sábado, julho 25, 2009

CARTA CAPITAL/24 de Julho

Segue o drama em Honduras. A teceira reportagem da série para a Carta Capital foi publicada esta semana pela revista, escrita antes da frustrada tentativa de Manuel Zelaya de entrar no país via Nicarágua:

UM ATALHO PARA O CONFLITO

Eduardo Graça, de Nova York

Tempo. Eis o artigo mais valioso na crise que se instalou em Honduras há três semanas quando as Forças Armadas, com aval do Judiciário e do Legislativo, derrubaram o governo constitucional do presidente Manuel Zelaya e enviaram o ex-oligarca travestido de esquerdista, de pijamas, para o exílio. O que parecia ser mais uma quartelada latino-americana revelou-se uma anomalia em um continente aparentemente imunizado contra salvadores da pátria sem mandato popular. Mas se a reação uníssona da ONU, da OEA e de Washington – todas contrárias ao golpe de Estado – não acelerou a volta do aliado de Hugo Chávez ao poder, ao menos parece ter iluminado a discussão em torno da crise das democracias representativas na América Latina.

Na quarta-feira, tanto o governo Micheletti quanto as forças pró-Zelaya rejeitaram a chamada Proposta de San José, elaborada pelo presidente costa-riquenho Oscar Arias. O estadista, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, propunha a volta de Zelaya a Tegucigalpa com poderes reduzidos, anistia limitada de seis meses e eleições presidenciais antecipadas para outubro, sem possibilidade de reeleição.

O gabinete de Micheletti só aceita a volta de Zelaya se o presidente concordar em enfrentar os processos judiciais contra ele movidos pela tentativa de alterar a Constituição enquanto no poder. Rixi Moncada, chefe da equipe de negociação de Zelaya, acusou Micheletti de intransigência e de emperrar as negociações em busca de tempo. “Nada aconteceu desde que começamos as conversas no sábado passado. A Proposta de San José fracassou”, decretou.

Nenhum governo reconheceu Micheletti como presidente provisório e na segunda-feira a Comunidade Européia anunciou o corte de 90 milhões de dólares em programas de ajuda humanitária para o país. Recente pesquisa do Gallup mostra que o golpe alavancou a popularidade de Zelaya, que teria o apoio de 46% dos entrevistados, contra apenas 30% para os golpistas. Micheletti é rejeitado por 49% dos hondurenhos. Demonstrando o cansaço da nova administração, o ministro das Relações Exteriores, Carlos Contreras, usou um argumento de péssimo gosto para defender a causa dos golpistas, lembrando que outros países latino-americanos, notadamente o Equador, já viveram situação semelhante no passado e não receberam tamanha condenação da comunidade internacional. “É preciso investigar a manipulação que ocorre na OEA”, disse.

O escritor peruano Santiago Roncagliolo, vencedor do Prêmio Alfaguara por Abril Rojo, uma viagem pelos porões do governo Fujimori, e crítico severo do bolivarianismo, discorda de Contreras. Para ele, com a expulsão de Zelaya, o Judiciário, o Legislativo e as Forças Armadas hondurenhas colocaram em questão a própria definição de democracia.

“Os últimos acontecimentos atacam a credibilidade das democracias liberais e reforçam a popularidade de Chávez. Milhões de pobres e índios constatam que o liberalismo não lhes oferece justiça”, escreveu Roncagliolo esta semana em artigo no El País. O texto une à deposição de Zelaya o vídeo do falecido advogado Rodrigo Rosenberg acusando o presidente guatemalteco Álvaro Colom de seu assassinato, a vitória eleitoral do PRI nas eleições legislativas mexicanas e os conflitos entre líderes indígenas e o governo na demarcação de terras no Peru para afirmar que a realidade abaixo do Rio Grande parece um “filme de James Bond, com o herói lutando contra um temível ditador aliado do terrorismo”.

Roncagliolo usa figuras de efeito fortes. Ao pensar no fortalecimento do Executivo frente os demais poderes, uma das justificativas dos golpistas para a deposição de Zelaya, o peruano defende que o modelo da democracia liberal no continente perdeu qualquer crédito de transparência e legalidade com a população. “Se Micheletti temia um Chávez mais influente em Honduras, ele pode ficar tranqüilo. Agora o venezuelano aumentou sua legitimidade em toda a região”, escreve.

É justamente este fortalecimento do chavismo que tem guiado as conversas de bastidores em Washington. Deputados republicanos já tratam abertamente de sua preferência pela manutenção do governo Micheletti, que seria ameaça menor à democracia do que o próprio Zelaya e questionam a postura da OEA, mais branda com o regime cubano. Mas, curiosamente, a face mais visível nos corredores do Capitólio em defesa dos golpistas é a de Lanny J. Davis, medalhão do Partido Democrata de Maryland, conselheiro especial na Casa Branca nos anos 90 e principal advogado da equipe que defendeu Bill Clinton durante o processo de impeachment. Davis depôs no comitê de Relações Exteriores da câmara baixa do congresso americano em nome de clientes membros da seção hondurenha do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL), que reúne lideranças empresariais do continente. Os empresários estão na linha de frente da defesa do golpe.

Do outro lado do flanco, o Comitê de Famílias de Desaparecidos e Presos em Honduras (COFADEH) divulgou um documento denunciando 1.100 casos de abuso contra cidadãos desde a deposição de Zelaya. Entre os crimes estão quatro assassinatos (entre eles o jovem Isis Obed Murillo, de 19 anos, dois líderes sindicais, e o jornalista Gabriel Fino Noriega, baleado quando deixava a redação de sua emissora de rádio em San Juan Pueblo), prisão arbitrária, violência física e censura à imprensa. O chefe da segurança do novo governo é Billy Hoya, acusado de ser o responsável pelo desaparecimento de líderes esquerdistas durante a guerra suja dos anos 80.

Em entrevista na The American Prospect, o jornalista hondurenho Jose Luiz Galdamez, da Rádio Globo, uma das poucas a apoiar Zelaya, conta que teve de se esconder depois que os militares ocuparam a sede da emissora. “Gostaria que lobistas como Davis viessem me visitar para ver como é ser ameaçado não apenas pelo novo governo e pelos militares, mas também pelos empresários e grupos poderosos que ele representa em Washington. Davis está representando os grupos que controlam a grande mídia, o Judiciário e, agora, novamente, o Executivo. Ele está representando o Estado de terror que se estabeleceu em Honduras ”, denunciou.

Os partidários de Zelaya acreditam que a estratégia dos empresários é minar o apoio do governo Obama ao presidente deposto e desviar a atenção da opinião pública dos abusos cometidos em Honduras desde o golpe, afim de ganhar tempo até as eleições de novembro. Por isso o advogado e ativista de direitos humanos Robert Kovalik, que acaba de voltar de Honduras, onde acompanhou um grupo de cidadãos norte-americanos em visita ao país, defende em sua coluna no Pittbsburg Post-Gazette a urgência de se restabelecer a democracia em Tegucigalpa.

Kovalik iniciou uma campanha pública de pressão sobre o governo Obama. Ele pede a retirada dos 600 soldados norte-americanos estacionados no país, a revogação do visto dos hondurenhos que apóiam o governo golpista (o que afetaria a movimentação dos empresários do CEAL) e a remoção – como fizeram todos os países europeus – do embaixador norte-americano de Tegucigalpa. Seu receio é de as virtuais eleições de novembro tragam uma nova complicação para a novela da crise das democracias representativas no continente, com a comunidade internacional tendo de lidar com um referendo eleitoral promovido por um governo fora-da-lei. Um roteiro de luxo para uma aventura de James Bond na América Latina do século XXI.

Perfil/MICHAEL MANN

Escrevi para o Valor Econômico um perfil do diretor Michael Mann, de Inimigos Públicos, que foi publicado na revista do jornal deste finde. Ó só:


O grande gângster
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Los Angeles
24/07/2009

Cinema: Michael Mann, a mente por detrás de "Miami Vice" e "O Aviador", conta agora a história de um mítico bandido na Chicago dos anos 30.

Cabelo claro e ralo sobre proeminente fronte, olhos tão diminutos quanto vivos e uma dicção embolada, Michael Mann não parece interessado em responder às questões na ordem proposta pelo interlocutor. Faz um delicioso sol de primavera nos jardins de um hotel de luxo em Beverly Hills e o diretor de "Inimigos Públicos", que chega aos cinemas brasileiros nesta sexta-feira, pergunta, sério: "Alguns atores têm uma receita de takes, você sabia?" Não. "Sim, Al Pacino, por exemplo, com quem fiz 'O Informante'. A atuação decisiva dele vai ser no sexto, no sétimo ou no oitavo take, invariavelmente. Você pode filmar 15 takes, 140 takes, não importa. O tesouro está na sexta, sétima e oitava tentativas. Outros, quanto mais repetem, mais vão abandonando os resíduos de autocrítica, os resquícios de repressão. E outros, com a repetição em demasia, apenas se cansam e nada mais."

A mente por detrás de "Miami Vice" e "O Aviador", por mais paradoxal que pareça, soa, aqui e acolá, como um psicanalista. Termos freudianos, analogias históricas e pensatas sobre economia surgem com frequência no bate-papo com o diretor de 66 anos.

Ele segue falando de forma apaixonada sobre seus colegas de trabalho: "Christian Bale é exatamente como Pacino. Você pode filmar poucos takes e mais ou menos saber onde está o mel. Johnny Depp é diferente. Ele é imprevisível. Algumas vezes o ouro surgia logo no começo, nos quatro primeiros takes. Outras vezes, faltava algo e íamos seguindo até encontrar o que queria. Com Marion Cotillard era um jogo jogado a dois, pois eu me extasiava com ela fazendo todos os takes. Não queria que aquilo terminasse".

Mann: "Para mim, drama é, essencialmente, conflito, e o que me atrai são situações extremas"

Em "Inimigos Públicos" Johnny Depp é John Dillinger, um dos maiores gângsteres da história dos Estados Unidos, um filho da Grande Depressão que se tornou um dos primeiros adversários do FBI. Elegante, boa-pinta, tão genial quanto genioso, ele é apresentado por Mann como um Robin Hood com traços de Clark Gable e um desejo de ascensão social e culto à liberdade individual caro ao ethos americano. Sua maior ambição era juntar dinheiro suficiente para ter uma vida de luxo no Brasil.

O "Batman" Christian Bale vive um insosso, mas persistente, agente Melvin Purvis, dedicado a encerrar o reinado de Dillinger em uma Chicago livre de Al Capone há apenas três verões. Entre um e outro assalto, Dillinger se apaixona por Billie Frechette, filha de índios e colonos franceses, em mais uma impressionante interpretação de Marion Cotillard, vencedora do Oscar de melhor atriz por "Piaf - Um Hino ao Amor".

Quando decidiu levar a história de Dillinger para a tela, Mann pensou nos grandes clássicos policiais e decidiu filmar em película. Mas, meticuloso, resolveu fazer um teste para se assegurar de que aquela era a direção correta a seguir. Colocou dezenas de carros de época em frente do seu escritório, contratou figurantes, trajados tal qual transeuntes da Chicago dos anos 30, e percebeu, na hora de conferir o que filmara, que estava pronto para fazer um filme de época. "E isso era exatamente o que eu não queria fazer", revela.

O cineasta explica: "Com a HD, ao contrário, eliminava o distanciamento intrínseco à película. Em 'Inimigos Públicos' não quero que você sinta que está observando algo que ocorre na década de 30 em Chicago. Quero que você esteja vivendo aquela época, como se você estivesse em cena. Daí meu olhar mais cinema-verdade nesse caso".

Obviamente, viver os anos 30 com os olhos de quem se vê no meio da Grande Depressão do século XXI é uma experiência intensa, até para o mais cínico dos espectadores. Como pontuou Frank Rich em sua página dominical no "New York Times", Bernie Maddoff, a face mais visível dos fora da lei da crise financeira global não é um Dillinger per se. Os estimados US$ 65 bilhões que desapareceram em seu esquema de pirâmide não se aproximam dos mais de US$ 2 trilhões que os contribuintes americanos já desembolsaram nos pacotes de salvamento de A.I.G, Goldman Sachs, Citibank e afins.

Mann vai ainda mais fundo no distanciamento entre os dois personagens, mas mata a charada das gargalhadas vingativas que vinham da plateia na pré-estreia do filme em Chicago, acompanhada pelo Valor: "Madoff não é uma reencarnação de John Dillinger. Ele não tem a audácia ou a estampa do gângster. Mas, se Dillinger vivesse em nossos tempos, ele provavelmente seria um banqueiro. Não seria um assassino, seria um CEO de alguma grande corporação, um magnata de um banco de investimentos, com grande conhecimento dos mecanismos por detrás dos fundos hedge. Ele teria esquemas do arco da velha. E a grande diferença entre ele e os figurões de hoje é que Dillinger jamais seria pego".

Rich lembra que "Inimigos Públicos" não se propõe a fazer um paralelo exato entre os anos 30 e nossa década. "Nem precisa. Mas no livro que inspirou o filme o jornalista Bryant Burrough revela que pesquisas da época mostram que o público aplaudia mais Dillinger do que o presidente Roosevelt ou Charles Lindbergh", escreve. E na campanha pela reeleição em 1936, FDR percebeu o tamanho da onda populista e em seus discursos colocou no mesmo patamar sequestradores, ladrões de banco e os "vilões de Wall Street".

"Em 2009, muita gente que trabalhou duro ainda está sofrendo, enquanto várias figuras que jogaram sujo pagaram muito pouco ou seguiram sem ser importunadas. A minguada satisfação nacional com a condenação de Madoff deveria funcionar como um aviso à Casa Branca. Na maior catástrofe econômica desde os tempos de Dillinger, muitos cidadãos americanos sabem muitíssimo bem que a Justiça ainda precisa ser feita", sentencia o colunista do "Times".

O fascínio de Mann - que cresceu na mesma Chicago que o gângster adotou como palco principal de seus assaltos - por Dillinger e seus agregados nos chega sem nenhuma timidez. Mas a interpretação tão viril quanto delicada de Depp e os tempos que nos circundam acabam por gerar um efeito bem diverso do cruel gângster Frank Lucas vivido por Denzel Washington no filme de Riddley Scott lançado em 2007.

"Não tenho fascínio algum por gângsteres. Não mesmo. Para mim, drama é, essencialmente, conflito, e o que me atrai são situações extremas. Pense em Howard Hughes em 'O Aviador' ou Jeffrey Wigand em 'O Informante', figuras vivendo eventos absolutamente extraordinários", diz Mann.

Talvez percebendo alguma dúvida do repórter, o diretor continua o tiroteio de ideias: "Você pode dizer que minha cinematografia é repleta de policiais, como 'Fogo contra Fogo' e 'Profissão Ladrão', mas o que me interessou foi eminentemente este homem, John Dillinger. Não o fora da lei dos mais habilidosos. O que me interessou foi tentar desvendar o que Dillinger pensava dele mesmo. Vindo de uma família de classe média baixa arruinada pela recessão, ele queria tudo ao mesmo tempo agora. O mundo material, o amor".

Mann era frequentador assíduo, na juventude, do mesmo cinema em Lincoln Park onde Dillinger viu seu derradeiro filme, pouco antes de ser morto pelos agentes do FBI. "Sua última ida ao cinema, que ele adorava, foi para conferir 'Vencido pela Lei', com Clark Gable, e, obviamente, aquilo me faz refletir sobre como Dillinger assistiu, de certa maneira, da poltrona, à própria morte. Sempre fiquei matutando sobre como homens como Dillinger lidavam com a ideia de futuro. Talvez traficantes de drogas, membros de gangues de rua, estejam mais próximos do hormônio à flor da pele, da adrenalina do momento. Mas Dillinger? Tenho minhas dúvidas", comenta, antes de ajeitar o terno acinzentado, acenar com a mão e desaparecer nos corredores do hotel.

ENTREVISTA/JOHNNY DEPP



A Contigo! desta semana chega às bancas com a entrevista que fiz, durante conferência de imprensa, com o adorável Johnny Depp. O astro de Inimigos Públicos, o filme de Michael Mann que já está nos cinemas brasileiros, conversou sobre John Dillinger, o gângster que encarna na tela grande, sua vida pessoal, seus projetos futuros. Segue abaixo, na íntegra, a conversa que tivemos em Los Angeles:

Johnny Depp

Um senhor talento!

Um dos maiores astros do cinema abre o jogo sobre a vida em três países, explica detalhes do novo filme, Inimigos Públicos, e revela o tamanho de suas... intimidades!


Por Eduardo Graça, de Los Angeles


- Você chegou devagar, sentou-se na cadeira lentamente. Esse tempo mais lento é um antídoto contra a loucura da fama?
- Há vários aspectos de minha vida pré-Hollywood de que sinto falta. Ser mas um na multidão, por exemplo. Ser reconhecido na rua é divertido, mas poder levar minhas crianças para uma loja, um restaurante ou a Disneylândia, é inviável. John Dillinger tinha esta habilidade de ir aos lugares públicos sem ser descoberto, como você viu no filme que eu desenvolvi também. Claro, ele tinha outros motivos para não ser reconhecido (risos).

- Uma das cenas mais deliciosas do filme é quando Dillinger entra na delegacia...
- E normalmente pergunta como os policiais estão indo, qual o resultado do jogo, vê os recortes de jornais de sua própria vida na parede e vai embora, sem ser reconhecido. Quem imaginaria que ele iria lá? Na Feira Internacional de 1933, que aconteceu em Chicago, ele pediu a um policial para tirar a foto dele e da namorada.

- Existe algum lugar no mundo onde você poderia fazer o mesmo?
- Sim, numa pequena ilha nas Bahamas onde construí meu refúgio justamente para isso (risos). Lá, ninguém me reconhece, a não ser que eu queria (risos).

- Você também tem uma casa na França e uma em Los Angeles. Aonde é seu verdadeiro lar?
- Temos uma casa no sul da França, minha mulher é francesa, mas a maioria de nosso tempo é passada aqui em Los Angeles, pois as crianças vão à escola aqui. A França me deu o luxo de uma vida mais simples, vivemos no interior e seus dias são mais calmos, não há executivos, agentes, é mais calmo. Mas nos últimos três anos, Los Angeles tem sido nossa casa.

- Dillinger aparece no filme como uma espécie de Robin Hood. Você se identificou com o personagem?
- Sim, muito. Graças a Deus eu não preciso andar com um trabuco no bolso de trás da calça, mas preciso dizer que Dillinger representou na época, quando os bancos eram os inimigos e o governo tinha gente como J.Edgar Hoover, o primeiro diretor do FBI, pior do que a maioria dos criminosos, o herói do homem comum. Ele levantou a cabeça e decidiu que não olharia mais para trás. Vou fazer o que tenho que fazer, juntar um dinheiro, fugir para o Brasil, e tentar não ferir ninguém no processo. Então, não vou negar, eu desenvolvi uma admiração pelo Dillinger.

- Fica a questão ética de que ele era, no fim, um bandido, não um mocinho...
- Depende de nossa percepção. Se eu tivesse de ficar em um recinto desarmado e dar as costas para Dillinger ou Hoover, eu escolheria o Dilinger, estaria mais seguro com ele. O fascínio pelos bandidos passa por nomes como Bonnie & Clyde ou Billy the Kid, que eram homens comuns que enfrentaram o governo. Não são um Charles Manson, por exemplo. São dois grupos diferentes de bandidos.

- Você se doa completamente a seus personagens. Edward Mãos de Tesoura é completamente diferente de Jack Sparrow ou de John Dillinger...
- Isso é um baita elogio, obrigado! É minha responsabilidade encontrar aquele personagem, experimentando algo diferente todas as vezes, algo que o público ainda não viu. O que não quero é entediar a audiência.

- Como foi seu processo de pesquisa para encontrar Dillinger?
- Não havia muitas imagens dele gravadas, nem áudio. O mais próximo que tive acesso foram as vozes do pai de Dillinger. Ouvi com atenção e imaginei aquele fazendeiro do sul de Indiana, numa cidadezinha há 150 quilômetros de onde eu cresci, no Kentucky. Aquilo me deu um clique, o sotaque. Daí pensei que ele falava, que o gestual dele, eram parecidos com os de meu avô.


- Você usou referências de sua própria família...
- Sim. Eram as mesmas raízes, sabe? Nos anos 30, vovô durante o dia dirigia um ônibus e de noite usava o veículo para transportar bebida para os municípios vizinhos na época da Lei Seca, o que não deixa de ser um serviço de utilidade pública (risos). E meu padrasto passou um tempo na penitenciária estadual de Illinois por conta de pequenos erros. Fui juntando estes ingredientes para criar meu Dillinger.

- Você sempre usa música neste processo, não é?
- Sempre, não abro mão disso. Em cada conversa diária que você tem há uma trilha sonora. Seja uma buzina do lado de fora da rua ou o virar das páginas de um jornal. Ironicamente, a música que ficou na minha cabeça durante todas as filmagens de Inimigos Públicos foi Nightmare, do maior clarinetista do jazz, Artie Shaw.Uma música de 1937 que cabia em cada cena do filme.

- Inimigos Públicos também conta uma grande história de amor. Como foi sua interação com Marion Cotillard?
- Na vida de Dillinger, há um momento em que tudo vira secundário, e Billie, sua parceira, passa a ser o foco de sua vida. Quando os dois estavam juntos, era fogo puro. Marion foi perfeita, ela é de uma dedicação única, chegou no set de filmagem meses antes de todos nós para se preparar melhor, pegar o sotaque certo. Ela é espetacular, uma atriz, aliás uma mulher muito, muito especial.

- Marion contou que durante a pesquisa que fez sobre o caso de Dillinger e Billie descobriu que ele era extremamente bem-dotado. Você também chegou ao mesmo resultado na pesquisa?
- Fiz a mesma pesquisa e cheguei a resultado similar (rindo muito). É a mais pura verdade! E sabe o que foi mais sensacional na história toda.

- Diz...
- Temos exatamente o mesmo tamanho! (rindo mais ainda e ficando com a face vermelha).

- Vamos mudar a direção desta conversa? Marion também disse que temia fazer as cenas de amor com você...
- Por causa do tamanho?

- Não! Porque você tinha sido um gentleman desde o primeiro dia, e ela queria que as cenas fossem sensual, mas ao mesmo tempo elegantes. Cheias de paixão mas sem ter que mostrar muito do corpo de vocês dois...
- Entendo a preocupação dela. É que este tipo de cena é crucial em um filme. Costumo dizer que você pode tirar o público da narrativa, eles instantaneamente esquecem do personagem e passam a observar com curiosidade o corpo dos artistas, especialmente aquelas partes (risos).

- Michael Mann diz que foi importante ter você como Dillinger, porque o gângster era um homem de verdade. O que é, para você, um homem com H maiúsculo?
- Sabe o que me fez o homem que eu sou?

- Não...
- Minha operação de sexo (mais risos). Sério, tentando não ser condescendente comigo mesmo, se há algo que sou de fato nesta vida é pai. Mais do que qualquer outra coisa. E, se levar em conta a opinião dos meus filhos, sou um pai decente. E isso é o que eu mais quero como homem com H maiúsculo. Ser um bom pai, ser honesto com os que amo, ser gentil com as pessoas.

- Mas há uma predileção sua por um certo tipo de homem nos filmes, os anti-heróis, não?
- Huum...talvez. Mas acho que não seria um bom super-homem. Não creio que eu fique bem em calças de lycra! (risos).