sexta-feira, julho 07, 2006

Exposição/DADA - MoMA

Hoje o Valor Econômico publicou meu texto sobre a sensacional exposição 'Dada', em cartaz até o dia 11 de setembro no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMa).


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SOB O IMPÉRIO DA ANARQUIA DADAÍSTA
Por Eduardo Graça, para o Valor
07/07/2006



Na segunda década do século passado, Marcel Duchamp (1887-1968), já vivendo em Manhattan, decidiu testar uma de suas criações menos etéreas, a Sociedade dos Artistas Independentes, que havia inaugurado ainda em Paris. O mote da agremiação era "sem jurados, sem prêmios", ecoando a liberdade absoluta com que seus associados encaravam o fazer artístico. Duchamp não se fez de rogado. Percorreu a 5ª Avenida até encontrar um urinol branco com as medidas por ele desejada. Sob o pseudônimo de R.Mutt, o artista enviou o objeto à Sociedade, que defendia a "apresentação de qualquer tipo de obra de arte". Estamos em 1917 e a "boutade" de Duchamp, é claro, teve o resultado previsível: sua "Fountain" foi recusada e o artista, com um movimento digno dos Irmãos Marx, abandonou a organização que ele mesmo criara.

Histórias como a do urinol de Duchamp - e o objeto em si - podem ser encontradas em "Dada", a maior exposição dedicada ao dadaísmo do lado de cá do Atlântico, apresentada no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, até setembro. Um esforço do Georges Pompidou (Paris), da National Gallery (Washington) e do MoMA, "Dada", com mais de 400 obras de 45 artistas - entre eles Hans Arp (1887-1966), Max Ernst (1891-1976), Raoul Hausmann (1866-1971), Hannah Hoch (1889-1978), Kurt Schwitters (1887-1948) e Sophie Tauber (1889-1943) -, já é considerada a mais importante exposição de arte moderna deste ano em Nova York.

"Dada" ocupa o sexto andar do museu e percorrer o espaço criado pela curadora Anne Umland é um exercício de anarquia, no melhor e no pior. A mostra é organizada geograficamente e logo na entrada o visitante é instado a escolher um caminho: pode iniciar sua peregrinação pela sala dedicada a Nova York, onde viviam Duchamp, Man Ray (1890-1976) e Francis Picabia (1879-1953), ou por Zurique, na Suíça, sede do famoso Cabaré Voltaire, onde se deram as primeiras performances dadaístas, sob a batuta do poeta alemão Hugo Ball (1886-1927). E onde, reza a lenda, o termo surgiu. Outras alas são dedicadas a Colônia (quartel-general de Ernst), Berlim, Hanover e Paris.

Localizadas em países neutros, que até então não haviam entrado na Grande Guerra, Nova York e Zurique se revelaram abrigos ideais para iconoclastas que decretavam com pompa o fim da alta-cultura, criticavam impiedosamente o nacionalismo raivoso que parecia tomar de assalto o planeta, namoravam com alguma culpa, mas muito savoir-faire as novas mídias, a nascente indústria cultural e as múltiplas possibilidades por elas oferecidas, e se indignavam com as atrocidades cometidas na Primeira Guerra Mundial.

Se optar pela trilha nova-iorquina, o visitante vai encontrar uma poderosa série de "ready-mades" (objetos pré-existentes, apresentados em forma de escultura) de Duchamp, que era obcecado pelo consumismo americano. Aqui está a famosa roda de bicicleta escorada num banquinho, sua "Obstrução" (uma instalação de 63 cabides pendurados no teto) e as brincadeiras do artista com a confusão dos gêneros que marcariam o século - as fotos de Man Ray em que Duchamp aparece travestido, personificando seu alter-ego feminino, uma certa Rose Sélavi (da expressão francesa "eros, c'est la vie"). Eram os tempos das reuniões no escritório de Duchamp ou na galeria do fotógrafo Alfred Stieglitz (1864-1946), onde os nova-iorquinos tomaram contato com as tais obras de "arte moderna".

Com o fim da guerra, a cena migra para o Velho Continente. Em Paris, tudo é festa e o Salon Dada, comandado por Tristan Tzara (1896-1963) e André Breton (1896-1966), leva a arte para as "massas de intelectuais", abrindo espaço para experimentos radicais como os de Georges Ribemont-Dessaignes (18884-1974), famoso por suas investidas contra o público, quase sempre por ele insultado. E enquanto Duchamp desenhava um bigode na "Mona Lisa", registrando-o em cartório como um "ready-made original", Picabia era ainda mais explícito. Suas "naturezas-mortas" apresentavam os nomes de medalhões da arte como Renoir e Cézanne.

A iconoclastia dadaísta, no entanto, nunca foi meramente comportamental. É essencialmente política, em especial na Alemanha do entre-guerras. A obra-prima "Uma Vítima da Sociedade", de George Grosz (1893-1959), por exemplo, é uma sátira impiedosa ao primeiro presidente da República de Weimar, Friedrich Ebert. Seu nariz é construído a partir de peças de máquinas diversas. Seu crânio é "costurado" com dois botões de camisa e um ponto de interrogação tamanho família. Grosz, uma das mentes mais poderosas do reino dada, produziu uma colagem corajosa a partir de um retrato amador do político.

Curadora da mostra na National Gallery e responsável pelo sólido catálogo da exposição, Leah Dickerman acredita que foi a "perda do senso de comunidade" na Europa que acabou levando ao fim do Dada. Depois de 1924, alguns de seus expoentes iriam engrossar as trincheiras do surrealismo, mais caracterizado como um "movimento artístico" do que o anárquico dadaísmo. "O Dada foi muito mais um movimento publicitário. Foi o ancestral do que hoje chamamos de 'cool'. Ele foi e permanece a droga alucinógena da arte moderna", escreve o crítico da revista "New Yorker", o decano Peter Schjeldahl.

Noventa anos depois, a mostra do MoMA pode nos dar a impressão de que o surrealismo condenou injustamente o dadaísmo a um irrevogável ostracismo. Balela. Sua capacidade de sobrevivência e reinvenção pode ser encontrada na arte abstrata do pós-guerra americano, nos neo-expressionistas dos anos 80 (profundamente influenciados por Picabia), até mesmo no modo como Andy Warhol transformou sua vida em um imenso palco. E também na cultura da celebridade que nos cerca, e na arte contemporânea apresentada nas principais galerias do mundo ocidental.

Para o critico Mark Stevens, o dadaísmo, apesar de ter durado menos de uma década, domina escandalosamente a arte contemporânea: "Vale lembrar a Bienal do Whitney Museum, que acabou de fechar as portas. Se as duas exposições fossem apresentadas ao mesmo tempo, a mostra de arte contemporânea pareceria brincadeira de criança frente à ousadia dadaísta. Você pode até se perguntar se os dadaístas, com seu carinho pelo pastiche e pela apropriação artística, não foram, eles próprios, os primeiros pós-modernistas".

E, ao olhar as telas de Grosz e Otto Dix (1891-1969), como não pensar nas atrocidades cometidas no Iraque e em Guantánamo diariamente? Não por acaso o crítico Christopher Knight acredita que, se tomarmos uma perspectiva dadaísta, as ilustrações mais poderosas do novo milênio seriam justamente os desenhos apresentados pelo então secretário de Estado Colin Powell na sede da ONU, dando conta de armas de destruição em massa iraquianas jamais encontradas.

"Dada", a exposição, foi considerada excêntrica em Paris, didática em demasia em Washington. Agora, em sua derradeira parada, ela se reinventa num MoMA ainda buscando retornar à sua melhor forma. Um fã mais exaltado pode se revoltar com a apresentação correta demais da insanidade dadaísta. Mas a aposta do museu não poderia ter sido mais feliz. Delicadeza, e Duchamp sabia disso, nunca fez mal a ninguém. Certa vez ele disse que considerava o dadaísmo uma "transição entre a arte e o jogo de xadrez". Com "Dada", o MoMA deu um elegante xeque-mate.

quarta-feira, julho 05, 2006

Diretinho da Redação (47)


A coluna da semana já está no DR e aqui embaixo também, em ritmo de 4 de Julho:

RECOLHAM AS BANDEIRAS!

Nova Iorque
- Recolham todas as bandeiras. A mensagem foi enviada ontem por Howard Zinn, 83, um dos grandes ícones da esquerda norte-americana, a todos os cidadãos americanos. Uma das estrelas da Universidade de Boston, o historiador escreveu em 1967 a bíblia do movimento pacifista ‘Vietnã: a Lógica da Retirada’. No início deste ano ele veio a Nova Iorque para o lançamento de “Iraque: a Lógica da Retirada” e tive a chance de conversar um pouco com o autor de “Você Não Pode Ser Neutro Num Trem Em Movimento”, seu único livro publicado no Brasil, pela brava editora curitibana L-Dopa.

Na ocasião, Zinn disse-me que, exatamente como no Vietnã, só há uma maneira de fazer com que os americanos abandonem o Iraque: através da oposição de oficiais graduados, de cabeças coroadas das forças armadas que estiveram no Iraque e viram o atoleiro em que os ianques se meteram. Zinn lembrou que ‘os EUA estão em estado de guerra desde Pearl Harbor’ e afirmou que vem observando com atenção tanto o desconforto de generais de quatro estrelas com a liderança do secretário de Defesa, Donald Rumsfield, quanto os supostos preparativos no Pentágono para um iminente bombardeio ao Irã.

Ontem, enquanto fogos de artifício eram lançados nas grandes cidades da América, marcando a celebração da independência dos EUA, Zinn ocupava sua tribuna na revista “Progressive” para dizer que só há uma saída para o cidadão norte-americano: renunciar a um nacionalismo caduco e fora de lugar. Escreve o professor: “Nacionalismo ainda tem lugar em países de menor extensão territorial e sem desejo de expansão territorial, como a Suíça, a Noruega ou a Costa Rica. Mas em uma nação como a nossa, imensa e repleta de armas de destruição em massa, o que é orgulho inofensivo se transforma rapidamente em um nacionalismo arrogante, perigosíssimo para nós e para o restante do planeta. Americanos, recolham as bandeiras!”.

O artigo de Zinn bate de frente com a celebratória reportagem de capa do diário mais lido do pais, o USA Today. O jornal decidiu entrevistar americanos ilustres e nem tanto para descobrir ‘o que significa ser norte-americano 230 anos depois da independência’. Os resultados são interessantes: 70% dos entrevistados acreditam que os valores centrais da ‘América’ são a liberdade religiosa e a de expressão. E que, apesar de o materialismo ter aumentado muito nos últimos cinco anos, não há muita diferença entre os EUA de 1776 e os de agora.

Zinn, por sua vez, acredita que o melhor exercício que os americanos poderiam fazer neste 4 de julho de 2006 é esquecer o USA Today e repensar o ‘excepcionalismo ianque’. A idéia de que, aqui, há um senso de moral único, que precisa ser exportado para todos os cantos do globo. Que de fato se tentou levar democracia, liberdade e civilização aos mexicanos (em 1848) cubanos, filipinos (em 1898), vietnamitas (nos anos 60-70), iraquianos. O professor lembra que ‘um dos piores efeitos de nosso nacionalismo fora de lugar é uma total ausência de senso de proporção. A morte de 2.300 pessoas em Pearl Harbor justificaria o assassinato de 240 mil japoneses em Hiroshima e Nagasaki. A morte de 3 mil no ataque ao World Trade Center justificaria a eliminação de dezenas de milhares de iraquianos e afegãos’.

Mais grave é quando este nacionalismo se fortalece pelo estabelecimento de uma relação especial dos americanos com Deus. “Neste 4 de Julho olhamos para Washington e nos deparamos com um presidente que invade dois países em quatro anos e, em sua campanha de reeleição, nos diz que Deus fala através dele. Já é tempo de nós deixarmos de acreditar que Deus abençoou a América de um modo singular. E de honrar menos nossa noção enviesada de nação e mais a raça humana. Americanos, recolham as bandeiras!”.