Na segunda metade de dezembro a revista italiana ResetDoc começou um debate interessantíssimo sobre a O Islã e a Esquerda Ocidental. A filósofa Nadia Urbinati, professora aqui da Columbia University e que lecionou na Unicamp, foi a primeira convidada a escrever e lançou um tijolaço contra o maquiavelismo reinante no lado de cá do planeta, advocando o diálogo e o multiculturalismo como únicas possibilidades para de fato afetar o jogo político no Oriente. Urbinati lembra que na Itália a tolerância e o diálogo fortaleceram a democracia local. "E foi o diálogo e a tolerância que fizeram, de certa forma, com que os 'pensadores vistos como corretos' (em outras palavras os liberais democratas) não se tornassem, eles mesmos, fanáticos do outro lado do muro", lembra. O debate continuou com artigos de gente como Michael Waltzer (da revista Dissent, que discorda de Urbinati e acha que é preciso estabelecer limites no diálogo, relegando stalinistas, nazistas e fundamentalistas islâmicos a um limbo merecido) eo professor Charles Taylor, aqui da New School. Todos interessados em pensar o papel da esquerda no conturbado mundinho globalizado. Quem quiser acompanhar o debate, é só clicar aqui.
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quarta-feira, janeiro 02, 2008
sexta-feira, agosto 24, 2007
LIVRO/Obama, de David Mendell
O Valor Econômico publicou no caderno deste fim de semana meu texto sobre a biografia que o ótimo repórter do Chicago Tribune, David Mendell, lançou por aqui na semana passada sobre o senador Barack Obama, quiçá o primeiro presidente negro dos EUA. Conversei com Mendell duas vezes e o perfil que ele me ofereceu de Obama - a quem acompanha desde os primeiros tempos no legislativo estadual de Illinois - é o de um homem obcecado em diminuir a agonia dos miseráveis do Império, mas também vaidoso, egocêntrico e que elaborou meticulosamente sua ascensão política. O texto segue abaixo:
Carismático e egocêntrico
Por Eduardo Graça, para o Valor
24/08/2007
Para autor de biografia, Obama não é mais o mesmo: "Ele se moveu para a área moderada, que o deixou mais presidenciável, distante do início de sua trajetória", diz Mendell
O maior fenômeno eleitoral da política americana contemporânea é um advogado calculista, obcecado em conter o avanço da pobreza em seu país, com traços autoritários de caráter e que planejou a chegada à Casa Branca levando em conta a possibilidade de se projetar como vice-presidente em uma chapa liderada pela senadora Hillary Clinton. Lançado na semana passada, "Obama: from Promise to Power" é o resultado dos cinco anos em que o repórter David Mendell, do "Chicago Tribune", seguiu cada passo do democrata Barack Houssein Obama para oferecer um raio X impressionante daquele que pode se tornar o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
Alto, cabelos negros repartidos ao meio, nariz aquilino e pronunciado, Mendell conversou com eleitores de todos os naipes no lançamento de seu livro, em um evento realizado na semana passada no Bryant Park, em Manhattan. O resultado de sua investigação é bem diverso dos dois volumes autobiográficos - "A Audácia da Esperança" e "Dreams from My Father" (inédito no Brasil) - lançados nos últimos três anos pelo senador de Illinois. Uma das principais surpresas é a revelação de que o chamado grupo de Chicago, incluídos aqui os poderosos assessores David Axelrod e Jim Cauley, traçou um ambicioso plano político logo após o famoso discurso de Obama na convenção do Partido Democrata em 2004, em Boston, quando do lançamento da fracassada candidatura de John Kerry. A idéia era prepará-lo para disputar a Presidência já em 2008.
Escondeu-se do público que o político era um fumante inveterado até que ele deixasse o cigarro de lado, definiu-se que o gabinete em Washington seria voltado para abastecer a imprensa de seus feitos legislativos e preparou-se nos mínimos detalhes uma viagem ao Quênia, terra natal de seu pai. "Em Nairóbi, ele foi recebido como uma entidade, uma deificação. Algo inédito na nossa cena política que causou enorme impressão nos repórteres americanos que o acompanharam", conta Mendell.
A estratégia, de acordo com o repórter, uma das estrelas do "Chicago Tribune" desde 1998, incluía a possibilidade de ele sair como vice na chapa de um democrata mais experiente, possivelmente a senadora Hillary.
"Hoje uma chapa Hillary-Obama parece distante, especialmente por conta dos embates que os dois vêm protagonizando e pela lógica de que, no fim, eles disputam os mesmos eleitores e não agregariam votos", explica Mendell. "Tanto Hillary quanto Obama precisam de mais votos entre os eleitores masculinos de origem caucasiana. Mas a estratégia de Obama considera essa possibilidade e ele sabe que, se for convidado publicamente, não terá como explicar à comunidade afro-americana a desistência de tentar ser o primeiro negro vice-presidente do país."
O Obama que surge em "From Promise to Power" lembra menos o herdeiro de John Kennedy apresentado por seus aliados e o aproxima mais de duas habilidosas raposas políticas - Ronald Reagan e Bill Clinton. Nenhuma contradição aqui. "Os dois surgiram com mensagem de otimismo, os antípodas da burocracia de Washington, o novo necessário para reagrupar um país dividido", lembra Mendell. E, como os dois, Obama teria um temperamento bem menos afável de perto do que deixa transparecer em eventos públicos.
De forma jocosa, o repórter abre o livro com Obama ultrapassando as barreiras de segurança da convenção de Boston, sendo recebido aos urros pelo público e se comparando a LeBron James, um dos maiores astros da NBA. "Eu sou LeBron! Posso jogar nesse nível. Sou um craque", teria dito, ao entrar na arena.
Outro ponto alto do livro é o perfil apresentando de Michelle Obama, a mulher do senador. "Ela funciona bem ao mostrar ao senador que ele não está certo o tempo todo. Na prática, ela é a única a exercer esse papel", conta. Mendell revela que um dos maiores receios de Michelle é com a segurança do maior líder político negro do país. Há até discussões abertas sobre ajuda financeira à família em caso de um atentado político contra Obama: "Não penso nisso todo dia, mas a possibilidade está lá e eu preciso garantir que meus filhos ficarão seguros se o pior acontecer", diz.
Filho de um africano com uma americana branca criado no Havaí, Obama sempre se sentiu alijado da comunidade negra nos Estados Unidos. "Foi o que o impulsionou a trabalhar nos projetos habitacionais em Chicago e conseguir uma série de benefícios para os moradores, em sua maioria negros. Mas logo ele percebeu que poderia fazer mais se fosse, por exemplo, prefeito. Imediatamente ele traçou um plano que incluiu a prestigiosa Faculdade de Direito de Harvard, onde se graduou, e entrou decididamente na política local".
Dali para a surpreendente vitória na candidatura ao Senado e as aspirações presidenciais seria um pulo. "Ele parece ser o candidato que acredita de fato, com uma fé cega, que deveria estar na Casa Branca. Obama está convicto de que será um grande presidente", afirma Mendell. O repórter não tem dificuldade alguma para recitar as qualidades que detectou no senador ao acompanhá-lo de perto - carismático, fantástico orador, sério, ético e com uma capacidade de se cercar de pessoas extremamente competentes (o que se revela na sua arrecadação recorde de fundos). E sua obsessão em atacar de frente a crescente desigualdade social americana, de acordo com o jornalista, nada tem de hipocrisia social. Sua missão central, acredita, é a de comandar um gigantesco combate à pobreza, em uma extensão ainda maior do que o último grande projeto tocado por Washington nesse sentido, durante o governo de Lyndon Johnson.
Mas Mendell também não é econômico ao revelar os pontos fracos do político. Na capa da edição de setembro da revista masculina "GQ", uma das mais influentes em seu segmento, Barack Obama é direto: "Estou na corrida presidencial para vencer, quero vencer e acredito que vou vencer. Mas também vou sair desta campanha intacto. Continuarei sendo Barack Obama e não uma paródia de mim mesmo."
Ora, Mendell lembra que o Obama que ele conheceu há três anos já não é o mesmo a desejar a Casa Branca com tanto ardor. Sua chegada ao Capitólio forçou-o a uma acomodação política. "Ele se moveu claramente para uma área mais moderada, mais de centro, que o deixou mais presidenciável, distante do início de sua trajetória. E agora ele tem de lidar com a horda de jornalistas o seguindo para todos os cantos. A irmã dele me contou que desde então o senador costuma passar alguns dias inteiros sozinhos, em silêncio absoluto, nada acessível, selecionando cuidadosamente possíveis interlocutores, expressando uma desconfiança que não havia anteriormente", relata. Mendell ainda o descreve como "severo, egocêntrico e propenso a humilhar interlocutores menos preparados intelectualmente". "E algumas vezes eu percebi uma certa ingenuidade, por exemplo, em encarar o quão cruel e cínico o mundo é. Obama é o otimista eterno e prefere enxergar apenas o lado bom das pessoas", completa.
"From Promise to Power", com suas 406 páginas, revela-se uma fonte imprescindível para os interessados em descobrir quem é, afinal, o homem que quase não compareceu à convenção do partido que oficializou a candidatura de Al Gore em 2000 porque não tinha como pagar a passagem de avião e se transformou no candidato que vem tirando o sono dos Clinton no verão de 2007. O livro ainda não tem lançamento previsto no Brasil, mas já pode ser encomendado na Livraria Cultura, em São Paulo.
quarta-feira, julho 11, 2007
Frase da Semana
68% dos Republicanos não acreditam na Teoria da Evolução. Em contrapartida, apenas 5% dos macacos acreditam no Partido Republicano.
Stephen Colbert, em seu programa de tevê Colbert Report
sábado, junho 02, 2007
ENTREVISTA/Russell Jacoby

A Utopia Ainda é Possível
Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor
Professor de história da Universidade da Califórnia (UCLA) e uma das estrelas da esquerda acadêmica nos Estados Unidos, Russell Jacoby publicou em 1987 sua obra mais famosa, Os Últimos Intelectuais, em que denuncia a trágica extinção dos chamados ‘intelectuais públicos’ e o predomínio de pensadores mais interessados em produzir para seus pares ou alunos do que em interferir na cultura política da sociedade contemporânea. Depois vieram os não menos provocadores ensaios O Fim da Utopia, de 1999 e, há dois anos, Imagem Imperfeita _ Pensamento Utópico para uma Época Antiutópica, que chega agora às livrarias brasileiras pela Record. De Utrecht, na Holanda, onde ministra um curso sobre História Contemporânea para estudantes europeus, Jacoby conversou por telefone com o Valor sobre a necessidade de se imaginar novos modelos sócio-econômicos como ato de sobrevivência política e revelou alguns detalhes de seu próximo livro, uma ambiciosa história daquele que o historiador considera o principal problema de nossos dias: a violência urbana.
- Em Imagem Imperfeita o senhor argumenta que é falsa a idéia de que a oposição ao capitalismo do século XX é necessariamente uma utopia descabida. E afirma que o pensamento utópico jamais exclui reformas reais, ou mesmo o oposto: mudanças dependeriam do combustível fornecido pelos grandes sonhos. É impossível não deixar de pensar na nova política andina de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. O senhor os vê como prova da vitalidade da utopia de esquerda na América Latina ou apenas mais uma mutação do totalitarismo populista que vez em quando assola o continente?
- Em termos genéricos, sou simpático à ascensão de Hugo Chávez e às políticas públicas por ele instituídas na Venezuela. Há dois anos compareci a uma conferência sobre o Bolivarianismo em Florianópolis, e, apesar de não ser um especialista no tema, considero ser crucial pensar de modo utópico na América Latina dos dias de hoje, mas sem cairmos, é claro, em um pensamento demasiadamente inocente. O eleitorado não pode mais se deixar convencer por líderes que inspiram as massas e, ao tomar o poder, subitamente esquecem das propostas progressistas. Meu ponto, em Imagem Impefeita, é justamente o de que as utopias são, apesar de tudo o que se diz ao contrário, impressionantemente relevantes nos dias de hoje. Mais, é do que nós mais precisamos na política do agora. Sabe que o livro acaba de ser traduzido também na China? Eu fico imaginando como é que esta mensagem pode se aplicar ao contexto chinês...
- No Brasil, com pouquíssimas exceções, o eleitor, especialmente o mais escolarizado, parece ter-se abdicado do direito de sonhar depois dos escândalos que disseminaram a idéia de que esquerda e direita, progressistas e conservadores, locupletam-se felizes na geléia geral de corrupção e clientelismo, igualmente desinteressados em um projeto de nação...
- É importante pensar que as experiências pelas quais o Brasil passou recentemente não são inéditas. Fundamentalmente este é o cenário em que vivemos nas democracias ocidentais desde o colapso dos regimes comunistas na Europa Oriental. De uma certa maneira, a idéia ainda é a de que todos nós vimos o sonho acabar ao vivo e a cores. Por que seguir sonhando? Não haveria muito mais a se fazer a não ser limpar as ruas, arrumar as janelas, ficarmos cada vez mais práticos e aceitar o ritmo do mercado. Confesso que uma parte de mim chega a ser tentada pela idéia. Mas, não! Qualquer exercício de poder que resulte em um exercício pragmático, em apenas abraçar as oportunidades às vezes oferecidas pelo mercado, perde imediatamente sua força propulsora, sua razão de ser. Qual a moral da história no envolvimento do PT com esquemas de corrupção? A de que precisamos de partidos políticos puros para o funcionamento da democracia brasileira? A da rendição de que apenas um liberalismo econômico mais ortodoxo pode de fato governar no capitalismo nosso de cada dia? Não. Só há uma resposta. Precisamos lutar por quem faz política sem renunciar a seus objetivos utópicos.
- Aqui nos EUA partimos para uma campanha presidencial em que os candidatos ditos progressistas lutam para manter uma postura mais pragmática, justamente para atrair o eleitorado mais conservador. Não há muito espaço para grandes utopias...
- E de certa maneira ficamos pensando se não é a direita quem vem exercendo com maior habilidade a necessária posição de se jogar com as idéias na América, não é? Creio que em termos de energia, de disposição, não há dúvidas. É a direita quem vem ocupando todos os espaços, são eles que vêm cantando nos campus universitários que ‘os tempos estão mudando’, não nós! Mas, por outro lado, você vê o que acontece quando eles chegam ao poder. Nunca houve tanta corrupção, tanto apadrinhamento em cargos públicos, tanta imoralidade. Nem mesmo nos governos de esquerda! Aqui nos EUA aprendemos que, no fim das contas, a esquerda, pelo menos, tem idéias interessantes. Por isso os candidatos conservadores não têm aparecido com força até o momento na campanha presidencial – por sua total ausência de idéias! Mas, por outro lado, Hillary Clinton é uma tecnocrata. Ainda mais do que o ex-presidente Bill. Ela não é uma grande força de inspiração, não traz de volta o idealismo, fundamental para a prática política, especialmente para os mais jovens. Veja o que acontece nas universidades americanas – a maioria dos professores vêm dos anos 60, a maioria dos alunos dos 80. Eles são, em alguns aspectos, mais conservadores do que nós. E creio que existe alguma conexão entre a decadência das utopias e uma certa direitização do corpo discente nas grandes universidades. Mas, como você sabe, a maré da História muda muito rapidamente...

- Exato! E este é um dos problemas da esquerda ocidental. Os conservadores vêm fazendo intervenções importantes em discussões públicas, ou melhor, dando forma mesmo a estas discussões, sobre pontos importantes da política educacional, do sistema judicial, do combate ao crime. Enquanto isso os progressistas parecem mais interessados em problemas táticos, em reformas políticas, em estrutura partidária. O resultado é que a esquerda não produziu uma geração de pensadores interessados nas políticas públicas e abandonou o mundo das idéias para se dedicar ao pragmatismo da política per se. É preciso fazer o caminho de volta.
- De certa forma o fim do comunismo real afetou a fábrica de pensamento da esquerda em todo o globo...
- Sim, nos EUA, hoje, os principais marxistas estão encastelados nos Departamentos de Língua Inglesa das grandes universidades. É, no mínimo, irônico, não? O problema é que convencionou-se pensar que a União Soviética e a Cortina de Ferro foram a Utopia da segunda metade do século XX. Esta é uma injustiça histórica com os articulados críticos do stalinismo no setor progressista, que durante décadas condenaram aqueles regimes totalitários. A maioria dos crimes realizados contra a humanidade nos séculos XX e XXI foram cometidos por burocratas, não por utopistas. É injusto pensar em campos de concentração como sinônimo de utopia.
- O senhor acredita que a internet e as novas tecnologias digitais cada vez menos presas à geografia tradicional possam ser o espaço possível para o retorno do intelectual público?
- Creio que há alguma possibilidade. A blogosfera vêm exercendo um papel importante na política norte-americana nos dias de hoje, mas de um modo mais fiscalizador, pragmático. Sou cético à idéia de que a internet vá substituir um dia os meios mais tradicionais de troca de idéias. No entanto, como espaço de dissensão ela é perfeita e seu papel é mais do que interessante se pensarmos que vivemos na possibilidade – que não acho distante - de um colapso do sistema mundial tal qual ele é. O sistema globalizado não pode se manter eternamente desta maneira, com o preço altíssimo a ser pago por determinados setores, os portões ficando cada vez maiores, a concentração de riqueza cada vez mais obscena. E ainda temos as mudanças climáticas, o aquecimento global, a poluição, que têm feito muita gente reavaliar a perpetuação do modelo econômico, a pensar que é preciso sonhar com algo diferente, na melhor tradição da esquerda.
- Será que a Utopia Verde pode funcionar como o ponto de reencontro dos progressistas?
- Todos falam de ecologia sem parar hoje em dia não é? Veja o Al Gore! Há muito espaço para se discutir na tenda verde, talvez espaço demais. Se conseguirmos ultrapassar o discurso da reciclagem e da reutilização de pilhas elétricas, há todo um discurso radical muito interessante no pensamento ecológico. Mas a maneira como o discurso verde vem sendo cooptado por grandes corporações, lanchonetes e indústrias o reduzem muitas vezes a um modismo ou fenômeno comportamental. Veja a ditadura da comida orgânica, com seus preços estratosféricos, que, no primeiro mundo, só atendem aos mais ricos. Elas revelam um teor pouco democrático da onda verde, que se incorpora ao discurso-padrão da sociedade de consumo com enorme facilidade.
- O senhor está ministrando um curso de extensão na Europa, vê muita diferença entre o aluno norte-americano e o europeu?
- Vejo algumas semelhanças. Há uma imensa dificuldade em se ‘pensar grande’, uma maior sensação de medo em relação ao futuro, um descrédito da esperança. Há um medo imenso e paralisante do terrorismo islâmico, da imigração ilegal, da violência urbana. Aliás, este último é meu desafio, estou tentando escrever um livro sobre este tema. Não quero de modo algum diminuir o impacto dos atentados do 11 de Setembro mas 3 mil pessoas morreram naquele dia e mais de 15 mil morrem todos os anos nos EUA por conta da violência urbana, mas aparentemente este é um problema que não interessa muito as pessoas em meu país.
- Ou apenas quando um massacre como o da Virginia Tech paralisa o país.
- Exatamente e por questões que todos nós sabemos muito bem. Mas ninguém sabe exatamente o que fazer com o tema. Ou, melhor, nos EUA de hoje há uma parte que prefere fingir que o problema não existe e outra que entregou os pontos. Os conservadores, por exemplo, rapidamente ocuparam o espaço da discussão das idéias afirmando que Virginia Tech não teria acontecido se os outros estudantes também estivessem armados! Agora imagine o ponto em que chegamos, com a discussão séria da idéia de que cada estudantedeveria ir para a universidade com seu revólver!
- Curiosamente há exatamente um ano o Brasil viveu sua maior crise relacionada à violência urbana e não se vê a discussão de novas políticas públicas para o setor. No mês passado o King’s College de Londres divulgou números estarrecedores referentes à população carcerária no planeta. No Brasil, entre 1995 e 2005, enquanto o crescimento demográfico foi de 19,6%, o número de presos aumentou em 142,9%, com a capacidade das prisões superando os 151% de ocupação. O senhor acredita que a solução é construir mais casas de detenção e diminuir o limite de idade para a penalização de jovens que tenham cometido crimes hediondos?
- Não mesmo. As tentativas de diminuição de violência urbana a partir da criação de mais prisões revelaram-se desastrosas. Na Califórnia, a construção e o gerenciamento de penitenciárias é uma das indústrias que mais cresce no estado. Deu muito dinheiro para alguns, mas os que mais sofrem com esta política são, é claro, a população mais humilde, os abandonados pelo Estado e pela sociedade civil, e especialmente os jovens envolvidos em crimes violentos, já que as chances de recuperação são ainda menores.
sexta-feira, maio 11, 2007
PERFIL/Christopher Buckley
Saiu hoje no Valor Econômico o perfil que fiz do escritor ultra-conservador Christopher Buckley, filho do criador da National Review, a bíblia da direita americana, e coqueluche das livrarias daqui desde que seu Obrigado Por Fumar virou sucesso no cinema. Não por acaso ele foi muito bem recebido por parte da audiência brasileira ávida por uma crítica - ainda que pela porta da direita mais escancarada - às muitas contradições do neoliberalismo ianque.
O Dia Do Juízo Final nos EUA
Christopher Buckley, autor de “Obrigado por Fumar”, agora mexe com a crise da previdência social americana em novo livro. Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
O nariz aquilino, ligeiramente aberto na ponta, é o mesmo. O cabelo branco, liso, jogado meticulosamente para a direita, também. Tal pai, tal filho. O decano é William F. Buckley, 81 anos, criador da revista “National Review”, mais influente ideólogo do moderno conservadorismo americano, profeta-mor da impressionante ascensão da direita ianque nos últimos 50 anos. O filho é o autor Christopher Buckley, 54, um dos maiores astros da sátira literária nos Estados Unidos. Jamais traduzido no Brasil, ele ganhou projeção no país no ano passado quando a adaptação de seu “Obrigado por Fumar” chegou aos cinemas com o excelente ator Aaron Eckhart encarnando um lobista da indústria de cigarros disposto a escancarar a hipocrisia da democracia liberal de Washington.
Ainda empolgado com o sucesso do filme, Buckley lança“Boomsday”, um passeio por um dos temas mais áridos da América contemporânea: a crise no sistema de previdência social do país. “Juro que esta será minha única comédia em torno do tema, exatamente como nunca mais resolvi fazer graçaa com o Oriente Médio desde ‘Florence da Arábia’, meu livro anterior.”
“Boomsday” (uma brincadeira com Doomsday, Dia do Juízo Final em inglês) conta a história de um candidato à Casa Branca e sua singular plataforma: incentivar os “baby boomers” a cometerem suicídio quando completarem 75 anos. A medida radical livraria o país da falência e garantiria abatimento nos impostos devidos pelos que se comprometessem com o plano. É o pináculo da aplicação da livre-negociação nas relações de trabalho.

No “Boomsday” de Buckley os EUA estão às voltas com seis guerras, o mercado de ações despencou e uma blogueira bem torneada de 29 anos chamada, não por acaso, Cassandra, lidera uma coalizão de jovens patriotas contra os aposentados, destruindo campos de golfe e tomando as ruas de Washington enquanto anuncia o apocalipse econômico.“Minha geração foi a que saiu às ruas rasgando os certificados de reservista por conta do Vietnã. A próxima deveria rasgar a carteirinha da previdência social com o mesmo afã”, diz Buckley.
Impulsionado pelo sucesso de “Obrigado por Fumar”e pelas boas vendas de “Boomsday”, Buckley não receia pisar em solo pedregoso: “Se fosse um jovem americano, como meu filho, de 19 anos, estaria fulo da vida. O país tem de lidar com um prejuízo anual de US$ 8,5 trilhões e um dia, talvez quando os bancos centrais do Japão ou da China decidirem parar de comprar letras do tesouro americano, ele terá de pagar essa conta. E toda vez que alguém fala em reforma da Previdência aparece um lobby do Partido Democrata no Congresso denunciando que se trata de um ataque aos idosos. Isso é uma bobagem. Infelizmente o problema não vai desaparecer se nos recusarmos a tratá-lo.”
Em números anunciados pelo próprio governo, 1% dos americanos (com renda superior a US$ 1,1 milhão/ano) concentra 22% da riqueza do país (a maior fatia abocanhada pelos mais ricos desde 1929). Em um espectro maior, 10% dos mais ricos (os que ganham mais de US$100 mil/ano) concentram 48,5% da riqueza nacional. O escritor, ele próprio um “boomer”, nascido em 1952, faz uma pausa de efeito, toma um gole de seu café-com-leite comprado no Starbucks e diz acreditar “que ‘Boomsday’ fala com o contribuinte que tem de pagar uma nota para o Imposto de Renda enquanto encara as promissórias cada vez mais extorsivas para conseguir realizar o sonho da casa própria”.
Ele lembra que os primeiros “boomers” começam a se aposentar no ano que vem, incluindo o presidente GeorgeBush, fiel discípulo da cartilha de seu pai. O veterano William Buckley, no entanto, rompeu com o presidente no ano passado por conta do fracasso da guerra no Iraque, acusando-o de ser um “falso conservador”, pouco atento ao rigor fiscal e carente de lógica em sua política externa. “Sei bem que esta é uma exceção e todos vão comemorar sua aposentadoria, apesar de, aos 62anos em 2008, ser mais propíciapara umfrancês. MarkTwain costumava dizer que Shakespeare era mesmo um gênio, apesar de todos os elogios, pois bem, Bush II é mesmo uma tragédia, apesar de tudo de ruim que falam dele.”
Buckley segue pregando seu catecismo libertário: os jovens, implora, deveriam largar seus iPods e expressar sua revolta contra um sistema que os asfixiará. Ou acabarão deparando-se invariavelmente com uma figura como o anti-herói de seu livro, o senador quatrocentão do liberal estado de Massachusetts que, um belo dia, depois de experimentar alucinógenos variados, escuta a inimitável voz do presidente Kennedy ordenando-lhe:“Go for it, boy!” É a deixa para o político entrar na corrida presidencial e emular as teses da Cassandra do século XXI.
Depois do sucesso de“Obrigado porFumar” —uma bilheteriade US$25 milhões apenas nos Estados Unidos—, já se iniciou um leilão em Hollywood para a compra dos direitos de“Boomsday”. “Estou empolgado, mas me lembro sempre que‘ObrigadoporFumar’ demorou dez anos para sair do papel e seria, inicialmente, dirigido por Mel Gibson. Mas ele teve de lidar com coisas menores, como aquele tal de‘Paixão de Cristo’, e me deixou de lado. Adorei o resultado final, mas prefiro pensar como Hemingway, que dizia que com Hollywood o jeito é viajar até a fronteira com a Califérnia e só jogar os manuscritos que você escreveu em território estrangeiro depois que eles mandarem a mala de dinheiro para o lado de cá”, diz, rindo.

Com seus alvos fáceis e um tique por encontrar o cômico no avesso exato da realidade, Buckley acaba dando uma certa razão aos que aproximam seu humor mais do programa televisivo “SaturdayNight Live” do que de um Jonathan Swift, sua influência confessa. Ele não parece se importar. Tampouco move um músculo da face quando precisa encarar a porção da platéia que não veio em busca de autógrafo e parece disposta a questionar sua receita libertária para uma nova América. “Não sou um economista, mas vejo a realidade sufocante. Quando o New Deal foi criado por Roosevelt, tínhamos uma média de 15 trabalhadores para cada aposentado. Hoje são três por um! Escrever sobre o tema de forma interessante foi meu desafio e fico feliz que tanta gente esteja comprando olivro.”
Seu próximo alvo já está até escolhido: ele começou a escrever uma sátira à Suprema Corte ou, como prefere Buckley, “aquela vetusta instituição composta por nove juízes que passam o tempo enviando bilhetinhos uns para os outros”. Hollywood não perde por esperar.
O Dia Do Juízo Final nos EUA
Christopher Buckley, autor de “Obrigado por Fumar”, agora mexe com a crise da previdência social americana em novo livro. Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
O nariz aquilino, ligeiramente aberto na ponta, é o mesmo. O cabelo branco, liso, jogado meticulosamente para a direita, também. Tal pai, tal filho. O decano é William F. Buckley, 81 anos, criador da revista “National Review”, mais influente ideólogo do moderno conservadorismo americano, profeta-mor da impressionante ascensão da direita ianque nos últimos 50 anos. O filho é o autor Christopher Buckley, 54, um dos maiores astros da sátira literária nos Estados Unidos. Jamais traduzido no Brasil, ele ganhou projeção no país no ano passado quando a adaptação de seu “Obrigado por Fumar” chegou aos cinemas com o excelente ator Aaron Eckhart encarnando um lobista da indústria de cigarros disposto a escancarar a hipocrisia da democracia liberal de Washington.

“Boomsday” (uma brincadeira com Doomsday, Dia do Juízo Final em inglês) conta a história de um candidato à Casa Branca e sua singular plataforma: incentivar os “baby boomers” a cometerem suicídio quando completarem 75 anos. A medida radical livraria o país da falência e garantiria abatimento nos impostos devidos pelos que se comprometessem com o plano. É o pináculo da aplicação da livre-negociação nas relações de trabalho.

No “Boomsday” de Buckley os EUA estão às voltas com seis guerras, o mercado de ações despencou e uma blogueira bem torneada de 29 anos chamada, não por acaso, Cassandra, lidera uma coalizão de jovens patriotas contra os aposentados, destruindo campos de golfe e tomando as ruas de Washington enquanto anuncia o apocalipse econômico.“Minha geração foi a que saiu às ruas rasgando os certificados de reservista por conta do Vietnã. A próxima deveria rasgar a carteirinha da previdência social com o mesmo afã”, diz Buckley.
Impulsionado pelo sucesso de “Obrigado por Fumar”e pelas boas vendas de “Boomsday”, Buckley não receia pisar em solo pedregoso: “Se fosse um jovem americano, como meu filho, de 19 anos, estaria fulo da vida. O país tem de lidar com um prejuízo anual de US$ 8,5 trilhões e um dia, talvez quando os bancos centrais do Japão ou da China decidirem parar de comprar letras do tesouro americano, ele terá de pagar essa conta. E toda vez que alguém fala em reforma da Previdência aparece um lobby do Partido Democrata no Congresso denunciando que se trata de um ataque aos idosos. Isso é uma bobagem. Infelizmente o problema não vai desaparecer se nos recusarmos a tratá-lo.”
Em números anunciados pelo próprio governo, 1% dos americanos (com renda superior a US$ 1,1 milhão/ano) concentra 22% da riqueza do país (a maior fatia abocanhada pelos mais ricos desde 1929). Em um espectro maior, 10% dos mais ricos (os que ganham mais de US$100 mil/ano) concentram 48,5% da riqueza nacional. O escritor, ele próprio um “boomer”, nascido em 1952, faz uma pausa de efeito, toma um gole de seu café-com-leite comprado no Starbucks e diz acreditar “que ‘Boomsday’ fala com o contribuinte que tem de pagar uma nota para o Imposto de Renda enquanto encara as promissórias cada vez mais extorsivas para conseguir realizar o sonho da casa própria”.
Ele lembra que os primeiros “boomers” começam a se aposentar no ano que vem, incluindo o presidente GeorgeBush, fiel discípulo da cartilha de seu pai. O veterano William Buckley, no entanto, rompeu com o presidente no ano passado por conta do fracasso da guerra no Iraque, acusando-o de ser um “falso conservador”, pouco atento ao rigor fiscal e carente de lógica em sua política externa. “Sei bem que esta é uma exceção e todos vão comemorar sua aposentadoria, apesar de, aos 62anos em 2008, ser mais propíciapara umfrancês. MarkTwain costumava dizer que Shakespeare era mesmo um gênio, apesar de todos os elogios, pois bem, Bush II é mesmo uma tragédia, apesar de tudo de ruim que falam dele.”
Buckley segue pregando seu catecismo libertário: os jovens, implora, deveriam largar seus iPods e expressar sua revolta contra um sistema que os asfixiará. Ou acabarão deparando-se invariavelmente com uma figura como o anti-herói de seu livro, o senador quatrocentão do liberal estado de Massachusetts que, um belo dia, depois de experimentar alucinógenos variados, escuta a inimitável voz do presidente Kennedy ordenando-lhe:“Go for it, boy!” É a deixa para o político entrar na corrida presidencial e emular as teses da Cassandra do século XXI.
Depois do sucesso de“Obrigado porFumar” —uma bilheteriade US$25 milhões apenas nos Estados Unidos—, já se iniciou um leilão em Hollywood para a compra dos direitos de“Boomsday”. “Estou empolgado, mas me lembro sempre que‘ObrigadoporFumar’ demorou dez anos para sair do papel e seria, inicialmente, dirigido por Mel Gibson. Mas ele teve de lidar com coisas menores, como aquele tal de‘Paixão de Cristo’, e me deixou de lado. Adorei o resultado final, mas prefiro pensar como Hemingway, que dizia que com Hollywood o jeito é viajar até a fronteira com a Califérnia e só jogar os manuscritos que você escreveu em território estrangeiro depois que eles mandarem a mala de dinheiro para o lado de cá”, diz, rindo.

Com seus alvos fáceis e um tique por encontrar o cômico no avesso exato da realidade, Buckley acaba dando uma certa razão aos que aproximam seu humor mais do programa televisivo “SaturdayNight Live” do que de um Jonathan Swift, sua influência confessa. Ele não parece se importar. Tampouco move um músculo da face quando precisa encarar a porção da platéia que não veio em busca de autógrafo e parece disposta a questionar sua receita libertária para uma nova América. “Não sou um economista, mas vejo a realidade sufocante. Quando o New Deal foi criado por Roosevelt, tínhamos uma média de 15 trabalhadores para cada aposentado. Hoje são três por um! Escrever sobre o tema de forma interessante foi meu desafio e fico feliz que tanta gente esteja comprando olivro.”
Seu próximo alvo já está até escolhido: ele começou a escrever uma sátira à Suprema Corte ou, como prefere Buckley, “aquela vetusta instituição composta por nove juízes que passam o tempo enviando bilhetinhos uns para os outros”. Hollywood não perde por esperar.
O Legado de Tony Blair, por Tariq Ali
O Guardian publicou hoje um excepcional artigo de Tariq Ali sobre a herança de Tony Blair, que deixa o comando da Grã-Bretanha como o 'cão de guarda favorito do canil do Império', de acordo com o historiador paquistanês.
Alguns trechos:
- Blair falou em seu discurso de despedida do Reino Unido como 'a melhor e maior nação do mundo', ignorando como a Inglaterra se transformou, sob sua liderança, no cão de ataque favorito do canil do império.
- Blair foi sempre fiel aos ocupantes da Casa Branca. Na Europa, ele preferiu Aznar a Zapatero, Merkel a Schröder, ficou seriamente impressionado com Berlusconi e, mais recentemente, não fez segredo algum de seu apoio a Srkozy. Ele entendeu que privatização e desregulamentação na política interna são parte do mesmo mecanismo de fazer guerras longe de casa.
Alguns trechos:
- Blair falou em seu discurso de despedida do Reino Unido como 'a melhor e maior nação do mundo', ignorando como a Inglaterra se transformou, sob sua liderança, no cão de ataque favorito do canil do império.
- Blair foi sempre fiel aos ocupantes da Casa Branca. Na Europa, ele preferiu Aznar a Zapatero, Merkel a Schröder, ficou seriamente impressionado com Berlusconi e, mais recentemente, não fez segredo algum de seu apoio a Srkozy. Ele entendeu que privatização e desregulamentação na política interna são parte do mesmo mecanismo de fazer guerras longe de casa.
domingo, abril 29, 2007
Guantánamera
Em julho último escrevi para o Valor Econômico uma reportagem sobre os abnegados advogados norte-americanos e britânicos que, em geral sem receber um tostão pelo árduo trabalho, vêm defendendo os prisioneiros detidos na vergonhosa prisão militar de Guantánamo, uma área de Cuba arrendada aos EUA desde a Guerra Hispânico-Americana de 1898. Pois nesta quinta-feira o repórter William Glaberson, do NYT, revelou que o Departamento de Justiça dos EUA quer basicamente suprimir a possibilidade de os detentos desfrutarem de assistência legal. É, como diz o jornalão nova-iorquino, difícil saber quem o governo Bush considera seu maior inimigo - se os presos ou se seus advogados.
São os advogados - gente como Zachary Katznelson, Stephen Oleskey, Bill Goodman e Clive Starfford Smith - que vinham revelando ao mundo os detalhes de uma das maiores imoralidades do 'mundo livre' pós-11 de Setembro, uma história triste de abuso, tortura, prisão de inocentes e desrespeito à consituição norte-americana. Sem eles, aumenta a possibildiade de que Guantánamo siga o goulag tropical criado pelos conservadores encastelados em Washington.
A excepcional reportagem de Glaberson pode ser lida aqui, infelizmente apenas em inglês.
Minha conversa com os advogados, publicadada pelo Valor em julho de 2006, está aqui.
São os advogados - gente como Zachary Katznelson, Stephen Oleskey, Bill Goodman e Clive Starfford Smith - que vinham revelando ao mundo os detalhes de uma das maiores imoralidades do 'mundo livre' pós-11 de Setembro, uma história triste de abuso, tortura, prisão de inocentes e desrespeito à consituição norte-americana. Sem eles, aumenta a possibildiade de que Guantánamo siga o goulag tropical criado pelos conservadores encastelados em Washington.
A excepcional reportagem de Glaberson pode ser lida aqui, infelizmente apenas em inglês.
Minha conversa com os advogados, publicadada pelo Valor em julho de 2006, está aqui.
segunda-feira, abril 09, 2007
ENTREVISTA / Stephen Duncombe
O Valor Econômico publicou neste fim de semana minha entrevista com o Professor Stephen Duncombe, da NYU, um ótimo papo e figura interessantíssima no debate sobre o lugar a ser ocupado pelas esquerdas no mundinho globalizado de nossos dias. Olhem só:
POLÍTICA
QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA
Para o Professor Stephen Duncombe, há uma necessidade vital de se abraçar novamente as utopias e as idéias progressistas. Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York.
A esquerda precisa ser menos a viúva dos valores iluministas e recuperar seu viés iconoclasta. A constatação é do professor Stephen Duncombe, da Universidade de Nova Iorque (NYU), que acaba de lançar Dream: Re-Imagining Progressive Politics in an Age of Fantasy, apontado tanto pelo filósofo marxista Marshall Berman (Tudo que é Sólido Desmancha no Ar) quanto pelo badalado sociólogo pós-moderno Slavoj Zizek (Bem-Vindo ao Deserto do Real!) como leitura obrigatória neste inverno no hemisfério norte.
Um dos criadores dos Billionários Por Bush - ativistas que ‘apoiaram’ a reeleição do presidente republicano desfilando pelo país em suas limusines e ‘celebrando’ a redução de impostos para os mais ricos – Duncombe conversou com o Valor em seu escritório de frente para a Broadway enquanto se preparava para sair às ruas novamente, desta vez para se juntar aos manifestantes que ocupariam Bryant Park em um gigantesco protesto contra os cinco anos de ocupação no Iraque. Para Duncombe, que descobriu a esquerda nas bandas de punk que povoavam os conjuntos habitacionais da New Haven de sua adolescência, é hora de os setores progressistas – ‘especialmente os mais radicais’ – deixarem o purismo de lado, encararem o fato de que ‘ficar esperando pela grande verdade libertadora é apenas fazer política de modo preguiçoso’ e abraçarem a dreampolitik, termo por ele cunhado em oposição sarcástica à realpolitik, para definir a filosofia política defendida em Dream. A idéia é que a esquerda precisa usar os elementos do sonho, da fantasia (vídeo game, Las Vages, Hollywood, música pop, You Tube) para concretizar suas ações políticas.

- Valor: As eleições do ano passado no Brasil foram marcadas pela relativa ausência de mobilização popular. Aqui nos EUA não se vêem mais manifestações de massa como as de 40 anos atrás, quando milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a Guerra do Vietnã. O senhor acredita que a era dos comícios chegou ao fim?
- Stephen Duncombe: É claro que precisamos levar em conta a especificidade das eleições de 2006. Lula estava tentando se reeleger e contava com um imenso apoio popular, inclusive dos movimentos sociais organizados mais significativos. Mas eu acredito que a era das grandes marchas, de fato, acabou, e que descanse em paz! Aquele era um modelo do século XIX, com um claro viés militar, das pessoas andando em colunas repetindo palavras de ordem e mantendo a idéia de que o público era uma força extrínseca – a ‘massa de manobras’ - e não personagem criador do movimento. E nós não vivemos mais neste mundo. Aqui nos EUA, por exemplo, os ricos vivem em condomínios fechados e os pobres se amontoam nos subúrbios, distantes da cidade. Não há mais a concentração urbana tal qual a do século XX.
- Valor: Mas o chamado ativismo político de guerrilha, como o dos Bilionários Por Bush, tem o mesmo impacto dos grandes protestos?
- Duncombe: Pense que a maioria esmagadora da população americana apoiou a invasão do Iraque e hoje 70% dos cidadãos são contrários à ocupação. Não sei quantos mudaram sua posição por conta dos protestos, mas há um momento claro de virada, basta acompanhar as pesquisas, quando os opositores à permanência das tropas no Iraque passaram de menos de 40% para mais de 60% dos americanos adultos. Este número nunca mais parou de crescer. E aquele momento tem um nome: Cindy Sheehan. Ela é o exemplo de um outro tipo de demonstração, de uma categoria de protesto civil que pode ser efetivo no século XXI.
- Valor: Mas aquele ato de desespero individual pode ser encarado como um modelo para a atuação da esquerda daqui para a frente?
- Duncombe: Há algo de mítico naquela mãe demonstrando de modo simples a realidade da guerra que os americanos teimavam em não encarar. Pode ter sido um ato ingênuo, mas o fato é que ela conseguiu furar o bloqueio da realidade imposto à sociedade americana. Sheehan transformou seu ato de desespero em gigantesco movimento político ao nos revelar um presidente que se recusava a receber uma mãe que havia perdido um filho, jovem cidadão americano, defendendo as armas de seu país no distante Oriente Médio. Coube a ela definir os dois lados da questão política. A mensagem não era o de uma mãe de luto mas a de que nós estamos morrendo do outro lado do mundo. Sheehan nos deu uma lição. Se, nós, da esquerda, estamos dispostos a mobilizar recursos para manifestações ambiciosas, estas não podem mais se resumir a uma atividade em que a polícia lhe diz aonde você pode andar, por tempo determinado, você ouve algumas pessoas e pronto. Veja bem, eu vou fazer exatamente isso amanhã para marcar os 40 anos dos primeiros protestos contra a Guerra do Veitnã. Mas nós precisamos ir além.
- Valor: O senhor é um acadêmico militante, um intelectual que vai às ruas, artigo cada vez mais raro nos dias de hoje...
- Duncombe: Eu me vejo como um militante, um organizador político, não muito diferente do que meu avô e meu pai foram. Mas entendo que os meios agora são outros. Vamos pensar no último suspiro das grandes manifestações: os protestos anti-globalização, contrários à OMC, ao FMI. Aquela gente que ocupou as ruas de Seattle se movia de modo muito singular – parecia que estavam em pleno Carnaval. A rua, hoje, para a esquerda do século XXI, precisa ser cada vez mais o espaço da festa, da celebração. Precisamos convencer o eleitor de que nós, os progressistas, ainda podemos fazê-lo acreditar que política pode ser um exercício prazeroso. Mas para isso precisamos estar lá também, ocupar o palco.
- Valor: Já há alguns anos São Paulo vem realizando a maior parada de orgulho homossexual do planeta. Mas seus organizadores são criticados pelos que vêem na crescente carnavalização do evento uma prova de esvaziamento de sua mensagem política...
- Dunconmbe: Mas é exatamente o oposto! E sua pergunta já carrega o dado mais importante sobre o impacto das novas manifestações – as pessoas comparecem! E o trabalho de um ativista político em uma democracia é levar as pessoas para a rua e fazer com que sua voz seja ouvida. Não podemos mais confundir organização social com a criação de sub-culturas que não têm o poder de afetar a cena política. As manifestações de solidariedade às primeiras vítimas da AIDS no começo dos anos 80 me marcaram muito. As pessoas estavam com raiva, seus amigos morrendo, mas elas ocuparam as ruas com um espírito de festividade e até com certo sex appeal. Muitos dos manifestantes trabalhavam em empresas de propaganda e marketing. Eles conseguiram ultrapassar a dor da morte e levar para o mundo da esquerda algo ainda maior, a vontade de viver. O que quero dizer é que a alegria das ruas precisa fazer parte de nosso vocabulário se de fato quisermos novamente tocar as pessoas. Não há nada de errado em tratar de temas que afetam seriamente a todos nós ao som de disco music. Politizar o carnaval, como fizemos com o Bilionários Por Bush, parece-me ser essencial. Agora, é importante perceber que não estamos propondo substituir a pressão política pelo espetáculo. Aquela está mais do que presente, na hora de mostrar para o político que seus eleitores estão celebrando em torno de uma idéia que queremos ver implantada o mais rapidamente possível.

- Valor: Sua dreampolitik prega a necessidade de a esquerda explorar os aspectos progressistas da cultura mais comercial. O senhor não acredita que ‘apropriação da cultura popular’ pode-se confundir com ‘populismo cultural’ - algo que parece permear, por exemplo, o chavismo na Venezuela?
- Dunconmbe: Sim, o risco é imenso. Mas precisamos arriscar. Nós, os progressistas, estamos diminuindo de tamanho mundo afora.
- Valor: Mas a América Latina nunca foi governada por tantos esquerdistas e os democratas acabaram de vencer as eleições para o Congresso aqui nos EUA...
- Dunconmbe: O Partido Democrata venceu as eleições por conta da falência do discurso conservador dentro de um Partido Republicano dividido, e não pela aceitação dos valores liberais pelo eleitorado americano. E isso deve se repetir no ano que vem, um democrata quase que certamente vai ser o sucessor de George Bush, mas, e depois de quatro anos? Mas, voltando à sua pergunta, o grande risco é encararmos o espetáculo como o substituto do sonho, como fizeram os fascistas e como a sociedade de consumo faz diariamente. Pense em George Bush descendo com roupa de aviador militar no porta-aviões Abraham Lincoln em 2003 para declarar ‘missão cumprida’ no Iraque. Nosso problema é que neste exato momento a direita detém o monopólio do espetáculo. Nós ficamos do outro lado, confinados à realidade, enquanto a maior parte da sociedade abraçava a simbologia fácil oferecida pela Casa Branca. O que precisamos é repensar o artesanato do espetáculo e o utilizarmos de forma inteligente, dramatizando a realidade, de forma ética, em nosso favor. Cultura pop não é tão ruim assim. É possível ultrapassar o consumismo, a fixação com o lucro, a manipulação de nossos medos coletivos, e explorar as possibilidades que a linguagem dos videogames e a troca de músicas digitais nos oferecem. Pense nas políticas de copyyleft e na abordagem das possibilidades do mundo digital feitas pelo ministério da Cultura do Brasil. Tenho seguido com muito entusiasmo a linha de pensamento do Gilberto Gil, sua posição sobre o que é pirataria e o que é troca de informação.
- Valor: Sua mensagem de que a esquerda precisa continuar sonhando parece-me especialmente interessante no cenário brasileiro, já que há uma sensação forte de que o primeiro mandato do presidente Lula, com a crise ética enfrentada pelo governo e pelo PT, acabou disseminando a idéia de que todas as facções políticas são iguais...
- Dunconmbe: Veja bem, como um humilde esquerdista norte-americano eu só posso suspirar e desejar que um dia tenhamos a chance de chegar ao poder como a esquerda brasileira o fez. Aqui nos EUA não nos preocupamos em manter-nos puros, pois não há corrupção sem poder. E não temos poder algum. Lula chegou ao poder vendendo o sonho e teve de se afinar com o mercado. Ele hoje é considerado o mais conservador dos esquerdistas eleitos na América Latina, mas isso me interessa menos do que descobrir com quem foram parar as idéias de mudança que ele sempre defendeu. O Lula que chegou ao poder é também fruto de idéias grandiosas de educação gratuita de boa qualidade para todos, do fim da fome. Parece insano, fantasioso, mas é assim que se pressiona por reformas de fato. O lugar deixado por Lula precisa ser ocupado por uma extrema-esquerda que continue sonhando. Pense no México. Você tinha Lopez Obrador como candidato das esquerdas e ao mesmo tempo os zapatistas mantendo uma posição de pragmatismo onírico: vá negociar com eles, enquanto nós continuaremos sonhando. A extrema-esquerda brasileira, creio, deveria tentar manter o fogo aceso. Ou seja, apoiar Lula no que puder, porque poderia ser muito pior sem o PT, e entender a diferença entre purismo ranzinza e a necessidade vital de se abraçar novamente a utopia.
-Valor: Há uma sensação de que se vive uma crise dos valores iluministas na sociedade capitalista contemporânea. Qual é, afinal de contas, em sua opinião, a Ética que devemos defender e praticar nesta nossa ‘idade da fantasia’?
- Dunconmbe: Os valores iluministas, por si só, não cabem mais em nossa sociedade multifacetada. A esquerda precisa ser menos a viúva do iluminismo e voltar a rufar os tambores iconoclastas. Vamos abraçar a utopia de Eduardo Galeano em As Palavras Andantes, quando ele escreve que ela está no horizonte. Ele dá dois passos e a utopia se distancia também, ou seja, ele nunca a alcançará, mas ela, nos ensina o escritor uruguaio, nos serve para isso: a utopia nos faz caminhar! Este é o objetivo maior da apropriação ética do espetáculo defendida em Dream – representar o sonho, criar uma ilusão que nos ajude a seguir em frente e que nada tem de desilusão. De certo modo, foi o que a direita fez aqui nos EUA. Eles criaram a idéia deste mundo sem sexo, sem aborto, sem Darwin, sem Estado. Nossa sociedade não retrocedeu tanto assim, mas ao manter o sonho aceso eles ajudaram a se criar a ilusão de que esta é uma possibilidade concreta. E moveram peças importantes no tabuleiro político nacional. Isto é fazer política nos tempos de hoje.
POLÍTICA
QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA
Para o Professor Stephen Duncombe, há uma necessidade vital de se abraçar novamente as utopias e as idéias progressistas. Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York.
A esquerda precisa ser menos a viúva dos valores iluministas e recuperar seu viés iconoclasta. A constatação é do professor Stephen Duncombe, da Universidade de Nova Iorque (NYU), que acaba de lançar Dream: Re-Imagining Progressive Politics in an Age of Fantasy, apontado tanto pelo filósofo marxista Marshall Berman (Tudo que é Sólido Desmancha no Ar) quanto pelo badalado sociólogo pós-moderno Slavoj Zizek (Bem-Vindo ao Deserto do Real!) como leitura obrigatória neste inverno no hemisfério norte.
Um dos criadores dos Billionários Por Bush - ativistas que ‘apoiaram’ a reeleição do presidente republicano desfilando pelo país em suas limusines e ‘celebrando’ a redução de impostos para os mais ricos – Duncombe conversou com o Valor em seu escritório de frente para a Broadway enquanto se preparava para sair às ruas novamente, desta vez para se juntar aos manifestantes que ocupariam Bryant Park em um gigantesco protesto contra os cinco anos de ocupação no Iraque. Para Duncombe, que descobriu a esquerda nas bandas de punk que povoavam os conjuntos habitacionais da New Haven de sua adolescência, é hora de os setores progressistas – ‘especialmente os mais radicais’ – deixarem o purismo de lado, encararem o fato de que ‘ficar esperando pela grande verdade libertadora é apenas fazer política de modo preguiçoso’ e abraçarem a dreampolitik, termo por ele cunhado em oposição sarcástica à realpolitik, para definir a filosofia política defendida em Dream. A idéia é que a esquerda precisa usar os elementos do sonho, da fantasia (vídeo game, Las Vages, Hollywood, música pop, You Tube) para concretizar suas ações políticas.

- Valor: As eleições do ano passado no Brasil foram marcadas pela relativa ausência de mobilização popular. Aqui nos EUA não se vêem mais manifestações de massa como as de 40 anos atrás, quando milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a Guerra do Vietnã. O senhor acredita que a era dos comícios chegou ao fim?
- Stephen Duncombe: É claro que precisamos levar em conta a especificidade das eleições de 2006. Lula estava tentando se reeleger e contava com um imenso apoio popular, inclusive dos movimentos sociais organizados mais significativos. Mas eu acredito que a era das grandes marchas, de fato, acabou, e que descanse em paz! Aquele era um modelo do século XIX, com um claro viés militar, das pessoas andando em colunas repetindo palavras de ordem e mantendo a idéia de que o público era uma força extrínseca – a ‘massa de manobras’ - e não personagem criador do movimento. E nós não vivemos mais neste mundo. Aqui nos EUA, por exemplo, os ricos vivem em condomínios fechados e os pobres se amontoam nos subúrbios, distantes da cidade. Não há mais a concentração urbana tal qual a do século XX.
- Valor: Mas o chamado ativismo político de guerrilha, como o dos Bilionários Por Bush, tem o mesmo impacto dos grandes protestos?
- Duncombe: Pense que a maioria esmagadora da população americana apoiou a invasão do Iraque e hoje 70% dos cidadãos são contrários à ocupação. Não sei quantos mudaram sua posição por conta dos protestos, mas há um momento claro de virada, basta acompanhar as pesquisas, quando os opositores à permanência das tropas no Iraque passaram de menos de 40% para mais de 60% dos americanos adultos. Este número nunca mais parou de crescer. E aquele momento tem um nome: Cindy Sheehan. Ela é o exemplo de um outro tipo de demonstração, de uma categoria de protesto civil que pode ser efetivo no século XXI.
- Valor: Mas aquele ato de desespero individual pode ser encarado como um modelo para a atuação da esquerda daqui para a frente?
- Duncombe: Há algo de mítico naquela mãe demonstrando de modo simples a realidade da guerra que os americanos teimavam em não encarar. Pode ter sido um ato ingênuo, mas o fato é que ela conseguiu furar o bloqueio da realidade imposto à sociedade americana. Sheehan transformou seu ato de desespero em gigantesco movimento político ao nos revelar um presidente que se recusava a receber uma mãe que havia perdido um filho, jovem cidadão americano, defendendo as armas de seu país no distante Oriente Médio. Coube a ela definir os dois lados da questão política. A mensagem não era o de uma mãe de luto mas a de que nós estamos morrendo do outro lado do mundo. Sheehan nos deu uma lição. Se, nós, da esquerda, estamos dispostos a mobilizar recursos para manifestações ambiciosas, estas não podem mais se resumir a uma atividade em que a polícia lhe diz aonde você pode andar, por tempo determinado, você ouve algumas pessoas e pronto. Veja bem, eu vou fazer exatamente isso amanhã para marcar os 40 anos dos primeiros protestos contra a Guerra do Veitnã. Mas nós precisamos ir além.
- Valor: O senhor é um acadêmico militante, um intelectual que vai às ruas, artigo cada vez mais raro nos dias de hoje...
- Duncombe: Eu me vejo como um militante, um organizador político, não muito diferente do que meu avô e meu pai foram. Mas entendo que os meios agora são outros. Vamos pensar no último suspiro das grandes manifestações: os protestos anti-globalização, contrários à OMC, ao FMI. Aquela gente que ocupou as ruas de Seattle se movia de modo muito singular – parecia que estavam em pleno Carnaval. A rua, hoje, para a esquerda do século XXI, precisa ser cada vez mais o espaço da festa, da celebração. Precisamos convencer o eleitor de que nós, os progressistas, ainda podemos fazê-lo acreditar que política pode ser um exercício prazeroso. Mas para isso precisamos estar lá também, ocupar o palco.
- Valor: Já há alguns anos São Paulo vem realizando a maior parada de orgulho homossexual do planeta. Mas seus organizadores são criticados pelos que vêem na crescente carnavalização do evento uma prova de esvaziamento de sua mensagem política...
- Dunconmbe: Mas é exatamente o oposto! E sua pergunta já carrega o dado mais importante sobre o impacto das novas manifestações – as pessoas comparecem! E o trabalho de um ativista político em uma democracia é levar as pessoas para a rua e fazer com que sua voz seja ouvida. Não podemos mais confundir organização social com a criação de sub-culturas que não têm o poder de afetar a cena política. As manifestações de solidariedade às primeiras vítimas da AIDS no começo dos anos 80 me marcaram muito. As pessoas estavam com raiva, seus amigos morrendo, mas elas ocuparam as ruas com um espírito de festividade e até com certo sex appeal. Muitos dos manifestantes trabalhavam em empresas de propaganda e marketing. Eles conseguiram ultrapassar a dor da morte e levar para o mundo da esquerda algo ainda maior, a vontade de viver. O que quero dizer é que a alegria das ruas precisa fazer parte de nosso vocabulário se de fato quisermos novamente tocar as pessoas. Não há nada de errado em tratar de temas que afetam seriamente a todos nós ao som de disco music. Politizar o carnaval, como fizemos com o Bilionários Por Bush, parece-me ser essencial. Agora, é importante perceber que não estamos propondo substituir a pressão política pelo espetáculo. Aquela está mais do que presente, na hora de mostrar para o político que seus eleitores estão celebrando em torno de uma idéia que queremos ver implantada o mais rapidamente possível.

- Valor: Sua dreampolitik prega a necessidade de a esquerda explorar os aspectos progressistas da cultura mais comercial. O senhor não acredita que ‘apropriação da cultura popular’ pode-se confundir com ‘populismo cultural’ - algo que parece permear, por exemplo, o chavismo na Venezuela?
- Dunconmbe: Sim, o risco é imenso. Mas precisamos arriscar. Nós, os progressistas, estamos diminuindo de tamanho mundo afora.
- Valor: Mas a América Latina nunca foi governada por tantos esquerdistas e os democratas acabaram de vencer as eleições para o Congresso aqui nos EUA...
- Dunconmbe: O Partido Democrata venceu as eleições por conta da falência do discurso conservador dentro de um Partido Republicano dividido, e não pela aceitação dos valores liberais pelo eleitorado americano. E isso deve se repetir no ano que vem, um democrata quase que certamente vai ser o sucessor de George Bush, mas, e depois de quatro anos? Mas, voltando à sua pergunta, o grande risco é encararmos o espetáculo como o substituto do sonho, como fizeram os fascistas e como a sociedade de consumo faz diariamente. Pense em George Bush descendo com roupa de aviador militar no porta-aviões Abraham Lincoln em 2003 para declarar ‘missão cumprida’ no Iraque. Nosso problema é que neste exato momento a direita detém o monopólio do espetáculo. Nós ficamos do outro lado, confinados à realidade, enquanto a maior parte da sociedade abraçava a simbologia fácil oferecida pela Casa Branca. O que precisamos é repensar o artesanato do espetáculo e o utilizarmos de forma inteligente, dramatizando a realidade, de forma ética, em nosso favor. Cultura pop não é tão ruim assim. É possível ultrapassar o consumismo, a fixação com o lucro, a manipulação de nossos medos coletivos, e explorar as possibilidades que a linguagem dos videogames e a troca de músicas digitais nos oferecem. Pense nas políticas de copyyleft e na abordagem das possibilidades do mundo digital feitas pelo ministério da Cultura do Brasil. Tenho seguido com muito entusiasmo a linha de pensamento do Gilberto Gil, sua posição sobre o que é pirataria e o que é troca de informação.
- Valor: Sua mensagem de que a esquerda precisa continuar sonhando parece-me especialmente interessante no cenário brasileiro, já que há uma sensação forte de que o primeiro mandato do presidente Lula, com a crise ética enfrentada pelo governo e pelo PT, acabou disseminando a idéia de que todas as facções políticas são iguais...
- Dunconmbe: Veja bem, como um humilde esquerdista norte-americano eu só posso suspirar e desejar que um dia tenhamos a chance de chegar ao poder como a esquerda brasileira o fez. Aqui nos EUA não nos preocupamos em manter-nos puros, pois não há corrupção sem poder. E não temos poder algum. Lula chegou ao poder vendendo o sonho e teve de se afinar com o mercado. Ele hoje é considerado o mais conservador dos esquerdistas eleitos na América Latina, mas isso me interessa menos do que descobrir com quem foram parar as idéias de mudança que ele sempre defendeu. O Lula que chegou ao poder é também fruto de idéias grandiosas de educação gratuita de boa qualidade para todos, do fim da fome. Parece insano, fantasioso, mas é assim que se pressiona por reformas de fato. O lugar deixado por Lula precisa ser ocupado por uma extrema-esquerda que continue sonhando. Pense no México. Você tinha Lopez Obrador como candidato das esquerdas e ao mesmo tempo os zapatistas mantendo uma posição de pragmatismo onírico: vá negociar com eles, enquanto nós continuaremos sonhando. A extrema-esquerda brasileira, creio, deveria tentar manter o fogo aceso. Ou seja, apoiar Lula no que puder, porque poderia ser muito pior sem o PT, e entender a diferença entre purismo ranzinza e a necessidade vital de se abraçar novamente a utopia.
-Valor: Há uma sensação de que se vive uma crise dos valores iluministas na sociedade capitalista contemporânea. Qual é, afinal de contas, em sua opinião, a Ética que devemos defender e praticar nesta nossa ‘idade da fantasia’?
- Dunconmbe: Os valores iluministas, por si só, não cabem mais em nossa sociedade multifacetada. A esquerda precisa ser menos a viúva do iluminismo e voltar a rufar os tambores iconoclastas. Vamos abraçar a utopia de Eduardo Galeano em As Palavras Andantes, quando ele escreve que ela está no horizonte. Ele dá dois passos e a utopia se distancia também, ou seja, ele nunca a alcançará, mas ela, nos ensina o escritor uruguaio, nos serve para isso: a utopia nos faz caminhar! Este é o objetivo maior da apropriação ética do espetáculo defendida em Dream – representar o sonho, criar uma ilusão que nos ajude a seguir em frente e que nada tem de desilusão. De certo modo, foi o que a direita fez aqui nos EUA. Eles criaram a idéia deste mundo sem sexo, sem aborto, sem Darwin, sem Estado. Nossa sociedade não retrocedeu tanto assim, mas ao manter o sonho aceso eles ajudaram a se criar a ilusão de que esta é uma possibilidade concreta. E moveram peças importantes no tabuleiro político nacional. Isto é fazer política nos tempos de hoje.
quarta-feira, março 28, 2007
Da Crise do Iraque
Senador Chuck Hagel (R-Nebraska), na tribuna do Senado, hoje, no NYT:
Não há solução militar. O Iraque não é uma prenda que ganhamos ou perdemos. Ele pertence aos 25 milhões de iraquianos. O Iraque não pertence aos EUA.
Não há solução militar. O Iraque não é uma prenda que ganhamos ou perdemos. Ele pertence aos 25 milhões de iraquianos. O Iraque não pertence aos EUA.
segunda-feira, março 26, 2007
Os Democratas e A (Próxima) Guerra

Muito bom o artigo do analista político David Rieff na revista do NY Times deste fim de semana (aqui, na íntegra, infelizmente apenas em inglês). Os militantes anti-guerra jogam tudo na derrota do Partido Republicano nas eleições presidenciais do ano que vem mas os três democratas - os senadores Hillary Clinton e Barack Obama e o ex-senador John Edwards - mais bem-posicionados nas pesquisas, e com mais dinheiro em caixa, são mais falcões do que pombos.
Filho de Susan Sontag e do sociólogo Phillip Rieff, David Rieff, uma cria da Universidade de Princeton, lembra que:
* Hillary Clinton fala de um internacionalismo que seria o oposto do unilateralismo de Bush, mas centrado na recuperação da força dos EUA no exterior.
* Barack Obama diz a todo tempo que é preciso recuperar a liderança no tabuleiro político mundial
* John Edwards segue dizendo que os EUA precisam recuperar urgentemente sua posição privilegiada de 'líder moral' do mundo livre.
Os três consideram a invasão do Iraque desastrosa porque mal-conduzida e equivocada, quando os verdadeiros inimigos da democracia estão confinados no Afeganistão e no Paquistão (Al-Qaeda e afins) ou em países como Irã e Coréia do Norte, com sua corrida nuclear. Os três consideram a possibilidade de interevenção armada no Irã, são ainda mais próximos de Israel e Taiwan, dois tradicionais aliados de Washington.
Para azar nosso, Rieff estabelece de forma clara a semelhança entre a idéia de vigor nacionalista dos neo-conservadores e dos liberais intervencionistas.
Os pacifistas que se cuidem.
terça-feira, março 20, 2007
O Voto das Mulheres Negras
Na revista New York que acabou de chegar aqui em casa, Donna Brazile, estrategista da campanha de Al Gore e comentarista da CNN, uma das maiores especialistas em corridas eleitorais aqui nos EUA, diz que a chave para a conquista do voto negro (basicamente democrata) em 2008 está com as mulheres.
Uma recente pesquisa da ABC-Washington Post mostra que o apoio dos negros a Hillary Clinton caiu dramaticamente desde o lançamento da candidatura Barack Obama: de 60% para 33% das intenções de voto. Pior, no eleitorado feminino, em todos os grupos étnicos, seu eleitorado caiu de 49% para 40%.
Diz Brazile:
"O que realmente comanda a maré política no eleitorado afro-americano é o apoio das mulheres negras logo no início da campanha. São elas que comandam o discurso político dentro de casa. Em geral elas são também as menos volúveis: quando escolhem de fato um candidato, não viram a casaca".
Parece que este candidato, para o azar de Hillary, é Obama.
Uma recente pesquisa da ABC-Washington Post mostra que o apoio dos negros a Hillary Clinton caiu dramaticamente desde o lançamento da candidatura Barack Obama: de 60% para 33% das intenções de voto. Pior, no eleitorado feminino, em todos os grupos étnicos, seu eleitorado caiu de 49% para 40%.
Diz Brazile:
"O que realmente comanda a maré política no eleitorado afro-americano é o apoio das mulheres negras logo no início da campanha. São elas que comandam o discurso político dentro de casa. Em geral elas são também as menos volúveis: quando escolhem de fato um candidato, não viram a casaca".
Parece que este candidato, para o azar de Hillary, é Obama.
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