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domingo, julho 12, 2009

CARTA CAPITAL - edição de 10/07

Mais um texto sobre o golpe em Honduras na Carta Capital desta semana:

INTERNACIONAL

Nas mãos de Obama
10/07/2009 17:36:08

Eduardo Graça

Na semana em que o golpe de Estado em Honduras teve sua primeira vítima, a pressão para que os EUA intervenham de forma mais incisiva na política centro-americana aumentou significativamente. A morte de Isis Obed Murillo, 19 anos, nas cercanias do Aeroporto Internacional de Tegucigalpa foi, de acordo com diplomatas norte-americanos, o trágico evento que impulsionou o governo golpista a iniciar negociações formais com o presidente deposto Manuel Zelaya, a partir da quinta-feira, na Costa Rica, sob interferência direta da secretária de Estado, Hillary Clinton. No domingo, usando um avião cedido pelo governo da Venezuela, Zelaya tentou sem sucesso retornar à capital hondurenha. Em terra firme, milhares de manifestantes e soldados entraram em choque e, de acordo com a Human Rights Watch (HRW), há evidências de que os militares dispararam contra ativistas pró-Zelaya.

“A violência das Forças Armadas e o tamanho da multidão, a maior desde o golpe, aumentam a pressão sobre os EUA para encontrar uma solução para o impasse. O cenário parece muito com a tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002, só que o Exército hondurenho tem mais prática do que o venezuelano em táticas repressivas. Daqui foi orquestrada a série de assassinatos nos anos 80 contra cidadãos de El Salvador e Nicarágua”, aponta o economista Mark Weisbrot, presidente da ONG Just Foreign Policy e colunista da rede de jornais McClatchy-Tribune, em artigo publicado na quinta-feira no The Huffington Post.

Para Weisbrot, uma das mais reveladoras manifestações sobre a natureza do golpe veio do principal porta-voz legal das Forças Armadas, o coronel Herberth Inestroza, que disse “ser muito difícil para nós, com nosso treinamento, aceitar um governo de esquerda. Na verdade, é impossível”. Tanto Inestroza quanto o líder militar do golpe, o general Romeo Vázquez, receberam treinamento na Escola das Américas, denunciada por grupos de direitos humanos por conta do desenvolvimento de prática de torturas aplicadas contra militantes de esquerda nos anos 60 e 70 pelas ditaduras militares instauradas com apoio de Washington na América Latina.


Em relatório produzido sobre o confronto de domingo, a HRW dá conta de que pelo menos dez outros cidadãos teriam sido feridos à bala, com possivelmente mais uma vítima fatal. “As evidências que analisamos, em vídeo e fotos, sugerem que os soldados atiraram contra manifestantes desarmados. O governo provisório tem a obrigação de iniciar uma investigação independente imediatamente”, diz José Miguel Vivanco, diretor da HRW para as Américas.


O ministro das Relações Exteriores do governo provisório, Enrique Ortez, afirmou que, se houve algum ferido, a culpa é dos manifestantes, já que as Forças Armadas usaram apenas balas de festim. Ortez notabilizou-se por ter dito em entrevista para uma rádio local que o presidente Barack Obama é “um
negrito que não sabe de nada”. O vídeo e as imagens de Obed Murillo, ferido na cabeça, sendo carregado pelos manifestantes correu mundo, assim como a maquiagem feita pelo jornal La Prensa, que apoia o golpe, com o sangue sendo eliminado da foto, apresentado como um exemplo da manipulação da mídia pelo governo hondurenho.

A cena dramática aumentou a pressão da comunidade internacional contra o governo golpista, mas não arrefeceu a oposição. O descontentamento da classe média não diminuiu desde a última pesquisa sobre o governo Zelaya, conduzida em outubro de 2008 pelo Gallup. O índice de aprovação do presidente – um fazendeiro transformado após as eleições em aliado bolivarianista de Hugo Chávez - beirava a casa dos 25%. Nas ruas de Honduras, as manifestações contra o presidente deposto ainda são mais numerosas do que as de seus seguidores. “Setenta a 80% dos hondurenhos não querem o retorno de Zelaya. Ele e seus partidários são ladrões, corruptos, mentirosos. E é impossível se governar um país apenas com os sindicalistas, sem o Legislativo, o Judiciário, a sociedade civil, as igrejas e o empresariado”, diz a pediatra Sandra Rivas, 41, que vive na cidade operária de San Pedro Sula, a segunda maior do país.


Rivas, que tem família no Brasil, lembra que a Constituição hondurenha não prevê um processo de impedimento legal do presidente pelo Congresso, como aconteceu no Brasil com Fernando Collor de Mello. E, com a negativa das Forças Armadas de garantir a segurança do plebiscito que, há duas semanas, determinaria a convocação de uma Assembléia Constituinte, havia o receio da manipulação dos resultados pelo governo. Uma das intenções do presidente seria a de alterar a Constituição afim de revogar a proibição da reeleição para cargos executivos.

“E três dias antes do plebiscito a turba de Zelaya invadiu o galpão em que estavam as urnas, já confiscadas pelas Forças Armadas. Todos tinham certeza de que não haveria transparência na contagem dos votos. Não queremos a repetição do que aconteceu na Bolívia, na Nicarágua, na Venezuela”, diz Rivas.


O que os golpistas em Honduras – sede da principal base aérea norte-americana na América Central – não contavam era com a defesa enfática da ordem democrática por Washington. “Os EUA apóiam a restauração imediata do presidente hondurenho, ainda que ele tenha se posicionado de forma clara contra a política externa norte-americana. Há, aqui, um princípio maior em jogo”, afirmou esta semana o presidente Obama.

Rivas diz que a oposição não contava com o apoio dos EUA, já que era fato conhecido a oposição do embaixador norte-americano em Tegucigalpa ao golpe. “Mas não esperávamos uma reação tão agressiva e parcial da comunidade internacional”, reconheceu.


Durante a semana, a secretária de Estado, Hillary Clinton negou-se a afirmar, depois de encontro oficial com Zelaya, que apoiava sua volta imediata ao poder: “Não quero me adiantar às conversas em Costa Rica entre as duas partes”. Mas Clinton se negou a receber uma delegação do governo golpista e os EUA anunciaram a suspensão total do programa de ajuda militar com Honduras, no valor de 16,5 milhões de dólares. Mais significativo: a maior economia do planeta congelou os 50 milhões de dólares que seriam enviados este ano para o país centro-americano e ameaçou vetar os 130 milhões aprovados pela ONU dentro do projeto Metas do Milênio.


Clinton foi a principal articuladora do encontro de quinta-feira em San José, mediado pelo Prêmio Nobel e presidente costa-riquenho Oscar Arias. Pela primeira vez Zelaya e Roberto Micheletti, que, há dois anos, era sua escolha predileta para sucede-lo no cargo, estariam frente à frente. Mas Zelaya deixou a casa de Arias pouco antes da chegada de Micheletti. No caminho do hotel o presidente deposto disse que não está interessado em concessões e pediu o “restabelecimento do estado de Direito, da democracia e do retorno ao poder do presidente eleito pelo povo hondurenho”. Micheletti disse que não há negociações que considerem o retorno de Zelaya ao poder. O próximo passo, de acordo com o presidente costa-riquenho, é um encontro com quatro representantes de cada grupo. Se houver avanços, um encontro entre os dois líderes será marcado.


Em Honduras, forças pró-Zelaya tomaram várias rodovias que ligam o país a El Salvador e Nicarágua, enquanto os partidários de Micheletti saíram as ruas em San Pedro Sula. No portão de sua casa, Oscar Arias disse que “temos a oportunidade de resolver esta crise em dois dias”, mas “por outro lado, esta situação pode-se arrastar por dois meses”. Em artigo na página de opinião do Washington Post publicado no mesma quinta-feira, Arias escreve que o episódio Honduras demonstra, uma vez mais, que os erros do passado da América Latina estão historicamente próximos demais para serem ignorados. Resta saber se o velho estadista conseguirá encontrar um caminho para um país tão isolado quanto dividido.

quinta-feira, abril 23, 2009

Tira o Tubo!

Deputado Jovair Arantes (PTB-GO), líder do partido do Roberto Jefferson na Câmara: "Não quero ser obrigado a colocar minhas coisas na internet"

Deputado ACM Neto (DEM-BA), neto de um dos mais animados líderes da ditadura brasileira: "A imprensa quer fechar o Congresso".

Clóvis Rossi, na Folha de S.Paulo, hoje, lapidar: "Só se nota que o Congresso está aberto pelo noticiário policial que produz".

quarta-feira, dezembro 24, 2008

O TRISTE FIM DA ERA BUSH/Carta Capital

A Carta Capital publicou esta semana, na capa, minha reportagem sobre o último mês do governo Bush II e o fim da era neo-con em Washington.

Ó só:

O TRISTE FIM DE UMA ERA
Por Eduardo Graça, de Nova York

Madison Square Garden lotado, quase terça-feira de uma noite gélida em Manhattan, e Neil Young interrompe subitamente a série de clássicos de seu repertório para encarar o público com uma pergunta direta: “Gente, para onde foi todo o dinheiro?”. Pasma, a audiência, que vinha cantando alegre os refrões de Hey, Hey, My My e Cinnamon Girl, cala-se para ouvir o bardo de 63 anos apresentar sua nova melodia, composta em cima de questões como Onde está o dinheiro?/E o lucro, com quem ficou? A nova música de Young – Cough Up The Bucks – traduz com exatidão o sentimento de milhares de nova-iorquinos, ainda em estado de choque com a revelação do que deve ser o maior esquema em pirâmide da história do capitalismo, um rombo de US$ 50 bilhões, orquestrado nas barbas do governo Bush, em meio a uma crise financeira de proporções gigantescas.

O que nem os velhos hippies poderiam sonhar é que na semana em que mais um nome graúdo de Wall Street, o administrador de fundos Bernard L.Madoff, entraria para a lista de vilões de uma era com fim oficial marcado para o próximo dia 20 de janeiro, um jornalista iraquiano de uma das mais pobres comunidades de Bagdá seria tratado como herói no mundo árabe ao jogar seus sapatos no presidente Bush em uma conferência de imprensa na capital iraquiana. O encontro fazia parte do que os meios de comunicação norte-americanos apelidaram de Turnê do Legado, ou, em versão mais maldosa, Magical Lagacy Tour (uma referência ao famoso álbum Magical Mistery Tour, dos Beatles), uma iniciativa da administração republicana de destacar o que consideram os aspectos positivos dos oito anos de neo-conservativismo em Washington. Nos últimos dias, o presidente e o vice, Dick Cheney, deram seguidas entrevistas às redes de tevê aberta mais importantes dos EUA, justificando a invasão do Iraque, batendo na tecla de que a segurança interna do país foi fortalecida, celebrando a redução de impostos para os mais ricos, os 52 meses seguidos de criação de empregos e até mesmo assumindo o uso de métodos de tortura como o afogamento simulado contra prisioneiros de guerra.

O equívoco de se fazer um balanço dos oito anos de governo, prática comum na democracia americana, é gritante no caso de Bush, de acordo com o colunista da Newsweek Howard Fineman, porque “ele simplesmente não tem uma grande história para contar. Sua herança, na narrativa dos próprios republicanos, se reduz ao fato de que os EUA não foram atacados em solo americano uma segunda vez”. O jornalista lembrou ser no mínimo contraditório o presidente se vangloriar pelo fato de ter levado a guerra contra o terror para o Oriente Médio, bem longe do solo americano. Quando questionado pelo entrevistador da ABC de que a Al-Qaeda somente entrou em território iraquiano após a invasão americana a resposta de Bush foi emblemática: “E daí?”.

Em uma semana de imagens fortes, nada se comparou ao gesto catártico do jornalista Muntander al-Zaidi, a sapatada “em nome das viúvas iraquianas”. Depois de levar uma surra dos seguranças do primeiro-ministro Nuri al-Maliki, o repórter televisivo foi detido e pode ser condenado a pena de até oito anos por agressão física contra um líder estrangeiro em visita oficial ao país. Tratado como herói nacional em todo mundo árabe, Maliki e seus sapatos jogados contra Bush foram mais ou menos discretamente saudados até mesmo nos órgãos de imprensa aqui dos EUA, com a ressalva de que ‘não se deve cair na tentação de se comemorar um ato desrespeitoso contra o primeiro-mandatário do país’. Além das piadas nos talk-shows, da proliferação de jogos pela internet em que o usuário, ao contrário do jornalista, de fato acerta os sapatos no presidente, a imagem transformou-se na “mais icônica da Era Bush, pois captura como nenhuma outra o sentimento do mundo em relação ao nosso presidente”, de acordo com o editor-associado do Washington Post Eugene Robinson.

Do outro lado do Atlântico, o prêmio Nobel José Saramago, em seu blog, escreveu que ‘Maliki, fique seu nome para a posteridade, encontrou a maneira mais contundente e eficaz de expressar seu desprezo - o ridículo ‘. O autor de Ensaio sobre a Cegueira ainda sugere que “um par de pontapés tampouco estariam mal”, mas o ridículo, lembra, “é para sempre”. “Esta é, sim, a imagem definitiva das aventuras de Bush no Iraque. Mas talvez este episódio sirva também de guia para o que nosso presidente fará, afinal, depois de janeiro. Quem sabe ele não se torna um garoto-propaganda da Nike, criando o mote ‘mais sapatos! Mais tênis! É só jogar?”, sugere o humorista Harry Shearer, a voz de Mr.Burns no desenho Os Simpsons, que lança este mês o disco Songs of the Bushmen, uma crônica dos agitados tempos de George W.Bush,

Enquanto o ex-presidente anunciava que, logo após deixar o governo, começará a escrever uma auto-biografia, o vice Dick Cheney, que muitos analistas dizem ter sido a verdadeira força política na Casa Branca desde 2001, reconheceu em entrevista para a rede ABC a autorização do uso de afogamento simulado contra prisioneiros, um ato inédito na história dos EUA. É a primeira vez que um funcionário público admite o uso de tortura, segundo ele “com resultados extraordinários”. “Se os sapatos são a imagem final de Bush, este é o legado de Cheney – Washington admitindo o uso de tortura. Mas há ao menos um lado positivo aqui: ele ofereceu a oportunidade de a democracia se aperfeiçoar, de se corrigir um erro imenso. Cheney escancarou os portões de um dos fundamentos da democracia, a prestação de contas”, apontou o jornalista Ron Suskind, autor de The Way of the World e ganhador do Prêmio Pulitzer de Jornalismo.

O senador democrata Carl Levin, comandante do comitê das Forças Armadas no Congresso, anunciou na quarta-feira que o relatório resultante da investigação parlamentar sobre a autorização do uso de tortura pelas forças armadas dos EUA, encerrado este mês, será cuidadosamente analisado pelo futuro Defensor-Geral da União, a ser nomeado por Barack Obama. É que o atual, Michael Mukassey, de acordo com Levin, simplesmente “não demonstrou interesse pela questão”. O senador revelou ainda que o novo presidente deverá instaurar uma comissão exclusivamente para a investigação de práticas de tortura pela C.I.A.

É justamente o descaso em relação à prestação de contas que vem exasperando os norte-americanos. O Washington Post publicou pesquisa revelando que 70% da população aprova a retirada das tropas do Iraque paulatinamente nos próximos 16 meses e a reação do vice-presidente Dick Cheney foi outro direto “e daí?” em rede nacional de tevê. “E a idéia que se tenta vender agora de que a Doutrina Bush é uma espécie de terceira via, em que se lutou contra o terrorismo enquanto se semeava democracia no Oriente Médio simplesmente não se fundamenta. Durante a era Bush viu-se um aumento do terrorismo em escala planetária, inclusive contra americanos, no Iraque, no Afeganistão, em Londres, em Mumbai”, diz Richard Wolfe, o principal correspondente da Newseek em Washington.

As coisas pioram quando os republicanos tentam valorizar seu recorde econômico. Em suas entrevistas Bush defendeu a estratégia de diminuir os impostos para os mais ricos com o objetivo de estimular a movimentação econômica, deixando de lado os 1,9 milhões de postos de emprego que desapareceram no período em que ocupou a Casa Branca. Mais grave: sequer trata da crescente desregulamentação e dos pacotes de ajuda ao mercado financeiro no momento em que o maior esquema de pirâmide é desbaratado desde as confusões na Albânia pré-capitalista nos anos 90, fazendo vítimas famosas como Steven Spielberg e contaminando setores inteiros da economia, como o imobiliário. Para o cidadão comum, como o diretor de design Andrew James Slater, 38 anos, fica a sensação da platéia do show de Neil Young, de que “uma das claras heranças deste governo é a eliminação de métodos de regulação que permitiram à escória deste país desvirtuar a idéia do sonho americano”.

A emergência do que Slater chama de ‘socialismo para ricos’, dos grandes pacotes de ajuda ao sistema financeiro e à indústria, se tornou especialmente emblemático esta semana quando detentores de cartão de crédito com a marca Citibank receberam cartas anunciando o aumento dos juros à pessoa física em caso de atraso d epagamento, que podem chegar ao dobro da taxa anterior. E o banco recebeu aquela que é considerada a maior ajuda financeira da história do governo americano no mês passado. “Bush chegou a Washington para inaugurar uma nova era de responsabilidade pessoal. Pois em oito anos, ele não parece ser responsável por coisa alguma, é tal qual um Forrest Gump de sua própria administração, um espectador passivo que, sobre o desastre econômico, não tem nada mais a dizer do que ‘sinto muito que isso aconteceu’”, esbravejou Frank Rich, um dos críticos mais contundentes do governo Bush, em sua coluna no New York Times.

Uma das cenas mais constrangedoras da semana foi a admissão do presidente da SEC, Christopher Cox, o organismo governamental de regulação da Bolsa de Valores, responsável por evitar fraudes como a comandada por Bernard Madoff, de que ‘deveria ter percebido os sinais’ de que algo estava errado com os números que não batiam nos investimentos gerenciados pela Madoff Investment Securities. A lógica da pirâmide – em que investidores são pagos com o dinheiro aplicado pelas próximas vítimas até que, em tempos de vacas magras, não há mais dinheiro a ser resgatado, com o capital desaparecendo os livros e telas de computador como que por mágica – é tão primária que ninguém entende como o SEC não atentou para o fato de que a M.I.S. tinha muito menos em caixa do que os US$ 17 bilhões declarados em 2007. Especialistas no mercado financeiro acreditam ser impossível Madoff ter agido sem ajuda externa.

Curiosamente, o mesmo Mukassey que não se interessou pela investigação sobre o uso de tortura nas Forças Armadas anunciou, na quarta-feira, sua desistência em presidir as investigações contra Madoff, já que seu filho, Marc, é um dos advogados do escritório de advocacia Bracewell & Giuliani (do ex-prefeito de Nova Iorque e pré-candidato republicano à presidência dos EUA Rudolph Giuliani). Um dos clientes da firma é Frank Di Piscali, executivo da M.I.S.

Um legado da Era Bush que parece mais vivo do que nunca é a prática do nepotismo. Se Barack Obama quebra os 28 anos de Casa Branca ocupada ora por um Bush (incluindo George pai, como vice de Reagan por oito anos e presidente por outros quatro) ora por um Clinton, suas escolhas para o primeiro gabinete democrata desde 1992 transformou o Senado no que a imprensa apelidou de nova Câmara dos Lordes. Em Nova Iorque, os candidatos mais fortes para assumirem o lugar de Hillary Clinton, a nova Secretária de Estado, são Caroline Kennedy (a filha do ex-presidente John F. Kennedy, que está fazendo campanha abertamente e espera ser a nova representante da família na Câmara Alta do Congresso americano, já que o tio Edward, um dos maiores entusiastas da candidatura Obama, está com câncer no cérebro e não se candidatará à reeleição em Massachussetts) e Andrew Cuomo, filho do ex-governador Mario Cuomo, e ex-marido de Kerry Kennedy, uma das filhas do ex-senador Robert F. Kennedy.

A comparação com a nobreza britânica aumenta quando os democratas afirmam abertamente que a principal qualificação da filha de JFK é o fato de ela poder arrecadar US$ 30 milhões com facilidade para a disputa que enfrentará, nas urnas, em 2010, contra um republicano. No Colorado, o irmão do senador Ken Salazar, escolhido pelo presidente eleito para ser o novo Secretário do Interior, o deputado John Salazar, deve ser o escolhido pelo governador do estado para ocupar a vaga aberta. E em Delaware, a vaga do vice-presidente Joe Biden foi para o seu principal auxiliar-direto, que estaria guardando a vaga para seu filho, Beau Biden, no momento servindo no Iraque. E George W.Bush anunciou esta semana que seu irmão Jeb, seria um ‘ótimo’ senador por Flórida, lançando sua candidatura às eleições de 2010.

“Mas há uma razão, além da capacidade de se arrecadar milhões de dólares, para algumas destas escolhas serem extremamente populares. É que temos a sensação de que conhecemos intimamente estas pessoas. Nós vimos Caroline crescer, quem não se lembra dela na Casa Branca, depois se casando, tendo filhos, agora apoiando Obama tão decisivamente e comparando-o a seu pai? É como se estivéssemos apostando em algo absolutamente certo, não se trata apenas, quero crer, de um jogo de sobrenomes e celebridades”, diz o apresentador do programa Hardball, Chris Matthews. Colega de Matthews na MSNBC e nova estrela do jornalismo liberal nos EUA, a apresentadora Rachel Maddow prefere acreditar que o maior legado da era Bush foram os atos corajosos dos indivíduos que desafiaram o ‘poder imperial de Washington e denunciaram que a lei havia sido burlada pela burocracia governamental’.

Gente como Thomas Tamm , funcionário do Departamento da Justiça, que denunciou a gravação ilegal de conversas de milhares de cidadãos americanos, o embaixador Joseph Wilson, que revelou nas páginas de opinião do New York Times os falsos relatórios de inteligência dando conta da existência de armas de destruição em massa no Iraque, justificativa inicial da invasão norte-americana, o sargento Joseph Darby, que apresentou as fotografias dos abusos a prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib, os advogados americanos, como Zachary Katznelson, que decidiram defender de graça os presos de origem árabe de Guantánamo por acreditarem no direito de defesa e a ativista Elena Ruth Sassower, que aqui nesta Carta Capital contou sua experiência como a primeira cidadã americana presa por protestar publicamente contra a nomeação de um juiz federal pelo governo Bush. Anos depois de Sassower deixar sua cela – em que contou com a simbólica companhia da Constituição Americana, sua leitura diária durante o confinamento – o aparelhamento político do Judiciário se tornou importante peça de propaganda dos democratas para a reconquista da Casa Branca.

Na semana em que o presidente mais impopular da história dos EUA, há pouco mais de um mês do fim de seu derradeiro mandato, decidiu discutir, ao vivo e a cores, no Iraque e nos EUA, o legado de uma era marcada pelos ataques terroristas de 2001, a invasão do Iraque e do Afeganistão, o confisco de liberdades individuais dos norte-americanos, a desastrosa resposta à tragédia causada pelo furacão Katrina no sul do país, o nepotismo nas escolhas para cargos de interesse público, o uso de tortura contra prisioneiros de guerra, a criação da prisão-goulag de Guantánamo e o esfacelamento do sistema financeiro, a reação nas ruas de Nova Iorque foi a do público de Neil Young. Nas palavras de Andrew James Slater, “no fim, atônitos, percebemos que o principal legado de Bush, queira ele ou não, é Barack Obama. Ele jamais teria sido eleito, não teríamos uma mudança tão radical na Casa Branca, se não fosse pelos oito inesquecíveis anos de George W. Bush”.

sexta-feira, agosto 29, 2008

A Vice do McCain

Minhas impressões - e a da mídia americana - sobre a governadora do Alasca, que saiu da mais profunda insignificância para ocupar a vice-presidência da chapa republicana, foram publicadas hoje no Portal Terra.

Aí vai:

Sexta, 29 de agosto de 2008, 13h50 Atualizada às 15h44
Escolha de vice de McCain surpreende mídia nos EUA
EDUARDO GRAÇA
DIRETO DE NOVA YORK

Foi uma escolha surpreendente. O senador John McCain, que na semana que vem será homologado candidato republicano à sucessão de George W.Bush, escolheu a desconhecida governadora Sarah Palin, do Alasca, para ser sua companheira de chapa. Analistas e mesmo líderes do partido situacionista apostavam em três nomes mais conhecidos nacionalmente para a vice-presidência: o senador independente Joe Lieberman (que disputou as eleições de 2000 como vice de Al Gore), o ex-governador do Massachusetts Mitt Romney e o governador de Minnesota, Tim Pawlenty.

Palin é uma conservadora de 44 anos que surpreendentemente venceu as eleições no Alasca há dois anos contra um experiente candidato democrata. Uma das vozes mais conhecidas do rádio no estado mais gélido dos EUA, Steve Heimel disse que até mesmo em seu estado todos foram pegos de surpresa com a escolha de McCain. "A governadora é jovem, reformista e vem da indústria pesqueira. Sua experiência antes de vencer as eleições de 2006 era apenas a de administrar um subúrbio de Anchorage e de ser indicada para cargos públicos. Mas posso dizer que ela conseguiu, nestes dois anos, o respeito dos eleitores", disse à grande imprensa, curiosa para saber mais sobre a política neófita.

Para se ter uma idéia do tamanho da surpresa a senadora Kay Hutchison, do Texas, quiçá a legisladora republicana mais conhecida do país, disse na tevê que, honestamente, não tinha muito o que falar sobre a governadora, embora defendesse a escolha de seu colega de partido. Palin é radicalmente contra o direito ao aborto e ao casamento de pessoas do mesmo sexo, agradando aos conservadores desconfiados da suposta independência de McCain. Ela também é favorável à exploração de petróleo na área ambiental de proteção do Alaska. A aposta do senador do Arizona é a de continuar a sangria na campanha democrata, atraindo o voto de eleitoras de Hillary Clinton, interessadas em apoiar a segunda mulher candidata a vice-presidente por um dos dois partidos majoritários. A primeira foi Geraldine Ferraro, em 1984, derrotada pela chapa Reagan-Bush, que buscava a reeleição.

Do lado democrata, a pergunta que foi feita é o que aconteceria com os EUA na hipótese de que algo acontecesse com o senador John McCain, que completa 72 anos hoje. Será que o país estaria mais seguro nas mãos de uma governadora desconhecida de 44 anos do que de Barack Obama, apontado pelos republicanos como inexperiente? Os republicanos reagiram lembrando que Palin é a única, no entanto, dos quatro políticos nos tíquetes majoritários majoritários (Obama, McCain e o vice do democrata, Joe Biden, são todos senadores) que passou pelo Poder Executivo.

McCain apresenta sua vice aos eleitores em Ohio
EDUARDO GRAÇA
DIRETO DE NOVA YORK

O candidato republicano à presidência dos EUA, John McCain, apresentou nesta sexta-feira a governadora do Alasca, Sarah Palin, com sua candidata à vice-presidente durante um comício em Dayton, no Estado de Ohio.

No evento, realizado na Universidade Estadual de Wright, McCain anunciou que escolheu Palin pelo seu combate à corrupção. "Ela é exatamente o que eu necessito. É exatamente o que este país precisa ", disse McCain.

"Ela mostrou uma grande tenacidade e habilidade em abordar problemas sérios, especialmente a dependência perigosa do petróleo estrangeiro", destacou McCain.

O republicano também enfatizou o fato de que ela é mãe de cinco filhos e que a escolha se deu justamente na semana em que se comemora o aniversário da declaração de sufrágio universal nos EUA.

Sarah, 44 anos, foi ao ato acompanhada de sua família - seu marido Todd e quatro de seus cinco filhos. Ao contrário de Biden (vice de Obama), que atacou McCain na semana passada, Sarah foi discreta e preferiu elogiar o seu companheiro de chapa.

"Há apenas um candidato que pode verdadeiramente lutar pelos Estados Unidos, e este homem é John McCain", afirmou a candidata a vice, que é conhecida pelo seu conservadorismo e por ser contrária ao aborto.

Apesar disso, se descreveu como "reformista" politacamente e afirmou que enfrentou as grandes empresas petrolíferas e "o clube de velhos amigos" que dominava a política de seu Estado.

Ela também apresentou brevemente sua biografia perante um público que, como o resto do país fora do Alasca, não a conhece. "Cresci trabalhando com as mãos", disse ela, que se definiu como uma mãe "comum", que assiste a jogos de hóquei de seus filhos no Alasca.

Por fim, procurou capitalizar o ineditismo de ser a primeira candidata à vice-presidência a ser nomeada pelo Partido Republicano. "Aproveito para prestar homenagem a Geraldine Ferraro e também a Hillary Clinton, que vieram antes de mim".

"Hillary fez uma bela campanha e os 18 milhões de votos que conseguiu ainda podem ser destinados a uma mulher. Não terminamos o trabalho ainda!", disse, propondo às mulheres que votaram na senadora de Nova York durante as primárias que apóiem a chapa McCain-Palin.

A Noite de Obama

O Portal Terra publicou hoje de madrugada meu comentário sobre a bela festa de coroação da candidatura de Barack Obama à presidência dos EUA, ontem, em Denver, no Colorado.

Ó só:

Eleições no EUA
29 de agosto de 2008, 01h54 Atualizada às 03h03
Mídia: discurso de Obama declara "guerra" a McCain
EDUARDO GRAÇA
DIRETO DE NOVA YORK

Um discurso que deu o tom do que será a campanha presidencial nos próximos dois meses: uma batalha duríssima entre dois candidatos fortes e dispostos a chegar à Casa Branca. Os analistas da televisão e da blogosfera apontaram os pesados ataques de Barack Obama a John McCain como a essência do discurso que encerrou a convenção nacional do Partido Democrata em Denver, no Colorado, na noite desta quinta.

"Obama deixou claro que não vai ser um Michael Dukakis, um Al Gore, um John Kerry. Ele mostrou que aqui, bateu, levou. Ele vai bater forte em McCain como fez hoje à noite. Ouso dizer que esta foi uma noite que não será difícil de ser igualada apenas pelos republicanos na semana que vem, mas por qualquer convenção em quatro ou oito anos. Foi histórico", disse o diretor de Política da rede NBC, Chuck Todd.

Na CNN, Anderson Cooper, a principal estrela do canal de notícias, garantia que Barack Obama acabara de fazer "o discurso de sua vida". O veterano de campanhas presidenciais John King foi rápido no gatilho ao lembrar que o senador de Illinois repetia, em certa medida, uma estratégia usada por George W. Bush em seus embates com Gore e Kerry: a de chamar o adversário para a briga. "Ele rebateu, ponto a ponto, tudo o que os republicanos já usaram contra ele, como a acusação de ser uma 'celebridade' e a de ser inexperiente, e mesmo o que poderiam usar, ao buscar um discurso mais voltado para o centro nos grandes temas sociais do país", apontou.

O analista democrata Paul Begala, outro veterano, confessou ter comemorado ao ouvir Obama gritar "Basta!" aos 8 anos de doutrina neo-conservadora em Washington. "Em nove anos de convenções, nunca vi o Partido Democrata bater de frente, com tanta ênfase", vibrava.

Conselheiro de presidentes republicanos como Richard Nixon, Gerald Ford e Ronald Reagan, o professor da Universidade de Harvard, David Gergen, que assistiu à cerimônia pela TV, disse que "Obama lembrou Abraham Lincoln mas também Ronald Reagan. Ele não fez um discurso memorável como o de Martin Luther King Jr., não reergueu a mítica da luta pelos direitos civis, mas estabeleceu uma conversa com a América. Enquanto peça política, foi uma obra-prima. Barack Obama cresceu na tela e pareceu ainda mais presidenciável", disse.

O comentarista Wolf Blitzer, também da CNN, viu em Obama um repeteco do Bill Clinton de 1992. O experiente Tom Brokaw, da NBC, concordou. E lembrou que, ao tratar dos tais grandes temas sociais que pairam sobre os EUA - a imigração ilegal, o casamento de cidadãos do mesmo sexo, o direito ao aborto e o porte de armas - o senador negro buscou um "caminho do meio", que abre as portas para independentes e republicanos votarem no tíquete democrata sem que posições defendidas com unhas e dentes por liberais nas últimas quatro décadas sejam de fato ameaçadas. Para os analistas, o discurso de Obama se sintetiza com uma reapresentação aos eleitores norte-americanos de um homem comum combativo e responsável, que lança um apelo para as mesmas vozes da América Profunda que reelegeram Bill Clinton em 1996.

A Associated Press, a maior agência de notícias dos EUA, que vem sendo acusada pelos blogs liberais e por parte do Partido Democrata de fazer uma cobertura anti-Obama, publicou seu texto analítico, assinado por Charles Babington, com o título de "Obama poupa detalhes e parte para ataques". O analista diz que o democrata quase não sorriu e que sua única estratégia é dizer que "McCain é o mesmo que Bush", mas que os detalhes das políticas que pretende implantar no país seguem desconhecidas.

Os analistas políticos na televisão e na Internet consideraram em geral a reação dos republicanas "fraca". "Eles precisam trabalhar mais numa resposta amanhã, quando anunciarão seu vice-presidente", disse Brokaw. Até mesmo o ultra-conservador Pat Buchanan, para espanto de seus companheiros de análise, disse na MSNBC que "o discurso de hoje foi o maior da história das convenções partidárias".

Outro conservador, Andrew Sullivan, comentarista da revista The Atlantic, disse que "a campanha de McCain apresentou Obama como uma Paris Hilton, um político elitista e cabeça-de-vento. Hoje Obama deu-lhes o troco e os destruiu. Se eles pensavam que estavam lidando com um mariquinhas, eles tomaram um choque de realidade", disse. Todos concordam em um ponto: a guerra está oficialmente declarada, e com Obama na ofensiva.

VONNEGUT


Saiu no Valor Econômico de hoje minha reportagem sobre Armageddon in Retrospect o livro editado por Mark Vonnegut com alguns dos primeiros escritos de seu pai, Kurt Vonnegut (1922-2007), um dos maiores escritores da literatura contemporânea nos EUA e ferrenho crítico da ascensão neo-conservadora em Washington.

Segue o texto (o livro está aqui ao lado, na prateleira):


Os papéis de Vonnegut

Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York

29/08/2008


Vonnegut: "A invasão do Iraque o deixou especialmente angustiado. Ele não conseguia entender como uma 'guerra' havia começado sem que sequer houvesse de fato um 'inimigo' ideológico", diz o filho


Quando Kurt Vonnegut morreu, em abril de 2007, aos 84 anos, lidava com a dificuldade de esquematizar aquele que poderia ter sido seu derradeiro romance. A idéia do autor de "Matadouro 5", considerado um dos marcos da literatura americana do século XX, era a de contar a história de um comediante, diz em entrevista exclusiva ao Valor o pediatra Mark Vonnegut. "Mas papai não conseguia de jeito algum fazer com que o protagonista ficasse engraçado!", revela o médico, que estreou também como autor, com aplausos da crítica, em 1975, com "The Eden Express: a Memoir of Insanity". No livro, Mark dividia com os leitores sua experiência com a esquizofrenia. Pouco mais de um ano depois da morte de Kurt, coube ao mais novo dos Vonnegut editar "Armageddon in Retrospect", livro póstumo que reúne escritos, desenhos e pensatas de um dos intelectuais mais francos na oposição à invasão do Iraque pelo governo Bush e à ascensão dos neoconservadores em Washington.

"Um Homem sem Pátria", o livro anterior de Vonnegut, reunia ensaios políticos e textos recheados de excentricidade, como o que propunha uma releitura de "Hamlet", de Shakespeare, a partir de códigos matemáticos. Em comunhão com a obra anterior, "Armageddon" apresenta alguns de seus desenhos (sobre um deles, um círculo laranja, ele escreve, em cor-de-sangue: "Aqui nos EUA é assim - vitoriosos contra derrotados. E o resultado está sempre arranjado". A capa traz um auto-retrato rabiscado à mão e um de seus mais famosos símbolos - o desenho (literal) de um asshole (metáfora para "estúpido") por ele popularizado em outro de seus clássicos, "Café-da-Manhã dos Campeões", de 1973. O grafismo dialoga de forma irônica com o título do livro. Nas páginas seguintes, alguns dos primeiros textos escritos por Vonnegut, ainda em meio à turbulência da 2ª Guerra Mundial.

Curiosamente, o filho do escritor demorou a se convencer da necessidade de publicação da obra, que substituiria o romance inacabado: "Não tinha certeza sobre se meu pai realmente gostaria que esses escritos fossem publicados e achei melhor deixá-los descansando em paz. Mas nunca achei que tivesse poder de fato para interromper sua publicação." O médico, que vive no subúrbio de Boston, concordou apenas em ler os escritos que o agente do escritor havia selecionado para "Armageddon in Retrospect". "Aí eu literalmente me apaixonei pelo material. É incrível a qualidade do que ele já escrevia naquela época. Tudo o que aconteceu em Dresden cristalizou a sua literatura", afirma.

Foi em Dresden que Vonnegut presenciou os terríveis acontecimentos mais tarde narrados em "Matadouro 5". Descendente de alemães radicados nos Estados Unidos, ele se viu prisioneiro de guerra na cidade germânica bombardeada exaustivamente por americanos e britânicos em 1945. Sobrevivente de uma carnificina que tirou a vida de até 135 mil pessoas, Vonnegut transformou seu livro mais celebrado em um acerto de contas com a própria consciência (por que ele, entre tantos, não perecera?), ao mesmo tempo em que ofereceu de forma crua seu entendimento da morte e da crueldade humana.

Sobrevivente da Segunda Guerra, escritor dizia que "a maior diferença entre Bush e Hitler" era "o fato de que o alemão foi eleito"


"Nós dois tínhamos essa cumplicidade muda, não precisávamos sequer conversar sobre o tema para entender que eliminar vidas e destruir cidades são atos que raramente levam a algo positivo. Mas a invasão do Iraque o deixou especialmente angustiado e frustrado. Ele não conseguia entender como uma 'guerra' havia começado sem que sequer houvesse de fato um 'inimigo' ideológico", revela Mark. O mais impactante dos 11 capítulos de "Armageddon" é justamente o dedicado ao bombardeio aliado de Dresden. Vonnegut faz um ataque à noção de que gestos nobres (o fim do nazismo) possam justificar atos hediondos. No dia-a-dia da guerra, todos estão errados ou, como prefere: "Estou convicto de que o tipo de justiça que aqui aplicamos, bombardeando populações inteiras, é blasfemo."

Usou a mesma lógica ao analisar a política americana no Oriente Médio logo após a controversa eleição de George W. Bush em 2000 e o 11 de Setembro: "A maior diferença entre Bush e Hitler é o fato de que o alemão foi eleito."
Outra de suas "boutades" era destinada aos que teimavam em importuná-lo sobre a injustiça de não ter recebido o Prêmio Nobel. Mark lembra que ele dizia, em tom conspiratório, ter sido esnobado pelos acadêmicos por causa de sua crítica veemente ao primeiro carro Saab lançado pela fábrica sueca. "O que posso dizer tanto sobre o Nobel quanto sobre a relação de papai com a 'New Yorker' é que muitas vezes ele considerava seu nível de comunicação com o leitor tão visceral que, de alguma maneira, acabava desqualificando-o, deixava-o em uma posição menor do que a do escritor sério que ele sabia ser", comenta Mark. Essa relação íntima com o leitor o levou a ser esnobado por setores da intelligentsia e visto como um ingênuo até por seus pares.

Gore Vidal, que depois se tornaria um amigo próximo, descreveu-o certa vez, reza a lenda, como "o pior dos escritores americanos". Maldade do liberal, que muitas vezes se encontraria entrincheirado com o socialista à moda antiga em batalhas contra a boçalidade reinante. E se os escritos sobre o cotidiano no império que o deixara "apátrida" fazem o leitor estabelecer contato com as razões do dissidente em "Um Homem sem Pátria", as histórias de "Armageddon" nos levam à guerra de forma direta, ao campo de batalha, a viagens no tempo e até - na história que dá titulo à coleção - a uma tentativa de ludibriar o diabo para se criar um planeta menos doente.
"Não creio que ninguém de fato consiga chegar a um consenso consigo mesmo após viver uma experiência real de guerra, como aquela a que papai sobreviveu. Escrever o ajudava a preencher a vida, a entendê-la como uma experiência completa", analisa Mark, autor de emocionante introdução ao livro.

"Armageddon in Retrospect", ainda sem lançamento previsto em português, pode ser comprado na Livraria Cultura (www.livrariacultura.com.br ) por R$ 45,66.

terça-feira, agosto 26, 2008

Discurso/TED KENNEDY

Foi o discurso mais emocionante até agora da corrida para a Casa Branca. Ted Kennedy, sofrendo com um câncer no cérebro, um dos primeiros a apoiar Barack Obama, apareceu de surpresa no primeiro dia da convenção democrata em Denver. Mais uma vez se ouviu da platéia os gritos de 'Kennedy! Kennedy! Kennedy!', de dimensão histórica, já que marcaram as campanhas presidenciais de seus dois irmãos mais velhos, John e Robert, assassinados nos anos 60, e a sua própria frustrada tentativa de chegar ao comando do país, em 1980. O senador mais liberal de Washington lembrou que um 'comandante-em-chefe responsável não leva jovens americanos para um desastre como a invasão do Iraque' e prometeu estar na festa da posse em janeiro.
Um momento grandioso das eleições 2008 por aqui:

sexta-feira, maio 09, 2008

Cantando Vitória Antes do Tempo?


Chegou hoje aqui em casa a Time desta semana - a capa dá como certa a indicação de Obama a candidato pelo Partido Democrata. Como Hillary ainda não entregou os pontos fica a dúvida: a imprensa realmente está fazendo a campanha de Obama? O engraçado é o asterisco usado na capa, com a explicação : 'de verdade, nós estamos praticamente certos desta vez'. Veremos.

terça-feira, maio 06, 2008

Listas, Listas, Listas...

Norte-americanos adoram listas. Esta semana a People saiu com os '100 mais belos'. A Time apareceu com seu '100 mais importantes do globo' e até a Foregin Policy entrou na festa com os '100 mais importantes intelectuais públicos'. Dois brasileiros apareceram nas listas. Kaká na Time e Fernando Henrqiue Cardoso na FP.

As listas refletem o inevitável americocentrismo. Na mais interessante das três, a da FP, 36 ungidos vêm dos EUA-Canadá, 30 da Europa, 12 da Ásia, 11 do Oriente Médio e apenas 4 da América Latina e outros 4 da África sub-Saariana. Há ainda 3 do Sudeste Asiático e Oceania.


terça-feira, março 25, 2008

Mc Cain Cresce

Muito boa a coluna de hoje de David Brooks no NYT. A melhor análise até agora que li sobre o impressionante crescimento da candidatura McCain. É que enquanto os democratas brigam, o republicano que acha que o Irã está treinando terroristas da Al-Qaeda para atacar soldados norte-americanos no Iraque ganha força. Nas últimas duas semanas sua taxa de aprovação cresceu em média 11% nas pesquisas. Ele agora é visto de maneira positiva por 67% dos eleitores (contra menos de 50% para Obama e Hillary). Mais importante: há um mês McCain perdia para Obama entre os eleitores independentes - ou seja, não-vinculados a nenhum dos dois partidos majoritários e que, no fim, decidem a eleição - por uma diferença de mais de dois dígitos. Agora vence o senador de Illnois com folga neste grupo.

O Instituto Rasmussen, que monitora diariamente a corrida presidencial, oferece os seguintes números para esta terça-feira, em pesquisa feita por telefone em todo o país:

Mc Cain 50% x Obama 41%

Mc Cain 48% x Hillary 43%

Se as eleições fossem hoje, o senador republicano pelo Arizona venceria as eleições no voto popular com mais folga do que Bush em 2000 e 2004. É tanto lixo jogado de um lado para o outro entre Obama e Hillary que os republicanos vão conseguindo o que parecia impossível - seguir no governo.

No entanto, como o voto aqui é decidido pelo Colégio Eleitoral, vale prestar atenção em outro cálculo do Rasmussen: hoje 168 votos iriam para McCain e 157 para o candidato do Partido Democrata, com os 141 restantes indefinidos (mas 80 tendendo para os Democratas contra 61 para os Republicanos). São necessários 270 votos para se chegar à Casa Branca e, por aqui, a liderança ainda é da oposição.

quinta-feira, março 06, 2008

Rolling Stone & Obama

A revista Rolling Stone, que faz uma excelente cobertura política desde a mais recente reformulação a que foi submetida, decidiu, pela primeira vez em sua longa história (inciada em 1971), recomendar aos leitores um candidato presidencial. O artigo de capa, com o título Uma Nova Esperança, é mais do que interessante e pode ser lido, infelizmente apenas em inglês, aqui. O apoio a Barack Obama reflete o entusiasmo do eleitorado jovem com o senador negro de Illinois. A disputa segue animada...

quarta-feira, março 05, 2008

De Volta, no olho do furacão

Depois de um longo e delicioso verão, voltei esta semana para casa. Por aqui só se fala da corrida à Casa Branca, é claro. Hoje, o ex-governador de Nova Iorque, Mario Cuomo, uma das mais respeitadas raposas políticas do Partido Democrata, iniciou uma curiosa peregrinação. Ele passeia pelas redes de tevê à cabo avisando que o senador John McCain, o ungido pelos republicanos, é um candidato tão forte que só será batido pela união dos dois postulantes da oposição: uma chapa Hillary-Obama, não necessariamente nesta ordem. A união de trabalhadores, mulheres e hispânicos (Hillary) com jovens, negros e intelectuais (Obama) seria fundamental pra bater McCain. No momento, Obama tem mais votos populares e delegados do que Hillary, mesmo com as vitórias de ontem no Texas, em Rhode Island e em Ohio. Mas ela venceu em quase todos os estados 'grandes', com exceção de Illinois. Quem vai ceder primeiro? Será que McCain vai crescer com a indefinição democrata? Até que ponto Bush pode ser um fator importante nas eleições de novembro? Será que os eleitores ficarão felizes com um candidato democrata escolhido, depois de tantas primárias, pelos superdelegados, os caciques do partido, na convenção de Denver?

A coisa está animada por aqui...

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Kennedy & Obama

A propaganda abaixo está passando o tempo todo nos estados - como Califórnia e Nova Iorque - que vão às urnas nas primárias democratas da próxima terça-feira. Com a desistência de John Edwards, a disputa ficou ainda mais pesada entre Hillary e Obama. Este último, atrás nas pesquisas em quase todos os estados em jogo na semana que vem, tem atravessado o país com o senador Teddy Kennedy e a filha de J.F.K, Caroline, em uma tentativa de sensibilizar o eleitorado mais progressita e especialmente os de origem hispânica, historicamente próximos dos Kennedy. Infelizmente, tanto Obama quanto Hillary apoiaram os planos de se erguerem muros de proteção na fronteira meridional do país. Neste aspecto, curiosamente, quem sai na frente é o provável - e perigosíssimo - candidato republicano, o 'moderado' senador McCain. No ano passado, ele apresentou juntamente com Kennedy um projeto de modernização do sistema de imigração norte-americano, criticado pela extrema-direita, que viu na proposta uma 'anistia' aos ilegais.

De qualquer modo, a propaganda de Obama, que segue abaixo, com a filha de John e Jackie Kennedy, é um belo trunfo:

sábado, janeiro 26, 2008

Caroline Kennedy

A filha de John Kennedy anunciou publicamente o apoio ao senador Obama em um editorial publicado no New York Times deste domingo. O título? Um Presidente Como Meu Pai. Vale ler a íntegra, em inglês, aqui. O próximo Kennedy a embarcar na campanha do senador negro do Illinois deve ser seu colega de Congresso, Ted Kennedy, extramamente influente em Massachusetts, onde Obama já conta com o apoio do governador Duvall Patrick, também negro.

Um dos trechos do texto de Caroline Kennedy:

Eu nunca tive um presidente que me inspirasse como meu pai as inspirou. Mas, pela primeira vez, acredito ter encontrado o homem que pode ser este presidente - não apenas para mim, mas para toda uma nova geração de norte-americanos.





Obama: Vitória Gorda na Carolina do Sul

Todas as projeções de boca-de-urna apontam uma vitória gorda de Barack Obama nas primárias democratas de Carolina do Sul. Venceu entre os negros, jovens e mulheres. Hillary ficou num distante segundo posto seguida por John Edwards, terceiro em seu estado natal. Fica agora a expectativa de que Edwards possa anunciar o apoio a Obama, que fortaleceria a frente anti-Hillary na super terça-feira de fevereiro, quando mais de 20 estados escolherão seus delegados para a convenção de Denver.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

A Candidata do NYT - Hillary Clinton

Hoje o jornal mais influente dos EUA e um dos mais importantes do mundo ocidental, gostem ou não seus (muitos) críticos, anunciou em editorial o apoio entusiasmado à senadora Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata para a Casa Branca. Com menos alegria, escolheu o 'menos pior' dos Republicanos, o senador John McCain.

O NYT classifica Hillary como 'brilhante', diz que a senadora poderá modificar a atuação e não apenas imagem dos EUA no planeta, danificada pesadamente pelos oito anos de Bush II. O NYT se confessa imensamente impressionado pela entendimento profundo dos temas mais caros aos eleitores, a força do inteletcto e a experiência demonstrada por Hillary, que seria uma forte comandante das Forças Armadas do país. O NYT condena o apoio dado a Hillary para a invasão do Iraque, mas reconhece que é dela o melhor plano para a retirada das tropas norte-americanas de Bagdá.

Ao olhar para o estado do país, o jornal afirma que Hillary tem o melhor plano educacional, e que ela vai colocar a máquina de Washington para ajudar a classe média e os mais pobres, enfrentando a crescente desigualdade social, incrementada na última década. Também a considera 'melhor equipada' para lidar com o ataque às liberdades civis e o precário equilíbrio entre os três poderes da República.

O jornal saúda, com ressalvas, tanto o ex-senador John Edwards ("de oratória feroz, mas fantasioso ao prometer reverter a maré da globalização") quanto o senador Barack Obama ("que construiu uma campanha eletrizante a partir da idéia de mudança, mas ainda se detém em promessas amorfas de uma nova 'maioria' a ser construída, sem explicar de maneira clara como irá governar) e ataca os candidatos republicanos.

Rudy Giuliani é limitado, pouco democrático, vingativo, ambicioso, arrogante, economicamente irresponsável, o político que transformou vergonhosamente os ataques terroristas de 11 de setembro em fonte lucrativa de negócios. Mitt Romney muda de posição em absolutamente todos os temas e é impossível saber o que (ou quem) apóia. E Mike Huckabee é o pastor batista de fala suave que promove um absolutismo anti-imigrante e que colocou, infelizmente, a religião como protagonista de sua campanha.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Angelina Tiririca!

Angelina Jolie deve estar enfezada. Hoje caiu na rede a entrevista em que o ator John Voigt, que venceu o Oscar de melhor ator há 30 anos por Amargo Regresso, sai defendendo com unhas e dentes a candidatura de Rudy Giuliani para a presidência dos EUA. Angelina, que não fala com o pai há anos, é, ao lado de Brad Pitt, entusiasta ferrenha dos Democratas.

Giuliani vem fazendo uma campanha medonha, centrada na política do medo. Ele seria o único capaz de defender a América dos ataques terroristas. Até agora sua estratégia não tem dado certo - ele patina em todas as pesquisas eleitorais - mas o ex-prefeito de NY está concentrando as forças nas primárias da Flórida, que acontecem em duas semanas. E o fiel escudeiro Voigt está zanzando pelo estado fazendo campanha para o amigo conservador. Pobre Angelina!

domingo, janeiro 13, 2008

Obama: alianças à direita

O senador Barack Obama segue em sua tática de atrair os setores mais conservadores do Partido Democrata, que têm horror à candidatura Clinton. Hoje ele anunciou dois apoios importantes na América Profunda, de duas mulheres que despontam como novas estrelas na política nacional. A primeira foi governadora do Arizona, Janet Napolitano, que assinou a legislação mais dura contra a imigração ilegal no país e é adorada pelos republicanos. A segunda é a senador Claire McCaskill, do Missouri, favorável a se erguer muros na fronteira sul dos EUA prevenindo a entrada ilegal de imigrantes mexicanos. Napolitano, por seu caráter conservador, já é cotada para ser candidata a vice-presidente em uma chapa comandada por Obama.

sábado, janeiro 12, 2008

CARTA CAPITAL: A América Em Dúvida

A revista Carta Capital publicou esta semana a reportagem do blogueiro aqui sobre a campanha eleitoral norte-americana. Segue o texto:

A AMÉRICA EM DÚVIDA
EUA: Pela Primeira vem em duas décadas não há um claro favorito à Casa Branca, após as primárias de Iowa e New Hampshire

POR EDUARDO GRAÇA, DE NOVA YORK

Foram apenas cinco dias na posição de favorito no flanco democrata, mas o suficiente para que o jovem senador de Illinois virasse de cabeça para baixo a campanha presidencial dos EUA. Pela primeira vez em duas décadas, mesmo após a contagem dos votos nas primárias de Iowa e New Hampshire, não há um claro favorito na disputa pela Casa Branca em nenhum dos dois grandes partidos nacionais. Enquanto os republicanos lutam para encontrar um nome que contagie suas bases, a oposição democrata vive um momento político histórico, no que vem sendo caracterizado pela mídia como a versão eleitoral do embate entre Muhammad Ali e Joe Frazier.

De um lado do ringue, Hillary Clinton, apoiada pela máquina partidária, incluindo a esmagadora maioria dos caciques democratas e seu marido, o ex-presidente Bill Clinton. Do outro, Barack Obama, ungido pela militância do partido, apoiado por sua ‘nova maioria americana’, que inclui independentes e republicanos desiludidos e pelo candidato derrotado em 2004, John Kerry.

Obama venceu em Iowa, Clinton levou a melhor em New Hampshire. Na peculiar lexicografia política norte-americana, estes são ‘estados púrpuras’, ou seja, não pendem nem para os republicanos (vermelhos) nem para os democratas (azuis). E eleitores independentes estavam livres para votar na primária que preferissem. Daí o significado do número muito maior de votos no flanco democrata do que no republicano. Em New Hampshire, Obama, mesmo perdendo para Hillary, teve 16 mil votos a mais do que John Mc Cain, o vencedor da prévia republicana.

“Há duas certezas até agora nesta campanha. Uma é a de que os republicanos não conseguiram encontrar um discurso que os desembaracem da tragédia dos sete anos de Bush. A outra é o fenômeno Obama, que utiliza o tempo todo em seus discursos o pronome você. Enquanto Hillary diz, com orgulho, que ‘eu fiz isso’, que ‘eu sou importante por aquilo’, Obama oferece um espaço aberto, que você, eleitor, pode preencher do modo que melhor lhe agradar. Esta é sua fortaleza, mas ela pode se transformar em fraqueza se ele não usar logo este momento para estabelecer um pacto com os eleitores baseado em idéias mais claras”, diz o sociólogo Stephen Duncombe.

Um dos idealizadores do movimento Bilionários Por Bush, que carnavalizou a disputa eleitoral de 2004 ao satirizar o apoio dos mais ricos ao candidato republicano, Duncombe viu a explosão do fenômeno Obama de sua janela na Universidade de Nova Iorque, quando uma multidão estimada em 20 mil pessoas ocupou a Washington Square em um comício do senador no ano passado. Celebrado pelo livro Dream: Re-Imagining Progressive Politics in an Age of Fantasy, em que urge a esquerda a reinvestir na iconoclastia em vez de se lamentar pela aparente desimportância dos valores iluministas, Duncombe vê na alegria da militância de Obama a criação de um novo espaço na esfera política do país. “Talvez não tenha sido nem um movimento consciente de Obama, mas seus militantes inventaram um espaço em que os cidadãos podem fantasiar ao mesmo tempo sobre quem é este líder, sobre quem são eles, jovens americanos, e sobre o que são os EUA no século XXI, algo que não se via há décadas na nossa realidade política”, diz.

O arco de alianças estabelecidos por Obama, que recebeu mais votos de independentes do que qualquer outro candidato democrata nas prévias de Iowa e New Hampshire, é uma arma utilizada pela campanha do senador para pedir os votos de eleitores preocupados em escolher o candidato com maiores possibilidades de derrotar os republicanos em novembro. Em todas as pesquisas cabeça-a-cabeça, que opõem um nome democrata a um republicano, Obama vence os adversários por larga margem. Hillary, que tem um índice de rejeição acima dos 40%, empata com Rudy Giuliani e perde para John McCain. Além do ex-prefeito de Nova Iorque e do senador do Arizona, os outros dois candidatos mais fortes da situação são os ex-governadores Mitt Romney e Mike Huckabee. Evangélico, Huckabee vem surpreendendo os analistas com sua campanha sem muitos recursos, mas calcada em valores conservadores. Ainda assim, os dois dados mais notáveis em sua biografia seguem sendo seu ataque à obesidade no país (ele perdeu quase 50 quilos depois de um processo de reeducação alimentar) e o apoio de Chuck Norris, presença constante, riso sempre aberto, em todos os seus eventos.

O desencontro dos republicanos gerou uma enorme expectativa de lançamento de um candidato de terceira via que pudesse se aproveitar da rejeição a Hillary. O nome mais cotado é o do atual prefeito de Nova Iorque, o bilionário Mike Bloomberg, ex-democrata que se tornou republicano e desde o ano passado não tem filiação partidária. Nesta movimentada semana, Bloomberg reuniu-se em Oklahoma com uma série de políticos oriundos dos dois partidos, descontentes com a rivalidade entre os dois partidos que impede votações emergenciais no Congresso. Para azar do prefeito, os holofotes estavam todos voltados para Obama e seu discurso propondo a formação de uma ‘nova maioria para a América’, esvaziando o balão de ensaio de Bloomberg. “A estratégia de s expandir a base democrata com um discurso centrado na mudança de geração e em questões ideológicas, ao invés de raça e classe, é simplesmente brilhante”, diz o professor J.Michael Turner, do Hunter College, um brasilianista que é também uma das maiores autoridades nos estudos afro-americanos na costa leste americana.

Para Turner, os ataques de direita que vêm denunciando Obama como um pseudo-negro, em uma antítese a líderes históricos como o Reverendo Jesse Jackson, carecem de substância. Ao contrário de Al Sharpton, outro negro a tentar a sorte anteriormente nas prévias democratas e que ainda não definiu seu candidato em 2008, Jackson anunciou seu apoio entusiasmado a Obama. E seu filho, o deputado Jackson Jr., é um dos coordenadores da campanha do senador.

A espetacular recuperação de Hillary em New Hampshire (todas as pesquisas de boca-de-urna davam como certa uma vitória substancial de Obama) se deu após a candidata deixar mais aparente um lado feminino mais estereotipado, tanto no debate entre os presidenciáveis – em que ao responder a uma pergunta sobre o fato de ela não ser tão adorada quanto Obama disse que ‘isso me dói fundo’ – quando no desabafo em um encontro público em que quase chorou ao dividir com os eleitores a dureza da campanha e os ataques que vinha recebendo.

Depois de, em Iowa, ficar atrás do senador John Edwards, que segue na disputa com o apoio da maioria dos sindicatos, Hillary sofreu uma série de ataques considerados por veteranos comentaristas políticos dos mais virulentos na história política moderna dos EUA. Sua candidatura foi dada como morta e seu palanque em Iowa – que contava com o ex-marido e nomes ungidos de suas duas administrações, como a ex-Secretrária de Estado Madeleine Albright – traduzido como o prenúncio de uma terceira encarnação política da velha raposa do Arksansas, em oposição ao novo representado por Obama. Pior: as aparições do ex-presidente para salas vazias em New Hampshire levaram os jornais a compará-lo ao Elvis Presley gordo, em fim de carreira, lutando para se manter de pé nos cassinos de Nevada.

A situação pareceu ficar ainda mais tenebrosa quando populares gritaram em um comício de Hillary palavras de ordem machistas, como ‘a senhora deveria estar em casa passando roupa!’. Um dia antes de os eleitores do pequenino estado montanhoso da Nova Inglaterra rumarem para as urnas a histórica feminista Gloria Steinem saiu em defesa da senadora com um artigo na página de opinião do New York Times dizendo que mulheres jamais são favoritas para vencer eleições e afirmando que a primeira semana de caça aos votos em 2008 provara que gênero e não raça era o aspecto mais restritivo da vida política norte-americana. No dia seguinte, de acordo com pesquisas feitas com eleitores nas saídas das sessões eleitorais, Hillary recebeu mais do que o dobro de votos de mulheres do que Obama, em uma reviravolta drástica em relação a Iowa.

A discussão se estendeu à internet, onde a pós-feminista Camille Paglia saiu em defesa de Obama nas páginas da prestigiada Salon. “O desdém de Hillary ao mundo masculino se encaixa perfeitamente no ideário de Steinem. Seu artigo revela o sentimentalismo reacionário de um fossilizado establishment feminista. A história vai julgá-las com severidade por sua obtusa indiferença ética às mulheres da classe trabalhadora e estagiárias que são abusadas e ameaças pelos Bill Clintons, enquanto as Hillarys olham para o outro lado e buscam desmoralizar as vítimas”, atacou.

Mas o momento mais tenso da batalha foi gerado pela tática do “bateu-levou” defendida por Mark Penn, principal e polêmico estrategista da campanha da senadora de Nova Iorque. A fim de explorar a fragilidade do discurso de seu adversário, Hillary jogou duas bombas no quartel-general de Obama. A primeira veio quando a candidata, se apropriando de um discurso até então confinado à campanha do ex-prefeito Giuliani, afirmou não ter sido mera coincidência a ação de terroristas na Grã-Bretanha logo após a posse do primeiro-ministro Gordon Brown em substituição ao experiente Tony Blair (“a Al-Qaeda está acompanhando nosso processo eleitoral atentamente”), sugerindo que a possibilidade de ataques aos EUA seriam maiores em um governo Obama.

“O principal ponto fraco de Obama é justamente sua falta de conhecimento do poder executivo. Ele não teve a chance nem mesmo de comandar o orçamento de um pequeno município. A campanha de Hillary tem explorado este tema aonde quer que ela vá, e com alguns bons resultados”, diz o jornalista David Mendell, autor da biografia Obama:From Promise to Power e que cobre a eleição para o Chicago Tribune.

Depois de Hillary, foi a vez de Bill. O ex-presidente, criticado em editorial pelo New York Times por ‘não se comportar como estadista’ ao embarcar na disputa de forma integral, afirmou que Obama, ao contrário de sua mulher, jamais apresentara qualquer plataforma de governo e mudara de posição em relação a sua condenação à invasão de Iraque, apoiada por Hillary. Já é tempo, anunciou, grave, de se acabar com o ‘conto de fadas’ que havia se transformado a campanha democrata.

Duncombe lembra que, de fato, mais do que a inexperiência – Hillary serviu menos tempo em cargos legislativos do que Obama – o que pesa contra o senador de Illinois é a ausência de substância em seu discurso. “Vejo com certa apreensão o depósito de tamanha esperança em Obama pois não temos, honestamente, a menor idéia de quais são os projetos e as idéias por ele defendidos”, diz.

Para os estrategistas da senadora, um de seus trunfos é a boa aceitação de sua equipe econômica pelo mercado, que espera um postura similar à política de crescimento com responsabilidade fiscal dos anos Clinton. Com Obama, o quadro é bem outro. Seu principal conselheiro econômico é o professor Austan Goolsbee, da Universidade de Chicago. No departamento de Economia da faculdade reinaram três prêmios Nobel que se tornaram campeões do mercado – Milton Friedman, George Stigler e Gary Becker. Mas, distante da catequese conservadora, Goolsbee fala em aumento de salário mínimo, em corte de impostos para a classe média com o objetivo de incrementar a movimentação de capital (em oposição aos benefícios concedidos pelo governo Bush à parcela mais rica da população), num programa de combate à pobreza mais ambicioso do que o de Lyndon Johnson nos anos 60 e até na rediscussão de tratados como o NAFTA, para incrementar questões ambientais e os direitos dos trabalhadores. Em editorial temeroso sobre o que seria um governo Obama em meio a um virtual processo recessivo na economia norte-americana, o conservador The Wall Street Journal afirmou que Goolsbee pretende aplicar o maior incremento de impostos jamais visto no país e que sua política econômica ultra-liberal é o ponto mais fraco de Obama, especialmente no momento em que o foco de atenção do eleitor parece se deslocar da ocupação militar do Iraque para o aumento do desemprego e a ameaça de recessão na maior economia do planeta.

Famoso pelo carisma e pelo tom jovial que remetem ao próprio senador de Illinois, Goolsbee vem tentando acalmar os ânimos do mercado, especialmente nervoso com sua intenção de incrementar os impostos sobre dividendos e ganhos de capital. Em entrevista coletiva dada em New Hampshire, declarou que não aceita a carapuça de ‘ultra-liberal’ e lembrou que as primeiras medidas tomadas pelo governo Bush para ajudar os milhares de americanos vivendo o pesadelo da perda da casa própria foram sugeridas pela equipe de Obama no início de 2007.


Uma evento no Grand Hyatt Hotel, na quarta-feira 9, reuniu em torno de Obama e seus conselheiros econômicos boa parte de Wall Street, cada vez mais fundamental na disputa pelos dólares que manterão os principais candidatos no páreo. Hillary e Obama partem para a disputa com os bolsos cheios.

Nos primeiros 10 dias do ano, Obama arrecadou US$ 8 milhões, ante US$ 5 milhões da adversária. Hillary, por sua vez, arrecadou mais no fim de 2007 e divulgou que tem US$ 25 milhões no banco. E como ninguém espera uma definição antes da super terça-feira de 5 de fevereiro (em que 22 estados realizarão primárias) e muitos já apostam que a decisão será mesmo voto a voto, na convenção de agosto, com os delegados de John Edwards decidindo para quem pesará a balança, a captação de recursos continuará a todo vapor. E será fundamental para definir quem continuará de pé no ringue.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Obama: O Apoio de Kerry

Hoje o senador John Kerry, candidato derrotado por George Bush em 2004, anunciou seu apoio a Barack Obama em um comício em Carolina do Sul. O discurso de Kerry, que teria sido um presidente menos pior de que Bush (o que, convenhamos, não é lá tão complicado assim) foi melhor do que quase todos os seus bons momentos há quatro anos.

O discurso, bonito, está aqui: