quinta-feira, agosto 17, 2006

Diretinho da Redação (49)


O texto da semana, sobre quem, de fato, perdeu a guerra entre Israel e Líbano, já está no DR.

A CONSCIÊNCIA ANGUSTIADA DE ISRAEL

Primeiro foi o Hezbolá. Depois Bush, escoltado por Condoleezza e Rumsfield. Nessa semana todos se declararam vencedores da guerra entre Israel e os libaneses. Cacoete de repórter, quase sempre me interessam mais os discursos dos derrotados. Ontem, durante o funeral de seu filho Uri, sargento de 22 anos morto em serviço no sul do Líbano, o escritor israelense David Grossman, em emocionado discurso, disse que ‘nossa família, nós, perdemos esta guerra. Israel fará agora um exame de consciência. E nós nos dobraremos na dor, envolvidos pelo imenso amor que recebemos de tantas pessoas que em sua maioria não conhecemos’.

O choque de proporções nacionais gerado pela morte de Uri é compreensível. Desde menino ele era uma figura próxima dos israelenses. Sempre acompanhava o pai, David, a mãe, Michal, e o irmão, Yonatan, nos muitos protestos contra a ocupação da Palestina. A Santíssima Trindade da literatura contemporânea de Israel – Grossman, Amos Oz e A.B.Yehoshua – tem militado como poucos intelectuais de nossos tempos na causa da devolução dos territórios ocupados. Também vem insistindo em sonhar a utopia da convivência harmônica entre todos os semitas – judeus e árabes - em uma sociedade laica e plural. “Vento Amarelo”, de Grossman, narrado na Cisjordânia, é considerado pelos críticos ‘a maior denúncia, por um sionista, do expansionismo israelense jamais escrita”. É também um livro belíssimo de se ler.

Na quinta-feira passada os ‘três grandes’ publicaram nos jornais israelenses uma carta em que pediam um imediato cessar-fogo no sul do Líbano. Em uma entrevista coletiva realizada em Tel-Aviv, a poucos metros do Ministério da Defesa, os escritores disseram que “Israel iniciou uma guerra por motivos justos, mas a decisão de aumentar as proporções desta invasão é um equívoco. Israel cruzou o Rio Litani duas vezes. Não precisamos passar para a outra margem uma vez mais. Precisamos lembrar que o Líbano não é nosso Vietnã. Ele é nosso vizinho, com quem teremos de conviver para sempre, não destruí-lo”. Os intelectuais foram imediatamente atacados pelo aparente paradoxo de se defender a necessidade de proteção do estado judeu ao mesmo tempo em que se condenava sua compulsão belicosa. E então veio a notícia da morte do filho de Grossman.

David tinha 30 anos quando Uri nasceu. Detinha o posto de coronel do exército, mas sempre detestara as guerras. Havia publicado apenas dois livros, mas já era uma voz importante na denúncia dos massacres cometidos em nome da segurança israelense em Beirute, neste mesmo Líbano, então ocupado, terra em que seu filho tombaria, no dia anterior ao armistício, dentro de um tanque Merkava, atingido por um míssil de fabricação russa lançado por guerrilheiros do Hezbolá.

Consumido pela dor, cercado de amigos e familiares no Cemitério do Monte Herzel, em Jerusalém, onde descansam nomes caros ao sionismo, como Golda Meir, Yitzhak Rabin e o próprio Herzel, Grossman nos fala da necessidade de os israelenses refletirem sobre seus atos. Ele os pede um exame de consciência. Durante anos a fio, o escritor foi apresentado a seus milhares de leitores fora do Oriente Médio como a ‘consciência angustiada de Israel’. Epíteto que não poderia ser mais exato em tempos tão infelizes.

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