 40 e nossa década que agora vai ser lembrado como um período histórico.

"Experimente, Tente, Ouse, Faça Coisas em Todas as Direções"


-
The Things I Have Learned é a cara dos anos 00. Fiquei impressionado ao entrar no site do livro e ver o espaço reservado para colaborações de internautas. Você vê o livro, que rendeu uma bela exposição no SoHo no início do ano, como ‘em progresso constante’?
- Sim! The Things I Have Learned, desde o título, é, nitidamente, um trabalho em progresso. Até a idéia de deixar em aberto as contribuições de amadores e designers dos quatro cantos do globo foi, também, uma sugestão externa, de visitantes da exposição. E adorei a idéia! Sempre fui muito crítico com relação a websites de livros. Queria fazer algo que fizesse sentido e se relacionasse com a obra em papel. E fiquei extremamente surpreso, não apenas com a qualidade das obras que apareceram lá, quase todas de amadores, mas também com a quantidade e com a velocidade com que elas são postadas. Abri o site há quatro semanas e já temos uma coleção impressionante. Diariamente há novidades! É impressionante quanta gente decidiu dedicar o seu tempo para postar lá, colocar suas próprias mensagens, em forma gráfica, do que aprenderam vida afora. Existem obras lá que certamente levaram horas e horas para serem concluídas.

- Isso me faz lembrar de uma de suas frases mais famosas, a de que o que você almeja fazer é criar design para não-designers. É isso mesmo?
- Sim, e, para o designer com esta ambição, não existe tempo melhor do que o que vivemos hoje. Há um interesse brutal por design de pessoas claramente fora do mundo do desenho gráfico. De uma certa maneira, design é mais acessível do que arte contemporânea, é mais próximo do dia-a-dia do cidadão comum. Senti isso em nossa exposição aqui no SoHo. Recentemente, também, o MoMA abriu uma exposição dedicada à relação entre a ciência e o design, extremamente sofisticada, e teve casa cheia todos os dias. Então, temos de aproveitar e deixar de lado a tentação de fazer design para nós mesmos, os criadores, o que pode até ser interessante aqui e acolá, mas é tão insular. Eu definitivamente decidi me tornar um designer porque gosto de falar com muitas pessoas ao mesmo tempo, de criar em meio à confusão, sabe? Talvez por isso os profissionais que admiro mais no mundo do desenho sejam justamente os que conseguem atingir uma audiência imensa, como Matt Groening e seus Simpsons.

- Você já disse aqui que não gosta de dar conselhos, mas teria uma mensagem para os estudantes de design no Brasil que vierem a ler a Florense?
- Experimente, tente, ouse, faça coisas em todas as direções. De novo, lembre-se que este é o tempo perfeito para se tornar um designer.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Entrevista/MILTON GLASER


A ótima revista gaúcha Florense publicou em sua edição de verão (aí no Hemisfério Sul, aqui faz um frio do cão) a entrevista que eu e o fotógrafo Victor Affaro fizemos com o lendário designer Milton Glaser (responsável pelo logo I heart NY e pela reformulação gráfica de O Globo nos anos 90) em seu estúdio em Murray Hill, em Manhattan. Ó só que bonito que ficou:


ENTREVISTA
/Milton Glaser


Eduardo Graça, de Nova Iorque, para a Florense

Em sua edição de 29 de outubro, a revista semanal
New York publicou uma ‘lista de grandes revolucionários do design’, que acabou entupindo a caixa de correio eletrônico da seção de cartas da publicação. E por um motivo inusitado. Os leitores não entendiam como Milton Glaser, 78 anos, o criador do famoso logo “I heart NY” e um dos responsáveis pela elevação do pôster à categoria de alta cultura, não aparecia com destaque no tal compêndio. A justificativa para a omissão, que apareceria na edição seguinte, era singela: “nossa desculpa é a de que Glaser, embora fizesse obviamente parte do grupo de designers assinalado pela reportagem, está numa categoria diferente. Diretor responsável pela criação da revista, em 1968, ele é da família”. O episódio reforça a idéia do quão difícil é separar Glaser da cidade em que sempre viveu. Um dos maiores nomes do design do século XX, criador do Push Pin Studios, com obras nas coleções do Museu de Arte Moderna de NY (MoMA) e do Victoria and Albert Museum de Londres, ele é inegavelmente um dos lexicógrafos do design e da ilustração de nossos tempos. Mas Milton Glaser não é prisioneiro do passado. Com uma vistosa camisa de gola cor-de-rosa e um chapéu estiloso, ele recebeu a Florense em uma deliciosa tarde de outono em seu escritório localizado em uma townhouse em Murray Hill, em Manhattan, e falou sobre a rotina de trabalho, sua relação com Deus, sua paixão pelo ensino e suas mais recentes campanhas, como a que chama a atenção da opinião pública para os cidadãos iraquianos que colaboraram com o governo provisório estabelecido depois da invasão do Iraque e que agora correm risco de vida em seu país de origem. “É um escândalo! Eles nos ajudaram e agora não queremos lhes dar asilo. Um vexame total”, diz, com voz clara e forte, o artista indignado que simplesmente não acredita em design sem comprometimento social.

- O senhor mantém uma rotina de trabalho?
- Sim, e, acredite ou não, é a mesmíssima em 15 anos. Acordo cedo, tomo café da manhã com minha mulher, pego um táxi, sento na minha mesa religiosamente às 9h45 e começo a trabalhar. Como você pode ver meu estafe é todo composto por lindas e jovens designers, que eu tenho apenas um critério para contratar profissionais: a aparência física (risos). Trabalho até às 18h30 e todas as quarta-feiras, por quase 50 anos, dou minhas três horas de aula de design na School of Visual Arts (S.V.A.), e não trabalho às sextas-feiras. É o segredo da vida, sabia? Ouçam bem, meninos: não trabalhem às sextas-feiras!

- Então o senhor não passa aqui pelo escritório às sextas-feiras...
- Não, temos uma casa em Woodstock e passamos o fim de semana no campo. E lá eu desenho e faço outros trabalhos criativos, colaborações que geralmente não tem conexão com o dia-a-dia do escritório. Voltamos para casa aos domingos de tardinha e vamos a um restaurante. Agora você já sabe a minha inteira. Sabe há quanto tempo eu não vou cinema? Há 12 anos. Ao teatro? Há oito anos.

- E não sente falta?
- Nenhuma. Quanto teatro é bom, é sensacional, mas é raro você se encantar por uma peça hoje em dia. E acho também que você chega a um certa idade em que você quer apenas ter grandes experiências, nunca medíocres ou ordinárias. Hoje é profundamente entediante para mim pensar em passar duas horas vendo um filme apenas razoável. Eu trabalho e leio. Leio muito.

- O que tem lido recentemente?
- Acabei de terminar um grande livro, Deus não é Grande, do jornalista Christopher Hitchens, que é uma diversão séria.

- Hitchens centra seu livro na idéia de que religião é um mal que tomou conta de todos os aspectos da vida inteligente no mundo ocidental, o senhor concorda com ele?
- Sim, ele prova isso claramente no livro. É impossível ler o livro e defender uma posição lógica sobre a religião em nossa cultura. Não sou uma pessoa religiosa. Acredito que temos tal desconhecimento de nossa razão, de aonde a mente pode chegar que, por medo da morte, criamos esta idéia do criador, de Deus, que nada mais é do que um produto de nossas mentes. A idéia de Deus, tal qual nos é apresentada pelas religiões, é absurda, não faz o menor sentido. Agora, é claro que você pode me dizer que a fé tem a ver com o mistério, com o que não se explica, ou dizer que há uma força criadora no universo que não se explica, algo inteligente que ainda não conhecemos.

- Os especialistas consideram seu trabalho repleto de humanismo. Penso aqui na denúncia dos massacres de Darfur ou no trabalho que fez para a revista The Nation reunindo em um único avião de guerra todos os países que os EUA bombardearam nos últimos 50 anos. Depois de atravessar o século XX, o senhor ainda tem fé no ser humano?
- No fundo, sou um otimista. Alguém um dia escreveu que cada indivíduo percebe o mundo como sendo um lugar de abundancia ou de escassez. Eu sempre estive no primeiro campo. Jamais encarei o mundo como não sendo esta fonte generosa de possibilidades. Olhar grande, pensar grande, sempre foi a chave para mim...

- E já que estamos falando de fenômenos aparentemente inexplicáveis, e a inspiração, existe? Ela é fundamental em seu processo criativo ou o que existe é apenas trabalho árduo e focado?
- Inspiração é a manifestação daquela parte da mente que ainda nos é inacessível. Nós precisamos ser humildes para aceitar que apenas controlamos um terço de nossa mente. E não é só a inspiração que cabe nesta justificativa. Foi porque ainda não dominamos os dois outros terços que George Bush se elegeu presidente duas vezes. Você só entende o que acontece nos EUA hoje e considerar que o medo paralisou a capacidade de as pessoas raciocinarem. Não é consciente, não é lógico. Os EUA em que vivo hoje é produto de uma reação irracional dos meus compatriotas ao mundo que vivem.

- O senhor tem um discurso político muito claro. Acredita piamente na função social do design?
- Sim, nos últimos 30 anos esta tem sido a tecla em que tenho batido e acho que tem ficado mais na moda agora pensar no design como instrumento de transformação social. Em dezembro vou participar de uma reunião com outros designers aqui em Nova Iorque para tentarmos passar mais rapidamente das palavras para a ação. O designer trabalha com idéias e uma de suas questões fundamentais é como atingir o grande público. Por isso tenho feito vários trabalho que considero de ativismo social, como Darfur...

- E agora o senhor está trabalhando em uma campanha para conscientizar a opinião pública norte-americana sobre o drama dos refugiados iraquianos, cidadãos que apoiaram a deposição de Saddam Hussein e se tornaram alvos óbvios depois da invasão...
- Isto é um escândalo! Bush disse que nós abriríamos o país para 7 mil refugiados, mas até agora nem 100 pessoas foram abrigadas no país. E este é um número ínfimo. O clima nos EUA no momento, infelizmente, é o de não apoiar o asilo para ninguém, nem mesmo a quem nos ajudou em uma situação terrível como a da invasão do Iraque. Para a opinião pública americana os iraquianos são todos vistos como loucos e inconseqüentes. É um escândalo não adotarmos em regime de urgência uma legislação para ajudarmos estas pessoas que arriscaram suas vidas por conta dos interesses do governo dos EUA. Trata-se de um problema ético com o qual nós, norte-americanos, estamos lidando de forma vexaminosa. Por isso estamos fazendo neste momento cartas com o motivo escolhido para a campanha e enviando para todos os congressistas...

- Uma de suas idéias é a de colocar várias faces cobertas pelas mãos mostrando que o problema tem um caráter humanístico que ultrapassa a barreira de raças, credos ou nacionalidades...
- Sim! E também há o fato concreto de que nenhuma destas pessoas pode mostrar o rosto sob o risco de serem reconhecidas. A situação deles é muito perigosa e o norte-americano médio não está nem um pouco interessado na guerra. Ou nunca esteve ou já se cansou do que ouviu. Então estamos aqui para lembrar que o horror continua.

- Há sete anos o senhor foi um dos signatários do manifesto First Things First, publicado na revista Adbusters, em que discutia a importância dos valores dentro do design. Até que ponto a globalização leva os criadores a caírem ainda mais nas armadilhas dos interesses corporativos?
- Assim como a vida ficou mais contraditória nestes sete anos, o design também entrou em uma era ainda mais paradoxal. Aqui nos EUA temos rumado para o estabelecimento de uma sociedade menos liberal e mais totalitária, que, por exemplo, aceita a prática da tortura. Em contra-partida, houve uma natural reorganização de vozes contrárias a este movimento radical. O senso de crise, e penso aqui no aquecimento global, por exemplo, cresceu muito nos últimos cinco anos. Foi este cenário que me fez editar em 2005 o livro The Design of Dissent, reunindo trabalhos de designers que entendem que os cidadãos, ao opinarem sobre a realidade que os cerca, não estão apenas exercendo um direito básico, mas sendo responsáveis pelo mundo à sua volta. Eu ouvia muito dos designers que eles queriam fazer algo que ajudasse a mudar o mundo à nossa volta.

- Mas o trabalho de um designer pode de fato modificar a realidade?
- Ora, nós sabemos como comunicar uma idéia utilizando as engrenagens do sistema. Um sistema que nos força a vender banalidades o tempo todo, mas que pode ser trabalhado a nosso favor. Anos atrás, quando fazia as ilustrações para uma versão do Purgatório de Dante, criei uma lista que batizei de Caminho para o Inferno. Queria ver até onde os designers, incluindo eu mesmo, iriam para vender determinado produto. A lista começa com o desenho de um produto feito de tal maneira que pareça maior do que de fato é. Outra seria trabalhar para uma empresa que emprega trabalho infantil. E a última seria trabalhar em um produto que, no fim das contas, mataria o consumidor, como a indústria dos cigarros. E foi tão interessante ver o que meus colegas comentaram sobre a lista...

- O senhor enviou a lista como um questionário para seus pares...
- E descobri que 100% dos profissionais condenam o trabalho infantil, mas 10% dos designers não tinham problema algum em fazer uma logomarca para um produto que, no fim das contas, levaria à morte do consumidor, pois se tratava de uma escolha de foro íntimo de quem, por exemplo, decidia continuar fumando. Sim, é opcional. Mas você quer participar do processo de oferecer esta opção para o consumidor? Isto é pensar o design em nossos tempos.

- Uma de suas frases famosas é a de que profissionalismo é um objetivo muito pequeno para um designer. Ele precisa querer ser transgressor...
- Se você faz o que já sabe, não há conquista. Profissionalismo é meramente a repetição do que você já sabe fazer e, claro, muita gente é extremamente bem-sucedida seguindo esta filosofia. Mas ela não cabe no mundo das artes. Arte passa, necessariamente, pela violação do que você já sabe. Você precisa navegar pelo desconhecido, por aquilo que você não sabe quais conseqüências vai gerar. O ato de invenção é quase sempre um ato cego, mas fundamental no campo do design artístico.

- O senhor é professor em uma das mas importantes escolas de design do planeta, a School of Visual Arts (SVA), em Nova Iorque. Seus estudantes o procuram constantemente, pedem conselhos?
- Sim, tenho várias gerações de designers que, creio, me tiveram, de alguma maneira, como mentor. Como não tive filhos, acho que meu instinto é o de ajudar as pessoas. É a única maneira de crescer neste mundo – olhar para o outro, servir ao outro. Adoro ensinar, tenho grande prazer, não é apenas um ato de responsabilidade social para mim. Acho que é minha obrigação tentar mostrar a estes meninos que há assuntos mais importantes do que a carreira deles. Não há nada mais extraordinário na vida do que a capacidade de criar algo novo. Mas, claro, há uma certa dose de egocentrismo, de querer passar para a frente aquilo em que acredito, os valores que me são caros...

- O senhor é imediatamente identificado com o logo “I heart NY”, com a revista New York, com a alma de sua cidade. Ela ainda o inspira?
- O tempo todo. Ontem foi Halloween e acabei preso no meio da parada na Sexta Avenida, quando tentava voltar para casa, à pé, da universidade. Vi mais da parada do que havia pensado e foi fantástico, é nossa versão do carnaval brasileiro. A imaginação das pessoas, a energia, tudo é tão vivo. Todos querem estar aqui agora apesar de um barracão em Manhattan custar um milhão de dólares (risos). Mas a cidade está em forma, sabia? Surpreendentemente, mesmo depois do ataque de 11 de setembro, ela segue otimista e viva. Não há nenhum lugar no mundo como a Nova Iorque dos dias de hoje. A cidade é uma parte extraordinária de minha vida.
- E o senhor vê sua influência no design que é feito hoje por aqui?
- Sei que influenciei alguns designers, sei que meu trabalho tem alguma importância no cenário contemporâneo, mas não foram estes os motivos pelo qual me tornei um designer. O cerne de meu trabalho não tem a ver com a sua funcionalidade mas simplesmente com o fazer. Não há nada que ame mais do que sentar e criar algo novo. Mas as conseqüências do que faço são muito menos importantes do que o ato em si. Honestamente, nunca esperei chegar aos 78 anos. Ao mesmo tempo, não sinto que meu trabalho tenha perdido a importância, signifique menos hoje do que há tempos atrás. Não consigo simplesmente desaparecer do mundo em que vivo e gozar da vida pescando ou jogando golfe. Que idéia horrenda! O importante é que ainda me encanto, me surpreendo, pelas coisas que eu não sei, que ainda preciso descobrir. É isso o que me faz vir trabalhar todos os dias e repetir aquela rotina chatíssima que revelei a você lá no começo da conversa (risos).

sábado, novembro 24, 2007

Perfil/IRMÃOS CAMPANA

O Valor Econômico publicou na revista de fim-de-semana o perfil que fiz dos irmãos Fernando e Humberto Campana, a partir do encontro que tivemos aqui em Nova Iorque. Dois dos mais prestigiados designers brasileiros, eles me contaram um pouco de seus dois novos projetos - a exposição Manufacturing Emotions, aqui no Cooper-Hewitt, e a criação de figurinos e cenários para o novo espetáculo do Ballet Nacional de Marseille.


As metamorfoses dos irmãos Campana
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York

Fernando Campana se lembra bem quando ouviu pela primeira vez a frase atribuída ao general Charles de Gaulle sobre a nação deitada eternamente em berço esplêndido. E mais ainda de sua imediata reação. "Então não somos um país sério? Graças a Deus!", diz, com um sorriso maroto, no saguão apertado do Hotel W, em Manhattan. Os irmãos Fernando, de 46 anos, e Humberto Campana, de 54, dois dos mais respeitados designers brasileiros, acabam de chegar a Nova York depois de uma temporada na França, onde criam os figurinos e desenham o cenário do novo espetáculo do Ballet National de Marseille, baseado no longo poema épico "Metamorfoses" de Ovídio, com estréia mundial em Luxemburgo (a capital européia da Cultura) em dezembro, e paradas em São Paulo, Rio e Brasília em 2009, durante o Ano da França no Brasil. Antes disso os dois vão se encontrar com o público nova-iorquino na exposição "Manufacturing Emotions", um olhar bem brasileiro sobre o acervo do Cooper-Hewitt National Design Museum, a única instituição americana dedicada exclusivamente a obras de design históricas e contemporâneas.

Enquanto dribla o barulho ensurdecedor que vem das caixas de som instaladas acima da mesa do bar ironicamente batizado de Oasis - com a assinatura do arquiteto e designer David Rockwell - Fernando faz questão de refletir sobre sua "boutade" de um minuto atrás. Ela não se traduz, enfatiza, como uma rendição à esculhambação geral reinante em certas esferas do país. Ao contrário. "Indiscutivelmente, nossa obra é repleta de brasilidade. É, de certa maneira, um cultivo permanente deste Brasil livre de grilhões históricos, aberto às marés da criação e sem medo de margear as emoções mais intensas", afirma.

Humberto, ao lado, sorri. E lembra da reação um tanto surpresa de Frédéric Flamand, o diretor do Ballet National de Marseille, quando percebeu que os Campana não pretendiam de forma alguma enviar de seu estúdio, localizado no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, desenhos e esboços do figurino a partir de um estudo inicial, a distância, sobre a obra imaginada pelo coreógrafo. "Nada disso. Nossa criação surge do caos nosso de cada dia. Fazíamos tudo na hora, ele nos mostrava a cena e desenhávamos na frente dele, no ato, muitas vezes nos corpos dos próprios bailarinos", relata.

É claro que o processo de criação de todo um aparato cênico e do trabalho com o corpo humano em movimento - algo inédito para a dupla em 23 anos de Estúdio Campana - não foi realizado na base do improviso. Durante oito meses os dois zanzaram pelos mercados de pulga provençais, lojas de materiais de construção de Marselha e, claro, pelos camelódromos das grandes metrópoles brasileiras. "Usamos velcro, plástico, muito fio-espaguete e sacos plásticos. Que viraram vestidos de ninfa. A idéia foi trabalhar com materiais específicos que deixassem aberta a possibilidade de cada bailarino ser encarado como mais uma parte do todo cenográfico", explica Humberto.

De certa forma, é como se os irmãos tivessem transportado para o Sul da França a rotina de trabalho do Estúdio, onde nove artistas, o time Campana, buscam diariamente a inspiração na pororoca formada pela degeneração paulistana e a fixação da cidade pelo contemporâneo, pelas novas modas. "Em Marselha, descobrimos que podemos criar para o corpo em movimento, mas foi uma evolução bem gradual. O mais bacana foi trabalhar diretamente no corpo dos bailarinos e, já que se trata das 'Metamorfoses', algumas vezes eles próprios confeccionaram os figurinos, que, também, podem mudar em cena, dependendo da vontade deles. Queremos proporcionar o máximo de flexibilidade", diz Fernando.

"Baixa tecnologia"

A companhia de dança de Frédéric Flamand é identificada pelo uso intenso de tecnologia visual nos espetáculos, como na cidade futurista projetada pela arquiteta iraquiana radicada no Reino Unido Zaha Hadid para o espetáculo anterior do grupo, "Metapolis". Os Campana resolveram nadar contra a corrente e apostar na redução de vídeos, sem esquecer o desejo de se comunicar através de novos meios, concentrados agora nos elementos do figurino, todos criados com o que eles chamam de "baixa tecnologia" made in Brazil.

"Quando tínhamos de representar a Medusa, por exemplo, que é um dos mitos retratados em cena, optamos por fazer algo com material reciclado, aparentemente bem pobre, mas com um efeito para as cobras que acaba sendo surpreendente, algo não muito distante de nosso trabalho com o mobiliário", explica Humberto.

A idéia de reciclagem está presente também em outra frente de trabalho do Estúdio Campana - o remodelamento do Royal Olympic Hotel, um dos mais badalados de Atenas, na Grécia, que deverá ficar pronto na segunda metade de 2008. "Lá a idéia foi incorporar todo o detrito originado quando o hotel se reinventou em uma grande reforma há dois anos. Paradoxalmente, queríamos criar algo mais "clean", mas a partir do lixo", conta Fernando.

Grandes projetos de design de prédios, assim como a criação de figurinos e cenários para um espetáculo de dança e a curadoria de uma exposição com objetos de outros artistas são novas atividades que apontam para um momento de reinvenção do Estúdio Campana.

Desde que conquistaram o mercado externo, os Campana são imediatamente lembrados pela famosa Cadeira Vermelha que projetaram para a Edra. Ou por outras peças icônicas, como os trabalhos criados especialmente para a Casa Swarovski, O Lucce, Fontana Arte, Capellini, Progetto Oggetto e Alessi. Isso, sem falar nas divertidas Poltronas Psicodélicas e nas cadeiras boladas para o estúdio Disney. A idéia mestra sempre foi a de interferir na vida das pessoas de uma forma original, até contemplativa, mas nunca exatamente suave. "Nossa capacidade de adaptação, testada mais uma vez nestes novos projetos, é, repito, a senha para nosso trabalho. Temos horror a regras, catecismos ou manuais", afirma, categórico, Fernando.

Às vezes, a espontaneidade dos artistas pode assustar quem espera deparar com estetas cosmopolitas, senhores de si e conscientes em demasia de sua história de sucesso em uma cena especialmente competitiva. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando, em uma conversa recente com Flamand, Humberto pediu que o coreógrafo lhe contasse detalhadamente certa passagem das "Metamorfoses". Flamand percebeu que o designer não havia lido a obra de Ovídio, algo inacreditável para o artista europeu.

"Foi engraçadíssimo. Brincamos com ele, dizendo que o livro era muito longo, a versão reduzida tem 400 páginas, não teríamos tempo de ler e ele quase caiu para trás. Mas o que não queríamos, de forma alguma, era ficar especialmente comprometidos com o texto clássico. Queríamos imprimir o frescor brasileiro, a capacidade de não ser enciclopédico, esta coisa bem singular que é a de entender as coisas sem precisar saber", revela Fernando.

Mundo encantado

Nascidos e criados em Brotas, cidade localizada a 240 quilômetros de São Paulo, na região de Araraquara, filhos de um engenheiro agrônomo que ainda conseguiu aproveitar os últimos suspiros da economia cafeeira no Oeste paulista, os Campana parecem, aqui e acolá, personagens saídos diretamente de um livro de Monteiro Lobato. Em seu mundo encantado cabem tanto as reinações das grandes feiras de design européia quanto figuras mitológicas como o Saci-pererê e a mula-sem-cabeça.

"Quando nos debruçamos pela primeira vez sobre o acervo do Cooper-Hewitt, deparamos com uma biblioteca repleta de livros de história natural, uma paixão das irmãs Sarah, Eleanor e Amélia Cooper-Hewitt, que fundaram o museu em 1897. E lá estavam vários livros de história natural e outros, retratando os monstros que os primeiros descobridores imaginavam existir na América do Sul. Imediatamente pensamos na mitologia rural brasileira e demos início a nosso processo de curadoria", diz Humberto.

"Manufacturing Emotions" reúne 20 objetos selecionados por Humberto e Fernando a partir do gigantesco acervo do Cooper-Hewitt, reunidos em uma sala especial da instituição. "Decidimos fazer um estudo sobre o trançado, a base de nosso trabalho. Não por acaso, o pôster da exposição é a ilustração de Cupido feita por Robert John Thornton para o livro 'O Templo da Flora', uma imagem linda, no meio de uma floresta tropical, com muita banana e a frase em inglês 'o cupido ajuda os artistas a criar'", relata Humberto.

A parceria com o Cooper-Hewitt incluiu também a criação de uma cadeira a partir do processo curatorial, que será incorporada ao acervo de mobiliário do museu. A peça está vindo para os Estados Unidos, chama-se Cadeira Trans... (denominada assim mesmo, com a reticência) e é filha direta da TransPlastic, a cadeira de plástico colorida desenvolvida em Londres para uma exposição no prestigioso Victoria and Albert Museum, com acabamento em vime trançado, em um encontro explosivo do artesanal com o industrial.

"A cadeira explode, literalmente, com plástico e borracha. Ela vai soltando, como se fossem espinhos, tudo o que faz mal para o planeta, vai expelindo os recipientes nocivos", explica Humberto, com os olhos bem abertos, como se fossem saltar do rosto, para enfatizar o drama ecológico por que passa o planeta.

Se Humberto é o irmão reconhecido por sua capacidade manual e de experimentação com novos materiais, Fernando, formado em arquitetura, se debruça constantemente sobre a elaboração dos conceitos a ser desenvolvidos pelo Estúdio Campana. "Humberto foi mais resistente, no início, ao projeto do Cooper-Hewitt e eu queria fazer algo mais funcional, menos preso ao belo. Mas acabamos percebendo que esse seria um exercício interessantíssimo, no sentido de podermos olhar para o nosso processo criativo a partir das escolhas que fazíamos. Tudo foi tão interessante que ficamos imaginando como seria fazer algo em instituições brasileiras. Imagine um olhar sobre os retratos da Pinacoteca ou os objetos do Museu da Casa Brasileira, as obras do Museu do Inconsciente, as peças do Museu do Folclore, no Rio", diz.

As marcas pessoais dos irmãos Campana - a fabricação manual e o tributo ao trançado - estão presentes em cada detalhe de "Manufacturing Emotions", a sétima mostra dentro da série "Selects", que já levou para o Cooper-Hewitt os olhares de designers como a holandesa Hella Jongerius e o artista multimídia nigeriano-londrino Yinka Shonibare.

Gabinete de curiosidades

Os gostos dos Campana se revelam nos tecidos, nas jóias feitas de cabelo dos séculos XIX (uma tradição da nobreza inglesa, de imenso poder imagético e de memória sentimental), na porcelana quase kitsch, nos objetos de cerâmica, nos cestos de bambu, nas peças de mobiliário, como a cadeira Longhorn do século XIX atribuída a Wenzel Friedrich, e até nos livros e gravuras expostos. Não é exagero afirmar que o trançado está para os irmãos Fernando e Humberto Campana como a curva serve aos sonhos em concreto do arquiteto Oscar Niemeyer. E na exposição, que fica em cartaz entre fevereiro e agosto, a escolha dos objetos foi claramente mais emocional do que lógica.

Fernando lembra que a coleção das irmãs Cooper-Hewitt guiou-os nessa direção, já que é mais pitoresca do que rara. Os irmãos não se vexaram e optaram por criar um gabinete de curiosidades, apostando na variedade e na descoberta de um vocabulário específico, pronto para ser revelado.

Eles também levaram em conta o tempo dedicado a artistas muitas vezes anônimos, para completar certas obras, remetendo ao resgate de processos de fabricação manual perdidos no desvairado mundo pós-industrial, com um olhar bem característico. "É o nosso olhar que vem do Sul, para o qual há uma curiosidade cada vez maior, muito mais intensa do que quando começamos. A globalização pode ter vários males, mas houve, inegavelmente, uma abertura para outras formas de pensar. Aqui, exercemos nossa liberdade para deixar de lado qualquer compromisso com cronologias", comenta Humberto.

O resultado foi uma leveza que remete a valores centrais na trajetória de Humberto e Fernando, como a ética pessoal, a do trabalho, a da possibilidade de escolhas, sem precisar ser quadrado, rígido ou acadêmico. "Algo assim como o Fernando Gabeira faz na esfera política, sabe? Aliás, imagine quão interessante seria se essa nossa noção de brasilidade se estendesse de forma mais intensa na política. Já pensou?", perguntam, em coro, os irmãos Campana. Sim, mas esse seria um espetáculo quase tão improvável quanto o "causo" dos moços matutos de Brotas que reinstituíram o valor dos meios artesanais no processo de produção em massa de mobiliário fino, humanizando de forma elegante, lúdica e acachapante o design contemporâneo.

segunda-feira, outubro 29, 2007

PERFIL/Irmãos Campana


THE BOYS FROM BRAZIL

The Campana brothers on style and São Paulo

by Eduardo Graça/photography Victor Affaro

Not more than ten minutes. That’s how long one can talk about trends in the Brazilian capital of style without hearing the name “Campana” crop up. After all, it is Estúdio Campana, located in the Santa Cecília neighborhood of downtown São Paulo, that created the famous ‘Red Chair’ for Italian company Edra. The studio is also the birthplace of other iconic pieces, including the Disney Chairs (a partnership with Uncle Walt’s powerhouse) and several works for Swarovski, O Lucce, Fontana Arte, Capellini Progestto Oggetto and Alessi.

Humberto Campana is the brother best known for his manual skills. He focuses on the artisanal aspects of their work. Fernando Campana, meanwhile, concentrates on the abstraction of their projects - the elaboration of concepts that will be developed by the Estúdio’s nine workers.

“25 years after leaving the architecture school, I am finally ready to admit that academia gave me this capacity of vision, this notion of proportion, light and space,” says Fernando. Aided by Humberto’s magical hands, Fernando juxtaposes elements to achieve their main goal: “Interfere, for real, with people’s lives.”

Currently, the brothers are designing a diverse range of projects. They include the Royal Olympic, Athen’s coolest hotel; the set for the new Marseilles Ballet show (an adaptation of Ovid’s Metamorphosis); the concept of London’s new Camper store; and a winter exhibition at the prestigious Cooper-Hewitt National Design Museum in New York.

“Our basic principle at the hotel is recycling,” says WHO? “We are going to absorb the trash, the demolition originated after the place was rebuilt two years ago, to create, in a paradox, something clean. And with the ballet, our desire is to dream. We are eager to literally bring design to the stage, doing something closer to the Corallo Chair, the one we created for Edra, with its anti-symmetrical body, its lines floating in the air, so the dancers can move between the objects.”

The Cooper-Hewitt show, which will open to the public this February, is a study of the representations of the twist in a two-dimensional space. “To do this, we will use fabric, several objects, hair artifacts, and, last but not least, furniture,” he explains.

The Campanas’ twist is one Brazilian aspect of their work. But ask them what is really brasileiro in their work, and they come up with something more nebulous.

“Our work is undoubtedly Brazilian due to our spontaneity and our capacity to adapt, which was developed as a reaction to the chronic economic and political instability that we faced during the majority of the last century,” says WHO? “We realize that improvisation is not a synonym to either laziness or lack of efficiency. Our art is Brazilian because it is acute and never surrounds itself with either rules or commandments. Brazil is a very funny place. Here, even if you try hard, it is impossible to become a square person.”

Despite their success, the Campanas say they will never leave São Paulo, the most populated city in South America, bursting with 11 million people. Their city, they claim, epitomizes the Brazilian ethos.

“Here, like nowhere else, you can taste this mix of degeneration and modernity that touches us daily. We have received many proposals to move to Europe on a definitive basis, but our inspiration comes from São Paulo, its streets and people,” says WHO? “Here it overflows with the best and the worst of the human beings in a second. We adore this fabulous archive of images outside our window. They inform us, they make us what we are. From here we will never part.”