quinta-feira, novembro 02, 2006

Diretinho da Redação (49)



ARMADILHAS DE CAMPANHA

Eduardo Graça


O ministro Celso Amorim comentou e a agência Reuters publicou que o presidente George Bush telefonou ontem para seu colega brasileiro cumprimentando-o pela vitória na corrida presidencial. De bate-pronto teria perguntado, em tom jocoso, se Lula poderia lhe emprestar o 'know-how' para o pleito que, em uma semana, vai decidir como serão os anos derradeiros do ex-governador do Texas em seu segundo período na Casa Branca. Na próxima terça-feira os eleitores americanos vão votar para governador, senador e o equivalente a deputados federais e estaduais em todo o país. E Bush tem toda razão de pedir arrego a Lula. As pesquisas indicam que os Democratas devem retomar o controle da Câmara dos Representantes (que perderam em 1994) e quiçá também do Senado.

O chanceler brasileiro não disse se Lula revelou a receita de sua vitória acachapante sobre os social-democratas no domingo que passou. Mas, vejam só, no mesmo dia em que os dois comandantes das maiores democracias da América bateram o papo cordial, Bush animou a campanha daqui batendo numa tecla tocada incessantemente pelo petista durante o segundo turno e em seu discurso de posse (em que vestiu a camiseta com a mensagem de que ‘a vitória era do Brasil’): o nacionalismo.

Se a campanha de Lula criou a idéia de que o PSDB, em sua segunda encarnação em Brasília, iria acabar de vez com o patrimônio público, se desfazendo de Petrobras, Correios, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e o que ainda restasse em poder do Estado, os republicanos saíram-se hoje com a exigência de que os democratas se desculpem por denegrirem os heróicos soldados americanos que lutam pela vitória da ‘liberdade’ no Iraque ocupado. Se Lula permite-se confundir com o Brasil, Bush é o Tio Sam em armas no Oriente Médio.

Em infeliz declaração, o senador democrata John Kerry, em um palanque na Califórnia, afirmou que os jovens americanos de classe média-baixa têm duas claras opções pela frente: ou investem na educação e entram no cada vez mais competitivo mercado de trabalho ou acabarão em armadilhas como o Iraque ocupado. Simplista, realista, mas pouco cuidadoso. O veterano de guerra do Vietnã ofereceu um prato cheio para os republicanos, quase tão saboroso quanto o que, na semana passada, Fernando Henrique Cardoso deu de lambuja ao PT ao dizer que ‘não tinha nada contra a privatização da Petrobras’.

Os republicanos, acuados por uma série de escândalos e atolados até o pescoço no mar de lama do Iraque, finalmente saíram para o ataque, acusando os Democratas de preconceito social e de anti-patriotismo, ao apostatem na derrota das forças armadas ianques. Em um inflamado discurso na Geórgia, onde seu candidato ao senado andou comparando os negros a macacos e corre o risco de não se reeleger, Bush exigiu que Kerry se desculpasse com os militares e seus familiares, virando pela primeira vez o jogo do Iraque a favor dos Republicanos.

Do mesmo modo que não se sabe o que o presidente Lula andou aconselhando a Bush Júnior, é difícil prever o efeito da derrapada de Kerry nos resultados de uma eleição que, até o momento, se resumia a um plebiscito nacional sobre o apoio à permanência das tropas no Iraque ocupado. Ao menos já se sabe que os democratas não andam se consultando com os tucanos. Ao contrário de Geraldo Alckmin, que apareceu fantasiado de garoto-propaganda do governo federal, com bonés do BB, camisetas da Petrobras e bolsas de mão da CEF, retrato de uma oposição caipira em um país determinado a não encarar suas reais deficiências de frente, Kerry, tentando provar que aprendeu as lições da campanha presidencial de 2004, convocou imediatamente a imprensa para dizer peremptoriamente que não tinha nada que se desculpar com a política desastrosa de Washington no Oriente Médio, responsável pela morte de milhares de americanos.

Em menos de uma semana vamos descobrir o resultado, por aqui, de tamanho fuzuê.

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