quarta-feira, março 15, 2006

ENTREVISTA/Mario Vargas Llosa

A conversa com Mario Vargas Llosa foi publicada na revista semanal portuguesa 'Sábado' na última semana de dezembro. Aqui embaixo vai uma versão mais ou menos'abrasileirada' da entrevista.

MARIO VARGAS LLOSA

É peruano e tem nacionalidade espanhola - passa grande parte do tempo em Madrid. É escritor e também político - em 1990 candidatou-se à presidência do Peru, mas perdeu para Alberto Fujimori. Tem 69 anos e três filhos.

"Todos Temos Os Nossos Demônios"

Eduardo Graça, de Nova Iorque - Eterno candidato ao Prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa foi um dos participantes do Rolex and Mentor Protégé Arts Initiative, um incrementado programa de apoio às artes que teve sua noite de gala em Manhattan. Durante um ano, foi o mentor de um jovem escritor colombiano: Antonio García Ángel, 38 anos mais jovem do que ele, às voltas com seu primeiro romance. Um dos ícones do liberalismo na América Latina, Vargas Llosa conversou com a SÁBADO no Salão Verde do Teatro Estadual de Nova Iorque, dentro do Linclon Center. Confortavelmente instalado em uma cadeira de veludo, o escritor falou sobre o nome romance que acaba de escrever, o regresso de Fujimori à América do Sul e aquele que considera ser o maior problema de nossos tempos: a intolerância religiosa. "O que acontece hoje no Oriente Médio é muito, mas muito similiar com o que se viu em Canudos, no sertão baiano", diz o autor de "A Guerra do Fim do Mundo".

-O senhor passou o último ano trabalhando com um jovem escritor, às voltas com a publicação de seu segundo romance. Como o senhor se saiu no papel de tutor?
-Eu juro que me policiei para não interferir muito no ato íntimo de escrever do António. Sei que cada um de nós tem suas próprias manias, medos e demónios. Depois que ele me mostrava um capítulo, oferecia-lhe minha opinião, algumas sugestões, conversávamos sobre o tipo de problema que ele estava enfrentando em determinada etapa da criação. Mas sempre tinha em mente que o importante era ele descobrir o tipo de escritor que ele gostava de ser. E nós fomos descobrindo juntos que este escritor é bem diferente do que eu sou. Ainda bem! (risos)
-E que tipo de escritor o senhor é?
-Hum...Isso é mais bem observado por quem está de fora. Acho que pouquíssimos escritores tiveram uma ideia clara de que tipo de artista seriam quando estavam começando. É algo que se descobre escrevendo, publicando, enfrentando o mundo.
-E qual foi a maior surpresa neste trabalho a quatro mãos?
-O António me mostrou o projecto que tinha para um romance e eu o achei engraçado e inteligente. Mas o fantástico é que, neste ano em que trabalhamos juntos, ele mudou tudo. Aquele que seria um personagem pequeno na trama, por exemplo, se transformou no protagonista.
-E o senhor diria que também aprendeu com o António?
-Eu aprendi sim. Fiquei absolutamente fascinado, por exemplo, pela maneira como ele foi criando a história dele. E tive a oportunidade de observar como um outro escritor ia traçando, passo a passo, sua narrativa. E nossas conversas, nossas divergências de opinião ou entusiasmo comum sobre diferentes autores, se impregnaram em nosso trabalho.
-O senhor teve a oportunidade, quando jovem, de contar com um mestre?
-Faulkner! William Faulkner! (risos). Se eu pudesse, ele teria sido meu mestre. Mas acho que aprendi muito lendo seus livros. Eu li todo Faulkner acompanhado de um pedaço de papel e um lápis, fascinado com suas construções, com seu poder de invenção, sua noção de tempo, sua capacidade de criar atmosferas e de apresentar seu ponto de vista de uma forma exacta. Ah, como teria sido fantástico! Ou não. Pois quem sabe eu ficaria completamente paralisado pela presença do mestre? (risos)
-E o que o senhor tem escrito nos últimos tempos?
-Acabei de terminar um romance, que tem o título provisório de “Travessuras da Menina http://www.blogger.com/img/gl.bold.gifMá”, e o que posso adiantar é que se trata de uma história de amor. Um caso amoroso que dura décadas, começa em Lima nos anos 50, passa pela Paris dos 60, a Londres dos 70 e Madrid dos 80.
-Pelo roteiro dá para perceber que o livro tem um quê de autobiografia...
-Não! (risos) Apenas no cenário, porque de fato vivi nestas cidades naqueles períodos, mas o romance, que é o cerne do livro, é completamente fictício.
-António é colombiano, o senhor é peruano. Violência e miséria são características das duas sociedades andinas. Fico cá a pensar como se davam as suas conversas sobre a América Latina...
-Você pode imaginar, pois nós não vivemos uma situação lá muito brilhante, não é? Existe apenas um aspecto que preciso destacar sempre, e com voz alta: nós temos muito menos ditadores do que tivemos no passado. E este é um avanço importantíssimo. Por outro lado, recentemente há um aumento enorme do populismo no continente, muitas vezes conectado com corrupção, um obstáculo grande à democratização total do continente. Diria que falávamos o tempo todo de uma América Latina complicada, mas que não está mais em estado de desespero.
-O Peru vai eleger um novo presidente em Março e pesquisas de opinião mostram parte da população favorável ao retorno do ex-presidente Fujimori, acusado de assaltar o tesouro peruano. O senhor perdeu as eleições de 1990 para Fujimori e prometeu nunca mais voltar à politica. Como vê a aceitação popular de um homem que governou seu país como ditador?
-Não é algo que me surpreenda nem um pouco. O que me surpreende, na realidade, é o fato de menos de 50% das pessoas desejarem que ele retorne. A tradição do caudilho ainda é muito forte na América Latina. O próprio Trujillo, tema central de meu mais recente livro, “A Festa do Chibo”, era adorado na República Dominicana, apesar de toda repressão. Mas, sabe de uma coisa? Não são apenas os países do Terceiro Mundo que sucumbem a esta tentação do caudilho não. Até mesmo civilizações muito fortes se esquecem das tradições e abraçam, aqui e ali, o tipo do governo do homem forte, que poderá resolver todos os seus problemas. Basta olhar para os lados.
-Como o senhor viu a absorção da globalização nos diferentes países em que viveu?
-As experiências foram bem diversas. Eu acho que o país que entendeu melhor a globalização, que criou politicas mais adequadas para a nova realidade, e que prosperou mais, foi a Espanha. Quando penso na Espanha de hoje vejo uma das mais vibrantes e modernas democracias do globo, que se abriu economicamente e, ao mesmo tempo, se recusa a ser dependente. Já na França, houve uma resistência muito maior para se entender que o mundo mudou.
-O senhor faria uma relação desta dificuldade de aceitar a nova realidade com as recentes manifestações populares, algumas delas extremamente violentas, na França?
-Eu acho que um dos motivos fundamentais deste pandemónio é justamente o arcaísmo da sociedade francesa, que segue marginalizando milhares de imigrantes, pessoas que não têm uma possibilidade real de se integrar na sociedade.
-Mas e o aspecto religioso? Tanto na Espanha como na França está presente uma minoria religiosa, islâmica, que se sente excluída da Europa cristã...
-Este é o grandes problema de nosso tempo. E seu nome é fundamentalismo. O fanatismo religioso – seja islâmico, seja cristão – sempre cria tensões. Agora, não podemos desconsiderar que certas crenças são, por sua própria natureza, menos propensas à integração. O islamismo resiste à integração de forma intensa. Outras sociedades européias, como a holandesa e a britânica, fizeram um esforço imenso para integrar suas comunidades muçulmanas. E, como vimos, não deu certo. Infelizmente, não tenho uma receita para esta questão. Mas é sempre importante lembrar que a maioria dos imigrantes busca, sempre, a integração. E que foi um pequeno grupo de fanáticos que transformou o fundamentalismo no maior desafio do século XXI, na maior fonte de violência e de terror de nossos tempos.
-O senhor escreveu sobre o fanatismo de uma forma visceral em “A Guerra Do Fim do Mundo”, em que trata de António Conselheiro e seus seguidores em Canudos, no nordeste brasileiro, no fim do século XIX. Este é um tema que, de certa forma, o persegue?
-Ouso dizer que o que aconteceu no Brasil, no sertão baiano, é muito, mas muito similar com o que acontece agora no Oriente Médio. Um era cristão, o outro é muçulmano, mas o fundamentalismo é o mesmo. A pobreza e a ignorância são as mesmas. O messianismo é o mesmo. As raízes, meu caro, são exactamente as mesmas.

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