quarta-feira, setembro 06, 2006

ENTREVISTA/ OLIVER STONE

A edição de setembro da revista Continente Multicultural, nas bancas brasileiras, traz na capa uma série de reportagens sobre os cinco anos dos ataques terroristas do 11 de Setembro. Entra elas minha entrevista com Oliver Stone, o diretor de "Torres Gêmeas", que estréia nos cinemas brasileiros no dia 28.

STONE E O MITO DO HERÓI AMERICANO

Novo filme de Oliver Stone, o "cineasta maldito" de JFK e Platoon, surpreende pela abordagem sentimental dos heróis do World Trade Center e é aclamado pela direita norte-americana


Por Eduardo Graça, de Nova York

Bastidores do Festival de Cinema de Chicago. Nicholas Cage aproxima-se de Oliver Stone e pergunta, sem mais rodeios: “Meu caro, como é que nós nunca trabalhamos juntos?”. O diretor, espirituoso, não perde a deixa: “E você me faria um preço camarada?”. Cage sorri. Meses depois ele estava debruçado sobre o roteiro de Torres Gêmeas, o filme de Stone que procura contar, a partir do resgate de dois policiais nova-iorquinos dos escombros do World Trade Center, a história do 11 de Setembro de 2001. Um filme, de acordo com todos os envolvidos na produção, apolítico. Como se tal objetivo fosse possível.

Os brasileiros que forem aos cinemas, a partir do dia 28 de setembro, a fim de se reencontrar com o diretor de JFK ficarão desapontados. Nas Torres Gêmeas de Stone não há tempo para metáforas, digressões, teorias conspiratórias. O filme não pretende ir além da experiência, das sensações, do choque que os norte-americanos viveram naquele dia fatídico. Aqui não há nem mesmo o aspecto documental, mais rígido, utilizado por Peter Greengrass em seu Vôo 93. Torres Gêmeas se passa quase que exclusivamente no chamado Ground Zero. E é centrado na história – real – dos policiais John McLoughlin (Nicholas Cage) e Will Jimeno (Michael Peña), duas das últimas vítimas a serem retiradas com vida dos escombros do World Trade Center, e de suas famílias.



Cabelo esgarçado, um terno cinza que destoa de sua camisa lilás, Stone se confessa exaurido. Na suíte do Hotel Regency, em Manhattan, ele trata das surpresas da Copa do Mundo de Futebol antes de encarar o repórter. E, seguindo a receita de seu ator principal, vai direto ao ponto: “Francamente, acho que há um equívoco fundamental na análise das pessoas sobre o que venho fazendo nos últimos 30 anos. Eu me vejo como um simples dramaturgo do cinema. Sempre quis dramatizar a vida, contar histórias. Algumas eram mesmo políticas, como JFK, mas poderia lhe dizer que aquela é, também, uma história de detetive, à maneira de um Rashomon, de Kurosawa, ou de um Z, de Costa-Gavras. Nixon e Alexander eram biografias. O ponto é que nunca me considerei um cineasta político. Não é que não goste do termo. Mas não sou um polemista. A própria definição de cinema engajado – engagé – passa longe de meu trabalho. Ela se aplica a um Costa-Gavras, a um Rossi, a um Pontecorvo, quem sabe até mesmo a Goddard. Nunca estive lá. Sempre fui um pensador livre, pouco ortodoxo, radicalmente independente”.

Em Torres Gêmeas, é bom que se lembre, os dois personagens principais não têm a mais vaga idéia da motivação por trás do atentado. Não se fala de Al Qaeda, de Osama bin Laden, de guerra santa. Nem se vê a imagem dos aviões adentrando os arranha-céus. A perspectiva é sempre subjetiva, de dentro dos prédios. As figuras do presidente George W.Bush e do então prefeito de Nova York Rudy Giuliani, virtual candidato republicano à Presidência em 2008, no entanto, aparecem na tevê, de forma compungida. “Olha, é possível contar a história do 11 de Setembro de muitas maneiras. Pode-se contar do ponto de vista dos árabes, do de Bush. Torres Gêmeas é a história que eu quis contar. Diria que Torres é mais hollywoodiano, por exemplo, do que o Vôo 93 de Greengrass, um filme que, aliás, adorei. Aqui queremos estabelecer uma conexão entre o público e os policiais e suas famílias, em uma abordagem, diria, mais tradicional, à la Frank Capra”, segue Stone.

Depois de duas horas de projeção, é óbvio que Stone faz mais do que isso. Não são apenas os dois policiais que são resgatados, mas suas famílias, e a crença nos valores mais caros da classe média norte-americana. Aqui, não se louva apenas a coragem dos heróis ianques, mas sua honra e seu Deus. Se este é um raio-x “capriano” da América do século 21, a harmonia e a união nos momentos mais difíceis, a transmutação da tragédia em mito refundador da sociedade norte-americana são, no mínimo, conformistas.

Rosto sério, olhos semicerrados, Nicholas Cage não sorri sequer um momento durante a meia hora de entrevista. Conta que o filme foi uma resposta às “minhas preces”. Que queria muito fazer algo que inspirasse as pessoas, que ajudasse outros seres humanos. “Não sou um ser político e acho que contar a história de John é uma maneira de todos nós nos purificarmos, de curarmos nossas feridas. Digo mais: se eu começar a falar dos aspectos políticos do pós-11 de Setembro serei injusto com o filme”, diz. Talvez Cage já temesse o que as primeiras projeções de Torres Gêmeas para platéias selecionadas parecem sugerir: este é, também, o filme da reabilitação nacional de Oliver Stone, de seu reencontro com a América Profunda. O odiado cineasta de JFK vem sendo saudado pela direita mais raivosa dos EUA como seu novo campeão. “Este é um dos filmes mais pró-EUA, mais pró-família jamais feitos. Saímos dos cinemas agitando a bandeira nacional e cantando ‘God Bless America’”, diz o comentarista conservador da rede Fox, Carl Thomas.



Não há sinal de Michael Moore nas Torres de Stone, muito menos concessões às muitas teorias conspiratórias que sugeriam uma ligação de Washington com os terroristas. “É claro que estou ciente de que as conseqüências do 11 de Setembro foram muito piores do que aconteceu naquele dia. Tivemos muito mais mortes, o terrível ataque à Constituição e às liberdades civis, sem falar no fato de que vivemos sob o domínio do medo. Estamos pagando um imenso preço por conta de nossas reações ao ataque. Mas esta é outra história. Torres é sobre o resgate destes dois homens daquele inferno. E mesmo o fuzileiro naval que expressa seu desejo de vingança oferece uma reação emocional, e não política”, diz Stone.

Não deixa de ser irônico ler, agora, o editorial do jornal mais direitista do país, o Washington Times, defendendo entusiasticamente o filme de Stone. “Mas o importante é a história destes dois homens, dos policiais! Quando li o script, quis conhecê-los pessoalmente e isso me fez um bem enorme, sabia? Eu queria que o público apenas se deixasse levar pela emoção. Mais nada.”, diz o diretor, ecoado por Cage: “Juro que não tivemos sequer uma conversa sobre o aspecto político do 11 de Setembro. O tempo todo pensávamos apenas em ser o mais realista possível. O que há de mais bonito nas Torres Gêmeas é o fato de que, para sobreviver, aqueles dois homens tiveram de se transformar em um só”.

Ainda em 2001, em um outro festival de cinema, o de Nova York, poucas semanas após o ataque às Torres, em uma mesa-redonda chamada “Fazendo Filmes Que Marcam”, alguém da audiência perguntou a Stone como seria um filme seu sobre o 11 de Setembro. Ele respondeu que certamente seria algo que lembrasse A Batalha de Algiers, o clássico do engajado Gillo Pontecorvo, um filme que mostrasse como o terrorismo do novo milênio funcionava na cabeça de árabes e norte-americanos. Disse ainda mais – ‘que se ele fosse filmado de modo realista, sem a busca de um herói, teria um resultado ainda mais fascinante’. Cinco anos depois, Torres Gêmeas é, curiosamente, a exata antítese desta descrição.

2 comentários:

Anônimo disse...

Saudades de você, amigo :o)

Eduardo Graca disse...

Saudades também, mulher!!! Como vai a vida? Estás aonde? Manda um email pra mim! Já!
Beijos