segunda-feira, janeiro 19, 2009

ENTREVISTA/ Phillip Gourevitch

Também neste fim de semana, o Terra Online publicou minha entrevista com o editor da Paris Review, Philip Gourevitch, que lança no Brasil dois livros fundamentais, ambos pela Cia. das Letras, para os que querem entender como funciona o mundo nosso de cada dia: Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias e Procedimento Operacional Padrão.

Abu Ghraib será maior mácula de Bush, diz escritor



Eduardo Graça, Direto de Nova York

Para o jornalista americano Philip Gourevitch, editor da The Paris Review, as práticas de tortura na prisão iraquiana de Abu Ghraib serão "a maior mácula da administração Geroge Bush". Ele é autor do livro Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, sobre o massacre que exterminou 10% da população de Ruanda, em 1994, e Procedimento Operacional Padrão, que narra as sessões de sadismo cometidas por jovens soldados dos EUA contra iraquianos detidos.

O senhor acredita que as imagens de Abu Ghraib serão o símbolo mais hediondo da Era Bush, que termina, oficialmente, em um mês?
A política de ocupação norte-americana, que fez de Abu Ghraib uma imagem icônica de tortura será, sim, a maior mácula da administração George Bush. O genérico e sistemático abuso de prisioneiros, que se transformou em praxe na chamada 'guerra ao terror' revelou-se um reverso de mais de 200 anos de doutrina militar e do uso da Lei nos EUA.

O senhor disse que os EUA terão de fazer 'o seu ato de contrição'. Como a sociedade a sociedade norte-americana está reagindo a este triste capítulo de sua História?
É óbvio, quando você vê as imagens de Abu Ghraib, ou lê as histórias sobre Guantánamo ou sobre o que acontece na Base Aérea de Bagram, no Afeganistão, que estivemos fazendo coisas terríveis com nossos prisioneiros de guerra. Mas, ao cometerem estes crimes em nome da sociedade americana e de nossa segurança nacional, nossos líderes também fizeram algo inominável contra nossos próprios soldados e contra os cidadãos norte-americanos. Aqueles soldados nas infames fotos de Abu Ghraib eram os recrutas da parte mais baixa de nossa hierarquia militar, eram noviços. E eles foram os únicos a ir para a cadeia por crimes que foram maquinados nos altos escritórios de Washington. Eles foram instrumentos e agentes de uma imensa injustiça, mas eles também foram vítimas, ao se tornarem bodes expiatórios de uma política oficial, dirigida de cima, que ainda precisa ser completamente repelida ou, pelo menos, precisamos ver os responsáveis intelectuais desta política prestarem contas do que fizeram.

A prestação de contas que o governo Bush parece interessado em apresentar à sociedade americana é a de re-introduzir os oito anos de seu governo aos americanos em uma série de entrevistas na semana passada, que procuram enfatizar o fato de que os EUA, em sua administração, não foram atacados novamente depois do 11 de setembro de 2001...
Na melhor das hipóteses, o legado de Bush é uma série catastrófica de oportunidades perdidas. E, na pior, uma gigantesca violação da honra dos EUA em nome da segurança nacional. Em Procedimento Operacional Padrão, eu pergunto: quando você enfrenta o terrorismo com terror, como você sabe quem é quem? As feridas do 11 de Setembro, no fim das contas, chegam a ser menores do que as que as resultantes da tentativa fracassada da administração Bush de vingar a dor original. Ainda é cedo para saber exatamente o que significaram, de fato, estes anos Bush, mas é significativo perceber que hoje trava-se um debate sério no meio acadêmico sobre se ele foi, de fato, o pior presidente nos 232 anos de nossa história.

O senhor acredita que a administração Obama iniciará uma série de investigações sobre os abusos cometidos na Era Bush?
Ficarei profundamente surpreso se uma investigação séria sobre os anos Bush começar nos próximos anos. Obama não vai querer passar seus primeiros anos de governo lidando com o que aconteceu nos últimos oito. Creio que ainda mais urgente do que inquéritos é o estabelecimento de uma clara e absoluta rejeição às políticas de uso de tortura implantadas pelo governo Bush.

Juntamente com seu livro mais recente, sobre Abu Ghraib, sua editora brasileira está relançando Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, sua premiada obra sobre o genocídio de Ruanda, produzida quando o senhor trabalhava na The New Yorker. O que o motivou a escrever sobre o drama africano? E vocÊ acha que a comunidade internacional pode intervir em atrocidades cometidas lá?
Um ano depois do genocídio, decidi viajar a Ruanda porque não conseguia entender como um crime daquela dimensão havia acontecido. E queria saber o que significava para a população de Ruanda, e para o mundo moderno, viver sob esta mancha. Curiosamente, nunca havia sequer feito uma reportagem no continente africano. Mas estava igualmente interessado no fato de que nós dizemos a nós mesmos que jamais permitiremos a repetição de crimes como estes e no entanto eles voltam à tona com uma periodicidade alarmante.

No fim, a motivação parece semelhante à que o levou a escrever a grande reportagem sobre Abu Ghraib...
Exatamente. Simplesmente não me satisfazia mais ler sobre os fatos políticos. Queria ouvir as histórias diretamente das pessoas que estavam próximas à ação, boas ou más, e transmitir seus pontos de vista através de suas próprias vozes. Não vejo meus livros como jornalismo político per se. Eles são tentativas de se entender e descrever quem, e o que, nós, pessoas deste planeta, somos.

Como o senhor vê Ruanda nos dias de hoje?
Curiosamente, viajarei para lá em algumas semanas e parece que eles têm melhorado em muitas frentes, especialmente se considerarmos o fardo imenso pelo qual passaram e a dimensão do desafio que enfrentam. A violência foi subtraída - hoje é um país razoavelmente seguro - mas a pobreza segue sendo um imenso problema. E não há dúvidas de que a parceria com países não-Europeus, como o Brasil, será importante no caminho para a prosperidade de Ruanda.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom. Hoje li o Gourevich na New Yorker, e uma coisa levando a outra, parei em vc. Faço um blog pro Museu Judaico do RJ e como é importante lembrar que o judaísmo (o meu, ao menos, pois há vários pelo mundo) repudia a tortura...

Jorge Ramiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.