sexta-feira, janeiro 30, 2009

VALOR ECONÔMICO/Oscar

Na capa do caderno de fim de semana do Valor que chega hoje às bancas está minha reportagem sobre o Oscar 2009, que incluiu as entrevistas com o protagonista e o diretor de um dos meus favoritos deste ano, Frost-Nixon, e um box sobre outro belo filme, Milk. Ó só:

A audácia da esperança
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Los Angeles
30/01/2009

São cinco filmes e cinco diretores escolhidos pelos cerca de 5.800 eleitores da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. São cinco instantâneos de um país que busca desesperadamente narrativas de esperança e redenção. Se a festa do Oscar em 22 de fevereiro servir de termômetro para o que se faz de mais significativo na indústria cinematográfica mais poderosa do planeta, a ordem é encarar a recessão, levantar a cabeça e olhar para o futuro.

Forest Whitaker, vencedor do Oscar, e Sid Gains, presidente da Academia de Hollywood, anunciam os cinco indicados a melhor filme de 2009

"O Curioso Caso de Benjamin Button", "Frost/Nixon", "Quem Quer Ser um Milionário?", "Milk - A Voz da Liberdade" e "O Leitor" representam, também, o mais próximo que Hollywood pode chegar do chamado "cinema de autor". Não por acaso os diretores indicados ao prêmio principal são os mesmos dos filmes, respectivamente, David Fincher, Ron Howard, Danny Boyle, Gus Van Sant e Stephen Daldry.

"O Curioso Caso de Benjamin Button", com 13 indicações, é uma versão livre de um conto de F. Scott Fitzgerald. Traz Brad Pitt como o personagem-título, que envelhece às avessas, nascendo idoso e terminando a vida como um bebê. "Frost/Nixon" é uma adaptação para o cinema de uma das peças de maior sucesso na Broadway e no West End londrino dos últimos anos, com o jornalista britânico David Frost pondo o arrogante Richard Nixon na parede. Os paralelos com o governo Bush são mais do que óbvios.

"Quem Quer Ser Um Milionário?", com dez indicações, usa a câmera ágil e namora perigosamente com a beleza das favelas de Mumbai para contar uma história de amor em meio às mazelas sociais da Índia. "Milk" é a biografia do primeiro político assumidamente homossexual a ocupar um cargo eletivo nos EUA, em São Francisco, no que equivaleria a vereador no Brasil. Seu lançamento estratégico no momento em que a população da Califórnia rejeitava, em eleição direta, a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo, energizou o movimento pelos direitos civis dos homossexuais no país. Já "O Leitor" conta a história do holocausto - tema favorito da academia - pelo viés de uma carcereira alemã. "Com a barra-pesada que enfrentamos, as pessoas talvez estivessem buscando filmes um pouco diferentes, que fizessem um pouco mais de sentido", disse o produtor de "Milk", Michael London, logo depois do anúncio dos indicados.

Em categorias de menor destaque a tônica foi a mesma, com indicações para a animação "Wall-E", de pendores chaplinianos, a pequena jóia "The Visitor", que celebra o encontro de um acadêmico caucasiano (vivido pelo excepcional e indicado a melhor ator Richard Jenkins) com um imigrante ilegal africano, e até mesmo "O Casamento de Rachel", em que Anne Hathaway, também indicada a melhor atriz, vive uma jovem às voltas com a dependência química durante o casamento da irmã. Os motores do filme são seu reencontro com a família e a possibilidade de recuperação ao encarar seus fantasmas. O desabar da muralha de Meryl Streep, indicada pela 15 vez para o prêmio de melhor atriz, no fim de "Dúvida", é outra síntese de um ano em que os dogmas foram todos desafiados.

A grande surpresa da lista principal foi "O Leitor", que também recebeu indicação para melhor atriz (Kate Winslet), deixando para trás tanto o campeão de audiência "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (Heath Ledger, magistral como o Coringa, é o favorito para vencer, postumamente, o Oscar de melhor ator coadjuvante) quanto "Gran Torino", a mais recente aventura de Clint Eastwood. Outra pérola esquecida foi justamente o mais otimista dos filmes cogitados para a grande festa, "Simplesmente Feliz", do quase sempre taciturno Mike Leigh. Curiosamente, Stephen Daldry teve todos os seus três filmes ("Billy Elliot", "As Horas" e agora "O Leitor") indicados para a categoria mais importante do Oscar.

Uma das modificações feitas por Daldry no roteiro original foi justamente criar um final mais para cima. E o favorito do momento para a conquista da estatueta, "Quem Quer Ser um Milionário?", é apontado por críticos como o mais redentor dos candidatos, especialmente por conta da cena final, em que todo o elenco, em uma homenagem a Bollywood, dança músicas hindus em hilárias coreografias.

O Oscar 2009 parece revelar que escapismo e recessão rimam bem, sem perda de qualidade artística. O reconhecimento da Academia de Hollywood a obras sérias, de cunho social, mas que não perdem de vista o entretenimento, podem sugerir uma safra no mínimo interessante de filmes a serem produzidos na era Obama. Nas três semanas deste mês, houve aumento de público de 9% em relação ao mesmo período do ano passado. E o último feriado, que antecedeu a posse do primeiro presidente negro dos EUA, bateu todos os recordes de bilheteria no país.

Ao mesmo tempo, como pontua David Carr no "The New York Times": "Hollywood parece finalmente ter descoberto o caminho das pedras, criando produtos de apelo global. Em um cenário repleto de carcaças, a indústria cinematográfica se apresenta cada vez mais como um porto seguro para investidores."

"Políticos hoje mentem e nada acontece", diz Langella
De Nova Iorque
30/01/2009


Leia, a seguir, a entrevista com o ator Frank Langella, protagonista de "Frost/Nixon", que concorre ao Oscar de melhor ator:


Langella repete em "Frost/Nixon" o papel que fez no teatro: maior desafio foi deixar ex-presidente "o mais realista possível"

Valor: É inevitável pensar que, em retrospectiva, os abusos cometidos pelo governo Bush são mais graves do que os autorizados por Nixon...
Frank Langella: É, sim, um exercício interessante olhar para o que as pessoas aceitam e o que consideram algo normal hoje e há 30 anos. Não tenho dúvidas de que Nixon, se repetisse Watergate hoje, jamais seria visto com a surpresa e o choque com que foi brindado nos anos 70. A imprensa, naquela época, tinha um peso maior. Perdemos, na sociedade contemporânea, a noção de estadista. E os líderes políticos dos EUA, em sua maioria, parecem valorizar a noção do "somos homens comuns, iguais à maioria da população", com pessoas ocupando cargos importantes passeando pelos talk-shows, se deixando ridicularizar. Políticos hoje mentem na nossa cara e nada acontece. Eu sou da velha-guarda, ainda prefiro os estadistas.

Valor: Como o sr. encontrou o seu Nixon?
Langella: Cada um tem sua técnica. Eu fiquei encarando, mudo, por horas a fio, a imagem de Nixon nas entrevistas originais e também em outras com os grandes jornalistas daquele tempo. O que mais me impressionou, inicialmente, foram seus olhos. Ali ele revela seus momentos de dúvida, a sensação de ter dado a ordem de matar milhares de pessoas no sudoeste asiático, sua insegurança. E descobri também uma pequena gravação de Nixon saindo de uma coletiva de imprensa e você consegue perceber, pois não há som, que ele diz algo a um assessor, o vira para o outro lado e o empurra, como se querendo obrigar o sujeito a "dizer para aqueles filhos da mãe" suas razões. Ali estava a essência de Nixon, que tentei levar para a peça. Aquele pequeno momento de frustração e fúria foram muito importantes para mim.

Valor: O sr. também procurou olhar para seus colegas, como Anthony Hopkins, que fez um Nixon memorável no filme de Oliver Stone?
Langella: Sim, vi o Tony, vi todas as imitações em programas cômicos da época. Vi tudo o que pude. Não receio pesquisar para encontrar o personagem
.
Valor: No filme, há o risco de que Nixon, diante da perversidade da cena política atual, acabe parecendo uma personalidade mais simpática do que a que ficou na História. O sr. em algum momento se preocupou com a tentação de um certo revisionismo histórico?
Langella: Não. Não mesmo. Não há redenção. Procurei apenas captar a essência desse homem, a verdade de Nixon, o que passava pela cabeça dele. Estava determinado, isso sim, que, de maneira alguma, iria oferecer uma caricatura de Nixon ou desgraçá-lo, ou mesmo julgá-lo. Quando estou dentro de um personagem, não penso em usá-lo para fazer um manifesto. Estou interessado naquele momento, em sua decisão de sentar-se com Frost e jogar, de uma vez por todas, sua carreira, seu legado, para o alto. Aquela decisão me emociona muito. Não creio que ele tenha caído em armadilha alguma, ele escolheu dar aquela série de entrevistas, naquele momento, daquela maneira.

Valor: O sr. fez Nixon no teatro, em Londres e Nova York, por dois anos seguidos. Qual foi o maior desafio ao levá-lo para o cinema?
Langella: Foi deixá-lo o mais realista possível. E no cinema não precisava aumentar o tom da minha voz. Podia literalmente apenas encarar a câmera, levantar minha sobrancelha e resolver a cena.

Valor: Estar acompanhado de Nixon este tempo todo o afetou?
Langella: Sim, muitíssimo. E sou um profissional, isso não acontece comigo. Lembro-me de ouvir outro dia um jovem ator dizer que fez Hamlet e não conseguiu livrar-se do personagem por dois anos e eu pensei cá comigo: bem, então você o interpretou completamente errado. Você deve se livrar de seu personagem todos os dias, na hora em que sai do teatro e vai jantar. E isso aconteceu comigo sempre. Mas com Nixon... não sei. Sabe, fui à casa onde ele foi criado, pobre, bem humilde, precisei me abaixar para entrar em seu quarto, de teto baixíssimo, e tive um senso de como seu caráter se formou. E nas escolhas que ele fez. O que Nixon fez por mim foi pensar em cada escolha que fiz em minha vida, especialmente as que me sabotavam, relações, casamentos, escolhas de trabalho. Ele me mostrou a importância de não deixar que o pior em minha natureza afetasse minhas ações. E muitas vezes, especialmente quando se é jovem, e ambição, sexo e relações de trabalho pesam mais, você não tem muito controle sobre essa tendência autodestrutiva. Nixon me mostrou que a sapiência de envelhecer se traduz na capacidade de domar nossos demônios, habilidade que ele, como sabemos, jamais teve.

Valor: O sr. se lembra do embate entre Frost e Nixon?
Frank Langella: Não tenho memórias claras daquela época. Era um jovem ator chegando à casa dos 30 e, como a maioria dos jovens atores, vivia uma existência egoísta, pensando em conquistar meninas e conseguir mais e melhores papéis. Mas me lembro da renúncia e da minha sensação de que aquele homem havia pago um preço alto por encobrir criminosos, por se recusar a purgar seu erro diante dos cidadãos que o haviam eleito. (Eduardo Graça)

Abusos de Nixon remetem à era Bush em filme de Howard
De Los Angeles 30/01/2009

Na cena final de "Frost/Nixon", filme que estréia no dia 20, um macambúzio Richard Nixon tenta, em vão, calçar o sapato modernoso que recebera de presente de seu algoz, o jornalista britânico David Frost. A imagem criada por Ron Howard para Frank Langella revela a um só tempo o isolamento do político e o inevitável juízo da história. As comparações com o fim melancólico dos oito anos de governo Bush são inevitáveis.


Howard: "Se conseguirmos pôr Bush em um quarto pronto para dizer tudo o que aconteceu, quero estar lá para ver"

Thriller político fino, que toma liberdades históricas e imagina cenas de imenso teor dramático como o telefonema noturno em que Nixon lembraria a Frost que os dois eram "gauches", jamais aceitos pela elite intelectual de seus respectivos países, "Frost/Nixon" cala fundo ao retratar um tempo em que o homem mais poderoso do planeta teve de renunciar à Presidência dos Estados Unidos por causa do escândalo de Watergate. Mas como comparar a derrocada de Nixon com o assalto à Justiça nos anos Bush? Será que a raposa californiana seria forçada à renúncia nos dias de hoje? Mudamos nós ou mudaram os políticos? Qual é o papel da honra e da moral na sociedade contemporânea?


São perguntas que o diretor Ron Howard, vencedor do Oscar de melhor diretor em 2001 por "Uma Mente Brilhante" e responsável pela equivocada versão cinematográfica de "O Código Da Vinci", procura responder em seu filme. A reportagem do Valor conversou com ele e sua principal estrela sobre os tempos de Nixon e os tempos de Bush. Os melhores trechos seguem abaixo:

Valor: O sr. se lembra de ter acompanhado com atenção as entrevistas de Frost com Nixon nos anos 70?
Ron Howard: Sim. Quando vi as entrevistas, ao vivo, tinha 23 anos, e elas foram, para mim, um evento catártico. Lembro daquele momento, que é o clímax do filme, de forma bem viva. Foi o que me fez ver a peça. E fiquei completamente fascinado. O que se vê ali é algo ainda maior do que um dos melhores thrillers políticos de todos os tempos.


Valor: Em que sentido?

Howard: É uma grande discussão sobre a honra, a moral, as grandes transformações sociais. É também um espetáculo mais emocional do que as entrevistas. Na platéia, as pessoas gargalhavam. Era um drama de idéias e, ao mesmo tempo, um entretenimento grandioso. Vendo a peça, vendo o que Michael Sheene e Frank faziam com aqueles personagens, fui, instintivamente, imaginando aquela história no cinema.


Valor: Desde o início o sr. imaginava Frank Langella bisando Nixon no cinema?
Howard: Quando a Universal topou bancar o filme, havia, claro, o fato de que ele seria um veículo para uma grande estrela. As pessoas começaram a me mandar, por conta própria, fitas de audição. Começamos a ter conversas sérias com Jack Nicholson e Warren Beatty e é claro que, com eles, o orçamento seria maior. Mas nada estava decidido e Frank me ligou, perguntando se ele também deveria mandar sua fita. Ele me disse que sabia que não era uma estrela de Hollywood, mas queria, ao menos, participar da briga pelo papel que havia sido seu em Londres. Eu disse a ele: "Não. Você faz seu teste todos os dias e vamos levar os figurões do estúdio para vê-lo na Broadway." Aí vieram as críticas fenomenais, o Tony, e pesou, creio, o meu desejo de trabalhar com o ator que tinha um comando total daquele personagem. Acho que eu e o público seríamos traídos se Frank não mostrasse seu Nixon na tela grande. E qualquer ator estaria sujeito à imensa sombra de Frank Langella.

Valor: Por que Nixon, quase 35 anos depois de sua renúncia, exerce tal fascínio em atores do primeiro quilate, disputando a primazia de encarná-lo no cinema? Howard: É que ele é um paradoxo total. É um personagem shakespeariano. Não há como não se deter em Nixon e não acabar traçando seu perfil psicológico. Entrevistei as pessoas que trabalharam com ele e todos seguiam apreciando de forma intensa seu intelecto, sua visão geopolítica, sua devoção ao trabalho duro. Ao mesmo tempo, havia esta frustração e este desapontamento por ele ter deixado seus demônios pessoais o derrubarem, o levarem à característica mais marcante de sua era: o abuso do poder. Tem algo hilário, todos eles fazem uma imitação, algo exagerada, da maneira como Nixon se mexia, como falava. Todos revelam um homem jamais confortável consigo mesmo. Um introvertido por natureza que ambiciona ser um líder global. A imagem mais recorrente dele era a do menino do lado de fora da loja de brinquedos, olhando as maravilhas pela vitrine, sem poder comprar.

Valor: E por que um novo retrato de Nixon no cinema? Não há sempre o risco da redenção?
Howard: Para mim foi o contrário. O importante era destacar os abusos do poder. Há uma seqüência que só existe no filme, em que os dois pesquisadores vão empilhando os abusos cometidos pela administração republicana. Foi uma cena totalmente improvisada, só coloquei a câmera e os dois foram apresentando os resultados da pesquisa deles. E, claro, há a escolha deliberada de estabelecer um imediato paralelo com a era Bush, ainda mais intensamente do que na peça.


Valor: Fica o desejo de que algum Frost faça uma entrevista marcante com George W. Bush...

Howard: Aos 23 anos, quando vi a entrevista original, tive a sensação de que um triste capítulo da história de meu país havia terminado e jamais deixaríamos um governante exercer seu poder de forma abusiva novamente. Se conseguirmos pôr Bush em um quarto pronto para dizer tudo o que aconteceu, quero estar lá para ver o que vai acontecer. (Eduardo Graça)


Estatueta pode ir para outro, mas "Milk" é que agita os EUA
De Nova York
30/01/2009


Quando Sean Penn subiu ao palco do Shrine Exposition Center no domingo passado para receber o prêmio de melhor ator na festa do Sindicato dos Atores de Cinema dos Estados Unidos (SAG), fez questão de saudar seus colegas em alto e bom som com um "obrigado, camaradas". Era uma provocação à direita raivosa que o transformou em alvo preferencial das primeiras semanas de governo Obama por causa de suas visitas à Venezuela e a Cuba, sua posição favorável a uma greve dos atores e sua defesa contundente do renascimento do movimento pelos direitos gays no país. Para o vencedor do Oscar em 2004 por "Sobre Meninos e Lobos", não se pode esquecer que "'Milk' é uma história sobre igualdade de direitos para todos os seres humanos".

A biografia do ativista pelos direitos dos homossexuais Harvey Milk pode até não ser ungida o filme do ano no dia 22, mas dos cinco candidatos à estatueta é o que faz mais barulho nos EUA. Em artigo de duas páginas no "Los Angeles Times", Betsy Sharkey lembra que o filme de Gus Van Sant, que estréia no Brasil no dia 6, não pede desculpas, em nenhum momento, por ser uma peça de propaganda do movimento gay americano. "Ao contrário de 'Philadelphia' ou 'Brokeback Mountain', a mensagem de 'Milk' é desafiadora: se você é homossexual, então encare o fato, se aceite, viva!", escreve.

Harvey Milk - cuja trajetória já rendeu um excepcional documentário premiado pela Academia de Hollywood - dá nome ao filme que se tornou sinônimo da nova luta pelos direitos civis na sociedade americana. Em uma capa com fundo negro, a principal revista voltada para o público homossexual nos EUA, a veterana "The Advocate", afirmou, semanas depois de os eleitores da Califórnia terem votado ao mesmo tempo em Obama e a favor de uma emenda que declara nula a decisão da Suprema Corte do Estado mais rico do país de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo: "O gay é o negro dos dias de hoje - a última grande batalha dos direitos civis nos EUA".


A reportagem do Valor assistiu à estréia de "Milk" em Nova York, no Village, não muito longe do emblemático bar Stonewall, marco do lançamento do movimento de orgulho gay no fim dos anos 60. A platéia, um mix de velhos esquerdistas e militantes políticos, aplaudiu o filme de pé ao fim da sessão, muitos com lágrimas nos olhos. Van Sant, assumidamente gay, criou um filme ao mesmo tempo comercial e provocador, síntese da safra Hollywood-2009, que em determinado momento nos oferece um Milk acusado de ser radical, respondendo, altivo, a um questionamento do prefeito de São Francisco: "O senhor já imaginou o que acontecerá quando um gay tiver poder neste país?"


O paralelo com a eleição do primeiro negro à Casa Branca desagradou tanto ao movimento negro quanto a parte da esquerda, que já teme que os protestos cada vez mais intensos contra a validação da Proposta 8 - que suspendeu o casamento gay na Califórnia - acabem desviando o foco da atenção para problemas aparentemente mais imediatos, como a crise econômica. A decisão de Obama de convidar o pastor evangélico Rick Warren - que comparou a validação do casamento entre pessoas do mesmo sexo com a premiação da pedofilia, do incesto e do bestialismo - para celebrar a cerimônia religiosa de sua posse no dia 20 aumentou o descontentamento de grupos progressistas.
Warren foi impiedosamente vaiado em Washington e boicotes a restaurantes e lojas cujos donos são mórmons, a principal força política à frente da campanha contra a decisão da Suprema Corte, pululam em todo o país. A vitória de "Milk" seria, para boa parte dos liberais de plantão, um primeiro sinal de que uma nova revolução social está para ser deflagrada nos EUA. Resta saber como a academia se comportará no primeiro ano da era Obama. (Eduardo Graça)

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