quarta-feira, março 15, 2006

Diretinho da Redação (42)


A coluna da semana é sobre esta bobagem de que o Rio tem 'vocação de cidade aberta'. Ela também pode ser lida no Direto Da Redação.

Para Ser Gay No Rio É Preciso Ser Macho

É comum ouvir de amigos cariocas que o preconceito contra homossexuais no Rio de Janeiro é obra de ficção. Que a cidade está cada vez mais aberta para o ‘gay way of life’ e em eventos como o famoso festival de música realizado no Museu de Arte Moderna (MAM) uma gente bonita, livre e sem preconceitos curte a vida como se a capital fluminense fosse a Berlim dos anos 20. Não foi exatamente o que aconteceu neste carnaval em Ipanema.

Quando o casal Hyldo, 24, e Maurílio, 23, resolveu se beijar à luz do sol da Vieira Souto, o pau comeu. Os jovens não só foram agredidos por um grupo de ‘pit boys’ como ridicularizados por policiais. De acordo com testemunhas, os militares se recusaram a reprimir os agressores e sequer anotaram seus nomes. E os civis desencorajaram os namorados a registrar a ocorrência. Para quê? Afinal, não vai dar em nada mesmo, diziam.

Pode-se argumentar que este é um caso isolado. Não é. Esta semana a jornalista Paula Autran, do Globo, acompanhou o ‘beijaço’ que reuniu na mesma Ipanema namorados de todas as preferências sexuais em um protesto contra a agressão sofrida por Hyldo e Maurílio. A repórter conta que uma pesquisa fresquinha, realizada pelo Grupo Arco-Íris em parceria com a UERJ e Universidade Cândido Mendes com homossexuais cariocas, mostra que 60% dos gays da cidade já sofreram algum tipo de agressão física apenas e tão-somente por conta de sua sexualidade. Como se trata de uma das metrópoles mais violentas do planeta, a distinção é importante – para ser gay e viver no Rio de Janeiro é preciso ser muito, mas muito macho.

Hyldo e Maurílio engrossam a triste estatística. Levaram socos e pontapés e foram agredidos verbalmente, na frente de quem tentava apenas curtir o baticum na praia mais famosa da cidade. A cena, de acordo com o deputado Carlos Minc, uma das poucas vozes interessantes da depauperada cena política carioca, depõe contra a vocação de ‘cidade aberta’ do Rio, berço da democracia morena, em que todos têm voz e vez. Balela.

O Rio da ‘barbárie homofóbica’ segue sendo a província de sempre, em que o que é considerado imoral pela maioria da população é tolerado – vá lá, até festejado - em locais como o festival de música com ingressos a R$ 100, mas condenado ao menor risco de o comportamento virar discurso. Quando isso muda? Um bom começo é denunciar o comodismo perigoso dos guetos culturais e parar de acreditar que os modernosos do MAM fazem, sozinhos, o carnaval.

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