Acabei de descobrir:
(Abrigo)
Há uma casa,
como casca,
crosta presa
nas costas.
Cicatriz de um
ninho quente,
vermelho de
fogão de lenha,
infância
onde o homem
já não cabe.
Há uma casa
branca corno
a cal, vazia,
imaterial,
que flutua
no espaço,
onde o corpo
busca guarida
quando a vida
já perdeu
o seu sal.
De: GALVÃO, Donizete. In: Traçados diversos. Uma antologia da poesia contemporânea. Org. por Adilson Miguel. São Paulo: Scipione, 2009.
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quarta-feira, março 25, 2009
domingo, dezembro 14, 2008
ENTREVISTA/Fareed Zakaria, para o Valor Econômico
Na semana que passou o Valor Econômico publicou a entrevista que fiz com a estrela da CNN e da Newsweek, Fareed Zakaria, que acaba de lançar no Brasil seu best-seller O Mundo Pós-Americano. A conversa foi por telefone, em meio ao fechamento da revista semanal que ele edita. Segue o bate-papo e, já pelo título, dá para ver que o homem é extremamente otimista em relação ao Brasil:
Um futuro absolutamente garantido | |||||||||||||||||||||
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York 04/12/2008 | |||||||||||||||||||||
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ENTREVISTA/Ian Buruma, para o Valor Econômico
Faz um tempão desde a última postagem aqui, tenho viajo e trabalhado sem parar. É hora de uma atualização! Neste fim de semana o Valor Econômico, em seu caderno de fim de semana, publicou a entrevista que fiz com o professor Ian Buruma, em um dos dias mais gélidos deste começo de inverno nos EUA. Tive de cruzar quase toda Manhattan para encontrá-lo no Harlem, mas valeu a viagem. Segue o texto:
A Sedutora e o Pensador
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
12/12/2008
A Sedutora e o Pensador
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
12/12/2008
Faz um frio maldoso no fim de outono na ilha de Manhattan. O café do Harlem escolhido para a entrevista por Ian Buruma, um dos intelectuais mais festejados da academia americana, está repleto de cadeiras extras, em que chapéus, casacos, cachecóis e luvas formam amorfas pilhas coloridas. Casaco de couro, gorro usado em dias de frio ártico, Buruma chega ávido por um chá e pronto para conversar sobre o mundo que o cerca, com a exceção das "porções do globo que não conheço. Não tenho absolutamente nada de interessante para falar do Brasil e da América Latina". |
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O aviso é quase respeitado de forma integral. Buruma acaba de lançar nos Estados Unidos seu primeiro romance em 17 anos, "The China Lover" (Penguin.392 págs.), em que utiliza a figura de Yoshiko (ou Shirley) Yamaguchi, uma celebridade japonesa, para tratar do poder da fantasia coletiva no mundo moderno. Sua história é narrada por três homens que em determinado momento da camaleônica vida da diva permaneceram em sua órbita (ela ajudou os americanos a difundir os ideais de democracia no cinema japonês do pós-guerra, zanzou pela Palestina de Arafat, casou-se com o escultor Isamu Noguchi e nos anos 1970 foi eleita para o parlamento por um partido ultra-nacionalista). |
| O único título de Buruma traduzido para o português é "Ocidentalismo: o Ocidente aos Olhos de seus Inimigos" (Jorge Zahar. 168 págs.), publicado em 2004 em parceria com um dos nomes mais respeitados da esquerda israelense, o filósofo Avishai Margalit. O livro - que remete ao "Orientalismo" de Edward Said - tornou-se leitura obrigatória para os interessados em escarafunchar as raízes do pensamento antiocidental, não apenas no Oriente Médio, mas também na China, Japão, Rússia e Alemanha de Hitler. Em seus artigos reproduzidos em "The Guardian" e em livros e palestras ministradas nos Estados Unidos, Buruma, que nasceu na Holanda e viveu na Inglaterra e Japão, tem tratado de modo singular das relações entre Ocidente e Oriente. Professor da cátedra de Democracia, Direitos Humanos e Jornalismo na Universidade de Bard, no Estado de Nova York, ele conversou com o Valor sobre o novo papel dos Estados Unidos no cenário internacional, o significado da eleição de Obama para o restante do planeta e as forças sociais que a crise econômica global pode despertar. |
Valor: Yoshiko Yamaguchi é uma personalidade no Japão, um ícone nacional, mas não é especialmente conhecida nos Estados Unidos. O sr. viveu em Tóquio. Foi lá que entrou em contato com esta personagem tão peculiar e decidiu escrever o livro? |
Ian Buruma: Foi um processo longo, com vários começos falsos. A primeira vez que a vi, era um estudante de cinema na Tóquio dos anos 1970. Estava pesquisando no Arquivo Nacional de Cinema e comecei a ver filmes feitos durante a Segunda Guerra Mundial. E Yoshiko era uma das principais estrelas do cinema japonês. Fiquei de fato impressionado e pensei que ela renderia uma bela história... |
Valor: No Japão, ela virou enredo de uma novela de televisão... |
Buruma: Sim. E também de uma ópera, um musical, e por aí vai. Por isso a idéia de fazer algo ficcional a partir de uma história já tão bem contada pelos japoneses ficou na minha cabeça, mas sem que eu tocasse de fato o projeto. |
Valor: É possível compará-la com alguma personalidade do mundo ocidental? |
Buruma: Ela é um mix de Marlene Dietrich e Leni Riefenstahl. Não consigo pensar, por exemplo, em um equivalente americano. E pensei que talvez pudesse escrever algo sobre ela, um ensaio, nada ficcional. Mas seria difícil fugir da lenda oficial de Yamaguchi, cantada em prosa, verso e muitas biografias no Japão. E pensei, depois de muitas tentativas que não deram certo, que, mais do que sua própria vida, o que de fato me interessava era a maneira como os homens de seu tempo projetavam suas fantasias na figura daquela mulher, como eles a imaginaram. Nunca ficou muito claro até que ponto ela era uma manipuladora de homens ou se eram eles que a transformavam no que bem entendessem. Passei a vê-la como a Lulu da trilogia de [Frank] Wedekind e pensei: Por que não escrever um livro sobre ela a partir da perspectiva de homens que a conheceram em momentos diversos de sua vida, como Lulu? |
Valor: Há 17 anos o sr. não escrevia um texto ficcional... |
Buruma: Para mim, é muito mais difícil escrever ficção. As coisas não funcionam como se eu decidisse que "agora vou escrever um romance". Não, quem manda é o tema. Algumas idéias são claramente melhor exploradas como biografias, outras como ensaios, outras como críticas, outras como ficção. Por exemplo, meu livro anterior, "Murder in Amsterdam" (Penguin. 288 págs.), é uma não-ficção em que uso técnicas de romance para contar a história de Theo Van Gogh e falar sobre os limites da intolerância. |
Valor: O hibridismo entre realidade e romance o interessa especialmente? |
Buruma: |
Valor: E como foram seus contatos com Yoshiko? |
Buruma: Cheguei a entrevistá-la algumas vezes para publicações americanas. Uma das últimas vezes em que nos falamos, por telefone, foi logo após os atentados de 11 de setembro em Nova York. |
Valor: Qual foi a reação dela? Depois da guerra, ela se aproximou de Yasser Arafat e conviveu de perto com o pensamento islâmico antiocidental mais radical... |
Buruma: Você não vai acreditar, mas a conversa que tivemos foi completamente banal. Ela disse apenas "mas que mundo estranho é este em que vivemos, não?" e nada mais. Acho que seria de esperar uma resposta assim. Ela, de certo modo, viveu qual um fantasma. Uma mulher extremamente elusiva e, ao mesmo tempo, aberta a que outros a reinventassem o tempo todo. |
Valor: Um de seus temas mais constantes é a interação, e os choques, entre o Ocidente e o Oriente. "The China Lover" apresenta um Japão que mudou depois da ocupação americana. No caso do Iraque, pode-se fazer alguma comparação? |
Buruma: Os neoconservadores gostam de fazer essa comparação, mas são situações completamente diversas. O Japão atacou os Estados Unidos e perdeu uma guerra. A maioria dos japoneses se sentiu grata pelo fato de os americanos se proporem restaurar o país, oferecendo-lhes mais liberdade. O Iraque é um outro cenário. Não sei ainda se a ocupação trará algo de positivo para a sociedade iraquiana. Ainda é muito cedo para afirmar que há algum progresso em áreas específicas. Um claro avanço é que Saddam Hussein já não está no poder. Mas os custos para tal mudança talvez tenham sido muito altos. E se a saída das tropas americanas no ano que vem levar a uma guerra civil sangrenta, estará configurada uma catástrofe sem tamanho. |
Valor: O sr. acredita que, depois dos anos Bush e das ocupações do Afeganistão e do Iraque, ainda existe espaço para o intervencionismo americano, a la Bósnia, em locais como o Sudão? |
Buruma: O cenário, hoje, é muito mais complexo. Mas não quero dizer que casos extremos não oferecerão uma oportunidade para o intervencionismo americano. A Bósnia é um caso em que considero a intervenção necessária. Mas muitas vezes essas ações acabam levando a situações piores do que as que existiam. Digo mais, acho que seria muito fácil as forças armadas americanas transformarem o Sudão em um lugar ainda pior do que é hoje. É preciso entender que a situação em países como o Sudão é muito mais complicada do que a velha idéia de que mandar soldados vai resolver algo. Existem problemas insolúveis. No caso do Sudão, não quero dizer que é melhor não fazermos nada. Mas também sou cético a respeito de qualquer idéia simplista de que homens armados vão resolver algo. |
Valor: Como o governo Obama, com Hillary Clinton como secretária de Estado [era uma possibilidade na ocasião da entrevista], lidará com o xadrez geopolítico? |
Buruma: Não acredito que eles tentem um novo experimento, algo como invadir outro país, usar força militar, depois do que aconteceu no Iraque, com a premissa de que se trata de disseminar democracia. Acho que haverá uma política de retrocesso em termos de invasões armadas, o que é uma boa notícia para o mundo. |
Valor: E a ajuda material a grupos oposicionistas em países como Birmânia? |
Buruma: Não creio que isso possa acontecer. Um sinal do novo mundo multipolar é que, na Birmânia, por exemplo, os jogadores com poder de fogo são a China e a Índia. E se eles não quiserem se mexer, e aposto que os chineses não estão nem um pouco interessados em mudanças na Birmânia, há muito pouco que os Estados Unidos possam fazer no Sudeste Asiático. |
Valor: Há um aparente consenso aqui nos Estados Unidos de que a crise financeira internacional ratificou uma nova ordem mundial, mais multipolar, em que grandes democracias populares, como Índia e Brasil, e potências autocráticas, como China e Rússia, têm mais voz. O presidente Lula chegou a dizer na reunião das 20 maiores economias, em Washington, que o Grupo dos 8 (reunião dos países mais ricos do planeta) hoje é irrelevante... |
Buruma: O poder econômico que um país como a China hoje tem faz com que eles necessariamente sejam considerados um parceiro primordial planetário das economias ocidentais. Mas não há como questionar o fato de que esta nova posição dos chineses diminui o poder de pressão sobre os abusos aos direitos humanos por lá. Isso significa que os Estados Unidos e a Comunidade Européia terão de parar de tratar de questões como os direitos individuais e a democratização da China? De forma alguma. Mas nossas expectativas serão ainda mais limitadas a partir de agora. Melhoras nesse setor terão de vir, necessariamente, de dentro do regime. Dificilmente forças extra-Pequim poderão fazer alguma diferença. |
Valor: Há, na chamada civilização ocidental, e voltamos aqui ao caso da ocupação do Japão, mas também da redemocratização da Alemanha e da Itália, exemplos contrários a essa tese logo após o fim da Segunda Guerra Mundial... |
Buruma: Sim, mas são maus exemplos, no sentido de que, ali, governos totalitários atacaram democracias e perderam uma guerra. Esses três países foram dizimados e houve clara cooperação da maior parte da população na reinvenção de suas nações. Eles partiram do nada e entenderam que não havia nada melhor do que liberdade e democracia para reemergirem no cenário mundial. Mas esses casos são raríssimos. As novas potências totalitárias dão menos espaço para as democracias ocidentais exportarem suas idéias. |
Valor: No caso específico dos tibetanos, por exemplo, que acabaram de discutir uma nova atitude frente a Pequim... |
Buruma: Não vejo como os governos ocidentais possam intervir nesse caso. Não há ninguém dentro do Tibet, hoje, com capacidade para comandar os tibetanos e iniciar um movimento. Seria então o caso de apoiar de forma mais decisiva o governo tibetano no exílio, na Índia? Mais do que apoio moral ao Dalai Lama, seria tolo para as potências ocidentais apoiarem qualquer tentativa de golpe ou provocações. Mais uma vez, neste caso, não há como se criar um movimento de fora para dentro. Não vejo a menor chance de isso acontecer, especialmente agora, com a crise econômica, que aumentou a importância das boas relações entre os Estados Unidos e a China. O governo Obama não pode nem pensar em colocar em risco a relação Washington-Pequim. |
Valor: O sr. escreveu em artigo recente que padrões culturais não podem ser usados como argumento para a China negar a seus cidadãos direitos básicos... |
Buruma: O que os governos ocidentais podem fazer é apoiar grupos que lutam pela defesa dos direitos humanos, fiscalizar as corporações ocidentais atuando na China, obrigando-as a tratar os trabalhadores de forma decente. Mas não tem jeito. No fim, mudanças terão de vir dos chineses. |
Valor: E o sr. acredita que elas virão? |
Buruma: Sim, embora talvez em um ritmo bem lento. Mas a crise poderá afetar também a velocidade das mudanças. Na China, elas são relacionadas ao humor da classe média nos grandes centros urbanos. Enquanto o regime permitir que continuem prosperando, não há haverá qualquer rebelião. Mas se a situação econômica se deteriorar, tudo muda de figura. |
Valor: Grande parte da população brasileira se beneficiou de programas de combate à pobreza e do aumento do valor das matérias-primas no mercado global. Há o receio de que a crise possa levar de volta para a miséria milhares de cidadãos em países em desenvolvimento. Como o sr. vê essa questão? |
Buruma: Com apreensão. Há o risco de um aumento de populismo, tanto de direita quanto de esquerda. Mais personagens como Hugo Chávez e lideres radicais de direita, com plataformas nativistas, antiimigração, ganharão terreno. Há um risco real de que isso ocorra nas democracias mundo afora. |
Valor: E quanto à Rússia? O país foi um personagem interessante nas eleições americanas, com as declarações pró-Georgia de John McCain e a mensagem desafiadora do presidente Dmitri Medvedev para o recém-eleito Obama... |
Buruma: Novamente, as aspirações de ajudar a Rússia a se tornar mais democrática devem ser mínimas. São assuntos domésticos. Teremos que lidar com a Rússia de Medvedev e Putin. E eles vêm agindo de uma forma bem russa, por assim dizer, ora olhando para a Europa, ora para suas raízes asiáticas. Aqui também, mudanças serão muito difíceis, ainda que por razões diferentes. Usar força militar contra a Rússia está completamente fora de questão. E ser um antagonista por princípio não ajuda a ninguém. É preciso ser muito cuidadoso, por que lidar com a Rússia também significa pensar em nossas atitudes em relação à Ucrânia, à Geórgia. É uma tolice sem tamanho convidar esses dois países a fazer parte da Otan se você não está preparado para usar a força no caso de uma invasão militar. É injusto para com a população desses países. Uma injustiça dividida com os líderes desses países, que garantem a seus eleitores a "proteção da Otan". |
Valor: E o projeto do governo Bush de instalação de um novo sistema de defesa antimísseis em países como Polônia e República Tcheca, que até os anos 1980 estavam na esfera de influência de Moscou? Aparentemente, há uma indefinição sobre a continuidade desse projeto na gestão Obama. |
Buruma: Muito provavelmente, trata-se de outra tolice. |
Valor: O sr. escreveu recentemente que a Obamamania reabilitou a imagem dos Estados Unidos na Europa. O sr. acredita que a vitória de Obama trará mudança também para as relações entre os Estados Unidos e a Europa? |
Buruma: Sim. Símbolos são importantes. E a esperança de uma nova autoridade americana ajuda a nós todos. Creio que ele ajudará a criar maior cooperação entre os países do mundo ocidental e também aumentará o prestígio da idéia de democracia liberal. É inegável que, com sua eleição, Obama deu à maior democracia ocidental mais credibilidade. Mas ele não é a resposta a todos os problemas do planeta. Para resumir, acho que, com Obama, ficou um pouquinho mais fácil encontrar um consenso planetário. |
Valor: A provável escolha de Hillary Clinton para comandar a política externa do governo Obama foi uma decisão sábia do novo presidente? [Quando da entrevista, a escolha de Hillary não estava confirmada] |
Buruma: Creio que sim. Ela tem experiência e é uma personalidade planetária. Não há quem não saiba quem ela é. Há muitos fatores positivos e alguns negativos, um deles o conflito de interesses entre sua nova posição e as atividades profissionais de seu marido. Embora a imagem de Bill Clinton no exterior não seja ruim. No fim, acho que não é uma má escolha. |
Valor: Quando o senhor apresenta casos de direitos humanos em seu curso, além do totalitarismo chinês e russo, das doenças sociais no mundo em desenvolvimento, os abusos cometidos pelos Estados Unidos estão na pauta do dia? |
Buruma: Sim, claro. E embora eu, propriamente, não tenha dado aulas sobre Abu Ghraib e Guantánamo, por exemplo, vários de meus colegas têm sido especialmente enfáticos sobre essas contradições. A eleição de Obama muda também, creio, a percepção dessas questões por aqui. Mas, por exemplo, o que será feito de Guantánamo? Não é uma questão simples de resolver. Você não pode mandar os prisioneiros de volta sem saber o que acontecerá com eles em seus países de origem. Como julgar essas pessoas? Não é possível sequer usar a Corte Internacional em Haia, já que os americanos não reconhecem sua função máxima. Com que direito, então, você os julgará? Não são respostas simples. Não basta fechar as portas daquela prisão e pronto, acabou. Essa é uma herança terrível que o futuro governo receberá dos anos Bush. E, creio, vai ser uma constante nos primeiros anos do governo Obama. |
Valor: O sr. acabou de fazer uma série de conferências na Universidade de Princeton sobre as relações entre religião e democracia nos Estados Unidos, na Europa, no mundo islâmico, no Japão e na China... |
Buruma: Essas palestras serão transformadas em um livro com publicação prevista para o ano que vem. Procurei analisar as inúmeras tentativas de se separar religião e poder político nessas civilizações e a dicotomia entre liberdade religiosa e mecanismos utilizados para impedir a religião de se tornar um instrumento importante na luta pelo poder. |
Valor: O sr.encontrou algum modelo ideal? |
Buruma: Todos os modelos que pesquisei têm problemas. É claro que preferiria viver no Reino Unido do que na Arábia Saudita, mas não há caso perfeito na relação entre religião e democracia. Um dos aspectos mais interessantes do mundo contemporâneo é justamente o fato de que países como Turquia, Malásia e Indonésia, por um lado, vêm se modernizando a passos largos, e por outro passam por um processo de islamização, um certo populismo islâmico, que não é, necessariamente, antidemocrático. Fui à Turquia no verão e irei à Malásia em fevereiro. Creio que minhas próximas investigações ficarão mais concentradas nesse tema. |
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sexta-feira, agosto 29, 2008
VONNEGUT

Saiu no Valor Econômico de hoje minha reportagem sobre Armageddon in Retrospect o livro editado por Mark Vonnegut com alguns dos primeiros escritos de seu pai, Kurt Vonnegut (1922-2007), um dos maiores escritores da literatura contemporânea nos EUA e ferrenho crítico da ascensão neo-conservadora em Washington.
Segue o texto (o livro está aqui ao lado, na prateleira):
Os papéis de Vonnegut
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
29/08/2008
Vonnegut: "A invasão do Iraque o deixou especialmente angustiado. Ele não conseguia entender como uma 'guerra' havia começado sem que sequer houvesse de fato um 'inimigo' ideológico", diz o filho
Quando Kurt Vonnegut morreu, em abril de 2007, aos 84 anos, lidava com a dificuldade de esquematizar aquele que poderia ter sido seu derradeiro romance. A idéia do autor de "Matadouro 5", considerado um dos marcos da literatura americana do século XX, era a de contar a história de um comediante, diz em entrevista exclusiva ao Valor o pediatra Mark Vonnegut. "Mas papai não conseguia de jeito algum fazer com que o protagonista ficasse engraçado!", revela o médico, que estreou também como autor, com aplausos da crítica, em 1975, com "The Eden Express: a Memoir of Insanity". No livro, Mark dividia com os leitores sua experiência com a esquizofrenia. Pouco mais de um ano depois da morte de Kurt, coube ao mais novo dos Vonnegut editar "Armageddon in Retrospect", livro póstumo que reúne escritos, desenhos e pensatas de um dos intelectuais mais francos na oposição à invasão do Iraque pelo governo Bush e à ascensão dos neoconservadores em Washington.
"Um Homem sem Pátria", o livro anterior de Vonnegut, reunia ensaios políticos e textos recheados de excentricidade, como o que propunha uma releitura de "Hamlet", de Shakespeare, a partir de códigos matemáticos. Em comunhão com a obra anterior, "Armageddon" apresenta alguns de seus desenhos (sobre um deles, um círculo laranja, ele escreve, em cor-de-sangue: "Aqui nos EUA é assim - vitoriosos contra derrotados. E o resultado está sempre arranjado". A capa traz um auto-retrato rabiscado à mão e um de seus mais famosos símbolos - o desenho (literal) de um asshole (metáfora para "estúpido") por ele popularizado em outro de seus clássicos, "Café-da-Manhã dos Campeões", de 1973. O grafismo dialoga de forma irônica com o título do livro. Nas páginas seguintes, alguns dos primeiros textos escritos por Vonnegut, ainda em meio à turbulência da 2ª Guerra Mundial.
Curiosamente, o filho do escritor demorou a se convencer da necessidade de publicação da obra, que substituiria o romance inacabado: "Não tinha certeza sobre se meu pai realmente gostaria que esses escritos fossem publicados e achei melhor deixá-los descansando em paz. Mas nunca achei que tivesse poder de fato para interromper sua publicação." O médico, que vive no subúrbio de Boston, concordou apenas em ler os escritos que o agente do escritor havia selecionado para "Armageddon in Retrospect". "Aí eu literalmente me apaixonei pelo material. É incrível a qualidade do que ele já escrevia naquela época. Tudo o que aconteceu em Dresden cristalizou a sua literatura", afirma.
Foi em Dresden que Vonnegut presenciou os terríveis acontecimentos mais tarde narrados em "Matadouro 5". Descendente de alemães radicados nos Estados Unidos, ele se viu prisioneiro de guerra na cidade germânica bombardeada exaustivamente por americanos e britânicos em 1945. Sobrevivente de uma carnificina que tirou a vida de até 135 mil pessoas, Vonnegut transformou seu livro mais celebrado em um acerto de contas com a própria consciência (por que ele, entre tantos, não perecera?), ao mesmo tempo em que ofereceu de forma crua seu entendimento da morte e da crueldade humana.
Sobrevivente da Segunda Guerra, escritor dizia que "a maior diferença entre Bush e Hitler" era "o fato de que o alemão foi eleito"
"Nós dois tínhamos essa cumplicidade muda, não precisávamos sequer conversar sobre o tema para entender que eliminar vidas e destruir cidades são atos que raramente levam a algo positivo. Mas a invasão do Iraque o deixou especialmente angustiado e frustrado. Ele não conseguia entender como uma 'guerra' havia começado sem que sequer houvesse de fato um 'inimigo' ideológico", revela Mark. O mais impactante dos 11 capítulos de "Armageddon" é justamente o dedicado ao bombardeio aliado de Dresden. Vonnegut faz um ataque à noção de que gestos nobres (o fim do nazismo) possam justificar atos hediondos. No dia-a-dia da guerra, todos estão errados ou, como prefere: "Estou convicto de que o tipo de justiça que aqui aplicamos, bombardeando populações inteiras, é blasfemo."
Usou a mesma lógica ao analisar a política americana no Oriente Médio logo após a controversa eleição de George W. Bush em 2000 e o 11 de Setembro: "A maior diferença entre Bush e Hitler é o fato de que o alemão foi eleito." Outra de suas "boutades" era destinada aos que teimavam em importuná-lo sobre a injustiça de não ter recebido o Prêmio Nobel. Mark lembra que ele dizia, em tom conspiratório, ter sido esnobado pelos acadêmicos por causa de sua crítica veemente ao primeiro carro Saab lançado pela fábrica sueca. "O que posso dizer tanto sobre o Nobel quanto sobre a relação de papai com a 'New Yorker' é que muitas vezes ele considerava seu nível de comunicação com o leitor tão visceral que, de alguma maneira, acabava desqualificando-o, deixava-o em uma posição menor do que a do escritor sério que ele sabia ser", comenta Mark. Essa relação íntima com o leitor o levou a ser esnobado por setores da intelligentsia e visto como um ingênuo até por seus pares.
Gore Vidal, que depois se tornaria um amigo próximo, descreveu-o certa vez, reza a lenda, como "o pior dos escritores americanos". Maldade do liberal, que muitas vezes se encontraria entrincheirado com o socialista à moda antiga em batalhas contra a boçalidade reinante. E se os escritos sobre o cotidiano no império que o deixara "apátrida" fazem o leitor estabelecer contato com as razões do dissidente em "Um Homem sem Pátria", as histórias de "Armageddon" nos levam à guerra de forma direta, ao campo de batalha, a viagens no tempo e até - na história que dá titulo à coleção - a uma tentativa de ludibriar o diabo para se criar um planeta menos doente. "Não creio que ninguém de fato consiga chegar a um consenso consigo mesmo após viver uma experiência real de guerra, como aquela a que papai sobreviveu. Escrever o ajudava a preencher a vida, a entendê-la como uma experiência completa", analisa Mark, autor de emocionante introdução ao livro.
"Armageddon in Retrospect", ainda sem lançamento previsto em português, pode ser comprado na Livraria Cultura (www.livrariacultura.com.br ) por R$ 45,66.
sábado, junho 14, 2008
Leitura de Sábado: Entrevista com Gore Vidal
Ótima a entrevista publicada hoje no jornal espanhol El Mundo com um dos maiores intelectuais americanos, o escritor Gore Vidal, 82 anos. O título? Ainda Vai Levar Um Século Para Repararmos Todo o Mal Que Bush Fez.
Em determinado momento ele diz que a eleição de John McCain significaria a continuação do governo de Junta Militar, no 'pior estilo latino-americano' que têm nos comandado ultimamente.
A entrevista completa, infelizmente apenas em espanhol, pode ser conferida aqui.
Alguns destaques:
* "O Império está se acabando porque o dinheiro desapareceu"
* "Sigo tendo minhas dúvidas em relação a Obama. No início, pensei que ele era o maior demagogo da paróquia desde Martin Luther King. Depois ele subiu em meu conceito com o discurso sobre raça que fez. Ele, pelo menos, é inteligente, o que já seria uma bela novidade na Casa Branca"
* "A Espanha têm as touradas, nós a tortura de estrangeiros"
* "Os escritores contemporâneos não têm a menor noção de História, passam o tempo todo escrevendo sobre eles mesmos"
* "Vivemos em um país que me dá medo. Deixamos para trás a República e nos esquecemos da Constituição"
* "Hoje temos um presidente tão preguiçoso que não lê sequer os resumos que seus assessores lhe preparam"
* "McCain me lembra muito de George Bush. Ele seria o prolongamento deste governo de Junta Militar, no estilo da América Latina, que tem nos governado"
sexta-feira, junho 13, 2008
PERFIL/SALMAN RUSHDIE

Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
Depois de uma hora ouvindo sir Salman Rushdie, sai-se do encontro mais entusiasmado com a criatura do que com sua mais nova criação. Não se trata de depreciação gratuita. "A Encantadora de Florença" (Companhia das Letras), o décimo romance do escritor britânico de 60 anos, que chega às livrarias brasileiras em novembro, é uma delícia de ler. Se não é uma obra-prima como "Os Filhos da Meia-Noite", oferece uma eletrizante aventura pelos três continentes no ocaso da Idade Média, em meio a conflitos entre Ocidente e Oriente, ao mesmo tempo em que se revela uma ode ao prazer de contar histórias. "Contamos histórias sobre nós essencialmente para entendermo-nos. Elas são o coração do ser", diz o escritor.
Ele encara uma multidão de fãs no lançamento da obra em uma livraria no coração nervoso de Nova York. Vinte anos depois da publicação de "Os Versos Satânicos" e da declaração de fatwa do aiatolá Khomeini, afirmando ser dever de todo muçulmano eliminar o "escritor herege", não deixa de surpreender a falta de policiamento ostensivo no local. Rushdie não parece preocupado. Gripado ou alérgico, trajando um longo sobretudo negro apesar do calor fora de época em plena primavera, lê um trecho do livro passado em meio à histórica Batalha de Chaldiran, em 1514. Pára repetidas vezes, assoa o nariz, mas segue em frente, vitorioso diante do silêncio da platéia. Seus personagens se mesclam a figuras históricas e fica evidente o prazer do historiador formado em Cambridge em revelar de onde retirou determinada informação.

Rushdie escreveu esse romance no mesmo momento em que o casamento com a atriz - agora apresentadora de um dos maiores sucessos da TV paga americana, o reality show "Top Chef", do canal Bravo - Padma Lakshmi, de 38 anos, sua quarta mulher, chegava ao fim. Ele já disse que, de certa forma, escrever o livro que começa na Itália renascentista do século XVI e passeia por 50 anos de história na Índia, Pérsia e Turquia, salvou sua vida. Estar naqueles confins perdidos de história era "mais confortável" do que na vida real.
O projeto do livro, porém, é mais antigo. Foram sete anos de estudos revelados em uma bibliografia de mais de 80 títulos. "Tive de fazer uma pesquisa detalhada, por exemplo, sobre o 'Kama Sutra'. O capítulo 4 é um espetáculo, eu recomendo! E há pelo menos outras três narrativas fundadoras do estudo da sexualidade no Oriente. E, neles, exatamente como no 'Kama Sutra', há uma ênfase na preparação, nos cremes, nos preparados. Não posso dizer que eles de fato ajudam na hora do vamos ver, porque não fiz uma pesquisa tão empírica assim, mas todas essas narrativas já são puro realismo mágico", conta, com humor.
Rushdie se diverte ao revelar que, em "A Encantadora de Florença", trechos que os leitores pensarão ser um recurso estético advindo do realismo mágico que ele tanto admira são, de fato, pura história. E vice-versa. Um dos mais saborosos é o da rainha hindu inventada por Akbar, o Grande, o maior dos monarcas do Império Mughal, para a corte muçulmana, tornando-se o primeiro soberano da Índia pré-moderna a valorizar a tolerância religiosa. Rushdie lembra que, na Índia, acredita-se piamente na existência física de tal rainha. Qualquer criança sabe que a mulher de Akbar, o Grande, foi a rainha Jodha, uma figura, entretanto, inexistente nos anais da história.
"O livro parte da idéia de que o mundo não mudou. Os homens não estão diferentes. Religião é um negócio tão sangrento quanto há cinco séculos"
Outras figuras históricas surgem na narrativa, incluindo um certo Nicolau Maquiavel. "A Encantadora de Florença" também pode ser lido como uma conversa imaginária entre Maquiavel e Akbar, que, em um intervalo de 50 anos, refletiram sobre variados aspectos do exercício do poder e do bem-fazer público na era dos príncipes. Rushdie revela que almejou recuperar a reputação do italiano. "Maquiavel não estava nem um pouco errado sobre a natureza humana. Ele era um republicano exemplar, um sujeito íntegro que jamais se curvou à corrupção, um homem que foi cruel e direto com os príncipes amorais de seu tempo", afirma. "Sua obra-prima é uma formulação condensada do exercício do poder naquele momento histórico. Ele também era bem-humorado, autor das comédias mais populares da Itália de então. E, ao falar sobre alguém que foi tão demonizado em seu tempo, não consegui deixar de ter uma certa simpatia por ele, não é?", diz, piscando o olho.
Muito alto, com movimentos elegantes, Rushdie transpira o humor e a mágica que povoam seus romances. Quando pensa em Maquiavel, remete tanto à celeuma causada pelos exemplares de "Versos Satânicos" queimados por muçulmanos irados quanto à percepção, por parte do público, de que ele é mais uma personalidade do que um autor de obras fundamentais da literatura contemporânea, como "Os Filhos da Meia-Noite", única a receber duas vezes o prestigioso Booker Prize (em 1981, como livro do ano, e em 1995, como o melhor em 25 anos de premiação).
"Não quero ser um 'talking head', que fala sobre todos os assuntos nos jornais", diz. Mas refuta críticas de que "A Encantadora de Florença" seja seu trabalho mais apolítico. "O livro parte de minha idéia de que o mundo não mudou tanto assim. Os homens não estão tão diferentes. Religião é um negócio tão sangrento quanto o era há cinco séculos. O quão constante é a natureza humana - e aqui incluo também, por favor, todos os aspectos positivos da humanidade - é talvez o tema que mais me interesse. É o que me faz escrever."
Para um homem daquele tamanho e com a história que carrega, seu sorriso manso, suave, quase pedindo licença para ocupar o ambiente, deixa o público intrigado. A imagem de um ser "mais sombrio do que a escuridão", na autodepreciação do escritor, passa longe da personalidade mundana revelada nessa noite quente de Nova York. Aqui ele está mais próximo do dublê de ator bonachão (Rushdie interpreta um ginecologista no primeiro filme dirigido pela atriz Helen Hunt, "The She Found Me", lançado este ano) do que do pomposo cavaleiro da coroa britânica.
"A Encantadora de Florença" teve uma recepção díspar pela crítica especializada dos dois lados do Atlântico. Lançado primeiro na Grã-Bretanha, o livro foi recebido por especialistas como John Sutherland com toda a pompa. No "Financial Times" ele chegou a dizer que "se o Booker Prize não o escolher como melhor livro do ano, vou marinar minha prova com curry e comê-la em um jantar de protesto". Nas terras da rainha, louvou-se este como "o mais novo manifesto de Rushdie pelo poder transformador da narrativa".
Já a inteligência americana, sempre refratrária ao menor traço de melodrama, foi dura. No "New York Times", Michiko Kakutami escreveu que o livro é uma "paródia previsível", em que o melhor de Rushdie - suas analogias políticas em que uma família pode ser a metáfora de uma nação, como em "Os Filhos da Meia-Noite" - é substituído por "ruminações filosóficas sobre o artesanato de escrever ficção e as relações entre arte e vida". Rushdie não segue mais interessado na sugestão de que não houve só um Renascimento, mas dois. E tal peculiaridade histórica pode nos ser deveras útil. Entre as passagens de "A Encantadora de Florença", uma das mais pungentes é quando a rainha Jodha lembra que "os ocidentais são o nosso sonho. E nós, por sua vez, a quimera deles". Impossível não imaginar o sorriso de sir Rushdie ao criar essa fala.
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