quarta-feira, maio 28, 2008
Mãos-de-Vaca em NYC
Está hoje na página de turismo do portal Terra minha conversa com os autores do Guia Nova York para Mãos-de-Vaca, os simpaticíssimos Henry e Denise. A idéia é muito boa, e estes dois jovens brasileiros descobriram um belo nicho - um guia turístico para quem sonha em vir a NYC mas não quer gastar os tubos na cidade. Ó só:
Guia turístico dá dicas para "mãos-de-vaca"
Eduardo Graça, direto de Nova York
Quem disse que é preciso juntar muito dinheiro para aproveitar Nova York? Os namorados Henry Alfred Bugalho, 27 anos, e Denise Nappi, 26 anos, tiveram a idéia de escrever o Guia NY Para Mãos-de-Vaca depois de perceberem que muitos amigos deixavam para lá o sonho de viajar à "capital informal do planeta" por conta dos preços de hospedagem, passagem e alimentação na cidade, sem falar nas entradas para atrações turísticas e espetáculos na cidade que nunca dorme.
Depois de seis meses na cidade, eles perceberam que o que faltava para os amigos era um compêndio de dicas caprichadas. Foi assim que Henry - com a ajuda providencial de Denise, que diz "adorar xeretar tudo" - começou a publicar um blog apresentando uma cidade tão barata quanto divertida, ao alcance do turista brasileiro mais consciencioso. Logo, o blog virou uma comunidade no Orkut e um guia que, em português ao menos, é produto singularíssimo no mercado turístico internacional. "Este não é um guia apenas para os pão-duros ou para mochileiros. Ele também é voltado para os que têm um objetivo muito específico, como comprar produtos eletrônicos ou de informática e que querem aproveitar a cidade sem esbanjar. Ou seja, para quem quer ser inteligente na hora de manejar os gastos em uma viagem para NY", diz Henry.
A dupla, que vive no East Harlem e abriu a empresa Dog Care, dedicada ao dog walking (ou seja, passeiam com cachorros dos moradores da cidade quando estes não podem agradar os bichanos), lembra que no início tudo foi tão complicado que um belo dia eles se viram com US$ 7 no bolso para passar um dia na cidade. Foi aí que descobriram as lojas de US$ 0,99 e perceberam que o perrengue poderia se transformar em um bom conselho para turistas interessados em viver a NY de verdade, com menos fantasia mas sem perder o encanto jamais.
As dicas começaram a pipocar. Compre passagem sempre com antecedência e lembre que os vôos mais baratos são os da Japan Airlines (mas eles só vendem por telefone e em São Paulo), que segue para Tóquio, ou os da Copa Airlines (estas saem até por menos de US$ 500, mas há a parada de um dia no aeroporto da Cidade do Panamá). Ainda há a opção de se viajar de ônibus até Manaus (haja disposição para os que saírem do sul do País) e voar de lá pela TAM, lembra Denise.
Entre as diversões gratuitas mais pitorescas estão, por exemplo, a dos astros de Hollywood dando sopa filmando nas ruas da cidade (para descobrir as filmagens do dia basta fuçar a Internet, de graça, em uma das três Apple Stores da cidade, que, além de belíssimas, funcionam como o internet-café gratuito do novo milênio).
O guia também oferece dicas práticas como uma tabela de gorjetas (para motoristas de táxi e também garçons) e uma seleção de lojas barateiras para sacoleira nenhuma botar defeito. "A cidade é repleta de brechós sensacionais. Meu favorito chama-se Housing Works e fica na Rua 23. Lá comprei um casaco da Banana Republic por US$ 7,50 tão novo que a etiqueta original, de US$ 180, ainda não havia sido retirada. Também achei um livro de capa-dura de US$ 230 que o Henry queria, em ótimo estado, por US$ 1. E uma bota linda do Alexandre Herchcovitch, de US$ 250, por US$ 20", conta Denise.
Mas pergunte a qualquer turista interessado em passar alguns dias em NY e a resposta será a mesma - o gasto mais assustador é sempre com a acomodação. Os hotéis da cidade - mesmo os mais baratos - costumam cobrar em média US$ 100 por noite. Pois os mãos-de-vaca garantem que a solução são os Hostels, mais voltados para um público jovem. A rede de hotéis Jazz oferece a opção mais barata da cidade: o Jazz on Lennox, na Rua 128, no coração do Harlem, onde se dorme em um quarto com beliches e banheiro compartilhado por módicos US$ 15. Reservas podem ser feitas no site do hotel (http://www.jazzhostels.com/jazzonthelenox.php). O valor da diária ainda é dos tempos em que o bairro era considerado um dos mais perigosos de Manhattan. Hoje é um dos mais valorizados da cidade, a passos do Central Park e com suas brownstones (casas históricas, erguidas em sua maioria na segunda metade do século XIX) vendidas em média por US$ 1 milhão.
Talvez parte do segredo do sucesso do Guia NY Para Mãos-de-Vaca deve-se ao fato de Henry e Denise serem dois típicos jovens brasileiros da geração ano 2000. Eles se conheceram pela web (ela trabalhava na Varig e ele em uma livraria em Curitiba), resolveram vencer na América juntos e vivem muito bem no mundo da economia informal nova-iorquina. A hora do passeio com os cachorros sai por US$ 25. O guia é um sucesso de vendas em uma editora virtual (ou seja, os gastos de produção são mínimos) e os meninos continuam felizes descobridores de mais e mais atrações boas e baratas na cidade que já chamam de sua. "Não sabemos o que virá pela frente, mas ainda sonhamos em fazer um Guia Buenos Aires, um Madri, e, o maior desafio de todos, um Londres para Mãos-De-Vaca", conta Denise.
Dez dicas imperdíveis para mãos-de-vaca em NY
1. Jack's 99 Midtown
Localizada na Rua 32 entre a Sexta e a Sétima Avenidas, é, com seus três andares, a melhor loja das muitas redes dedicadas a produtos com valores inferiores a US$ 1 espalhadas pela cidade. Os interessados em um piquenique no Central Park encontram queijos dos mais variados sabores e nacionalidades, pãezinhos artesanais e até sanduíches prontos para os mais preguiçosos. Tudo a menos de US$ 1.
2. Metrocard
Marinheiros de primeira-viagem desconhecem as vantagens de se comprar um Metrocard (em se chegando via aeroporto JFK, pode-se comprar na estação do Air Train), que vale para o metrô e para o ônibus em toda a cidade. Como cada viagem custa US$ 2, o mão-de-vaca profissional deve estudar as vantagens de se comprar um passe diário (por US$ 7,50), semanal (por US$ 25) ou o válido por 15 dias (por US$ 47). E nunca, jamais, usar os táxis da cidade, cada vez mais caros por conta da alta do preço da gasolina.
3. Barca de Staten Island
Um dos passeios mais bonitos da cidade é completamente gratuito. Pega-se a barca para Staten Island no sul da ilha de Manhattan, perto de Battery Park. A vista é magnífica: as luzes dos arranha-céus do Distrito Financeiro, a Estátua da Liberdade, Ellis Island, aonde chegavam os turistas de toda a costa do Brooklyn com as pontes de Manhattan, Williamsburg e Brooklyn ao norte. A viagem é rápida - menos de 25 minutos - confortável e ainda é possível ver alguns dos mais famosos cartões-postais da cidade sem gastar um tostão.
4. Metropolitan Museum
É o mais famoso museu da uma cidade. E, embora muitos turistas não saibam, tem uma política clara para atrair visitantes de todas as classes sociais do mundo todo - aqui, paga-se quanto pode. O Metropolitan sugere que se pague US$ 20, mas ninguém vai chamá-lo de mão-de-vaca se você desembolsar US$ 1 para conferir o sensacional acervo do museu.
5. Broadway + e-bay
É a parceria mais explosiva para os turistas da cidade. Quer ver o musical-sensação Wicked, cujos ingressos oficiais saem por US$ 255? Entre no e-bay e compre seu tíquete por US$ 16,95, uma economia de mais de 90%. Importante: o e-bay entrega o tíquete em casa e é severamente monitorado por órgãos de defesa do consumidor, garantindo a seriedade do negócio. Na comunidade Orkut dos Mãos-de-Vaca, os quase 800 usuários colocam regularmente cupons de desconto para musicais da Broadway que podem ser usados por novos viajantes em um sistema de trocas tão democrático quanto econômico.
6. Wendy's
Os criadores do Guia NY Para Mãos-de-Vaca não têm nenhuma ligação comercial com esta rede de fast-food. Eles simplesmente recomendam por conta da relação valor/sabor. Por US$ 1,29 compra-se uma batata assada de primeira, e por US$ 3 acrescenta-se ao prato uma cobertura de chilli e um refrigerante. Os menos ousados têm ainda a opção da Ceasar Salad, por US$ 1.
7. MoMA
O museu mais caro da cidade (a entrada, obrigatória, sai por US$ 20) é também a casa do acervo mais impressionante de arte moderna e contemporânea do planeta. E, graças a uma parceria com a loja Target, oferece entrada gratuita todas as sextas-feiras a partir das 16h (e até às 20h). É só agendar bem a viagem e guardar um fim de tarde de sexta-feira para o museu.
8. Museu de História Natural
Aqui o jogo é o mesmo do Metropolitan, com a admissão para o acervo permanente ficando a cargo do visitante. O passeio é especialmente indicado para os casais com crianças, que vão adorar os animais empalhados, os dinossauros e as salas dedicadas aos continentes. De novo, mão-de-vaca profissional desembolsa apenas US$ 1 para passear pelo museu.
9. Century 21
Vir a NY e não se render a compras é como ir a Roma e não ver o Papa. Dentre as muitas opções oferecidas pela cidade, a loja de departamentos Century 21 é a que oferece um pacote de sete meias por US$ 5, toalha de banho Calvin Klein por US$ 2 e tênis Nike por US$ 30. A loja fica na 22 Cortland Street, no sul da ilha.
10. Manhattan Mall
Localizado na Rua 34, no encontro da Broadway com a Sexta Avenida, é o paraíso das sacoleiras mais estilosas. Aqui elas podem comprar as coleções da Steve &Berry¿s (incluindo a linha da atriz Sarah Jéssica Parker), a linha mais esportiva da tenista Venus Williams e os tênis Starbury, todas peças na faixa de US$ 8. Nada na loja ultrapassa os US$ 20.
Serviço:
O Guia NY Para Mãos-de-Vaca pode ser comprado por R$ 11,99 no site www.maosdevaca.com.
domingo, maio 25, 2008
CARTA CAPITAL/O Teste de Obama
A Carta Capital desta semana sai com reportagem minha sobre os desafios que o senador Barack Obama enfrenta agora que é quase certa sua escolha pelo Partido Democrata para disputar a presidência dos EUA contra o republicano John McCain. Conversei com o cientista político Frederick C. Harris, da Universidade de Columbia, também negro, diretor de um dos centros de estudos políticos mais prestigiados do país. Ele me disse que a imagem da sociedade pós-racial defendida por Obama funciona mais para o cenário internacional do que para a realidade do dia-a-dia dos afro-americanos aqui nos EUA.
A reportagem segue abaixo:
O TESTE DE OBAMA
Por Eduardo Graça, de Nova Iorque
Cada vez mais perto de ser indicado a candidato democrata, o senador ainda precisa mostrar que é capaz de vencer a eleição
A escolha, pelo senador Barack Obama, da pequena Des Moines, no Meio-Oeste americano, para a celebração da conquista da maioria dos delegados estaduais à convenção nacional do Partido Democrata não foi apenas uma rendição ao simbolismo político. Sim, foi na capital de Iowa, em janeiro, que ele iniciou sua impressionante corrida à Casa Branca. Mas, ainda mais importante, lá ele recebeu mais de um terço dos votos dos eleitores brancos de classe média baixa, o que não se repetiu nos quatro meses seguintes. Detalhe: mais da metade desses eleitores em estados-chave para a vitória da oposição afirmaram, em pesquisas de boca-de-urna, logo após optarem por Hillary Clinton, que votarão em John McCain contra Obama em 4 de novembro.
Para o comando do Partido Democrata, o jogo de xadrez de 2008 está ficando cada vez mais complicado. Quanto mais Obama e sua mensagem de mudança ganham os setores progressistas do partido e parte do establishment, mais nebulosas ficam as perspectivas de vitória em um pleito com características únicas, aparentemente favoráveis à oposição.
“Não se iludam. As eleições deste ano serão disputadíssimas. Aqui interessa mais o colégio eleitoral do que o voto popular. E Barack Obama terá muitos problemas para vencer em estados importantíssimos, os que definem de fato quem chegará à Presidência, como Ohio e Pensilvânia, onde os eleitores são sensíveis à questão racial e foram afetados pela campanha que tenta caracterizá-lo como menos patriota do que Hillary ou McCain”, diz o professor Frederick C. Harris, diretor do Centro de Estudos de Política e de Sociedade Afro-Americanas da Universidade de Colúmbia.
Na quinta-feira 22, o Instituto Rasmussen anunciou nova pesquisa nacional na qual McCain tem 46% da preferência dos norte-americanos ante 42% de Obama. “Há todo um discurso sobre a sociedade pós-racial, que não levaria mais em conta a cor do indivíduo, que não se respalda na realidade. A candidatura Obama, assim como outras conquistas simbólicas dos negros nos EUA, são mais importantes em termos internacionais, exportando a idéia de que aqui há espaço para as minorias, inclusive os afro-americanos. Mas enquanto ainda tivermos a desigualdade social escancarada entre negros e brancos, o tratamento diferenciado pela polícia e a concentração de negros vivendo em conjuntos habitacionais país afora, esses símbolos têm um efeito menor quando pensamos na modificação das relações entre os diferentes grupos que formam os EUA”, diz Harris.
Políticos negros que chegaram às prefeituras de grandes metrópoles norte-americanas como David Dinkins, em Nova York, e Harold Washington, em Chicago, jamais conseguiram o apoio da classe média branca, especialmente de comunidades mais fechadas, como a de descendentes de italianos e poloneses, base do Partido Democrata nas duas cidades. Nos rincões do país, a barreira é ainda maior. E a decisão de Hillary Clinton de seguir em campanha apesar de suas chances diminutas de conquistar a indicação à Presidência na convenção de agosto não ajudam Obama.
Na terça 20, a senadora de Nova York recebeu 65% dos votos dos eleitores do estado sulista do Kentucky, uma repetição do que aconteceu na semana passada na Virgínia Ocidental. Mais de 50% deles avisaram que ou ficarão em casa ou votarão em McCain em novembro se Obama for o candidato. E o mesmo número considerava “importante” a ligação entre o candidato negro e o pastor Jeremiah Wright, visto como radical por boa parte da opinião pública e mídia nos EUA. Em meio século, nenhum democrata chegou à Casa Branca sem vencer na Virgínia Ocidental, incluindo Bill Clinton.
A vice-presidente na chapa de Dukakis, a primeira mulher indicada ao posto por um dos dois partidos majoritários, Geraldine Ferraro, acusou o senador Obama de “sexista” e anunciou que não votará nele para presidente em novembro. Em anúncio de página inteira nos jornais mais influentes do país, o grupo WomenCount pregava a necessidade de Hillary Clinton continuar na disputa até “o último voto ser contado”, para além das três derradeiras primárias, em junho, até a convenção de agosto. Pelas regras do Partido Democrata, além dos delegados eleitos em cada estado, um colégio à parte, formado por superdelegados (caciques políticos e detentores de postos eletivos) unge o candidato à Presidência. Obama lidera nos dois flancos, mas matematicamente Hillary ainda pode virar o jogo se conseguir 70% dos superdelegados que ainda não se comprometeram com candidato algum. Entre eles estão importantes formadores de opinião, como o ex-vice-presidente Al Gore, o ex-presidente Jimmy Carter e Nancy Pelosi, que detém um cargo que no Brasil seria o equivalente ao de presidente da Câmara dos Deputados.
Os Clinton apostam as fichas na reunião da cúpula do partido – que ainda pende para ela – no próximo fim de semana, para decidir se dois estados em que ela foi vitoriosa no voto popular por larga margem – Flórida e Michigan – entrarão na contagem final de votos. Como alteraram suas datas de votação sem permissão do partido, os estados foram punidos e seus pleitos considerados nulos. Obama não fez campanha na Flórida e nem sequer teve seu nome na cédula oficial em Michigan. O problema é que o comparecimento eleitoral foi massivo e pró-Hillary. Se considerados os eleitores dos dois estados, a senadora fica à frente no voto popular e cresce de importância o seu argumento de que é a candidata mais forte para enfrentar McCain.
Enquanto os democratas parecem se unir apenas nos discursos emocionados em apoio ao senador Ted Kennedy, um dos maiores símbolos do partido, diagnosticado com câncer no cérebro, McCain ri sozinho. O senador participou recentemente do programa Saturday Night Live e implorou a Hillary Clinton que “continue na disputa até o último segundo”. Ao mesmo tempo, iniciou uma série de duros ataques contra Obama, tentando transferir a discussão nacional da economia para a segurança nacional e a política externa.
Em um discurso voltado à comunidade cubana na Flórida, McCain garantiu que continuará o bloqueio econômico a Cuba e pinçou o que seria sua política para a América Latina, com uma presença ainda maior na Colômbia. Também insinuou que somente a inexperiência de Obama poderia justificar sua decisão de iniciar um processo de distensão com “a ditadura dos Castro” e de suspensão da Lei Helms-Burton, que proíbe o comércio entre EUA e Cuba.
A propaganda do Partido Republicano acusa o senador negro de antipatriota e usa uma declaração de sua mulher, Michelle Obama, como prova. A advogada disse, em emocionado discurso depois da histórica vitória do marido em Iowa, que, “pela primeira vez, sentira orgulho de ser norte-americana”. A reação foi imediata, com o candidato dizendo que “não admitiria ataques à sua mulher”, enquanto seus estrategistas denunciavam a relação íntima de McCain com lobistas e a recusa de sua mulher, Cindy, de tornar pública, como fizeram Obama e Michelle, sua declaração de imposto de renda, alimentando rumores de que ela teria investimentos ligados ao governo autoritário do Sudão.
Cindy McCain é a milionária herdeira de uma das maiores distribuidoras de bebidas do país. Obama também alertou que a eleição de McCain seria a continuação do governo Bush, seguindo uma política externa truculenta e unilateral, e comandada por um presidente ainda mais militarista do que o ex-governador do Texas. Trincheiras estabelecidas, candidatos quase definidos, a batalha pela Casa Branca parece mais quente do que nunca.
A reportagem segue abaixo:
O TESTE DE OBAMA
Por Eduardo Graça, de Nova Iorque
Cada vez mais perto de ser indicado a candidato democrata, o senador ainda precisa mostrar que é capaz de vencer a eleição
A escolha, pelo senador Barack Obama, da pequena Des Moines, no Meio-Oeste americano, para a celebração da conquista da maioria dos delegados estaduais à convenção nacional do Partido Democrata não foi apenas uma rendição ao simbolismo político. Sim, foi na capital de Iowa, em janeiro, que ele iniciou sua impressionante corrida à Casa Branca. Mas, ainda mais importante, lá ele recebeu mais de um terço dos votos dos eleitores brancos de classe média baixa, o que não se repetiu nos quatro meses seguintes. Detalhe: mais da metade desses eleitores em estados-chave para a vitória da oposição afirmaram, em pesquisas de boca-de-urna, logo após optarem por Hillary Clinton, que votarão em John McCain contra Obama em 4 de novembro.
Para o comando do Partido Democrata, o jogo de xadrez de 2008 está ficando cada vez mais complicado. Quanto mais Obama e sua mensagem de mudança ganham os setores progressistas do partido e parte do establishment, mais nebulosas ficam as perspectivas de vitória em um pleito com características únicas, aparentemente favoráveis à oposição.
“Não se iludam. As eleições deste ano serão disputadíssimas. Aqui interessa mais o colégio eleitoral do que o voto popular. E Barack Obama terá muitos problemas para vencer em estados importantíssimos, os que definem de fato quem chegará à Presidência, como Ohio e Pensilvânia, onde os eleitores são sensíveis à questão racial e foram afetados pela campanha que tenta caracterizá-lo como menos patriota do que Hillary ou McCain”, diz o professor Frederick C. Harris, diretor do Centro de Estudos de Política e de Sociedade Afro-Americanas da Universidade de Colúmbia.
Na quinta-feira 22, o Instituto Rasmussen anunciou nova pesquisa nacional na qual McCain tem 46% da preferência dos norte-americanos ante 42% de Obama. “Há todo um discurso sobre a sociedade pós-racial, que não levaria mais em conta a cor do indivíduo, que não se respalda na realidade. A candidatura Obama, assim como outras conquistas simbólicas dos negros nos EUA, são mais importantes em termos internacionais, exportando a idéia de que aqui há espaço para as minorias, inclusive os afro-americanos. Mas enquanto ainda tivermos a desigualdade social escancarada entre negros e brancos, o tratamento diferenciado pela polícia e a concentração de negros vivendo em conjuntos habitacionais país afora, esses símbolos têm um efeito menor quando pensamos na modificação das relações entre os diferentes grupos que formam os EUA”, diz Harris.
Políticos negros que chegaram às prefeituras de grandes metrópoles norte-americanas como David Dinkins, em Nova York, e Harold Washington, em Chicago, jamais conseguiram o apoio da classe média branca, especialmente de comunidades mais fechadas, como a de descendentes de italianos e poloneses, base do Partido Democrata nas duas cidades. Nos rincões do país, a barreira é ainda maior. E a decisão de Hillary Clinton de seguir em campanha apesar de suas chances diminutas de conquistar a indicação à Presidência na convenção de agosto não ajudam Obama.
Na terça 20, a senadora de Nova York recebeu 65% dos votos dos eleitores do estado sulista do Kentucky, uma repetição do que aconteceu na semana passada na Virgínia Ocidental. Mais de 50% deles avisaram que ou ficarão em casa ou votarão em McCain em novembro se Obama for o candidato. E o mesmo número considerava “importante” a ligação entre o candidato negro e o pastor Jeremiah Wright, visto como radical por boa parte da opinião pública e mídia nos EUA. Em meio século, nenhum democrata chegou à Casa Branca sem vencer na Virgínia Ocidental, incluindo Bill Clinton.
A vice-presidente na chapa de Dukakis, a primeira mulher indicada ao posto por um dos dois partidos majoritários, Geraldine Ferraro, acusou o senador Obama de “sexista” e anunciou que não votará nele para presidente em novembro. Em anúncio de página inteira nos jornais mais influentes do país, o grupo WomenCount pregava a necessidade de Hillary Clinton continuar na disputa até “o último voto ser contado”, para além das três derradeiras primárias, em junho, até a convenção de agosto. Pelas regras do Partido Democrata, além dos delegados eleitos em cada estado, um colégio à parte, formado por superdelegados (caciques políticos e detentores de postos eletivos) unge o candidato à Presidência. Obama lidera nos dois flancos, mas matematicamente Hillary ainda pode virar o jogo se conseguir 70% dos superdelegados que ainda não se comprometeram com candidato algum. Entre eles estão importantes formadores de opinião, como o ex-vice-presidente Al Gore, o ex-presidente Jimmy Carter e Nancy Pelosi, que detém um cargo que no Brasil seria o equivalente ao de presidente da Câmara dos Deputados.
Os Clinton apostam as fichas na reunião da cúpula do partido – que ainda pende para ela – no próximo fim de semana, para decidir se dois estados em que ela foi vitoriosa no voto popular por larga margem – Flórida e Michigan – entrarão na contagem final de votos. Como alteraram suas datas de votação sem permissão do partido, os estados foram punidos e seus pleitos considerados nulos. Obama não fez campanha na Flórida e nem sequer teve seu nome na cédula oficial em Michigan. O problema é que o comparecimento eleitoral foi massivo e pró-Hillary. Se considerados os eleitores dos dois estados, a senadora fica à frente no voto popular e cresce de importância o seu argumento de que é a candidata mais forte para enfrentar McCain.
Enquanto os democratas parecem se unir apenas nos discursos emocionados em apoio ao senador Ted Kennedy, um dos maiores símbolos do partido, diagnosticado com câncer no cérebro, McCain ri sozinho. O senador participou recentemente do programa Saturday Night Live e implorou a Hillary Clinton que “continue na disputa até o último segundo”. Ao mesmo tempo, iniciou uma série de duros ataques contra Obama, tentando transferir a discussão nacional da economia para a segurança nacional e a política externa.
Em um discurso voltado à comunidade cubana na Flórida, McCain garantiu que continuará o bloqueio econômico a Cuba e pinçou o que seria sua política para a América Latina, com uma presença ainda maior na Colômbia. Também insinuou que somente a inexperiência de Obama poderia justificar sua decisão de iniciar um processo de distensão com “a ditadura dos Castro” e de suspensão da Lei Helms-Burton, que proíbe o comércio entre EUA e Cuba.
A propaganda do Partido Republicano acusa o senador negro de antipatriota e usa uma declaração de sua mulher, Michelle Obama, como prova. A advogada disse, em emocionado discurso depois da histórica vitória do marido em Iowa, que, “pela primeira vez, sentira orgulho de ser norte-americana”. A reação foi imediata, com o candidato dizendo que “não admitiria ataques à sua mulher”, enquanto seus estrategistas denunciavam a relação íntima de McCain com lobistas e a recusa de sua mulher, Cindy, de tornar pública, como fizeram Obama e Michelle, sua declaração de imposto de renda, alimentando rumores de que ela teria investimentos ligados ao governo autoritário do Sudão.
Cindy McCain é a milionária herdeira de uma das maiores distribuidoras de bebidas do país. Obama também alertou que a eleição de McCain seria a continuação do governo Bush, seguindo uma política externa truculenta e unilateral, e comandada por um presidente ainda mais militarista do que o ex-governador do Texas. Trincheiras estabelecidas, candidatos quase definidos, a batalha pela Casa Branca parece mais quente do que nunca.
Assinar:
Postagens (Atom)