sexta-feira, maio 11, 2007

PERFIL/Christopher Buckley

Saiu hoje no Valor Econômico o perfil que fiz do escritor ultra-conservador Christopher Buckley, filho do criador da National Review, a bíblia da direita americana, e coqueluche das livrarias daqui desde que seu Obrigado Por Fumar virou sucesso no cinema. Não por acaso ele foi muito bem recebido por parte da audiência brasileira ávida por uma crítica - ainda que pela porta da direita mais escancarada - às muitas contradições do neoliberalismo ianque.

O Dia Do Juízo Final nos EUA

Christopher Buckley, autor de “Obrigado por Fumar”, agora mexe com a crise da previdência social americana em novo livro.
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York


O nariz aquilino, ligeiramente aberto na ponta, é o mesmo. O cabelo branco, liso, jogado meticulosamente para a direita, também. Tal pai, tal filho. O decano é William F. Buckley, 81 anos, criador da revista “National Review”, mais influente ideólogo do moderno conservadorismo americano, profeta-mor da impressionante ascensão da direita ianque nos últimos 50 anos. O filho é o autor Christopher Buckley, 54, um dos maiores astros da sátira literária nos Estados Unidos. Jamais traduzido no Brasil, ele ganhou projeção no país no ano passado quando a adaptação de seu “Obrigado por Fumar” chegou aos cinemas com o excelente ator Aaron Eckhart encarnando um lobista da indústria de cigarros disposto a escancarar a hipocrisia da democracia liberal de Washington.


Ainda empolgado com o sucesso do filme, Buckley lança“Boomsday”, um passeio por um dos temas mais áridos da América contemporânea: a crise no sistema de previdência social do país. “Juro que esta será minha única comédia em torno do tema, exatamente como nunca mais resolvi fazer graçaa com o Oriente Médio desde ‘Florence da Arábia’, meu livro anterior.”

“Boomsday” (uma brincadeira com Doomsday, Dia do Juízo Final em inglês) conta a história de um candidato à Casa Branca e sua singular plataforma: incentivar os “baby boomers” a cometerem suicídio quando completarem 75 anos. A medida radical livraria o país da falência e garantiria abatimento nos impostos devidos pelos que se comprometessem com o plano. É o pináculo da aplicação da livre-negociação nas relações de trabalho.




No “Boomsday” de Buckley os EUA estão às voltas com seis guerras, o mercado de ações despencou e uma blogueira bem torneada de 29 anos chamada, não por acaso, Cassandra, lidera uma coalizão de jovens patriotas contra os aposentados, destruindo campos de golfe e tomando as ruas de Washington enquanto anuncia o apocalipse econômico.“Minha geração foi a que saiu às ruas rasgando os certificados de reservista por conta do Vietnã. A próxima deveria rasgar a carteirinha da previdência social com o mesmo afã”, diz Buckley.

Impulsionado pelo sucesso de “Obrigado por Fumar”e pelas boas vendas de “Boomsday”, Buckley não receia pisar em solo pedregoso: “Se fosse um jovem americano, como meu filho, de 19 anos, estaria fulo da vida. O país tem de lidar com um prejuízo anual de US$ 8,5 trilhões e um dia, talvez quando os bancos centrais do Japão ou da China decidirem parar de comprar letras do tesouro americano, ele terá de pagar essa conta. E toda vez que alguém fala em reforma da Previdência aparece um lobby do Partido Democrata no Congresso denunciando que se trata de um ataque aos idosos. Isso é uma bobagem. Infelizmente o problema não vai desaparecer se nos recusarmos a tratá-lo.”

Em números anunciados pelo próprio governo, 1% dos americanos (com renda superior a US$ 1,1 milhão/ano) concentra 22% da riqueza do país (a maior fatia abocanhada pelos mais ricos desde 1929). Em um espectro maior, 10% dos mais ricos (os que ganham mais de US$100 mil/ano) concentram 48,5% da riqueza nacional. O escritor, ele próprio um “boomer”, nascido em 1952, faz uma pausa de efeito, toma um gole de seu café-com-leite comprado no Starbucks e diz acreditar “que ‘Boomsday’ fala com o contribuinte que tem de pagar uma nota para o Imposto de Renda enquanto encara as promissórias cada vez mais extorsivas para conseguir realizar o sonho da casa própria”.

Ele lembra que os primeiros “boomers” começam a se aposentar no ano que vem, incluindo o presidente GeorgeBush, fiel discípulo da cartilha de seu pai. O veterano William Buckley, no entanto, rompeu com o presidente no ano passado por conta do fracasso da guerra no Iraque, acusando-o de ser um “falso conservador”, pouco atento ao rigor fiscal e carente de lógica em sua política externa. “Sei bem que esta é uma exceção e todos vão comemorar sua aposentadoria, apesar de, aos 62anos em 2008, ser mais propíciapara umfrancês. MarkTwain costumava dizer que Shakespeare era mesmo um gênio, apesar de todos os elogios, pois bem, Bush II é mesmo uma tragédia, apesar de tudo de ruim que falam dele.”

Buckley segue pregando seu catecismo libertário: os jovens, implora, deveriam largar seus iPods e expressar sua revolta contra um sistema que os asfixiará. Ou acabarão deparando-se invariavelmente com uma figura como o anti-herói de seu livro, o senador quatrocentão do liberal estado de Massachusetts que, um belo dia, depois de experimentar alucinógenos variados, escuta a inimitável voz do presidente Kennedy ordenando-lhe:“Go for it, boy!” É a deixa para o político entrar na corrida presidencial e emular as teses da Cassandra do século XXI.

Depois do sucesso de“Obrigado porFumar” —uma bilheteriade US$25 milhões apenas nos Estados Unidos—, já se iniciou um leilão em Hollywood para a compra dos direitos de“Boomsday”. “Estou empolgado, mas me lembro sempre que‘ObrigadoporFumar’ demorou dez anos para sair do papel e seria, inicialmente, dirigido por Mel Gibson. Mas ele teve de lidar com coisas menores, como aquele tal de‘Paixão de Cristo’, e me deixou de lado. Adorei o resultado final, mas prefiro pensar como Hemingway, que dizia que com Hollywood o jeito é viajar até a fronteira com a Califérnia e só jogar os manuscritos que você escreveu em território estrangeiro depois que eles mandarem a mala de dinheiro para o lado de cá”, diz, rindo.



Com seus alvos fáceis e um tique por encontrar o cômico no avesso exato da realidade, Buckley acaba dando uma certa razão aos que aproximam seu humor mais do programa televisivo “SaturdayNight Live” do que de um Jonathan Swift, sua influência confessa. Ele não parece se importar. Tampouco move um músculo da face quando precisa encarar a porção da platéia que não veio em busca de autógrafo e parece disposta a questionar sua receita libertária para uma nova América. “Não sou um economista, mas vejo a realidade sufocante. Quando o New Deal foi criado por Roosevelt, tínhamos uma média de 15 trabalhadores para cada aposentado. Hoje são três por um! Escrever sobre o tema de forma interessante foi meu desafio e fico feliz que tanta gente esteja comprando olivro.”

Seu próximo alvo já está até escolhido: ele começou a escrever uma sátira à Suprema Corte ou, como prefere Buckley, “aquela vetusta instituição composta por nove juízes que passam o tempo enviando bilhetinhos uns para os outros”. Hollywood não perde por esperar.

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