Já está no Terra Online a entrevista que fiz com José Padilha, o diretor de Tropa de Elite, sobre seu mais recente documentário, Garapa, em cartaz hoje aqui no Festival Internacional de Cinema de Tribeca, em Nova Iorque.
Padilha elogia o Fome Zero, fala de seus novos projetos - incluindo um filme sobre a corrupção na política nacional, que deve começar a rodar logo - e do impacto de seu filme nos grandes centros urbanos do planeta.
Ele também diz que ainda não sabe se Tropa de Elite 2 sairá mesmo do papel.
Segue o conversê:
Cinema e DVD Sábado, 2 de maio de 2009
"'Garapa' muda a maneira com que o público vê a fome", diz Padilha
Eduardo Graça/Especial para Terra
Principal estrela do cinema brasileiro na oitava edição do Festival Internacional de Cinema de Tribeca, em Nova York, José Padilha, diretor de Tropa de Elite, premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim do ano passado, trouxe para Manhattan seu mais recente documentário.
Em Garapa, ele acompanha o dia-a-dia de três famílias que enfrentam a fome no nordeste brasileiro. O filme, que será apresentado para o público amanhã no Festival, impressionou a platéia na exibição para convidados e imprensa. A reportagem do Terra conversou com o diretor de Ônibus 174 na Rua 13 da Big Apple, sobre os problemas sociais do Brasil, o distanciamento que nova-iorquinos, paulistanos, cariocas e qualquer morador dos grandes centros urbanos brasileiros têm com a fome e seus novos projetos. Garapa estréia nos cinemas brasileiros ainda este mês.
Como foi a reação do público às sessões de Garapa aqui em NY?
Muito semelhante a Berlim. Um silêncio muito grande, muitas pessoas balançadas. Os caras estão vendo uma realidade que é dramática para aquelas três famílias, mas também são informados que aquela é a realidade de uma em cada sete pessoas no planeta. E se perguntam: por que não estamos resolvendo isso?
Você acredita que o filme faça os americanos redimensionarem o drama que vivem neste momento, com uma crise financeira ainda de proporções desconhecidas?
Não. Garapa nada mais é do que um filme em que eu acompanho três famílias que vivem numa situação de insegurança alimentar grave, para usar a classificação da ONU. E o objetivo é mostrar o dia-a-dia destas famílias enquanto o público entende o que é enfrentar a fome. Não de uma maneira intelectual - é só entrar na internet e ver os números - mas como um encontro pessoal. Você não vai aprender sobre a fome do anônimo, como na estatística. Você vai ser apresentado a personagens reais de um filme, vai gostar deles e vai sentir o que significa ver alguém que você 'conhece' não ter o que comer. E isso muda tudo. Garapa muda a maneira com que o público vê a fome.
Imagino que a reação do público não seja muito diferente à de NY em grandes centros como Rio e São Paulo...
Hoje em dia é possível separar as populações entre pessoas que estão integradas na economia global e as que estão à margem. Não há convivência entre o primeiro grupo e as pessoas com insuficiência alimentar grave. Embora os números sejam chocantes, essa gente não tem amigos ou parentes que passam fome.
Você já tinha tido contato direto com a fome antes de Garapa?
Não. Li, pesquisei e estudei muito o assunto. Mas nada me preparou para conviver com a fome diariamente. E esta, creio, é a realidade do público também. E isso explica por que ainda existe a fome. Se entendêssemos o quão terrível é a situação destas pessoas, já teríamos feitos um esforço imenso para resolver o problema da fome no planeta.
Como você vê o Programa Fome Zero?
Vejo muitíssimo bem. O grande acerto do governo Lula foi a ampliação do Bolsa Família. Foi a política de transferência de renda para ajudar estas famílias mais miseráveis. E teve resultado. O número de pessoas com insuficiência alimentar grave diminuiu. Até de um ponto de vista humanitário, foi a coisa a certa a se fazer. Agora, resolveu o problema? Dizer que o Lula erradicou a fome no Brasil, como tem gente que diz, não é verdade. Dentro do universo dos que recebem o Bolsa Família, cerca de 55 milhões de pessoas, ainda há 11,5 milhões vivendo em situação alimentar grave, de acordo com a pesquisa do Ibase-VoxPoppuli. E isso é um fato. Gosto do Bolsa Família, mas isso não significa que eu subscreva o governo do PT.
Não seria a hora de a sociedade civil brasileira se mobilizar de forma mais direta na erradicação da fome no Brasil?
Existe uma proposta de emenda constitucional (PEC) apoiada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar para incluir alimentação como obrigação constitucional. Hoje, não é. Isso teria um peso simbólico, uma ONG poderia processar o governo, por exemplo, se provar que há toda uma população sem acesso ao alimento. Gostaria de ver o governo do PT e lideranças do Congresso apoiando esta PEC.
Que, como você enfatizou, seria, de todo modo, um ato simbólico...
Sim, pois a erradicação da fome, como sabemos, é essencialmente um problema de alocação de recursos. Se o mundo priorizasse recursos a partir de padrões humanitários, não haveria fome. De acordo com a FAO seriam necessários US$ 30 bilhões para erradicar a fome que retrato em Garapa. E o mundo gasta mais de US$ 1 trilhão/ano em armas. Gastou recentemente para salvar os bancos o que daria para garantir um século sem fome na Terra. Veja bem, não estou dizendo que não se precisa salvar os bancos, mas exemplificando que, quando achamos que determinado problema é importante, fazemos. Não se acha que a fome é importante. A PEC acaba forçando esta questão a ser prioritária.
Quanto tempo você passou com as três famílias do Ceará retratadas em Garapa?
Fiquei 45 dias filmando e indo de uma família para outra. Queria cobrir 30 dias de cada família. E demorou muito para finalizar, pois só tinha dinheiro para filmar. Até conseguir finalizar foram alguns anos.
As famílias já viram o resultado?
Já, assim que ficou pronto. Eles estão vendo algo que já sabem como é. É como se estivesse filmando minha própria família e mostrasse, é mais curioso para eles do que surpreendente. Quando fui explicar o projeto, o primeiro raciocínio é que milhões de pessoas os veriam. Será que vai passar na Globo? Precisei explicar que ele não será tão visto quanto eles imaginariam.
Padilha: ajuda a personagens de seus filmes
Garapa terá lançamento aqui nos EUA? Houve uma certa frustração pela maneira como Tropa de Elite foi divulgado no mercado americano...
Tivemos um problema com a Weinstein Co., que ficou mal das pernas e não lançou vários filmes que tinha o direito de distribuição nos EUA, não apenas o Tropa de Elite. Mas o filme foi lançado internacionalmente muito bem, inclusive na Europa. Quanto ao Garapa, estou tentando ao máximo, vou conversar com o pessoal do Film Fórum aqui em NY, mas sei que não é um filme fácil.
Coincidentemente, eu conversei esta semana com o ator Taylor Kitsch, que vai viver no cinema o fotógrafo sul-africano Kevin Cartner, famoso pela foto da criança africana faminta próxima de um abutre, publicada na primeira página do The New York Times. Cartner, que acabou se suicidando, foi muito criticado por ter feito a imagem ao invés de simplesmente ajudar a criança à beira da morte. Há algum paralelo entre este dilema ético e sua experiência com as famílias retratadas em Garapa? Para mim nunca existiu uma questão se eu iria ou não ajudar estas famílias. Era óbvio que eu iria. Como iria fazer um filme destes sem ajudá-los? Obviamente não consigo resolver todos os problemas deles. Ninguém vai resolver alcoolismo com dinheiro, por exemplo. Não gosto de ficar falando da ajuda porque o foco sai do filme para discutir o que eu fiz ou deixei de fazer, mas, antes de mais nada, o filme não é meu. É das três famílias. Tudo o que o filme ganhar é deles.
O dinheiro vai diretamente para eles?
Não, você não pode dar um bolo de dinheiro para estas famílias assim. Teremos uma ONG, com assistentes sociais que ajudarão a definir prioridades. Além disso, desde o fim das filmagens, mandamos uma ajuda todos os meses. Estamira, por exemplo, a ajudamos desde o dia em que a conhecemos. Pessoas do Ônibus 174 me pedem ajuda, dentro das minhas possibilidades, claro que estou pronto para ajudar! E a razão é simples: eles são meus amigos, não tem nada a ver com o cinema. O filme é apenas o evento que me levou a conhecer estas pessoas.
Você chegou a provar garapa?
Água com açúcar é uma coisa comum, na infância a gente toma para 'ficar calmo', lembra? Agora, tomar garapa é uma coisa, viver de garapa é outra completamente diferente.
Depois de Garapa o que vamos ver de José Padilha em breve nas salas de cinema?
Em breve eu não sei, mas tenho um documentário cujo tema é caro à antropologia na ilha de edição, que estou terminando de montar. O nome provisório, que vou mudar, é Povos Selvagens, uma história que se passa na Amazônia venezuelana, sobre os vários antropólogos que estudaram os índios yanomâmi pelos mais diversos motivos, de 1964 a 1993. O filme é focado na relação entre os antropólogos e os índios yanomâmi. Também estou terminando um roteiro, uma adaptação de um livro, para a empresa Plan B, do Brad Pitt. Chama-se Marching Powder.
Você escreveu o roteiro em inglês? É mais complicado?
Terminei o roteiro em português e na semana que vem acabo a tradução que eu mesmo fiz e, se de fato ele acontecer, serei o diretor. Os diálogos são um pouco mais complicados, mas como traduzo do português que eu mesmo criei, é um processo tranqüilo. Don Cheadle será o ator principal. Ele viu Tropa de Elite, e me convidou para adaptar o livro. É a história de um traficante de Liverpool que é preso ao tentar sair da Bolívia e é colocado naquela que é considerada a mais maluca prisão do planeta, a de San Pedro, em La Paz. Mas não me pergunte mais porque não quero contar o filme todo com tanta antecedência. (O livro foi escrito à quatro mãos pelo tal traficante, Thomas McFadden, e o escritor australiano Rusty Young).
Você também tem um projeto com a Universal Pictures...
Sim, aí é um filme grande, com os roteiristas que escreveram Homem de Ferro. É a adaptação de um livro póstumo do Robert Ludlum, The Stigma Protocol. Diria que é uma espécie de Jason Bourne, um filme de conspiração, na linha de Os Três Dias de Condor e Maratona da Morte. Estou conversando com vários atores, aproveitei para sentar com eles aqui e em L.A., mas ainda não fechamos nada.
"Faço filmes sobre temas que me angustiam", diz Padilha
E filmagens no Brasil? E o Tropa de Elite 2?
O Tropa 2 ainda é uma incógnita na minha cabeça. De qualquer modo, antes de ele acontecer, se acontecer, tenho o filme com o Luiz Eduardo Soares, Nunca Antes Na História Deste País, e dá para adivinhar pelo título que é uma história sobre a corrupção e a política brasileira. Imagino como uma Tropa da Elite da política.
Novamente com o Wagner Moura?
Tudo o que eu puder fazer com o Wagner, farei. Por exemplo, tem um personagem brasileiro que é dele, se ele quiser, em Marching Powder. Seria genial fazer com ele, que é um grande ator.
Como você escolhe os filmes que faz?
São sempre temas que me angustiam. Não fico pensando, em casa, qual o próximo problema social que vai me levar a um filme. Às vezes o filme me acha. Estava na esteira da academia correndo quando um cara seqüestrou um ônibus e apareceu na televisão. Aí eu conheço os policiais do BOPE que começam a me contar a vida deles. Aí um amigo do Ibase, o Chico Menezes, me diz que era preciso fazer um filme sobre a fome do ponto de vista de quem passa fome. Pensei: vou fazer! É mais ou menos assim que acontece.
Qual é a opinião do cidadão Padilha sobre corrupção e política brasileira? Você vota em algum partido político com mais freqüência? Há alguma figura política que o tenha animado recentemente? Você se envolve de fato com a política?
Acabo me envolvendo porque muitas vezes os políticos, quer eu queira quer não, se posicionam sobre os temas que trato em meus filmes. Mas jamais faço um filme com agenda política. Meus filmes não são partidários. Não tenho partido algum. No Ônibus 174 mostro que a maneira como a sociedade tratou o Sandro explica o que ele fez naquele ônibus. Em Tropa de Elite é entender como um policial pensa. Como ele vê a sociedade. Como a polícia funciona. E, claro, o processo eleitoral brasileiro faz quase que uma seleção ao contrário...
Como assim?
Se você conseguir passar por este processo e virar um político, muito provavelmente você tem propriedades que não são muito boas para o seu eleitor. É um pouco sobre esta idéia que é o Nunca Antes. O Luiz Eduardo Soares, por exemplo, que hoje é secretario municipal de Segurança Pública em Nova Iguaçu, é um cara que admiro, mas que dificilmente se tornaria presidente do Brasil, por exemplo, porque é muito do bem. Ele não tem as características necessárias, não faz os negócios necessários para tanto. Mas ele ainda tem aquela idéia do sacrifício, ele pensa que se não se meter com aquelas pessoas as coisas ficarão ainda piores.
sábado, maio 02, 2009
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Um comentário:
Cara, quando leio sobre esse filme sempre pergunto; Para quê?
Ainda que eu ache Tropa de Elite um filme bom, não consigo deixar de lado a forma com que o filme aborda certos assuntos. E deixando de lado toda aquele bla bla bla polêmico sobre o filme eu tenho a impressão com ele que o Padilha tem uma visão equivocada e com uma certa arrogância (de quem acredita saber as respostas) sobre o tema.
Essa impressão me faz achar que as motivações dele para fazer um filme sobre a fome passam por querer se posicionar acima (com as suas respostas) dos outros.
Quero ver mais filmes do Padilha mas esse Garapa eu dispenso.
No fim das contas é só uma impressão minha.
Abraço
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