Mostrando postagens com marcador books. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador books. Mostrar todas as postagens

sábado, novembro 10, 2007

Entrevista/JAMES MOLLISON



A Folha de S.Paulo publicou hoje, na capa do suplemento Mais!, a entrevista que fiz com o fotógrafo James Mollison, autor da genial biografia The Memory of Pablo Escobar. O texto segue abaixo, as fotos, apenas uma pequena amostra do que o livro traz, são de Mollison.

A verdade das mentiras


AUTOR DE "A MEMÓRIA DE PABLO ESCOBAR", QUE TRAZ FOTOS E DEPOIMENTOS INÉDITOS, JAMES MOLLISON DIZ QUE, AINDA HOJE, NEM A JUSTIÇA DA COLÔMBIA CONSEGUE SEPARAR O QUE É REALIDADE E O QUE É LENDA EM TORNO DA VIDA DO TRAFICANTE, MORTO EM 1993


EDUARDO GRAÇA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK


Fotógrafo britânico nascido no Quênia, James Mollison, 34, ficou conhecido do grande público pelo lançamento, há três anos, de "James and Other Apes" [James e Outros Símios], uma reunião de retratos comoventes de chimpanzés, gorilas e orangotangos que rendeu uma exposição no Museu de História Natural de Londres, além de um festejado livro de mesmo nome [ed. Chris Boot, 120 págs., US$ 19,95, R$ 35].
Catorze anos depois da morte de Pablo Escobar, ele agora se debruça sobre a trajetória do capo do Cartel de Medellín em "The Memory of Pablo Escobar" [A Memória de Pablo Escobar, ed. Chris Boot, 368 págs., US$ 60, R$ 104], que apresenta pela primeira vez fotografias da intimidade do traficante colombiano.

Graças a uma coincidência, Mollison, que havia viajado à Colômbia para realizar um ensaio fotográfico sobre a narcoarquitetura (as mansões de gosto duvidoso financiadas pelo dinheiro do tráfico de drogas), descobriu no edifício Monaco, principal casa de Escobar, bombardeada pelo Cartel de Cali e hoje sede da Procuradoria-Geral de Medellín, uma bolsa repleta de imagens, uma compilação dos arquivos da polícia que não batiam com a imagem de extravagância que se tinha de Escobar.
"Havia algo de patético e esquálido. Claro, as imagens de armas, brinquedos eróticos, esconderijos e telefones casavam bem com aquela figura presente no imaginário popular, o clichê do clichê do Scarface de Al Pacino. Mas havia também os chinelos de Mickey Mouse, as fotos de família, a de toda a gangue jogando futebol ou bebendo e dançando na discoteca da prisão por ele construída -tudo parecia tão comum", conta Mollison, em entrevista dada por e-mail de sua casa em Veneza, na Itália.

Às imagens sucederam as indagações: como aquele homem conseguira o direito de construir sua própria prisão? Onde estavam aquelas mansões luxuosas de que havia ouvido tanto falar? Quem, de fato, era Pablo Escobar? Sentado no antigo quarto de dormir do barão da coca, Mollison conta que teve a certeza de que havia uma discrepância entre o mito do gângster, o "mais perigoso criminoso que o mundo jamais viu", e a realidade. Escobar lhe pareceu mais complexo e menos glamouroso do que imaginara anteriormente. Para tentar "juntar os pedacinhos de sua história sugerida por aquelas fotografias", Mollison entrevistou, ao lado do jornalista Rainbow Nelson, britânico radicado na Colômbia, mais de cem pessoas em dois anos. Colecionou imagens e depoimentos que tornam "A Memória de Pablo Escobar" um estudo contundente sobre a violência urbana, a debilidade do Estado e as contradições da sociedade civil latino-americana.

FOLHA
- Escobar chegou a encabeçar a lista de procurados do FBI [polícia federal dos EUA], viveu recluso durante anos e ainda assim seu livro contém uma série riquíssima de imagens. Quão difícil foi convencer pessoas próximas a ele -família, amigos, amantes- a ajudá-lo na tarefa de documentar a trajetória do traficante?
JAMES MOLLISON - Logo no início do projeto tomei a decisão de que queria abraçar todos os lados da história: amigos, família, a polícia, comparsas, as vítimas. Mas foi extremante complicado encontrar pessoas que pudessem nos contar sua história, até porque boa parte dos que conviveram com ele havia sido assassinada pela polícia ou por seus inimigos. De um modo geral, todos os que combateram Escobar ficaram mais do que animados em dividir suas histórias comigo. Já amigos e família tiveram de ser convencidos de que este seria um livro que abordaria outros ângulos além do clichê do "mais rico e violento gângster de todos os tempos", como acontecera antes. Foi importantíssimo falar diretamente com os envolvidos, dado o grau de desinformação que existe na Colômbia sobre Escobar, incluindo a Justiça. Você simplesmente não pode confiar no que lê nos documentos do sistema judiciário ou nos jornais. Decidir o que é de fato verdadeiro é quase impossível. Mesmo agora, com o processo de pacificação do país, é arriscado acreditar nas informações que são divulgadas porque há muita gente interessada em que a verdade nunca seja de fato revelada. Um dos entrevistados me disse que a verdade ainda é um produto muito perigoso na Colômbia.

FOLHA
- Algumas das imagens mostram os anos em que Escobar se envolveu com a política...

MOLLISON - Esse é o único momento de sua vida, entre 1981 e 82, em que há abundância de imagens. Escobar era um mestre em apagar as pistas de sua passagem por qualquer lugar e, de maneira metódica, procurou destruir todos os registros de sua vida. Mas, honestamente, o livro é uma prova de que é impossível fazer uma contabilidade visual da vida de Pablo Escobar de forma compreensiva. Por isso, considero o que reunimos uma coleção fascinante de fragmentos de sua vida.

FOLHA
- É verdade que Escobar planejou se candidatar à Presidência da Colômbia?

MOLLISON - Quem nos contou sobre a candidatura foi Jamie, primo de Escobar. Ele adorava poder, e acho que o plano de se tornar presidente da República era mais uma fantasia -um exercício sobre o que o poder o traria de vantagens pessoais- do que um objetivo concreto.

FOLHA - Quais são as principais revelações sobre ele apresentadas no livro? MOLLISON - Diria que o livro preenche certas lacunas de sua trajetória. Um exemplo foi nosso encontro com o rapaz que dirigiu a motocicleta no assassinato do então Ministro da Justiça, Lara Bonilla, executado em 1984, deflagrando um dos mais violentos capítulos da história colombiana. Ele esmiuçou o planejamento do atentado, inclusive revelando detalhes mundanos, como a preparação da moto, que teria de ter um botão para que a luz do farol desligasse com apenas um clique. Outra revelação, feita por Popeye (Jairo Velásquez, chefe de segurança de Escobar e um dos poucos sobreviventes do Cartel de Medellín), esclareceu finalmente como se deu a destruição da sede da polícia secreta colombiana, o DAS (Departamento Administrativo de Segurança), em 1989, causando a morte de 89 pessoas. Ela foi executada de forma ousada, com um ônibus contendo oito toneladas de explosivos, o volante atado e um tijolo colocado no acelerador, sendo jogado contra o prédio.

FOLHA
- Durante sua pesquisa, chegou a perceber a importância do Brasil para os cartéis colombianos, não apenas como mais um mercado consumidor mas também como rota de saída da droga para o hemisfério Norte?

MOLLISON - O livro é mais centrado nos primeiros anos do tráfico de cocaína, incluindo o período em que a droga passava por Norman's Key, a ilha das Bahamas que Carlos Lehder (o visionário do cartel que adorava John Lennon) comprou para ser a parada estratégica do tráfico, ao lado de Miami. Também é importante mencionar que, embora rotulado como um grande "barão da droga", Escobar foi de fato um gângster exclusivamente interessado em se tornar o homem mais poderoso de Medellín. E Medellín estava no centro da explosão da cocaína na virada dos anos 1980. Mas ele não era um estrategista em busca de novas rotas, e sim alguém interessado em oferecer proteção, capital e segurança para aqueles que faziam o tráfico.

FOLHA
- Em 7 de agosto, foi preso em São Paulo o megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía. Ele não é um personagem do livro, mas comprova o fôlego do tráfico na Colômbia ainda hoje. Algo mudou de fato desde a morte de Escobar?
MOLLISON - Diria que a morte de Escobar não foi sentida no tráfico de cocaína, pois o preço da droga caiu ainda mais desde então. Um dos entrevistados disse que nada mudou de fato, a não ser que anteriormente os corpos apareciam nas ruas e, hoje, são enterrados. Creio que a indústria mudou no sentido de que Escobar fazia parte da primeira geração de traficantes, na virada dos anos 70 para os 80, aquela que acreditava ter descoberto "o petróleo branco", que seria legalizado mais dia, menos dia. Ele mantinha um zoológico, a maior atração turística da região, e colecionava carros antigos. Hoje os barões da droga colombianos dirigem Renault Twingos para não chamar a atenção. Escobar achava que ele era como a família Kennedy, que fizera fortuna durante os anos da Lei Seca, nos EUA.

FOLHA - O sr. acredita que a tragédia do narcotráfico na América Latina pode ter fim?
MOLLISON
- A criminalização da cocaína está no núcleo do problema. Em uma de minhas temporadas na Colômbia, durante o trabalho de pesquisa, gastei US$ 10 mil com despesas de aluguel de apartamento, motorista, tradutor e alimentação. Com aquele dinheiro, compraria dez quilos de cocaína em Medellín. Se eu os carregasse comigo de volta à Itália e vendesse no mercado europeu, receberia 1 milhão. Com tal margem de lucro, sempre haverá gente disposta a entrar no tráfico.
O mesmo digo para a violência: nos primeiros anos de domínio de Escobar, o cartel obtinha US$ 26 milhões por vôo! E até hoje é usado para financiar os paramilitares e as Farc. Assim, é quase impossível acabar com a produção. A única possibilidade seria reduzir a demanda, e não há qualquer sinal de que isso esteja ocorrendo. Os consumidores de cocaína no Ocidente não estão muito preocupados com o fato de que o consumo está ligado à violência na América Latina. Muitos do consumidores são profissionais liberais que não acreditam estarem prejudicando suas vidas ao cheirar cocaína.

FOLHA
- O que nos leva à questão da legalização...

MOLLISON
- Acontece que essa não é uma opção realista. Você jamais conseguirá convencer a maioria conservadora nos EUA ou a classe média britânica de que a legalização da cocaína seria um preço ideológico justo a pagar pelos milhares de mortos na América do Sul.
Veja bem, nenhuma das terríveis ações praticadas por Escobar pode ser justificada pelo fato de que acreditava que a cocaína seria liberada a qualquer momento; mas, se isso tivesse ocorrido, o curso de eventos seria certamente outro.

FOLHA
- Virginia Vallejo, repórter que se tornou amante de Escobar e foi entrevistada para o seu livro, lançou neste ano "Amando a Pablo, Odiando a Escobar", em que revela os laços de amizade entre o traficante e o atual presidente da Colômbia, Álvaro Uribe -que negou ter tido relação com os líderes do Cartel de Medellín. O sr. se deparou com algo semelhante em sua investigação?

MOLLISON
- Não encontrei nada específico. Uribe foi, por pouco tempo, prefeito de Medellín e logo em seguida governador de Antioquia, cuja capital é Medellín. Ora, é quase certo que algum contato ocorreu. Aparentemente Escobar esteve no enterro do pai de Uribe.


FOLHA
- Qual a principal diferença entre a Colômbia de Escobar e a de Uribe?
MOLLISON - Houve um momento -da metade dos anos 80 à metade dos 90- em que Escobar estava de fato em guerra aberta contra o Estado, e toda a população colombiana foi afetada de modo brutal. Não tenho dúvidas de que para o público em geral e para os turistas o cenário é melhor hoje. Mas o problema das drogas não mudou muito, e a violência continua.


FOLHA - Em sua pesquisa, o sr. ouviu de pessoas próximas a Escobar que ele era assertivo quando falava da origem do boom do narcotráfico na Colômbia e culpava os Peace Corps, uma agência federal do governo norte-americano, pela popularização da droga...
MOLLISON
- Não se tratou de uma decisão deliberada, mas a lógica era a de que quanto mais voluntários chegavam à Colômbia e "descobriam" a cocaína, a nova droga, mais o tráfico ganhava poder, pois consideravam-na excitante e a levavam para os EUA, criando de fato a demanda.


FOLHA - O sr. diria que personagens como Escobar e Fernandinho Beira-Mar, no Brasil, são frutos das falhas das sociedades democráticas estabelecidas na América Latina durante a década de 80?
MOLLISON
- Diria que Estados debilitados, enfraquecidos, oferecem mais facilidades para o trabalho de criminosos.


FOLHA
- Livro editado, o sr. conseguiu responder a sua pergunta central? Quem foi, afinal, Pablo Escobar?

MOLLISON - Não. Não posso responder de fato a essa pergunta. Ele foi um homem diferente para cada pessoa que passou por sua vida.
Para sua família, era um homem repleto de amor, idolatrado como um deus vivo, a ser obedecido o tempo todo. Seus parceiros no Cartel de Medellín o temiam. As famílias de suas vítimas o odiavam intensamente. Ele queria ser o rei de Medellín. E o que mais me assombrou foi sua capacidade de se indignar com qualquer ataque a seus amigos e a sua família ao mesmo tempo em que cultivava um descaso ímpar pela vida das outras pessoas.

sexta-feira, outubro 26, 2007

ENTREVISTA/Chris Anderson


O Valor Econômico publicou hoje minha entrevista com o jornalista Chris Anderson, editor-chefe de uma das revistas mais interessantes dos EUA, a Wired. Aí vai:

A era dos mercados infinitos
Por Eduardo Graça, para o Valor
26/10/2007


Ele foi um dos primeiros a usar a internet, muito antes de a "Wired", revista da qual é editor-chefe, ser lançada em 1993. Chris Anderson, de 46 anos, acredita que a melhor definição para tecnologia é "a capacidade de dar poder ao indivíduo para modificar o mundo". Um típico libertário do Vale do Silício, opositor ferrenho a qualquer interferência governamental na vida dos cidadãos, o ex-editor de tecnologia da revista "The Economist" lançou neste ano um dos livros mais comentados no mundo dos negócios: "A Cauda Longa" (Campus/Elsevier, 256 págs., R$ 57,50). A obra nasceu como uma pesquisa sobre as transformações na indústria musical, transmutou-se em um artigo, o mais comentando da história da "Wired", e finalmente chegou às livrarias anunciando o fim do monopólio da sociedade de consumo de massas e o apogeu dos mercados infinitos.

O título do livro refere-se à sua apropriação da convencional curva de demanda utilizada pelos economistas: no topo estão os hits, na cauda os produtos de aceitação menor. O raciocínio convencional é o de que é preciso fazer que a maioria dos consumidores se dirija para a cabeça da curva, pois é mais custoso trabalhar um número maior de produtos. Anderson propõe que a máxima não vale mais no mundo da sociedade de nicho.

A diminuição dos custos com a distribuição de bens tem modificado essa curva de forma radical - um novo animal surge, com a cabeça cada vez mais diminuta e a cauda mais extensa. Parece conversa de ficção científica? De sua casa, em São Francisco, Anderson jura que não há nada de anormal no fenômeno que afeta a indústria cultural tal qual a conhecemos, assim como nossa noção de identidade nacional e a maneira pela qual nos expressamos politicamente.

Fã do ministro Gilberto Gil, o jornalista, que participa em São Paulo de um seminário sobre o futuro da economia mundial durante a ExpoManegement, conversou pelo telefone com o Valor.


Valor: Não é uma ironia imensa o fato de seu livro, que trata do fim da era dos blockbusters, ter se tornado um best-seller?
Chris Anderson: Sim, mas esta é apenas uma das ironias sobre o livro. Há muitas outras. Pense no fato de eu trabalhar para a mídia convencional, como a "Wired", a maior revista de tecnologia do planeta, parte da Condé Nast, por sua vez a maior editora de publicações jornalísticas dos Estados Unidos, que vende mais de dez milhões de revistas todos os meses. Mas esse é meu trabalho diurno. De noite, você me encontra celebrando a economia do nicho em meu blog, na micromídia, nos meus escritos.

Valor: Ou seja, o mundo mais especializado, muitas vezes mais sofisticado, vive hoje lado a lado com a velha sociedade de massas que imperou durante o século XX...
Anderson: Sim, não se trata de anunciar a morte da economia de consumo de massas e sua substituição por algo mais segmentado. Mas é o momento de constatar o fim do monopólio dos blockbusters. Isso acabou. Hoje é preciso considerar a extensão e o tamanho da cauda do mercado e não apenas sua cabeça gigantesca.

Valor: O sr. acredita que sociedades mais periféricas, com poder de consumo mais reduzido, como o Brasil, vivem esse fenômeno de forma igualmente intensa?
Anderson: Se estamos pensando no poder de escolha do consumidor, é claro que faz uma diferença grande se considerarmos o poder de compra e o acesso à internet em cada país. Quanto mais renda você tem, acompanhada do acesso à rede de computadores, mais oportunidade você terá de fazer parte do mercado segmentado e essa equação pode ser problemática quando pensamos no chamado mundo desenvolvido. Mas, por outro lado, a demanda mundial por produtos oriundos dos mercados ditos periféricos aumentou muito. Um exemplo claro é a cultura brasileira. Todos querem consumir cultura brasileira, de um modo ou de outro, no mundo desenvolvido. A audiência global - e o potencial número de consumidores - para tudo o que for ligado ao Brasil cresceu incrivelmente nos últimos anos. E são consumidores que não tinham acesso a esses produtos, como, por exemplo, a gigantesca produção musical produzida no país ou mesmo o esporte.

Valor: Hoje um americano pode assistir a um jogo de futebol da Copa Libertadores da América em tempo real tanto na TV quanto na internet...
Anderson: Exatamente! No novo mercado, consumidores de todo o mundo podem entrar em contato com aspectos específicos da vida de outros países de uma forma inédita. Pense na "diáspora do críquete". Trata-se de um esporte completamente obscuro nos EUA. Mas hoje temos aproximadamente 40 milhões de pessoas oriundas da Índia, do Paquistão, da Austrália, Nova Zelândia e Grã-Bretanha, países em que o esporte é muito popular, trabalhando e vivendo por aqui, embora não concentrados em uma única região do país. Pois bem, agora essa gente toda - um mercado considerável em qualquer estimativa - pode ver os jogos de críquete em tempo real. É uma audiência global para um típico produto da sociedade de nicho.

"Vejo Gilberto Gil como antídoto à velha economia dos blockbusters. Nós o vemos como modelo para os brasileiros e para o planeta".

Valor: O sr. viaja ao Brasil pela primeira vez. Há alguma expectativa em se aprofundar em relação a casos típicos do mercado segmentado no país?
Anderson: Ficarei no Brasil apenas por algumas horas e não acredito ser possível fazer maiores reportagens. Fui convidado pessoalmente para o evento pelo ministro Gilberto Gil e minha única expectativa é a de tentar me encontrar com ele e ouvi-lo um pouco. Em 2003 a "Wired" foi uma das patrocinadoras de um show em benefício do Creative Commons, projeto elaborado pelo professor Lawrence Lessing, da Universidade de Stanford, que gera instrumentos legais para titulares de direitos autorais, como Gil, liberarem sua obra para usos dos mais variados. E ele se apresentou com David Byrne. Gil está constantemente em nossas páginas, por ter colocado o Brasil na posição de pioneiro na adoção do Creative Commons no mundo e por sua visão lúcida sobre a nova realidade dos direitos autorais na sociedade do remix. Ele está em meu radar por um longo tempo. Ele é único ao representar hoje, ao mesmo tempo, a cultura do remix, a cultura popular, a cultura segmentada. Gil entende a importância da diversidade em todos os níveis, não apenas no cultural. Vejo-o como um antídoto à velha economia dos blockbusters e, por isso, nós o vemos como um modelo não só para os brasileiros, mas para o planeta. Não vejo a hora de encontrá-lo.

Valor: Gil é um dos maiores nomes da música popular brasileira e o sr. iniciou a pesquisa de "A Cauda Longa" justamente pela indústria musical...
Anderson: É que este é um dos mercados em que variedade, por incrível que pareça, era um item raro antes da explosão do mercado de nicho. O Wal-Mart vende hoje cerca de mil títulos musicais em CDs. Mas na internet há algo estimado como 3 milhões de faixas disponíveis legalmente nos serviços de venda digital. A indústria musical é um exemplo claro do blockbuster desagradando tanto ao consumidor quanto ao artista. Foi ao perceber o tamanho do mercado musical localizado na "cauda" da curva de consumo que as majors da música teimavam em ignorar que encontrei a idéia para escrever o livro.

Valor: Em seu blog o sr. tratou com especial interesse da decisão da banda inglesa de rock Radiohead de vender seu novo trabalho exclusivamente na internet e de deixar para os compradores a tarefa de definir o preço a ser pago, incluindo a possibilidade de baixá-lo gratuitamente...
Anderson: Esse movimento reflete o cada vez mais diminuto poder do modelo de venda de música tradicional, criado pelas grandes gravadoras. Trabalhar as músicas no rádio e colocar CDs nas melhores lojas do gênero não vale mais. O formato digital permite maior flexibilidade na hora de estabelecer os custos do produto. A indústria musical não é mais simplesmente fundamentada na venda de músicas. Seu produto, atualmente, é a venda de performances. O Radiohead ganhará muito mais dinheiro em seus shows, levando as pessoas que ouviram suas músicas para os estádios, do que com a venda online. A Madonna acabou de encerrar um contrato de décadas com uma grande gravadora para fechar com uma produtora de eventos musicais. Os Rolling Stones faturam mais de 90% de seu orçamento com as turnês mundiais. O iPod é hoje parte importantíssima da indústria musical do século XXI, embora completamente ignorado pelas grandes gravadoras.

Valor: Mas não há o risco de esse mundo maravilhoso das opções sem fim enterrar a possibilidade de identificação nacional por meio de um produto específico da indústria cultural, fenômeno típico da sociedade de massas?
Anderson: Você está correto. Fragmentação, inevitavelmente, impõe uma diminuição no poder de atração da cultura popular.

Valor: Penso, no Brasil, no caso da diminuição crescente da audiência das telenovelas, que nos anos 1970 e 80 foram, talvez mais do que qualquer outro produto da indústria cultural local, o termômetro social e político do país...
Anderson: Nos Estados Unidos dos anos 1950 os americanos estavam todos vendo "I Love Lucy" e se encontravam como nação, de certa maneira, naquele programa. Mas nós não podemos limitar nossa identidade como nação àquela cola poderosa que nos gruda ao aparelho de TV. Não existe mais apenas uma cultura nacional, uma cultura de massa. Mas este é apenas um aspecto de nossa cultura. E vai haver sempre algo, creio, que nos unificará como nação. No Brasil, por exemplo, pode ser a seleção nacional e a Copa do Mundo. A televisão, certamente, não o será mais. Ela só existia daquela maneira porque a oferta de produtos era diminuta.

Valor: Aplicando esta regra para o mundo da política o senhor acredita que a sociedade de nicho nos faz cada vez mais interessados em pessoas que representam certos interesses específicos e menos em partidos políticos que ainda trabalham com a idéia de representação de classe social?
Anderson: Sem dúvida alguma. Em cada país, obviamente, o impacto da sociedade de nicho tem um peso diferente. Nos EUA, ao contrário do Brasil, temos um sistema de bi-partidarismo que é o oposto exato da possibilidade de escolhas. A limitação é óbvia, mas cada vez mais aumenta o número de eleitores e políticos que não se identificam mais com partido algum, como o prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, ou o próprio governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, adeptos de uma política mais granular, distantes de modelos estanques. Em geral, mesmo em países que vivem um sistema de partido único, como na China, ou de dezenas de legendas, como no Brasil, os eleitores pensam hoje de forma mais independente, menos ligada a cânones estabelecidos de cima para baixo. Hoje em dia acho que não podemos mais pensar na massa popular, e sim nas massas populares, que competem entre si em busca de mais representatividade. Não estou profetizando o fim da sociedade de massas, e sim a deterioração de seu protagonismo, de seu monopólio, em todos os setores de nossa sociedade.










sexta-feira, agosto 24, 2007

LIVRO/Obama, de David Mendell


O Valor Econômico publicou no caderno deste fim de semana meu texto sobre a biografia que o ótimo repórter do Chicago Tribune, David Mendell, lançou por aqui na semana passada sobre o senador Barack Obama, quiçá o primeiro presidente negro dos EUA. Conversei com Mendell duas vezes e o perfil que ele me ofereceu de Obama - a quem acompanha desde os primeiros tempos no legislativo estadual de Illinois - é o de um homem obcecado em diminuir a agonia dos miseráveis do Império, mas também vaidoso, egocêntrico e que elaborou meticulosamente sua ascensão política. O texto segue abaixo:

Carismático e egocêntrico

Por Eduardo Graça, para o Valor
24/08/2007
Para autor de biografia, Obama não é mais o mesmo: "Ele se moveu para a área moderada, que o deixou mais presidenciável, distante do início de sua trajetória", diz Mendell


O maior fenômeno eleitoral da política americana contemporânea é um advogado calculista, obcecado em conter o avanço da pobreza em seu país, com traços autoritários de caráter e que planejou a chegada à Casa Branca levando em conta a possibilidade de se projetar como vice-presidente em uma chapa liderada pela senadora Hillary Clinton. Lançado na semana passada, "Obama: from Promise to Power" é o resultado dos cinco anos em que o repórter David Mendell, do "Chicago Tribune", seguiu cada passo do democrata Barack Houssein Obama para oferecer um raio X impressionante daquele que pode se tornar o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.


Alto, cabelos negros repartidos ao meio, nariz aquilino e pronunciado, Mendell conversou com eleitores de todos os naipes no lançamento de seu livro, em um evento realizado na semana passada no Bryant Park, em Manhattan. O resultado de sua investigação é bem diverso dos dois volumes autobiográficos - "A Audácia da Esperança" e "Dreams from My Father" (inédito no Brasil) - lançados nos últimos três anos pelo senador de Illinois. Uma das principais surpresas é a revelação de que o chamado grupo de Chicago, incluídos aqui os poderosos assessores David Axelrod e Jim Cauley, traçou um ambicioso plano político logo após o famoso discurso de Obama na convenção do Partido Democrata em 2004, em Boston, quando do lançamento da fracassada candidatura de John Kerry. A idéia era prepará-lo para disputar a Presidência já em 2008.


Escondeu-se do público que o político era um fumante inveterado até que ele deixasse o cigarro de lado, definiu-se que o gabinete em Washington seria voltado para abastecer a imprensa de seus feitos legislativos e preparou-se nos mínimos detalhes uma viagem ao Quênia, terra natal de seu pai. "Em Nairóbi, ele foi recebido como uma entidade, uma deificação. Algo inédito na nossa cena política que causou enorme impressão nos repórteres americanos que o acompanharam", conta Mendell.


A estratégia, de acordo com o repórter, uma das estrelas do "Chicago Tribune" desde 1998, incluía a possibilidade de ele sair como vice na chapa de um democrata mais experiente, possivelmente a senadora Hillary.


"Hoje uma chapa Hillary-Obama parece distante, especialmente por conta dos embates que os dois vêm protagonizando e pela lógica de que, no fim, eles disputam os mesmos eleitores e não agregariam votos", explica Mendell. "Tanto Hillary quanto Obama precisam de mais votos entre os eleitores masculinos de origem caucasiana. Mas a estratégia de Obama considera essa possibilidade e ele sabe que, se for convidado publicamente, não terá como explicar à comunidade afro-americana a desistência de tentar ser o primeiro negro vice-presidente do país."


O Obama que surge em "From Promise to Power" lembra menos o herdeiro de John Kennedy apresentado por seus aliados e o aproxima mais de duas habilidosas raposas políticas - Ronald Reagan e Bill Clinton. Nenhuma contradição aqui. "Os dois surgiram com mensagem de otimismo, os antípodas da burocracia de Washington, o novo necessário para reagrupar um país dividido", lembra Mendell. E, como os dois, Obama teria um temperamento bem menos afável de perto do que deixa transparecer em eventos públicos.


De forma jocosa, o repórter abre o livro com Obama ultrapassando as barreiras de segurança da convenção de Boston, sendo recebido aos urros pelo público e se comparando a LeBron James, um dos maiores astros da NBA. "Eu sou LeBron! Posso jogar nesse nível. Sou um craque", teria dito, ao entrar na arena.


Outro ponto alto do livro é o perfil apresentando de Michelle Obama, a mulher do senador. "Ela funciona bem ao mostrar ao senador que ele não está certo o tempo todo. Na prática, ela é a única a exercer esse papel", conta. Mendell revela que um dos maiores receios de Michelle é com a segurança do maior líder político negro do país. Há até discussões abertas sobre ajuda financeira à família em caso de um atentado político contra Obama: "Não penso nisso todo dia, mas a possibilidade está lá e eu preciso garantir que meus filhos ficarão seguros se o pior acontecer", diz.


Filho de um africano com uma americana branca criado no Havaí, Obama sempre se sentiu alijado da comunidade negra nos Estados Unidos. "Foi o que o impulsionou a trabalhar nos projetos habitacionais em Chicago e conseguir uma série de benefícios para os moradores, em sua maioria negros. Mas logo ele percebeu que poderia fazer mais se fosse, por exemplo, prefeito. Imediatamente ele traçou um plano que incluiu a prestigiosa Faculdade de Direito de Harvard, onde se graduou, e entrou decididamente na política local".


Dali para a surpreendente vitória na candidatura ao Senado e as aspirações presidenciais seria um pulo. "Ele parece ser o candidato que acredita de fato, com uma fé cega, que deveria estar na Casa Branca. Obama está convicto de que será um grande presidente", afirma Mendell. O repórter não tem dificuldade alguma para recitar as qualidades que detectou no senador ao acompanhá-lo de perto - carismático, fantástico orador, sério, ético e com uma capacidade de se cercar de pessoas extremamente competentes (o que se revela na sua arrecadação recorde de fundos). E sua obsessão em atacar de frente a crescente desigualdade social americana, de acordo com o jornalista, nada tem de hipocrisia social. Sua missão central, acredita, é a de comandar um gigantesco combate à pobreza, em uma extensão ainda maior do que o último grande projeto tocado por Washington nesse sentido, durante o governo de Lyndon Johnson.


Mas Mendell também não é econômico ao revelar os pontos fracos do político. Na capa da edição de setembro da revista masculina "GQ", uma das mais influentes em seu segmento, Barack Obama é direto: "Estou na corrida presidencial para vencer, quero vencer e acredito que vou vencer. Mas também vou sair desta campanha intacto. Continuarei sendo Barack Obama e não uma paródia de mim mesmo."


Ora, Mendell lembra que o Obama que ele conheceu há três anos já não é o mesmo a desejar a Casa Branca com tanto ardor. Sua chegada ao Capitólio forçou-o a uma acomodação política. "Ele se moveu claramente para uma área mais moderada, mais de centro, que o deixou mais presidenciável, distante do início de sua trajetória. E agora ele tem de lidar com a horda de jornalistas o seguindo para todos os cantos. A irmã dele me contou que desde então o senador costuma passar alguns dias inteiros sozinhos, em silêncio absoluto, nada acessível, selecionando cuidadosamente possíveis interlocutores, expressando uma desconfiança que não havia anteriormente", relata. Mendell ainda o descreve como "severo, egocêntrico e propenso a humilhar interlocutores menos preparados intelectualmente". "E algumas vezes eu percebi uma certa ingenuidade, por exemplo, em encarar o quão cruel e cínico o mundo é. Obama é o otimista eterno e prefere enxergar apenas o lado bom das pessoas", completa.


"From Promise to Power", com suas 406 páginas, revela-se uma fonte imprescindível para os interessados em descobrir quem é, afinal, o homem que quase não compareceu à convenção do partido que oficializou a candidatura de Al Gore em 2000 porque não tinha como pagar a passagem de avião e se transformou no candidato que vem tirando o sono dos Clinton no verão de 2007. O livro ainda não tem lançamento previsto no Brasil, mas já pode ser encomendado na Livraria Cultura, em São Paulo.

domingo, junho 03, 2007

PERFIL/Khaled Hosseini

O Valor Econômico publicou neste fim de semana meu perfil do escritor norte-americano de origem afegã Khaled Hosseini. Mais conhecido por seu campeão de vendas O Caçador de Pipas, que vendeu quase 1 milhão de exemplares no Brasil, o romancista, que nasceu em Cabul, lançou aqui em NY na semana passada seu segundo livro, Mil Sóis Esplêndidos, que deve chegar às livrarias brasileiras no fim de agosto. Meu encontro com Hosseini foi no quarto andar da B&N da Union Square, em meio a fãs (em sua maioria adolescentes do sexo feminino) que gritavam desesperadamente seu nome. Um pouco assustado, ele encontrou tempo para conversar sobre seu método de trabalho, sua visita ao Afeganistão depois de 17 anos de exílio e sua opinião sobre a permanência das tropas da OTAN, estacionadas em seu país desde a invasão norte-americana de 2001.


Autor de
O Caçador De Pipas Lança Novo Livro


Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor

Houve um momento no verão de 2004 em que era impossível pegar o metrô em Nova Iorque sem esbarrar em pelo menos um leitor de O Caçador de Pipas por vagão de trem. A medida do sucesso do primeiro livro de Khaled Hosseini, lançado há quatro anos, pode ser dada também de forma mais exata – seus 4 milhões de exemplares vendidos até o mês passado. Ou ainda pela multidão que invadiu a maior livraria do sul da ilha de Manhattan na semana passada para conseguir um autógrafo do escritor afegão naturalizado norte-americano no lançamento nova-iorquino de seu segundo livro, Mil Sóis Esplêndidos, que chega às livrarias brasileiras em agosto. “Pode parecer exagero, mas eu tenho certeza de que ninguém se surpreendeu mais com o sucesso do Caçador de Pipas do que eu mesmo”, diz Hosseini, 42 anos, mais jovem, mais alto e menos tímido do que a maioria de seus fãs esperava.

Rosto angular, cabelo negro muito curto, Hosseini ainda parece mais o médico da Califórnia do que o campeão de vendas que verá no fim deste ano suas criaturas mais famosas, Amir e Hassan, na tela grande, na versão cinematográfica de O Caçador de Pipas, sob a batuta de Marc Foster, do ótimo Mais Estranho Que A Ficção. Nos últimos dois anos e meio, no entanto, ele deixou a medicina de lado para dedicar-se especialmente à literatura. “Meu primeiro livro retratou, em certa medida, um triângulo amoroso entre personagens masculinos. Quando ainda estava escrevendo O Caçador de Pipas já sabia que o segundo seria uma história de amor entre personagens femininos, novamente no Afeganistão. Queria especificamente escrever sobre a mulher afegã. Sobre a dureza de ser uma mulher no Afeganistão dos últimos anos”, filosofa.
Mil Sóis Esplêndidos, titulo de um de um poema do século XVII, uma ode à antiga Cabul da época do Império Durrani e da formação do moderno Afeganistão, conta a história de Mariam e Laila, e se passa entre 1970 e 2003. As personagens principais, exatamente como Amir e Hassan, são separadas por classes sociais, mas acabam se encontrando ao casarem-se com o mesmo homem e passarem, juntas, pela sucessão de conflitos que destruíram o país natal de Hosseini – a invasão soviética em 1979, a resistência islâmica, a guerra civil com os talibãs e a ocupação da OTAN desde 2001 – e suas implicações na vida cotidiana das duas mulheres. “Vejo o livro como um tributo pessoal ao heroísmo, à coragem e à impressionante resistência das mulheres afegãs. Mas é também uma crônica da violência brutal e das perdas que, para elas, parecem não terminar nunca. É este sentimento de impotência e desespero que, no fim das contas, une estas mulheres”.

Mariam é a filha ilegítima de um rico empresário da cidade de Herat, no extremo ocidental do país. Laila nasceu em berço esplêndido, mas passa por poucas e boas até ser forçada ao matrimônio como opção para fugir da prostituição. Rico em imagens, o livro já teve os direitos cinematográficos adquiridos pelo produtor Scott Rudin (de As Horas e Notas sobre um Escândalo). “Em O Caçador de Pipas utilizei em grau muito mais elevado minha própria memória, cenas que ficaram em minha cabeça durante a infância em Cabul, como a do mercado de pulgas. O processo de Mil Sóis foi radicalmente diverso”, conta, resgatando uma das cenas mais fortes do livro.

Hosseini nasceu em Cabul, filho de um diplomata e uma diretora de colégio público. Seu pai trabalhava na embaixada em Paris quando os soviéticos atravessaram a fronteira com seus tanques em 1979. Ele tinha 11 anos. Toda a família recebeu asilo político nos EUA e, de certa maneira, ele revela, O Caçador de Pipas proporcionou-lhe um súbito reencontro com a dura realidade do Afeganistão, que havia se tornado um lugar distante, sem qualquer proximidade emocional para o doutor da Califórnia.

Ele retornou à capital afegã em 2003, pouco antes de lançar o livro. “Tinha saído de lá há 17 anos e era apenas mais um exilado voltando para a sua cidade natal. Mas minha Cabul não existia mais. Bairros inteiros haviam sido completamente destruídos e o número de pessoas mutiladas e de viúvas era brutal. No centro da cidade, crianças choravam e pediam dinheiro. Lembro-me que disse a meu cunhado, que viajou comigo, que não agüentaria duas semanas. Senti-me exatamente como o Amir quando ele volta para o Afeganistão. Era decididamente um turista, um outsider. Mas depois fui me aclimatando e o povo de Cabul me tratou tão bem que me senti novamente em casa”, revela.

A diferença entre a Cabul de O Caçador de Pipas, cujo desenlace se dá a partir das memórias um narrador vivendo na distante Califórnia, e a sempre presente cidade agonizante de Mil Sóis, é radical. E se O Caçador de Pipas conquistou seus leitores aos poucos, a partir de grupos de leituras e de seminários comandados por acadêmicos e leigos interessados em saber mais sobre o país de onde Osama bin Laden tramou os atentados de 11 de Setembro, o peso de escrever uma seqüência é um tema ainda inflamável para o escritor. “Não foi nada fácil. Em O Caçador de Pipas meu único compromisso era comigo mesmo. Mil Sóis é um projeto mais ambicioso, escrito a partir de um ponto de vista feminino, com um elenco de personagens imenso e entra muito mais profundamente na história afegã. Ele só se desvelou quando estas mulheres todas começaram a falar comigo, se tornaram pessoas reais, seres humanos com medos, receios e desejos. Ali eu as entendi e vi que o livro estava começando a ficar pronto. Mas durou mais ou menos um ano para eu perceber isso e, honestamente, cheguei a pensar que deveria retornar à Medicina”.

Hosseini já foi comparado por críticos ao brasileiro Paulo Coelho, especialmente por conta de seu estilo narrativo, muito próximo, reconhece o autor de O Caçador de Pipas, à tradição dos contadores de história das estepes asiáticas, com os grandes mitos sendo passados geração após geração à beira da fogueira. Mas ele enfatiza que a surpresa, o inesperado, foram os ingredientes fundamentais na construção de seus romances. “Tenho um amigo que está escrevendo um livro de ficção-científica há 13 anos. Sério! E ele tem tudo esquematizado, como se fosse um sotryboard mesmo. Sou o exato oposto. Gosto de sentar na frente do computador, aberto para o que der e vier. Se me preparo para escrever com a história mais ou menos esquematizada, não dá certo. Meu grande prazer, é ser surpreendido pelos meus personagens. Por exemplo, Amir e Hasan não seriam meio-irmãos quando pensei na história. Um dia, decidi, li para minha mulher, ela gostou, e pronto, eles eram irmãos”, diz, relembrando, para deleite de uma platéia em silêncio absoluto, um dos momentos-chave do best-seller.
Hosseini gosta de repetir que seus livros são, no fim das contas, ‘duas simples declarações de amor’. Assim como em O Caçador de Pipas, a história de amor fraternal contada por Hosseini em Mil Sóis se resolve com a redenção de seu personagem principal. O compromisso do médico-escitor com as causas humanitárias é outro ingrediente importante na primeira impressão oferecida pelo suave Hosseini. No evento em que a reportagem do Valor esteve presente os marcadores de livro vendidos juntamente com os romances de Hosseini (com o limite de um exemplar de O Caçador de Pipas por pessoa, por conta do já defasado estoque da livraria em questão, a maior do país) tiveram o lucro das vendas reveirtido para ONGs que prestam auxílio aos refugiados de Darfur, na atribulada região do Sudão.

Mas haveria, afinal, espaço para a salvação do Afeganistão? “Sou um otimista ao extremo. E é importante dizer que melhoras aconteceram desde a destituição dos Talibãs. Tivemos eleições democráticas, contamos com mulheres no Parlamento e há um maior respeito às liberdades individuais. A pobreza ainda é terrível, não há investimento significativo em Educação e os índices de mortalidade infantil estão entre os maiores do mundo, mas creio que sem segurança tudo fica ainda mais caótico. Fiquei muito assustado quando vi que este ano, pela primeira vez na história, eles estavam utilizando a tática de homens-bomba. Isso é inédito! Afegãos podem até matar uns aos outros, mas se matarem por uma causa? Sei que pode parecer um exagero, mas, anotem o que eu digo, se a OTAN retirar as tropas do país agora, os Talibãs retomam o poder em questão de dias. Eu disse dias. E eles estão dispostos a tudo.”

sábado, junho 02, 2007

ENTREVISTA/Russell Jacoby

Apesar da fama de carrancudo que ganhou no meio acadêmico norte-americano, o professor Russell Jacoby, da UCLA, foi especialmente delicado em nosso bate-papo, via Skype, que o Valor Econômico publicou neste fim de semana. A entrevista, que segue abaixo, foi motivada pelo lançamento no Brasil, pela editora Civilização Brasileira, de seu Imagem Imperfeita _ Pensamento Utópico para uma Época Antiutópica. Mas Jacoby aproveitou para falar do irônico confinamento dos pensadores marxistas nos departamentos de Língua Inglesa das universidades norte-americans, dos limites tanto da internet quanto do movimento ecológico , de seus temores em relação a uma vitória de Hillary Clinton ("mais tecnocrata ainda que Bill") e de seu novo livro, ainda em fase de pesquisa, uma ambiciosa história da violência urbana.

A Utopia Ainda é Possível


Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor

Professor de história da Universidade da Califórnia (UCLA) e uma das estrelas da esquerda acadêmica nos Estados Unidos, Russell Jacoby publicou em 1987 sua obra mais famosa, Os Últimos Intelectuais, em que denuncia a trágica extinção dos chamados ‘intelectuais públicos’ e o predomínio de pensadores mais interessados em produzir para seus pares ou alunos do que em interferir na cultura política da sociedade contemporânea. Depois vieram os não menos provocadores ensaios O Fim da Utopia, de 1999 e, há dois anos, Imagem Imperfeita _ Pensamento Utópico para uma Época Antiutópica, que chega agora às livrarias brasileiras pela Record. De Utrecht, na Holanda, onde ministra um curso sobre História Contemporânea para estudantes europeus, Jacoby conversou por telefone com o Valor sobre a necessidade de se imaginar novos modelos sócio-econômicos como ato de sobrevivência política e revelou alguns detalhes de seu próximo livro, uma ambiciosa história daquele que o historiador considera o principal problema de nossos dias: a violência urbana.

- Em Imagem Imperfeita o senhor argumenta que é falsa a idéia de que a oposição ao capitalismo do século XX é necessariamente uma utopia descabida. E afirma que o pensamento utópico jamais exclui reformas reais, ou mesmo o oposto: mudanças dependeriam do combustível fornecido pelos grandes sonhos. É impossível não deixar de pensar na nova política andina de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. O senhor os vê como prova da vitalidade da utopia de esquerda na América Latina ou apenas mais uma mutação do totalitarismo populista que vez em quando assola o continente?
- Em termos genéricos, sou simpático à ascensão de Hugo Chávez e às políticas públicas por ele instituídas na Venezuela. Há dois anos compareci a uma conferência sobre o Bolivarianismo em Florianópolis, e, apesar de não ser um especialista no tema, considero ser crucial pensar de modo utópico na América Latina dos dias de hoje, mas sem cairmos, é claro, em um pensamento demasiadamente inocente. O eleitorado não pode mais se deixar convencer por líderes que inspiram as massas e, ao tomar o poder, subitamente esquecem das propostas progressistas. Meu ponto, em Imagem Impefeita, é justamente o de que as utopias são, apesar de tudo o que se diz ao contrário, impressionantemente relevantes nos dias de hoje. Mais, é do que nós mais precisamos na política do agora. Sabe que o livro acaba de ser traduzido também na China? Eu fico imaginando como é que esta mensagem pode se aplicar ao contexto chinês...

- No Brasil, com pouquíssimas exceções, o eleitor, especialmente o mais escolarizado, parece ter-se abdicado do direito de sonhar depois dos escândalos que disseminaram a idéia de que esquerda e direita, progressistas e conservadores, locupletam-se felizes na geléia geral de corrupção e clientelismo, igualmente desinteressados em um projeto de nação...
- É importante pensar que as experiências pelas quais o Brasil passou recentemente não são inéditas. Fundamentalmente este é o cenário em que vivemos nas democracias ocidentais desde o colapso dos regimes comunistas na Europa Oriental. De uma certa maneira, a idéia ainda é a de que todos nós vimos o sonho acabar ao vivo e a cores. Por que seguir sonhando? Não haveria muito mais a se fazer a não ser limpar as ruas, arrumar as janelas, ficarmos cada vez mais práticos e aceitar o ritmo do mercado. Confesso que uma parte de mim chega a ser tentada pela idéia. Mas, não! Qualquer exercício de poder que resulte em um exercício pragmático, em apenas abraçar as oportunidades às vezes oferecidas pelo mercado, perde imediatamente sua força propulsora, sua razão de ser. Qual a moral da história no envolvimento do PT com esquemas de corrupção? A de que precisamos de partidos políticos puros para o funcionamento da democracia brasileira? A da rendição de que apenas um liberalismo econômico mais ortodoxo pode de fato governar no capitalismo nosso de cada dia? Não. Só há uma resposta. Precisamos lutar por quem faz política sem renunciar a seus objetivos utópicos.

- Aqui nos EUA partimos para uma campanha presidencial em que os candidatos ditos progressistas lutam para manter uma postura mais pragmática, justamente para atrair o eleitorado mais conservador. Não há muito espaço para grandes utopias...
- E de certa maneira ficamos pensando se não é a direita quem vem exercendo com maior habilidade a necessária posição de se jogar com as idéias na América, não é? Creio que em termos de energia, de disposição, não há dúvidas. É a direita quem vem ocupando todos os espaços, são eles que vêm cantando nos campus universitários que ‘os tempos estão mudando’, não nós! Mas, por outro lado, você vê o que acontece quando eles chegam ao poder. Nunca houve tanta corrupção, tanto apadrinhamento em cargos públicos, tanta imoralidade. Nem mesmo nos governos de esquerda! Aqui nos EUA aprendemos que, no fim das contas, a esquerda, pelo menos, tem idéias interessantes. Por isso os candidatos conservadores não têm aparecido com força até o momento na campanha presidencial – por sua total ausência de idéias! Mas, por outro lado, Hillary Clinton é uma tecnocrata. Ainda mais do que o ex-presidente Bill. Ela não é uma grande força de inspiração, não traz de volta o idealismo, fundamental para a prática política, especialmente para os mais jovens. Veja o que acontece nas universidades americanas – a maioria dos professores vêm dos anos 60, a maioria dos alunos dos 80. Eles são, em alguns aspectos, mais conservadores do que nós. E creio que existe alguma conexão entre a decadência das utopias e uma certa direitização do corpo discente nas grandes universidades. Mas, como você sabe, a maré da História muda muito rapidamente...
- Em seu livro mais popular, Os Últimos Intelectuais, o senhor denuncia justamente o desaparecimento dos pensadores progressistas que deveriam estar trazendo a discussão das grandes idéias para o dia-a-dia do cidadão comum...
- Exato! E este é um dos problemas da esquerda ocidental. Os conservadores vêm fazendo intervenções importantes em discussões públicas, ou melhor, dando forma mesmo a estas discussões, sobre pontos importantes da política educacional, do sistema judicial, do combate ao crime. Enquanto isso os progressistas parecem mais interessados em problemas táticos, em reformas políticas, em estrutura partidária. O resultado é que a esquerda não produziu uma geração de pensadores interessados nas políticas públicas e abandonou o mundo das idéias para se dedicar ao pragmatismo da política per se. É preciso fazer o caminho de volta.

- De certa forma o fim do comunismo real afetou a fábrica de pensamento da esquerda em todo o globo...
- Sim, nos EUA, hoje, os principais marxistas estão encastelados nos Departamentos de Língua Inglesa das grandes universidades. É, no mínimo, irônico, não? O problema é que convencionou-se pensar que a União Soviética e a Cortina de Ferro foram a Utopia da segunda metade do século XX. Esta é uma injustiça histórica com os articulados críticos do stalinismo no setor progressista, que durante décadas condenaram aqueles regimes totalitários. A maioria dos crimes realizados contra a humanidade nos séculos XX e XXI foram cometidos por burocratas, não por utopistas. É injusto pensar em campos de concentração como sinônimo de utopia.

- O senhor acredita que a internet e as novas tecnologias digitais cada vez menos presas à geografia tradicional possam ser o espaço possível para o retorno do intelectual público?

- Creio que há alguma possibilidade. A blogosfera vêm exercendo um papel importante na política norte-americana nos dias de hoje, mas de um modo mais fiscalizador, pragmático. Sou cético à idéia de que a internet vá substituir um dia os meios mais tradicionais de troca de idéias. No entanto, como espaço de dissensão ela é perfeita e seu papel é mais do que interessante se pensarmos que vivemos na possibilidade – que não acho distante - de um colapso do sistema mundial tal qual ele é. O sistema globalizado não pode se manter eternamente desta maneira, com o preço altíssimo a ser pago por determinados setores, os portões ficando cada vez maiores, a concentração de riqueza cada vez mais obscena. E ainda temos as mudanças climáticas, o aquecimento global, a poluição, que têm feito muita gente reavaliar a perpetuação do modelo econômico, a pensar que é preciso sonhar com algo diferente, na melhor tradição da esquerda.

- Será que a Utopia Verde pode funcionar como o ponto de reencontro dos progressistas?
- Todos falam de ecologia sem parar hoje em dia não é? Veja o Al Gore! Há muito espaço para se discutir na tenda verde, talvez espaço demais. Se conseguirmos ultrapassar o discurso da reciclagem e da reutilização de pilhas elétricas, há todo um discurso radical muito interessante no pensamento ecológico. Mas a maneira como o discurso verde vem sendo cooptado por grandes corporações, lanchonetes e indústrias o reduzem muitas vezes a um modismo ou fenômeno comportamental. Veja a ditadura da comida orgânica, com seus preços estratosféricos, que, no primeiro mundo, só atendem aos mais ricos. Elas revelam um teor pouco democrático da onda verde, que se incorpora ao discurso-padrão da sociedade de consumo com enorme facilidade.

- O senhor está ministrando um curso de extensão na Europa, vê muita diferença entre o aluno norte-americano e o europeu?
- Vejo algumas semelhanças. Há uma imensa dificuldade em se ‘pensar grande’, uma maior sensação de medo em relação ao futuro, um descrédito da esperança. Há um medo imenso e paralisante do terrorismo islâmico, da imigração ilegal, da violência urbana. Aliás, este último é meu desafio, estou tentando escrever um livro sobre este tema. Não quero de modo algum diminuir o impacto dos atentados do 11 de Setembro mas 3 mil pessoas morreram naquele dia e mais de 15 mil morrem todos os anos nos EUA por conta da violência urbana, mas aparentemente este é um problema que não interessa muito as pessoas em meu país.

- Ou apenas quando um massacre como o da Virginia Tech paralisa o país.

- Exatamente e por questões que todos nós sabemos muito bem. Mas ninguém sabe exatamente o que fazer com o tema. Ou, melhor, nos EUA de hoje há uma parte que prefere fingir que o problema não existe e outra que entregou os pontos. Os conservadores, por exemplo, rapidamente ocuparam o espaço da discussão das idéias afirmando que Virginia Tech não teria acontecido se os outros estudantes também estivessem armados! Agora imagine o ponto em que chegamos, com a discussão séria da idéia de que cada estudantedeveria ir para a universidade com seu revólver!

- Curiosamente há exatamente um ano o Brasil viveu sua maior crise relacionada à violência urbana e não se vê a discussão de novas políticas públicas para o setor. No mês passado o King’s College de Londres divulgou números estarrecedores referentes à população carcerária no planeta. No Brasil, entre 1995 e 2005, enquanto o crescimento demográfico foi de 19,6%, o número de presos aumentou em 142,9%, com a capacidade das prisões superando os 151% de ocupação. O senhor acredita que a solução é construir mais casas de detenção e diminuir o limite de idade para a penalização de jovens que tenham cometido crimes hediondos?

- Não mesmo. As tentativas de diminuição de violência urbana a partir da criação de mais prisões revelaram-se desastrosas. Na Califórnia, a construção e o gerenciamento de penitenciárias é uma das indústrias que mais cresce no estado. Deu muito dinheiro para alguns, mas os que mais sofrem com esta política são, é claro, a população mais humilde, os abandonados pelo Estado e pela sociedade civil, e especialmente os jovens envolvidos em crimes violentos, já que as chances de recuperação são ainda menores.

sábado, maio 26, 2007

O Século de Schumpeter

O Valor Econômico publicou neste fim de semana, na capa do caderno Eu&Cultura, meu texto sobre a excepcional biografia The Prophet of Innovation, que chegou este mês às livrarias norte-americanas. Fui até Cambridge conversar com o professor Thomas K. McCraw, que me recebeu com toda gentileza em sua casa. Batemos um longo papo que resultou no texto publicado no jornal paulistano e voltei para Nova Iorque refletindo sobre um aspecto de nossa conversa. Mc Craw lamentou, de certo modo, os tempos nossos, carentes de grandes pensadores que também são economistas. Ele me lembrou de cenas como a visita de John Kenneth Galbraight ao Brasil ou a do próprio Schumpeter ao Japão (não por acaso, aonde era - e é - mais endeusado) no século passado e a maneira como foram recebidos. A crescente desimportância dos intelectuais públicos e a ascensão da ditadura da vulgaridade popularesca também deixaram suas marcas, enfatizou McCraw, vencedor de um Prêmio Pultizer, nas Ciências Econômicas.

A matéria segue abaixo. O livro, que pode e deve ser lido tanto por leigos quanto por acadêmicos (o texto de McCraw, surpreendenteente, tem um delicioso quê de storyteller) ainda não tem tradução garantida para a língua de Camões.


O Profeta da Inovação
Por Eduardo Graça, de Cambridge, para o Valor


Schumpeter torna-se o ícone do capitalismo do século XXI, que exige a prática da destruição criativa, em que os negócios devoram a si mesmos, produzindo novas tecnologias para seguir competitivos.


Em 1983 a revista Forbes anunciou em sua capa: o guia ideal para nos ajudar a entender a Economia na era da Internet nascera há um século. Não, o texto não fazia referência a John Maynard Keynes (1883-1946) e sim a Joseph Schumpeter (1833-1950). Parecia uma ousada provocação, mas, desde então, conceitos elaborados pelo intelectual austríaco como Destruição Criativa, sua obsessão pelo estudo do crescimento econômico a longo prazo e sua ênfase no papel da inovação e do risco no desenvolvimento das economias modernas, vêm sendo revisitados por pensadores e empresários interessados em compreender o ritmo alucinante de mudanças do Capitalismo contemporâneo. Estes agora contam com uma leitura obrigatória: Prophet of Innovation – Joseph Schumpeter and Creative Destruction. Considerada a biografia definitiva de Schumpeter, o livro acaba de ser lançado nos EUA pelo professor emérito de História dos Negócios na Universidade de Harvard, Thomas K. McCraw, que recebeu o Valor em sua casa no subúrbio de Boston.

“Poderia dar voltas e dar-lhe mil motivos por que, afinal, passei os últimos anos mergulhado nos arquivos, nos diários, nos livros, na vida deste homem. A resposta mais direta e simplista, mas não menos exata, é a de que Schumpeter foi quem melhor definiu e escreveu com maior brilhantismo sobre o Capitalismo”, diz McCraw. Nas 719 páginas de Prophet of Innovation, o autor busca um equilíbrio entre a análise do capitalismo e suas transformações até os dias de hoje e o fascínio por um personagem quase tão interessante quanto aquilo que pensou e escreveu.

Ao contrário de Keynes, filho de um prestigiado intelectual, nascido e criado em Cambridge, Schumpeter experimentou o mundo real como poucos acadêmicos. Fez fortuna por conta própria, assumiu o Minstério das Finanças na primeira república de sua Áustria nativa aos 36 anos, e ganhou rios de dinheiro abrindo um banco que, ao fechar as portas depois de dois anos de hiper-inflação na casa dos 134% em meio à quebra da bolsa de Viena, deixou-o completamente falido. Depois de uma breve experiência na Universidade de Bonn e de uma gigantesca tragédia pessoal (a morte da mulher e do filho em um parto mal-sucedido), fugiu da Alemanha nazista e encontrou em Harvard um porto seguro, ainda que completamente dominado pelas idéias keynesianas. “É preciso afirmar que até 1936, quando os dois tinham 53 anos, Schumpeter era bem mais reconhecido do que Keynes. Naquele ano Keynes lançou a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, sua obra-prima, que revolucionou as Ciências Econômicas. E a lançou em inglês! Sim, porque Schumpeter, nunca é demais lembrar, estava escrevendo em alemão. E ainda ousava discordar de Keynes quando este afirmava que o Capitalismo tal qual existia seria o estágio final de nossa sociedade. O que faz Schumpeter único é sua certeza de que o ser humano quer sempre mais, a inovação não termina jamais, simplesmente não havendo um fim para a história econômica”.

Seis anos depois da obra-prima de Keynes, e depois do fracasso de seu Business Cycles, Schumpeter reuniu em Capitalismo, Socialismo e Democracia o que McCraw considera serem ‘os melhores ensaios jamais escritos sobre o Capitalismo, este sistema difícil de se construir e de se manter’. Lançou-o em 1942, quando as atenções estavam todas voltadas para a Segunda Guerra Mundial e metade do mundo rumava para modelos comunistas como os da União Soviética (China, Europa Oriental) ou socialistas (como a Índia e boa parte da África). “Apesar disso, ele não se mostra pessimista em relação ao futuro do Capitalismo. Ao contrário, ele aponta a necessidade de os cidadãos analisarem-no para além dos escândalos e da ganância e da lei do mais forte que pareciam caracterizá-lo naquele momento histórico”, diz McCraw.

Schumpeter considerava um dos principais equívocos de Keynes a idéia de que a Grande Depressão havia sido causada por mecanismos intrínsecos ao Capitalismo, e não pelo confuso sistema bancário norte-americano. O Capitalismo, acreditava, com sua Destruição Criativa, faria com que economias devastadas pelo débâcle de 1929 ressurgissem de modo impressionante nas décadas seguintes. E este estava longe de seu ápice. Mais: não era o consumidor keynesiano e sim o empreendedor shumpeteriano a mola-mestra do sistema. E a estabilidade precisava, muitas vezes, ser sacrificada para se alcançar crescimento real.

Ironicamente, suas análises críticas do Socialismo e do Capitalismo, feitas em tom satírico (‘com passagens que lembram Mark Twain ou Joanathan Swift’, sublinha McCraw), o levariam a ser classificado como um ‘capitalista dissidente’ por muita gente séria. O polemista Christopher Hitchens, por exemplo, diz não ter dúvidas de que Schumpeter era ‘um socialista instintivo’. Ao mesmo tempo, reconhece ter sido ele o maior teórico da batalha entre os dois modelos econômicos deflagrada no pós-guerra. E que sua visão de uma ‘revolução capitalista permanente’ removeria o trabalhador da posição marxista de agente da revolução para a de beneficiário da mesma.
A revolução contínua proposta por Schumpeter, a Destruição Criativa marcada por um Capitalismo canibal, que aparentemente devora a si mesmo, produzindo novas tecnologias e cenários a fim de seguir existindo, pode ser explicitada, lembra McCraw, no comportamento de setores específicos da economia contemporânea, como na produção de música. De fato, no meio século que seguiu à morte do economista, cilindros de alumínio foram rapidamente substituídos por discos de vinil, estes por fitas-cassete, depois por CDs e MP3s.

Apesar do tom monocórdio, quase didático, com que McCraw premia seus interlocutores, há sempre um espaço, exatamente como em seus livros, para tiradas hilariantes. Quando, por exemplo, ele decide que o dândi charmoso e obcecado pelo trabalho era uma incomum combinação de George Clooney com Albert Einstein. Ou quando diz que Schumpeter adorava lembrar que seu objetivo na vida era se tornar o ‘maior amante, o maior economista e o maior cavaleiro do planeta. Mas que, reconhecia, as coisas com os cavalos não iam lá muito bem’. Sua obsessão pelo trabalho, na visão de McCraw, só era comparável a Benjamin Franklin. “Aliás, justamente como ele, Schumpeter estabeleceu uma rigorosa gradação para seus estudos e dava notas (que iam de 0 a 1.0) diárias para seus avanços teóricos. Quase sempre elas beiravam o zero e pouquíssimas vezes chegavam próximas de 1. Ele trabalhava como se o dia tivesse 50 horas e tinha a ambição de deter todo o conhecimento sobre os aspectos sociais e políticos do Capitalismo”, continua.

O Schumpeter de McCraw entendia como poucos o mundo que surgia, tendo vivido em sete países, alguns tão diversos quanto Áustria, Egito, Alemanha e Estados Unidos. “Não tenho receio de dizer que Schumpeter foi a pessoa mais inteligente que estudei”, conta. O elogio, aqui, precisa receber a dimensão devida. McCraw, cujo único livro traduzido no Brasil é a coleção de 11 ensaios biográficos sobre o papa da história empresarial Alfred Chandler (Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa), recebeu o prêmio Pulitzer pelo fascinante Prophets of Regulation, em que destrincha a história dos responsáveis pelo estabelecimento das agências reguladoras nos EUA e de seus mais destacados defensores – Charles Francis Adams, Louis D. Brandeis, James M. Landis e Alfred E. Khan.

Para o professor de Harvard, Schumpeter talvez tenha menosprezado a importância da regulamentação governamental na economia contemporânea, acreditando que ela podava a iniciativa empreendedora. “Mas ele certamente não estaria de acordo com os excessos praticados nos últimos anos nos EUA, quando escândalos como os da Enron destruíram a credibilidade do Capitalismo à Washington. É preciso lembrar que Schumpeter nunca foi um conservador reflexivo como seus pares tentaram classificá-lo”, pondera. De fato, John Kenneth Galbraight, que foi seu contemporâneo e mais de uma vez mostrou-se especialmente interessado ‘naquele homem baixinho de rosto redondo, queixo pronunciado e extremamente sedutor’ dizia ter sido Schumpeter o ‘mais sofisticado conservador de seu século’.

McCraw acredita que Schumpeter estaria hoje estudando com interesse ‘a supervalorização do Real e a sobrevalorização da moeda chinesa e seu impressionante sucesso em uma sociedade repressora’ como dois dos mais inquietantes fatos econômicos de nossos tempos, sem esquecer da porta aberta para a ascensão de um ‘populismo perigoso’ oferecida pelos excessos do poder destrutivo intrínseco ao Capitalismo. O biógrafo lembra que o economista acreditava que a desigualdade social, no Capitalismo, era ao mesmo tempo inevitável e fundamental para o estímulo necessário para o despertar do espírito inovador.

A necessidade da inovação de que nos fala Schumpeter estaria representada ainda em empreendedores do mundo contemporâneo, como Steve Jobs e sua Apple ou Bill Gates e sua Microsoft. Todos alcançaram o ‘quase-monopólio’ que Schumpeter traduz como prêmio justo – embora efêmero, posto que será inevitavelmente superado no futuro – dos grandes inovadores. Também é inevitável pensar-se em Schumpeter quando nos deparamos com fusões de grandes corporações mais (como Thompson e Reuters) ou menos recentes (como a Ambev), com histórias de relativo sucesso ou fracasso (Deimler-Chrysler; AOL-Time Warner). Neste exato momento Rupert Murdoch tenta comprar o Wall Street Journal, o segundo maior jornal em circulação nos EUA, para diversificar seu império de mídia, em constante mutação. “Nenhum empresário, nos dias de hoje, pode relaxar completamente. Alguém está pensando, em algum lugar do planeta, em levar para o mercado algum produto de alguma maneira melhor do que o seu. O mundo dos Negócios, dizia Schumpeter, é evolutivo. Ele fazia mesmo uma ligação direta com Darwin”, diz McCraw.
Coincidentemente, há duas semanas, o C.D. Howe Institute anunciou com toda pompa os resultados do estudo Inovação, Competição e Crescimento: Uma Perspectiva Schumpeteriana na Economia Canadense, comandado pelo economista Peter Howitt, da Universidade Brown, localizada no estado americano de Rhode Island. A receita para o Canadá continuar crescendo? “O pais precisa se engajar em um processo de desenlvovimento econômico e inovação permanente”, escreve Howitt.

A idéia de Destruição Criativa, lembra McCraw, foi utilizada recentemente de modo enviesado no âmbito político tanto por neo-conservadores quanto por liberais intervencionistas para justificar a invasão do Iraque. “No fim trata-se exatamente do oposto da ideia Schumpeteriana. A aventura no Iraque está mais próxima do conceito Maoísta de destruir primeiro para que a construção venha naturalmente, após a terra-arrasada. Na China, o resultado foi desastroso. E não é coincidência o fato de que a geração de Deng Xiaoping e seus sucessores tenham encontrado justamente no modelo de economia de mercado Shumpeteriano, que valoriza a inovação, o empreendimento e a criação de crédito”.

McCraw aponta em The Prophet of Innovation uma lacuna na atual formação dos economistas norte-americanos, alguns dos quais fadados a assumir posições importantes no comando da maior potência do planeta: a total falta de interesse pela história dos grandes pensadores econômicos. “Os cursos de pós-graduação em Economia hoje, com poucas exceções, são reféns de um matematicismo vazio, mais focados na precisão do que em lidar com as questões do mundo real. Um estudante típico consegue resolver equações sofisticadíssimas, se debruça constantemente sobre fórmulas e gráficos dos mais variados, mas não se vê desafiado a desenvolver sua sensibilidade para tratar das grandes questões do Capitalismo da era da Internet”, diz. Nada mais distante do que o Joseph Schumpeter que renasce nesta impressionante biografia, um homem preocupado, acima de tudo, em humanizar o seu campo de trabalho. Ou, como resume Lawrwence H. Summers, secertário do Tesouro do governo Clinton e outra estrela de Harvard: “McCraw dá aqui a medida de um homem fundamental para o Século XXI, ou melhor, o Século de Schumpeter”.

sexta-feira, maio 11, 2007

PERFIL/Christopher Buckley

Saiu hoje no Valor Econômico o perfil que fiz do escritor ultra-conservador Christopher Buckley, filho do criador da National Review, a bíblia da direita americana, e coqueluche das livrarias daqui desde que seu Obrigado Por Fumar virou sucesso no cinema. Não por acaso ele foi muito bem recebido por parte da audiência brasileira ávida por uma crítica - ainda que pela porta da direita mais escancarada - às muitas contradições do neoliberalismo ianque.

O Dia Do Juízo Final nos EUA

Christopher Buckley, autor de “Obrigado por Fumar”, agora mexe com a crise da previdência social americana em novo livro.
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York


O nariz aquilino, ligeiramente aberto na ponta, é o mesmo. O cabelo branco, liso, jogado meticulosamente para a direita, também. Tal pai, tal filho. O decano é William F. Buckley, 81 anos, criador da revista “National Review”, mais influente ideólogo do moderno conservadorismo americano, profeta-mor da impressionante ascensão da direita ianque nos últimos 50 anos. O filho é o autor Christopher Buckley, 54, um dos maiores astros da sátira literária nos Estados Unidos. Jamais traduzido no Brasil, ele ganhou projeção no país no ano passado quando a adaptação de seu “Obrigado por Fumar” chegou aos cinemas com o excelente ator Aaron Eckhart encarnando um lobista da indústria de cigarros disposto a escancarar a hipocrisia da democracia liberal de Washington.


Ainda empolgado com o sucesso do filme, Buckley lança“Boomsday”, um passeio por um dos temas mais áridos da América contemporânea: a crise no sistema de previdência social do país. “Juro que esta será minha única comédia em torno do tema, exatamente como nunca mais resolvi fazer graçaa com o Oriente Médio desde ‘Florence da Arábia’, meu livro anterior.”

“Boomsday” (uma brincadeira com Doomsday, Dia do Juízo Final em inglês) conta a história de um candidato à Casa Branca e sua singular plataforma: incentivar os “baby boomers” a cometerem suicídio quando completarem 75 anos. A medida radical livraria o país da falência e garantiria abatimento nos impostos devidos pelos que se comprometessem com o plano. É o pináculo da aplicação da livre-negociação nas relações de trabalho.




No “Boomsday” de Buckley os EUA estão às voltas com seis guerras, o mercado de ações despencou e uma blogueira bem torneada de 29 anos chamada, não por acaso, Cassandra, lidera uma coalizão de jovens patriotas contra os aposentados, destruindo campos de golfe e tomando as ruas de Washington enquanto anuncia o apocalipse econômico.“Minha geração foi a que saiu às ruas rasgando os certificados de reservista por conta do Vietnã. A próxima deveria rasgar a carteirinha da previdência social com o mesmo afã”, diz Buckley.

Impulsionado pelo sucesso de “Obrigado por Fumar”e pelas boas vendas de “Boomsday”, Buckley não receia pisar em solo pedregoso: “Se fosse um jovem americano, como meu filho, de 19 anos, estaria fulo da vida. O país tem de lidar com um prejuízo anual de US$ 8,5 trilhões e um dia, talvez quando os bancos centrais do Japão ou da China decidirem parar de comprar letras do tesouro americano, ele terá de pagar essa conta. E toda vez que alguém fala em reforma da Previdência aparece um lobby do Partido Democrata no Congresso denunciando que se trata de um ataque aos idosos. Isso é uma bobagem. Infelizmente o problema não vai desaparecer se nos recusarmos a tratá-lo.”

Em números anunciados pelo próprio governo, 1% dos americanos (com renda superior a US$ 1,1 milhão/ano) concentra 22% da riqueza do país (a maior fatia abocanhada pelos mais ricos desde 1929). Em um espectro maior, 10% dos mais ricos (os que ganham mais de US$100 mil/ano) concentram 48,5% da riqueza nacional. O escritor, ele próprio um “boomer”, nascido em 1952, faz uma pausa de efeito, toma um gole de seu café-com-leite comprado no Starbucks e diz acreditar “que ‘Boomsday’ fala com o contribuinte que tem de pagar uma nota para o Imposto de Renda enquanto encara as promissórias cada vez mais extorsivas para conseguir realizar o sonho da casa própria”.

Ele lembra que os primeiros “boomers” começam a se aposentar no ano que vem, incluindo o presidente GeorgeBush, fiel discípulo da cartilha de seu pai. O veterano William Buckley, no entanto, rompeu com o presidente no ano passado por conta do fracasso da guerra no Iraque, acusando-o de ser um “falso conservador”, pouco atento ao rigor fiscal e carente de lógica em sua política externa. “Sei bem que esta é uma exceção e todos vão comemorar sua aposentadoria, apesar de, aos 62anos em 2008, ser mais propíciapara umfrancês. MarkTwain costumava dizer que Shakespeare era mesmo um gênio, apesar de todos os elogios, pois bem, Bush II é mesmo uma tragédia, apesar de tudo de ruim que falam dele.”

Buckley segue pregando seu catecismo libertário: os jovens, implora, deveriam largar seus iPods e expressar sua revolta contra um sistema que os asfixiará. Ou acabarão deparando-se invariavelmente com uma figura como o anti-herói de seu livro, o senador quatrocentão do liberal estado de Massachusetts que, um belo dia, depois de experimentar alucinógenos variados, escuta a inimitável voz do presidente Kennedy ordenando-lhe:“Go for it, boy!” É a deixa para o político entrar na corrida presidencial e emular as teses da Cassandra do século XXI.

Depois do sucesso de“Obrigado porFumar” —uma bilheteriade US$25 milhões apenas nos Estados Unidos—, já se iniciou um leilão em Hollywood para a compra dos direitos de“Boomsday”. “Estou empolgado, mas me lembro sempre que‘ObrigadoporFumar’ demorou dez anos para sair do papel e seria, inicialmente, dirigido por Mel Gibson. Mas ele teve de lidar com coisas menores, como aquele tal de‘Paixão de Cristo’, e me deixou de lado. Adorei o resultado final, mas prefiro pensar como Hemingway, que dizia que com Hollywood o jeito é viajar até a fronteira com a Califérnia e só jogar os manuscritos que você escreveu em território estrangeiro depois que eles mandarem a mala de dinheiro para o lado de cá”, diz, rindo.



Com seus alvos fáceis e um tique por encontrar o cômico no avesso exato da realidade, Buckley acaba dando uma certa razão aos que aproximam seu humor mais do programa televisivo “SaturdayNight Live” do que de um Jonathan Swift, sua influência confessa. Ele não parece se importar. Tampouco move um músculo da face quando precisa encarar a porção da platéia que não veio em busca de autógrafo e parece disposta a questionar sua receita libertária para uma nova América. “Não sou um economista, mas vejo a realidade sufocante. Quando o New Deal foi criado por Roosevelt, tínhamos uma média de 15 trabalhadores para cada aposentado. Hoje são três por um! Escrever sobre o tema de forma interessante foi meu desafio e fico feliz que tanta gente esteja comprando olivro.”

Seu próximo alvo já está até escolhido: ele começou a escrever uma sátira à Suprema Corte ou, como prefere Buckley, “aquela vetusta instituição composta por nove juízes que passam o tempo enviando bilhetinhos uns para os outros”. Hollywood não perde por esperar.

segunda-feira, abril 09, 2007

ENTREVISTA / Stephen Duncombe

O Valor Econômico publicou neste fim de semana minha entrevista com o Professor Stephen Duncombe, da NYU, um ótimo papo e figura interessantíssima no debate sobre o lugar a ser ocupado pelas esquerdas no mundinho globalizado de nossos dias. Olhem só:

POLÍTICA

QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA

Para o Professor Stephen Duncombe, há uma necessidade vital de se abraçar novamente as utopias e as idéias progressistas. Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York.

A esquerda precisa ser menos a viúva dos valores iluministas e recuperar seu viés iconoclasta. A constatação é do professor Stephen Duncombe, da Universidade de Nova Iorque (NYU), que acaba de lançar Dream: Re-Imagining Progressive Politics in an Age of Fantasy, apontado tanto pelo filósofo marxista Marshall Berman (Tudo que é Sólido Desmancha no Ar) quanto pelo badalado sociólogo pós-moderno Slavoj Zizek (Bem-Vindo ao Deserto do Real!) como leitura obrigatória neste inverno no hemisfério norte.

Um dos criadores dos Billionários Por Bush - ativistas que ‘apoiaram’ a reeleição do presidente republicano desfilando pelo país em suas limusines e ‘celebrando’ a redução de impostos para os mais ricos – Duncombe conversou com o Valor em seu escritório de frente para a Broadway enquanto se preparava para sair às ruas novamente, desta vez para se juntar aos manifestantes que ocupariam Bryant Park em um gigantesco protesto contra os cinco anos de ocupação no Iraque. Para Duncombe, que descobriu a esquerda nas bandas de punk que povoavam os conjuntos habitacionais da New Haven de sua adolescência, é hora de os setores progressistas – ‘especialmente os mais radicais’ – deixarem o purismo de lado, encararem o fato de que ‘ficar esperando pela grande verdade libertadora é apenas fazer política de modo preguiçoso’ e abraçarem a dreampolitik, termo por ele cunhado em oposição sarcástica à realpolitik, para definir a filosofia política defendida em Dream. A idéia é que a esquerda precisa usar os elementos do sonho, da fantasia (vídeo game, Las Vages, Hollywood, música pop, You Tube) para concretizar suas ações políticas.


- Valor: As eleições do ano passado no Brasil foram marcadas pela relativa ausência de mobilização popular. Aqui nos EUA não se vêem mais manifestações de massa como as de 40 anos atrás, quando milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a Guerra do Vietnã. O senhor acredita que a era dos comícios chegou ao fim?
- Stephen Duncombe: É claro que precisamos levar em conta a especificidade das eleições de 2006. Lula estava tentando se reeleger e contava com um imenso apoio popular, inclusive dos movimentos sociais organizados mais significativos. Mas eu acredito que a era das grandes marchas, de fato, acabou, e que descanse em paz! Aquele era um modelo do século XIX, com um claro viés militar, das pessoas andando em colunas repetindo palavras de ordem e mantendo a idéia de que o público era uma força extrínseca – a ‘massa de manobras’ - e não personagem criador do movimento. E nós não vivemos mais neste mundo. Aqui nos EUA, por exemplo, os ricos vivem em condomínios fechados e os pobres se amontoam nos subúrbios, distantes da cidade. Não há mais a concentração urbana tal qual a do século XX.

- Valor: Mas o chamado ativismo político de guerrilha, como o dos Bilionários Por Bush, tem o mesmo impacto dos grandes protestos?
- Duncombe: Pense que a maioria esmagadora da população americana apoiou a invasão do Iraque e hoje 70% dos cidadãos são contrários à ocupação. Não sei quantos mudaram sua posição por conta dos protestos, mas há um momento claro de virada, basta acompanhar as pesquisas, quando os opositores à permanência das tropas no Iraque passaram de menos de 40% para mais de 60% dos americanos adultos. Este número nunca mais parou de crescer. E aquele momento tem um nome: Cindy Sheehan. Ela é o exemplo de um outro tipo de demonstração, de uma categoria de protesto civil que pode ser efetivo no século XXI.
- Valor: Mas aquele ato de desespero individual pode ser encarado como um modelo para a atuação da esquerda daqui para a frente?
- Duncombe: Há algo de mítico naquela mãe demonstrando de modo simples a realidade da guerra que os americanos teimavam em não encarar. Pode ter sido um ato ingênuo, mas o fato é que ela conseguiu furar o bloqueio da realidade imposto à sociedade americana. Sheehan transformou seu ato de desespero em gigantesco movimento político ao nos revelar um presidente que se recusava a receber uma mãe que havia perdido um filho, jovem cidadão americano, defendendo as armas de seu país no distante Oriente Médio. Coube a ela definir os dois lados da questão política. A mensagem não era o de uma mãe de luto mas a de que nós estamos morrendo do outro lado do mundo. Sheehan nos deu uma lição. Se, nós, da esquerda, estamos dispostos a mobilizar recursos para manifestações ambiciosas, estas não podem mais se resumir a uma atividade em que a polícia lhe diz aonde você pode andar, por tempo determinado, você ouve algumas pessoas e pronto. Veja bem, eu vou fazer exatamente isso amanhã para marcar os 40 anos dos primeiros protestos contra a Guerra do Veitnã. Mas nós precisamos ir além.

- Valor: O senhor é um acadêmico militante, um intelectual que vai às ruas, artigo cada vez mais raro nos dias de hoje...
- Duncombe: Eu me vejo como um militante, um organizador político, não muito diferente do que meu avô e meu pai foram. Mas entendo que os meios agora são outros. Vamos pensar no último suspiro das grandes manifestações: os protestos anti-globalização, contrários à OMC, ao FMI. Aquela gente que ocupou as ruas de Seattle se movia de modo muito singular – parecia que estavam em pleno Carnaval. A rua, hoje, para a esquerda do século XXI, precisa ser cada vez mais o espaço da festa, da celebração. Precisamos convencer o eleitor de que nós, os progressistas, ainda podemos fazê-lo acreditar que política pode ser um exercício prazeroso. Mas para isso precisamos estar lá também, ocupar o palco.

- Valor: Já há alguns anos São Paulo vem realizando a maior parada de orgulho homossexual do planeta. Mas seus organizadores são criticados pelos que vêem na crescente carnavalização do evento uma prova de esvaziamento de sua mensagem política...
- Dunconmbe: Mas é exatamente o oposto! E sua pergunta já carrega o dado mais importante sobre o impacto das novas manifestações – as pessoas comparecem! E o trabalho de um ativista político em uma democracia é levar as pessoas para a rua e fazer com que sua voz seja ouvida. Não podemos mais confundir organização social com a criação de sub-culturas que não têm o poder de afetar a cena política. As manifestações de solidariedade às primeiras vítimas da AIDS no começo dos anos 80 me marcaram muito. As pessoas estavam com raiva, seus amigos morrendo, mas elas ocuparam as ruas com um espírito de festividade e até com certo sex appeal. Muitos dos manifestantes trabalhavam em empresas de propaganda e marketing. Eles conseguiram ultrapassar a dor da morte e levar para o mundo da esquerda algo ainda maior, a vontade de viver. O que quero dizer é que a alegria das ruas precisa fazer parte de nosso vocabulário se de fato quisermos novamente tocar as pessoas. Não há nada de errado em tratar de temas que afetam seriamente a todos nós ao som de disco music. Politizar o carnaval, como fizemos com o Bilionários Por Bush, parece-me ser essencial. Agora, é importante perceber que não estamos propondo substituir a pressão política pelo espetáculo. Aquela está mais do que presente, na hora de mostrar para o político que seus eleitores estão celebrando em torno de uma idéia que queremos ver implantada o mais rapidamente possível.



- Valor: Sua dreampolitik prega a necessidade de a esquerda explorar os aspectos progressistas da cultura mais comercial. O senhor não acredita que ‘apropriação da cultura popular’ pode-se confundir com ‘populismo cultural’ - algo que parece permear, por exemplo, o chavismo na Venezuela?
-
Dunconmbe: Sim, o risco é imenso. Mas precisamos arriscar. Nós, os progressistas, estamos diminuindo de tamanho mundo afora.

- Valor: Mas a América Latina nunca foi governada por tantos esquerdistas e os democratas acabaram de vencer as eleições para o Congresso aqui nos EUA...
-
Dunconmbe: O Partido Democrata venceu as eleições por conta da falência do discurso conservador dentro de um Partido Republicano dividido, e não pela aceitação dos valores liberais pelo eleitorado americano. E isso deve se repetir no ano que vem, um democrata quase que certamente vai ser o sucessor de George Bush, mas, e depois de quatro anos? Mas, voltando à sua pergunta, o grande risco é encararmos o espetáculo como o substituto do sonho, como fizeram os fascistas e como a sociedade de consumo faz diariamente. Pense em George Bush descendo com roupa de aviador militar no porta-aviões Abraham Lincoln em 2003 para declarar ‘missão cumprida’ no Iraque. Nosso problema é que neste exato momento a direita detém o monopólio do espetáculo. Nós ficamos do outro lado, confinados à realidade, enquanto a maior parte da sociedade abraçava a simbologia fácil oferecida pela Casa Branca. O que precisamos é repensar o artesanato do espetáculo e o utilizarmos de forma inteligente, dramatizando a realidade, de forma ética, em nosso favor. Cultura pop não é tão ruim assim. É possível ultrapassar o consumismo, a fixação com o lucro, a manipulação de nossos medos coletivos, e explorar as possibilidades que a linguagem dos videogames e a troca de músicas digitais nos oferecem. Pense nas políticas de copyyleft e na abordagem das possibilidades do mundo digital feitas pelo ministério da Cultura do Brasil. Tenho seguido com muito entusiasmo a linha de pensamento do Gilberto Gil, sua posição sobre o que é pirataria e o que é troca de informação.

- Valor: Sua mensagem de que a esquerda precisa continuar sonhando parece-me especialmente interessante no cenário brasileiro, já que há uma sensação forte de que o primeiro mandato do presidente Lula, com a crise ética enfrentada pelo governo e pelo PT, acabou disseminando a idéia de que todas as facções políticas são iguais...
-
Dunconmbe: Veja bem, como um humilde esquerdista norte-americano eu só posso suspirar e desejar que um dia tenhamos a chance de chegar ao poder como a esquerda brasileira o fez. Aqui nos EUA não nos preocupamos em manter-nos puros, pois não há corrupção sem poder. E não temos poder algum. Lula chegou ao poder vendendo o sonho e teve de se afinar com o mercado. Ele hoje é considerado o mais conservador dos esquerdistas eleitos na América Latina, mas isso me interessa menos do que descobrir com quem foram parar as idéias de mudança que ele sempre defendeu. O Lula que chegou ao poder é também fruto de idéias grandiosas de educação gratuita de boa qualidade para todos, do fim da fome. Parece insano, fantasioso, mas é assim que se pressiona por reformas de fato. O lugar deixado por Lula precisa ser ocupado por uma extrema-esquerda que continue sonhando. Pense no México. Você tinha Lopez Obrador como candidato das esquerdas e ao mesmo tempo os zapatistas mantendo uma posição de pragmatismo onírico: vá negociar com eles, enquanto nós continuaremos sonhando. A extrema-esquerda brasileira, creio, deveria tentar manter o fogo aceso. Ou seja, apoiar Lula no que puder, porque poderia ser muito pior sem o PT, e entender a diferença entre purismo ranzinza e a necessidade vital de se abraçar novamente a utopia.

-Valor: Há uma sensação de que se vive uma crise dos valores iluministas na sociedade capitalista contemporânea. Qual é, afinal de contas, em sua opinião, a Ética que devemos defender e praticar nesta nossa ‘idade da fantasia’?
-
Dunconmbe: Os valores iluministas, por si só, não cabem mais em nossa sociedade multifacetada. A esquerda precisa ser menos a viúva do iluminismo e voltar a rufar os tambores iconoclastas. Vamos abraçar a utopia de Eduardo Galeano em As Palavras Andantes, quando ele escreve que ela está no horizonte. Ele dá dois passos e a utopia se distancia também, ou seja, ele nunca a alcançará, mas ela, nos ensina o escritor uruguaio, nos serve para isso: a utopia nos faz caminhar! Este é o objetivo maior da apropriação ética do espetáculo defendida em Dream – representar o sonho, criar uma ilusão que nos ajude a seguir em frente e que nada tem de desilusão. De certo modo, foi o que a direita fez aqui nos EUA. Eles criaram a idéia deste mundo sem sexo, sem aborto, sem Darwin, sem Estado. Nossa sociedade não retrocedeu tanto assim, mas ao manter o sonho aceso eles ajudaram a se criar a ilusão de que esta é uma possibilidade concreta. E moveram peças importantes no tabuleiro político nacional. Isto é fazer política nos tempos de hoje.