sexta-feira, novembro 24, 2006

Diretinho da Redação (50)


O texto da semana, que já está no DR, é sobre a morte de meu querido Robert Altman, diretor de filmes fundamentais para se entender os Estados Unidos.


Publicada em: 23/11/2006

MORRE O ÚLTIMO GRANDE DIRETOR DE HOLLYWOOD
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Poucos foram capazes de decifrar com tamanha exatidão estes estados mais ou menos unidos. Poucos compreendiam tão bem o paradoxo do país-continente e da vida ensimesmada dos que teimam em permanecer com o queixo enterrado no próprio umbigo. Ainda me lembro da sensação de felicidade, vergonha e ironia que impregnou a sala de cinema na primeira sessão do primeiro dia de lançamento aqui em Nova Iorque de seu mais recente filme, ainda em cartaz no Brasil, A Praire Home Companion, um retrato preciso da vida modorrenta e mágica do coração dos EUA.

Robert Altman nasceu em Kansas City, no Missouri. Endereço mais americano não há. Aos 81 anos de idade, podia passar a mão pelos cabelos brancos e dar uma risada de esgueio, a cabeça deslizando pescoço abaixo, ao contemplar uma obra que inclui, para citar apenas meus favoritos, Nashville, Mash, McCabe&Mrs. Miller, Kansas City e Gosford Park. Altman morreu nesta segunda-feira, de câncer, em Los Angeles. E vem recebendo tributos de famosos e fãs, de gente que conseguiu entender como o povo daqui levou George W.Bush por duas vezes à Casa Branca revendo Nashville, de acadêmicos gratos pelo adjetivo ‘altmanesco’, uma tradução para os diálogos rápidos e que se dão ao mesmo tempo na tela, utilizado especialmente em Mash, um por cima do outro, igualzinho à vida real.

O grande Elliott Gould, uma das estrelas de Mash, disse ontem que, com a morte de Altman, desaparecia o último grande diretor de cinema norte-americano, na tradição de John Ford. E ponto final. Ao ouvir Gould não há como não deixar de pensar que o épico, a amplitude nada generosa da paisagem americana se traduzia, em Altman, no detalhe, na velocidade e exatidão do diálogo, na vontade de correr riscos que o levaram a muitos erros em sua carreira de mais de 40 filmes – mas também a deliciosos acertos, e imedietamente me vêm em mente obras de assinatura indiscutível como Short Cuts e O Jogador, e há tantas outras, o que não há mais é tempo.

Quem sabe Gould tenha tentado dizer que Altman era o representante derradeiro de um panteão de criadores cinematográficos apaixonados essencialmente por seus atores, fascinados pelo artesanato da atuação. Não é mero acaso que sua última obsessão nas telas tenha sido Meryll Streep, a maior das atrizes de Hollywood, com quem iria voltar a filmar no ano que vem. A semana fica mais triste, os EUA mais pobres e os espectadores de cinema mais solitários em suas cadeiras com a morte do querido Robert Altman

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