quinta-feira, outubro 05, 2006

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, que já está no DR, lembra que aqui nos EUA e aí no Brasil não há lugar para santos no exercício do poder. E que todo o cuidado é pouco com os iconoclastas de ocasião.


NOS EUA DE FOLEY, NO BRASIL DE CLODOVIL

Eduardo Graça

O Congresso dos EUA vive uma de suas mais graves crises com a descoberta de que o deputado que comandava o programa federal dedicado à erradicação da pedofilia trocava picantes mensagens eletrônicas com estagiários adolescentes. O republicano Mark Foley, da Flórida, renunciou ao mandato esta semana quando o escândalo ganhou a primeira página dos jornais. O Foleygate tem tudo para ser a versão ianque da ‘compra do dossiê’ que faltava para os democratas tentarem virar o jogo e retomarem o controle do Congresso. Até porque ninguém sabe ao certo como a baixaria veio a público justamente há um mês das eleições.

O Foleygate é mais um de uma série de escândalos que levou os americanos, em pesquisas conduzidas por diferentes institutos, a considerar esta a pior legislatura da República. Aqui não se tem Waldomiro, Freud ou Marcos Valério, mas pululam os Jack Abramoffs, que compram boa parte dos congressistas e controlam seus votos. Um deputado da Califórnia processado por corrupção teve o desplante de dizer que era impossível resistir a iates, mansões e viagens internacionais proporcionadas por intermediários de certas corporações. E ainda buscou dividir a vergonha com a sociedade, perguntando, exatamente como Clodovil em sua primeira entrevista pós-eleição: e quem não faria o mesmo?

Nos EUA de Foley, não se ouviu sequer de um único congressista envolvido nos seguidos escândalos de corrupção nos últimos quatro anos um pedido de desculpas. Ninguém se disse arrependido por ter utilizado um cargo público para estabelecer seu balcão de negociatas. E o Foleygate só aumentou o tamanho da bronca. Líderes cristãos de extrema-direita agora disputam espaço com os progressistas na sessão livre de catiripapos contra os mandatários públicos. O Legislativo, denunciam, se reduziu a um ‘parque de diversões para predadores sexuais’.

Mas o que vem tirando mesmo o sono dos eleitores é a revelação de que alguns congressistas republicanos, incluindo a autoridade mais alta da casa, J.Dennis Hastert, fiel aliado do presidente Bush, sabiam, desde junho, das investidas do deputado Foley aos ‘meninos do Capitólio’. E abafaram o caso de olho nas eleições do mês que vem, que vão decidir quem controlará o Senado e a Câmara Baixa nos próximos dois anos. Pior: o deputado Thomas Reynolds, de Nova Iorque, que enfrenta uma dura batalha em seu distrito, sabia do caso, calou-se e ainda recebeu de lambuja, dos bolsos de Foley, uma ajuda de US$ 100 mil para sua campanha. Enquanto o escândalo vai ganhando dimensões gigantescas, com a imprensa pedindo as cabeças de Reynolds e Hastert, o ultra-conservador Foley, pressionado por seus próprios advogados, assumiu sua homossexualidade, revelou, a quem interessar possa, que foi molestado por um sacerdote quando tinha 13 anos, jurou ter ‘apenas’ trocado e-mails picantes mas jamais mantido relações sexuais com os meninos do Capitólio e prometeu abandonar a política.

No Brasil de Clodovil há quem se espante com o aparente paradoxo de o PT, justamente o PT, ungido árbitro da ética pela mídia, pela academia e pelas urnas, ter se envolvido em tanta falcatrua. Nos EUA de Foley, o Partido Republicano, que chegou ao poder pregando do púlpito o culto à moral e aos bons costumes e a defesa do cidadão comum, marca sua passagem por Washington com um ataque sem precedentes à família, aos direitos individuais, ao bolso da classe média, à liberdade de expressão e às minorias. Os cenários se assemelham quando revelam a corrosão do atual modelo de democracia representativa. Mas também nos mostram a necessidade de se desconfiar daqueles que almejam a canonização social através da política. Não há lugar para santos no exercício do poder. Do mesmo modo, todo o cuidado é pouco com os iconoclastas de ocasião. Nos EUA de Foley, os republicanos acabam de desenterrar o caso do deputado democrata Mel Reynolds, de Chicago, que foi parar na prisão tanto pelo recebimento de propinas de lobistas quanto por seu envolvimento com um menor de idade, voluntário em sua campanha. Reynolds foi vergonhosamente perdoado pelo presidente Bill Clinton. No Brasil de Clodovil o solo também é fértil para os que quiserem fuçar o passado dos novos paladinos da descência nacional – ou alguém reza de olhos fechados na igreja de Antônio Carlos Magalhães, César Maia, Eduardo Azeredo, Fernando Henrique, Anthony Garotinho e Geraldo Alckmin?