segunda-feira, janeiro 19, 2009

CARTA CAPITAL/OS PRIMEIROS TROPEÇOS DE OBAMA

A trabalheira tem sido tão intensa que finalmente inauguro 2009 aqui no blog. nas duas últimas semanas a Carta Capital publicou duas reportagens do escriba aqui. A primeira foi sobre a série de escândalos que já assolam a admnistração Barack Obama, que oficialmente, só começa amanhã.

Aliás, amanhã completo 35 anos e presente melhor de aniversário para quem vive em Nova Iorque não existe - lá se vai Bushlândia, que não volte mais. Veremos agora o que o reinado de Obama I nos oferecerá. Abaixo, a reportagem da semana passada na CARTA CAPITAL:

Nosso Mundo

EM HORA ERRADA

EUA Denúncias de escândalos envolvendo a equipe democrata atrasam definições às vésperas da posse de Obama

POR EDUARDO GRAÇA,
DE NOVA YORK


Há pouco mais de uma semana de uma inauguração histórica, em que a oposição retoma a Casa Branca após oito anos de predomínio republicano, as câmeras seguem o político negro de Illinois por todos os cantos em Washington. Mas ele não é alto, seu sorriso é nervoso e não há como deixar de notar os óculos retrô de aro branco e o bigodinho ralo. Indicado pelo governador Rod Blagojevch para ocupar a cadeira de Barack Obama no Senado, Roland Burns é a estrela principal de uma novela que não poderia estrear em pior hora para o Partido Democrata. Como Blagojevich está sendo investigado pelo F.B.I. pela tentativa de leiloar a segunda vaga de senador do estado do meio-oeste, o Congresso usou de um subterfúgio legal para impedir a posse de Burns na quarta-feira. Outros escândalos forçaram um membro do novo gabinete a desistir de ocupar um cargo estratégico na administração democrata e a futura Secretária de Estado, Hillary Clinton, a deixar de lado nomeações importantes que terão seu teste de fogo na crise no Oriente Médio para responder a acusações de ter aprovado legislação no Senado beneficiando um importante doador da fundação comandada por seu marido.

Um dos mais saudados analistas políticos dos EUA, o democrata James Carville, famoso por cunhar a expressão “é a economia, estúpido”, razão-mor da vitória de Bill Clinton sobre Bush pai em 1992, disse que na política norte-americana escândalos vêm em bando: “Os matemáticos acreditam que um evento infeliz não tende a se repetir. Isso só não vale para analistas políticos e maus atiradores. Como estou nas duas categorias e os democratas estão vivendo uma sucessão de escândalos, minha previsão, e me dói fazê-la, é a de que enfrentaremos mais problemas éticos em 2009”. Curiosamente, durante a campanha eleitoral, o presidente eleito recebeu de correligionários a alcunha de No Drama Obama, por conta de sua capacidade de evitar fofocas e intrigas típicas da política norte-americana, presentes em grande escala nas candidaturas fracassadas de John McCain e Hillary Clinton. Poucos apostavam que o período de transição de seu governo seria marcado por tantas trapalhadas.

Nenhuma custou tão caro, até agora, quanto a falta de atenção dada, pela equipe de transição, às acusações de uso da máquina pelo governador do Novo México, Bill Richardson, o mais importante político de origem latino-americana (um grupo fundamental na vitória democrata) dos EUA. Apelidado em seu estado de ‘teflon’, pela quantidade de denúncias envolvendo corrupção que nunca grudaram em sua imagem, o ex-secretário do Comércio de Bill Clinton ganhou destaque no ano passado ao desistir de sua candidatura presidencial para apoiar Obama, sendo chamado de “Judas” por Carville, um dos mais entusiasmados defensores de Hillary. Richardson está sendo investigado por conta de dois contratos, no valor de 1.4 milhão de dólares, assinados com a CDR Financial Products, uma consultoria baseada em Beverly Hills, na Califórnia. A CDR, que por sua vez está sendo investigada pelo FBI em uma consultoria a um município do Alabama resultante na maor falência pública da história norte-americana, doou 100 mil dólares para a campanha de Richardson, em ações voltadas para o registro eleitoral de cidadãos de origens indígena e hispânica.

“É como aquela alegoria do cheiro estranho que subitamente toma conta do recinto. Você primeiro acha mesmo esquisito, até prende o nariz, mas depois vai se acostumando e começa a lidar com o fedor”, disse a jornalista Anne Marie Cox, que foi editora da edição eletrônica da revista Time, e criou um dos blogs mais influentes da capital norte-americana, o Wonkette. Cox criou sua imagem pensando na inusitada figura de Roland Burns, que disse ‘ter sido indicado ao Senado pela vontade de Deus’, mas ela é a ilustração exata, ainda que ingrata, da antevéspera do governo Obama. No momento em que precisa lidar com a maior crise financeira dos EUA em um século – “precisaremos enfrentar a realidade de um déficit público de trilhões de dólares nos próximos anos”, anunciou esta semana, em tom sério – e com o Oriente Médio em ebulição por conta do conflito na Faixa de Gaza (sobre o qual permaneceu calado até o fechamento desta edição), Barack Obama começa, antes mesmo de sua posse, a responder sobre virtuais deslizes éticos que prometeu combater em sua administração.

No caso de Hillary Clinton, o empreiteiro Robert J. Congel estava interessado em criar uma brecha na lei que o impedia de utilizar recursos financeiros isentos de taxa na ampliação de seu Destiny USA – uma ampliação do Carousel Center, um dos maiores centros de lazer e compras do estado de Nova Iorque – na cidade de Syracuse. Pois na mesma época em que doou 100 mil dólares para a Fundação Clinton, comandada pelo ex-presidente, ele recebeu a assistência federal que precisava, com a promoção e o voto decisivo de Hillary no senado. E com um bônus: mais 5 milhões de dólares para as obras de uma rodovia Destiny USA, facilitando o acesso ao complexo comercial. A modificação na legislação se deu em outubro de 2004, semanas antes da doação ser embolsada pela Fundação Clinton. E só chegou ao conhecimento público porque a equipe de transição de Obama exigiu transparência total dos políticos em seu time de governo, levando o presidente Bill Clinton a revelar todos os colaboradores financeiros de sua organização não-governamental, dedicada a causas diversas como a prevenção contra a AIDS, o aquecimento global e combates à pobreza no planeta. A senadora Clinton negou qualquer relação entre a doação e seu empenho em um projeto comercial voltado ao ‘desenvolvimento do estado de Nova Iorque’.

Mas a realpolitik do novo status quo ganhou sua imagem definitiva na fotografia produzida pela Associated Press e publicada nos maiores jornais do país na quarta-feira. Nela, as mãos de uma sorridente Nancy Pelosi eram postadas suavemente na face do colega Charles Rangel. A democrata mais poderosa na hierarquia política norte-americana até o dia 20, que acabara de ser reeleita para o que seria o equivalente à Presidência da Câmara Federal no Brasil, celebrava um dos mais poderosos políticos de Nova Iorque, acusado de usar seu poder – ele é justamente o comandante da Comissão de Ética do congresso – para ocupar quatro apartamentos de luxo no Harlem a custos irrisórios, cortesia de um empreiteiro de Manhattan, deixar de pagar impostos no apartamento de quatro quartos em Washington, de sonegar o lucro de aluguel de sua villa na República Domonicana e de receber 1,9 milhão de dólares para a criação de um Centro de Serviço Público em seu nome. A doação foi feita por um executivo do setor de petróleo interessado na liberação de uma área de proteção para futura prospecção.

Em uma edição dedicada exclusivamente às ‘idéias para uma nova era progressista’, a The Nation que chega às bancas nesta segunda-feira pede que Rangel abandone seu posto imediatamente. “Rangel é exatamente como Blogojevich, um tipo de político que Obama & Cia. precisam se distanciar se os democratas quiserem manter o apoio da classe média que acreditou nas promessas de nosso novo presidente. Tirar o poder de Rangel mostraria para o país o quão séria administração Obama é sobre transformar Washington e sua tóxica cultura de auto-enriquecimento. Na minha terra, chamamos esta prática de Política de Deus e Lucros”, atacou o colunista Eric Alterman.

Professor da Universidade de Nova Iorque (NYU), o sociólogo Stephen Duncombe lembra que em uma primeira análise os democratas estão arriscando, antes mesmo de tomarem o poder no dia 20, perder a aura de transformação que os levaram à Casa Branca. Mas, por outro lado, os índices de aprovação de Obama, lembra, seguem em alta histórica, com 79% dos entrevistados aprovando suas escolhas de acordo com as mais recentes pesquisas de opinião. “As dúvidas sobre a real implantação da ‘mudança’, bandeira maior de Obama, que agora se concentram nas questões éticas, já estavam sendo questionadas pelos setores mais progressistas pela quantidade de cargos entregues a remanescentes da Era Clinton. Ironicamente, durante a campanha Obama foi severamente criticado por se apresentar como um idealista, um sonhador que teria dificuldades em governar de forma efetiva. Mas suas ações, com o que pode ser visto como o sacrifício da ética pela experiência, sugerem exatamente o oposto, não?”, provoca o acadêmico.

O cientista político Cristian Klein, do IUPERJ, diz que a transição norte-americana chama a atenção pelo aura redentora da candidatura Obama: “Curiosamente, estes escândalos têm raízes institucionais semelhantes ao que estamos acostumados a presenciar no Brasil. Os problemas relacionados ao financiamento das campanhas eleitorais e uso da máquina pública são idênticos. E o modelo da escolha do senador pelo governador do estado é ainda pior do que o suplente, no caso brasileiro, lembrando os senadores biônico da ditadura. Mas é importante enfatizar que este grau de realismo não pode implicar uma redução de pressupostos éticos. Aqui, só há duas saídas: mudam-se os homens e sua cultura política, algo mais moroso, ou as instituições, a saída mais viável, que, no entanto, depende quase sempre, da ação dos próprios políticos”.

Nenhum comentário: