sexta-feira, outubro 12, 2007

Entrevista/NEIL GAIMAN

O Valor Econômico publicou hoje, no caderno Eu&Cultura, minha entrevista com Neil Gaiman. O escritor britânico falou da adaptação cinematográfica de Stardust, uma delícia, que estréia hoje nos cinemas brasileiros, e também das diferenças de seu universo fantástico e do mundo de batalhas sem fim do Senhor dos Anéis. Já já posto a outra entrevista que fiz em Londres, com dona Michelle Pfeiffer.

A bruxa de Gaiman à solta na tela
Por Eduardo Graça, de Londres, para o Valor
12/10/2007



Quem disse foi Norman Mailer, logo após devorar todo "Sandman". Neil Gaiman faz algo extremamente raro: escreve história em quadrinhos para intelectuais. Camisa de manga, calça larga, cabelos encaracolados negros, cotovelo largado sobre a mesa de madeira, o escritor de 47 anos tenta achar graça do circo armado em torno da adaptação para o cinema de "Stardust", outro de seus best sellers. O filme chega aos cinemas brasileiros nesta sexta-feira e conta com elenco de primeira. Robert DeNiro vive um pirata cheio de trejeitos; Michelle Pfeiffer, uma bruxa centenária obcecada pela beleza física; e ainda há espaço, embora não muito, para Ian McKellen, Peter O'Toole, Rupert Everett, Ricky Gervais, Sienna Miller e Claire Danes.

Todos largaram o que faziam no momento para tirar uma casquinha do universo imaginado pelo escritor britânico em uma produção encabeçada pelo diretor Matthew Vaughn, do hilário "Nem Tudo É o Que Parece", mas mais conhecido por ser o produtor dos filmes de Guy Richie e ter-se casado com a modelo Claudia Schiffer. "Fiquei envaidecido, mas preciso ser sincero: nem sempre gosto do que fazem com minhas histórias", diz Gaiman. "Lembro-me de que Matthew estava na oitava semana de filmagem quando tomei coragem de ir ao set. Fiquei confinado numa salinha vendo o que ele havia feito e ali tive certeza de que, após um ano prendendo a respiração, poderia suspirar aliviado."

"Stardust" surge na tela como se aquela trama já fosse conhecida de antemão. O livro, que teve mais de 3,5 milhões de exemplares em formato de bolso vendidos, é um dos cinco romances escritos por Gaiman, reverenciado por suas graphic novels (como "Sandman", um dos maiores sucessos da história da DC Comics, e "Death"). Quando escreveu "Stardust", há dez anos, queria alcançar reação típica dos contos de fadas clássicos: a de que o leitor tateasse por caminhos conhecidos, que tivesse a sensação de já ter visitado determinada história, de já estar familiarizado com um ou outro personagem. "O filme consegue alcançar esse estado de espírito", diz.

O enredo de "Stardust" é simples: um jovem apaixonado pela moça mais linda da cidade promete presenteá-la com a estrela cadente que acaba de despencar do outro lado do muro que separa a cidade de uma área proibida, repleta de magia. Logo ele descobrirá que a tal Estrela Cadente é uma mulher interessante, personagem fantástico num mundo povoado por gente como a bruxa Lamia e suas duas irmãs asquerosas, claramente inspiradas na mitologia grega.

"Enquanto escrevia 'Stardust', já imaginava como seriam os personagens no cinema. Mas a bruxa da minha imaginação teria cabelos negros desgrenhados e um vestido vermelho imenso. E jamais seria linda como Michelle. Lamia, no livro, discute a obsessão que temos em nos mantermos poderosos. É claro que queria falar sobre o culto da beleza eterna imposta por nossa sociedade. Mas isso quem mostrou foi Michelle."

Para os fãs do livro de Gaiman, uma das grandes novidades é o Capitão Shakespeare de DeNiro, que ganhou fôlego extra, com um guarda-roupa repleto de vestidos tamanho família à disposição do genial ator. "Quando Matthew me disse o que pretendia fazer com o Shakespeare, fiquei tenso, achei que poderia desandar tudo. Mas como ele me disse que somente dois atores seriam capazes de viver um pirata desmunhecado, Jack Nicholson ou Robert DeNiro, fiquei calmo, pois achei que nenhum dos dois iria querer fazer algo que perigosamente beirava o ridículo. Até saber que DeNiro havia topado de primeira! Mas ele conseguiu, de fato, imprimir uma candura que revela na essência o que imaginei: alguém que finge desesperadamente ser o que não é para ser aceito, quando todos estão cansados de saber em que time ele joga e têm o maior orgulho de tê-lo como comandante daquele navio", conta.

O escritor de HQ para intelectuais termina, ainda neste semestre, seu mais novo livro: "The Graveyard Book", sua segunda obra dirigida para adolescentes (a primeira, "Coraline", de 2002, chega aos cinemas no ano que vem, em adaptação de Henry Selick, com música da cultuada banda nova-iorquina They Might Be Giants). "O livro vai se passar todo em um cemitério e posso adiantar apenas que é uma brincadeira com o Mogli, só que, em vez de ser criado pelos lobos, a criança abandonada será criada pelos mortos", revela, com uma piscadela de olho que lembra a marotice delicada de "Stardust".

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