quarta-feira, maio 20, 2009

Obama: Saúde

A Carta Capital desta semana saiu com um textinho meu sobre a prioridade número um de Barry O. em termos de política doméstica: revolucionar o sistema de saúde nos EUA. Não vai ser fácil. Mas uma virada de mesa é fundamental para o democrata combater, a médio prazo, a imensa dívida pública da maior economia do planeta.

Ó só o texto:

Diga trinta e três

Eduardo Graça, de Nova York


Não pareceu obra do acaso. Na segunda-feira 11, o presidente Barack Obama reuniu-se com os barões dos planos de saúde na Casa Branca e anunciou um acordo histórico com o objetivo de reduzir os custos anuais de tratamentos médicos em até 2,5 mil dólares para as famílias norte-americanas. Em meio à recessão, a terça-feira surgiu com o governo anunciando a acelerada deterioração financeira do Medicare, em consequência do crescimento brutal do desemprego verificado desde dezembro.

Em 2017, dois anos antes do previsto, o único programa federal público de seguro de saúde para idosos e inválidos nos EUA estará insolvente. O mesmo acontecerá com a Previdência Social, se nada for feito, em 2037. A erosão dos dois maiores fundos de segurança social do país é a mais nova arma usada pela administração democrata para avançar a sua agenda prioritária na política doméstica: a reforma do falido sistema de saúde norte-americano.

A ex-governadora do Kansas Kathleen Sebelius, que ocupa o equivalente ao cargo de ministro da Saúde na administração Obama, foi direto ao ponto, afirmando na quarta-feira 13 que o presidente vai fazer absolutamente tudo para que idosos e cidadãos mais pobres “finalmente tenham acesso à saúde”. “Queremos abandonar um sistema doentio para apresentar uma opção saudável para todo o país”, disse.

A secretária da Saúde celebrou o compromisso firmado por redes hospitalares, indústria farmacêutica, companhias de seguro de saúde e médicos em reduzirem em até 2 trilhões de dólares os custos do setor nos próximos dez anos. E refutou as críticas de que o plano democrata representará um ataque à livre concorrência, ao reforçar uma opção pública aos planos privados, hegemônicos no mercado. “A oposição dizer que se trata de um ataque ao capitalismo americano é uma falácia. A decisão final seguirá sendo a do cidadão”, afirmou, em entrevista ao principal programa jornalístico da rede de tevê pública dos EUA.

O governo estima que ao menos 45 milhões de norte-americanos (cerca de 15% da população) estejam sem qualquer plano de saúde no momento. Um profissional liberal em Nova York, por exemplo, paga até 800 dólares por mês – cerca de 1,7 mil reais – para garantir uma cobertura total, com leito exclusivo e atendimento em clínicas especializadas. Um custo que, com a recessão, vem sendo apelidado de “pesadelo americano”, em oposição ao american dream dos anos 50. Números que fizeram com que o setor engolisse a seco a frase de Obama na reunião de segunda-feira: “Os senhores assumiram aqui um compromisso. E nós esperamos que ele seja cumprido”.

O colunista Joe Klein, da Time, um dos mais influentes do país, escreveu esta semana que a esquerda democrata está correta ao argumentar que a margem imensa de lucro das seguradoras é parte fundamental dos altos custos do serviço para o cidadão comum. “Mas minha opinião é que a opção de um plano público é apenas um elemento de barganha do governo para incluir nas discussões moderados e até republicanos conservadores, criando um plano consensual, bem ao estilo de Obama”, arriscou Klein.

A pressão por uma regulamentação do setor já começou. A Organizing For America (OFA), organização criada por Obama a partir da lista de milhares de contribuintes de sua campanha à presidência, iniciou esta semana uma campanha de abaixo-assinados – e são mais de 3 milhões de e-mails associados à lista do grupo - pedindo que o Congresso vote um Plano de Reforma da Saúde ainda este ano. A OFA pretende pressionar especialmente os parlamentares de 37 distritos eleitorais representados por republicanos, mas que votaram em Obama no ano passado.

Mas a primeira grande batalha do braço político do presidente democrata não será das mais fáceis. Em análise publicada no The New York Times, Robert Pear lembrou que “se a história for levada em conta, as seguradoras não cumprirão as reduções de custo sugeridas, o que já se anuncia pelas propostas vagas de cortes. Neste exato momento, controle de custos é uma aspiração de todos os envolvidos. E nada mais”. Para o correspondente da The Nation em Washington, Ari Melber, o maior problema é justamente a falta de profundidade do plano. “Temos apenas três princípios básicos, redução de custos, a manutenção do direito de escolha do cidadão entre um número de planos e o compromisso do governo de levar a cobertura para todos. Como mobilizar o público a partir de noções tão vagas?”, pergunta.

Uma das primeiras pistas de como o Plano Obama funcionará foi dada por Sebelius nas entrevistas que concedeu esta semana. “Não há dúvidas de que os que têm mais possibilidades de pagar um plano de saúde arcarão com uma parte dos subsídios para os mais pobres, por exemplo, pagando mais caro por remédios. O valor do incremento será desviado para subsidiar os que comprovem não ter como pagar um plano privado nas condições de hoje”, disse.

Transferência de renda através de uma reforma na Saúde é justamente o que assusta a parcela de democratas eleitos em áreas mais afluentes, tradicionalmente ligadas aos republicanos. São eles, que, no fim das contas, garantem a maioria governista no Congresso. Já na terça-feira, 45 governistas, todos parte do grupo de austeridade fiscal conhecido como Blue Dog Coalition, anunciaram seu desagrado com a ausência de representantes das alas mais conservadoras do partido nas discussões em curso em Washington. Um dos líderes da banda moderada, Mike Ross, do Arkansas, já disse que o custo das reformas, que poderia chegar a US$ 1 trilhão em 10 anos, será uma pedra no sapato do governo na hora da votação no plenário. Entre os moderados, há médicos como Parker Griffith, do Alabama, que já se manifestou céptico quanto à criação de um plano de saúde público e universal.

Por se tratar de um dos temas mais contenciosos na atual legislatura, o ex-líder democrata no Senado, Tom Dashcle, nome inicialmente cogitado por Obama para ocupar a secretaria de Saúde, acredita que haja 50% de possibilidade de o plano democrata passar pela casa. Sebelius é mais otimista. “O presidente deixou muito claro que esta é sua prioridade número para política interna. Com os dados do Medicare e da Previdência, vimos que não há a opção de se jogar este problema pra frente. Também há uma lógica irrefutável aqui: tratando de mais americanos antes dos 65 anos, deixamos o Medicare menos sobrecarregado, pois as pesquisas mostram que os idosos serão mais saudáveis. Hoje, diria que temos 75% de chances de aprovar as novas regulamentações”, afirmou.

No Senado, outro quadro mais à esquerda do partido, o senador Charles Schumer, do Brooklyn, tenta estabelecer um compromisso em que as margens de lucro da indústria dos planos de saúde não seja reduzida drasticamente ao mesmo tempo em que o cidadão tenha a oportunidade de optar pelo plano público. Parte da oposição aponta a reforma no sistema de saúde como a prova das ‘tendências socialistas de Obama’, como vem martelando o comentarista de rádio Rush Limbaugh, o de maior audiência no país. Mas as vozes dissonantes, mesmo no reino da direita, começam a aparecer. O historiador Bruce Bartlett, que trabalhou nas administrações de Ronald Reagan e Bush pai, publicou texto no site Político defendendo uma postura diferente dos republicanos da que tiveram em 1993, quando os esforços de reforma comandados pela então primeira-dama Hillary Clinton foram duramente combatidos pela direita e acabaram sendo rejeitados pela opinião pública.

O encontro de segunda-feira teria sido justamente uma tentativa da administração Obama de se distanciar da batalha entre progressistas e conservadores que caracterizou o debate sobre a saúde na década passada. O especialista em saúde pública Greg Dworkin, um dos fundadores do site Daily Kos, quiçá o mais popular na porção liberal da blogosfera, concorda com Bartlett e avalia que o Congresso irá legislar sobre o tema ainda este ano. “A direita está esfacelada e os democratas têm maioria nas duas casas do Congresso, então os republicanos deveriam ao menos sentar-se à mesa para não terem de se debater com temas críticos depois de virarem lei”, diz.

Dworkin concorda com Joe Klein no ponto mais importante do Plano Obama – o oferecimento de uma real alternativa do governo para a massa de americanos abandonadas pelos planos de saúde e confinadas em imensas filas nos setores de emergências dos grandes hospitais. “Considero importante termos a opção de um plano de saúde público, mas ainda não podemos afirmar se esta administração nos oferecerá uma opção séria ou se este será apenas mais um tópico para se barganhar no Congresso”, diz.

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