quinta-feira, setembro 29, 2005

O Banquete da Vergonha

Convidada para tomar um café da manhã com a primeira-dama Laura Bush no último sábado - coincidentemente o mesmo dia em que a grande manifestação contra a invasão do Iraque estava programada em Washington - a poeta e professora da NYU Sharon Olds não só recusou o 'privilégio' como publicou, na 'The Nation', uma carta aberta à primeira-dama norte-americana, com o sugestivo título 'Não Há Lugar para uma Poeta no Banquete da Vergonha'.

Vencedora do prêmio da National Books Critics Circle, ela desceu lenha na administração republicana, com tradução livre do blogueiro aqui:

_ Não poderia passar pela minha cabeça dividir o pão do café da manhã com a senhora. Eu sei que se sentasse para dividir uma refeicão com a senhora, pareceria para mim que eu estava, de alguma maneira, concordando com a barbárie promovida pela administração do seu marido. Muitos cidadãos que se sentiam orgulhosos por serem norte-americanos agora se sentem angustiados e envergonhados, por conta do atual regime de sangue, tortura e agressão. Quando recebi seu convite, eu pensei na impecável toalha de linho de sua mesa, na louça brilhante e nas velas tão bem cuidadas e, sinceramente, eu não teria estômago para tanto.

A carta, excepcional, pode ser lida na íntegra, infelizmente apenas em inglês, no www.thenation.com/doc/20051010/olds.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Perversão Democrática

Acaba de chegar às ruas de Nova Iorque o semanário Village Voice com o título 'Quantos Mais Devem Morrer'?. A pergunta, sem rodeios, é feita pelo jornalista Sydney H.Schanberg, vencedor do Prêmio Pulitzer por suas reportagens sobre o Camboja, no fim dos anos 70, e um dos grandes repórteres que ajudaram a fazer a fama da revista dominical do The New York Times.

Em seu texto, Schanberg qualifica a situação atual - em que a maioria do país parece 'esquecer' que está em guerra em quatro continentes (contra os insurgentes iraquianos e afegãos na Ásia, terroristas na Ásia, África e Europa, e contra Castro e, extra-oficialmente, Chavez na América) - de 'perversão democrática'.

Em determinado momento, Schanberg, que viveu os horrores da guerra no Sudeste Asiático, pergunta aos americanos: "Estes homens e mulheres que se alistaram para lutar no Iraque e no Afeganistão serão tratados por nós como mercenários que lá nos representam? Ou nós verdadeiramente nos preocupamos com eles?"

Até hoje, 2.154 soldados americanos morreram nas incursões de Bush pela Ásia. Os feridos são mais de 15 mil. Não há qualquer estimativa oficial para o número de civis iraquianos mortos, mas grupos independentes afirmam que mais de 30 mil cidadãos pereceram desde a invasão militar de 2003.

Em tempo: o belo texto de Schanberg pode ser encontrado, de graça, no seguinte endereço: http://villagevoice.com/news/0539,schanberg,68215,6.html.

No site, o leitor ainda ganha um outro presente: a fantástica ilustração de Viktor Koen, em que um capacete militar é carimbado com os nomes de todos os americanos mortos na mais recente aventura militar do doutor George Bush.

Diretinho da Redação (31)


O texto abaixo já pode ser lido no Direto da Redação

A Desgraça dos Flagelados, II

É feia a situação.‘Seu Mister’ chega em casa depois de um dia duro de trabalho e ouve Jim Lehrer falar no jornal das sete que não tem nem Rita nem Katrina. O mais novo furacão que ameaça o sul dos Estados Unidos chama-se capitalismo de desastre, em sua versão caseira. Histórias e imagens do desespero e da miséria americanas continuam pipocando na televisão, mas o chocante agora é a disputa para saber quem é que vai ganhar mais dinheiro com a tragédia. A briga é de cachorro grande.

A AshBritt, empresa ligada ao governador republicano do Mississippi, Haley Barbour, saiu na frente e fechou contratos no valor de US$ 568 milhões para ‘remoção de entulho e lixo’ das áreas atingidas pelo furacão. Ela entra na categoria ‘emergencial’, que inclui 80% dos US$ 1,5 bilhão de contratos sem licitação já assinados pela FEMA (a agência federal de gerenciamento de emergências, uma espécie de Defesa Civil mais inflada e burocratizada).

Como a saudável e capitalista competição não aconteceu, ‘Seu Mister’ não se surpreendeu quando Lehrer contou que dois dos contratos mais suculentos – voltados para a reconstrução de infra-estrutura e saneamento básico em toda costa do Golfo do México – pararam justamente nas mãos da Halliburton e do Shaw Group. A primeira, como todos sabem, foi comandada pelo vice-presidente Dick Cheney. Já o Shaw Group tem entre seus representantes mais conhecidos ninguém menos que Joe Allbaugh, gerente das campanhas de Bush e diretor, até 2003, da mesma FEMA. Geni da vez, a agência foi responsabilizada pelo fiasco no atendimento aos flagelados de Nova Orleans. Foi Allbaugh quem (des)montou a equipe de emergência da FEMA, substituindo nos primeiros anos do governo republicano especialistas por quadros políticos.

Quando o Congresso liberou verbas especiais para a reconstrução da costa do Golfo do México (até esta semana US$ 250 milhões/dia), 'Seu Mister’ imaginou que estava dando dinheiro para os flagelados, não para os barões do capitalismo de desastre. Quando pensa na Halliburton, ele lembra que esta é a empresa que cobrou do governo (isto é, dos bolsos de seus amigos, o médico de Nova Jérsei, o mecânico de Detroit e o advogado de Manhattan) US$ 100 por trouxa de roupa dos militares americanos das bases de Bagdá. E que ofereceu para centenas de trabalhadores de origem filipina e turca contratados para a ‘recuperação’ do Iraque as sobras de comida vindas do lixo das tropas.

O senador negro Barack Obama, democrata de Chicago, já elaborou um projeto de lei exigindo que o governo Bush explique, tim-tim por tim-tim, como está gastando os bilhões de dólares liberados para a ‘recuperação dos nossos irmãos sulistas’, nas palavras do presidente. Ninguém sabe se o rolo-compressor republicano na casa vai aprovar esta boa iniciativa. Crente como a maioria de seus patrícios, 'Seu Mister' me diz que ainda aposta que não há nada como um dia atrás do outro. Mas até ele, quem diria, já começa a temer pelas ramificações desta tragédia, que começou com o abandono dos miseráveis e segue impiedosa na farra do dinheiro público e do lucro fácil a partir da desgraça dos flagelados americanos.