terça-feira, dezembro 16, 2008

A CRISE IMPRESSA/Carta Capital

A Carta Capital desta semana publicou meu texto sobre a crise da imprensa norte-americana. Aí vai:

Nosso Mundo

A CRISE IMPRESSA

MÍDIA NOS EUA A concordata do grupo Tribune indica: a debacle econômica deve apressar a decadência de jornais e revistas

POR EDUARDO GRAÇA,
DE NOVA YORK


Para onde vai a imprensa escrita norte-americana? Enquanto os canais de tevê de notícias 24 horas celebram espetaculares índices de audiência desde o início da prolongada campanha presidencial e a internet se revelou fundamental ao fenômeno Barack Obama, jornais e revistas seguem perdendo leitores. A Tribune Company, que publica dois dos mais importantes títulos do país, o Los Angeles Times e o Chicago Tribune, entrou com um pedido de falência e o New York Times anunciou que vai hipotecar seu edífico-sede, um belo prédio de 52 andares projetado pelo arquiteto italiano Renzo Piano, inaugurado com pompa no ano passado.

A melhor ilustração para entender a que ponto chegou a indústria jornalística dos EUA talvez seja a já famosa reunião do bilionário Samuel Zell com a equipe do Orlando Sentinel no início do ano. Magnata do mercado imobiliário, Zell arrematou o já combalido conglomerado de jornais Tribune - mais algumas redes de televisão - por 8,2 bilhões de dólares. Em seu primeiro encontro com os editores do jornal da Flórida, foi direto: "Estava cá pensando como pedereia descrever meu trabalho para vocês. Creio que, grosso modo, meu desafio é levantar uma instituição de 126 anos, não? Pois bem, pensem em mim como um Viagra". Tempos depois, em reunião com a equipe do Los Angeles Times, o mesmo Zell teria garantido "não ter vindo para ser o capitão do Titanic".

As infelizes metáforas, que se transformaram em anedotas em capítulo infame de uma das mais ricas tradições joranlísticas do país, não pararam nos domínios do Tribune. Em entrevista à NPR, a corporação pública de rádio dos EUA, o editor-executivo do jornal mais influente do país, Bill Keller, disse na terça-feira ue, se tivesse de escolher uma manchete para definir a atução situação do seu The New York Times, esta seria "Nós Sobreviveremos", em caixa altíssima.

Ironicamente, a mesma NPR, apesar de manter uma audiência sólida de 26,4 milhões de ouvintes por mês, anunciaria dois dias depois o corte de 7% de sua força de trabalho e o cancelamento de dois programas, o Day to Day, com audiência de 2 milhões de ouvintes, e o News & Notes, voltado para a comunidade negra.

A revista Newsweek, uma das mais influentes semanais e parte do grupo The Washington Post, também estaria, de acordo com o The Wall Street Journal, preparando uma 'remodelação', dimunindo de formato e aumentando o espaço para fotos e opinião, reduzindo as mais custosas reportagens. A revista cortaria entre 500 mil e 1 milhão dos 2,6 milhões de exemplares semanais. Analistas afirmam que a Newsweek seria a primeira revista de notícias norte-americana a seguir a receita da britânica The Economist, transformando-se em um fórum de discussão, deixando grandes reportagens e denúncias em segundo plano. Neste ano, as duas principais semanais dos EUA, a Time e a Newsweek, prederam, respectivamente, 17% e 21% em anúncios em relação ao ano passado.

Especialista em políticas públicas que trabalhou até há pouco tempo no gabinete do então senador e vice-presidente eleito Joe Biden, Harry Moroz acredita que a diminuição de publicidade e assinantes tende a afetar mais sensivelmente, com a velocidade da crise financeira, as publicações locais. Um dos dados mais impressionantes, ele aponta, é o relatório divulgado pela firma Fitch Ratings, dando conta que "diversas cidades americanas perderão seus diários até 2010, com o fechamento de jornais e a debacle de conglomerados de mídia impressa por conta de um aumento nas quedas de circulação e publicacidade ao mesmo tempo que os custos tendem a incrementar". Entre os grupos com "outlook negativo" no relatório está o terceiro maior conglomerado de jornais do país, o McClatchy, dono do Miami Herald.

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É claro que há uma certa dose de alarmismo. Mas conversei com analistas da Fitch e a expectativa é de que ao menos um jornal de um grande centro urbano feche as portas ainda em 2009", diz Moroz. Para o analista "o que está havendo é um processo de acomodação, uma estratégia das empresas jornalísticas de redução das despesas, cortando o investimento na produção de notícias de âmbito nacional e se concentrando cada vez mais na cobertura local, um setor que os blogs ainda não conseguiram tomar de assalto. Mas esta mudança de foco da massa de jornais do interior significa uma redução perigosa do jornalismo investigativo".

Moroz não aposta em uma transformação dos grandes títulos para a versão eletrônica exclusiva. "Talvez um exemplo a seguir seja o do Wall Street Journal, que vem conseguindo, paulatinamente, conduzir seus assinantes na migração, para sua página na internet:, diz. Moroz, curiosamente, publicamente uma coluna eletrônica no The Huffington Post, um dos sites jornalísticos de maior sucesso, criado há pouco mais de três anos.

Ao convidar medalhões do jornalismo, celebridades e intelectuais para escreverem em tempo real em seu site, Ariana Huffington, ex-mulher do magnata do petróleo Michael Huffington, conseguiu chegar aos 4,5 milhões de visitantes individuais em setembro, quadruplicando sua marca no mesmo mês do ano passado. Números que fazem com que sua companhia tenha um valor estimado no mercado de pouco menos de 100 milhões de dólares, de acordo com Fred Harman, da Oak Investment Partners. Neste mês, o site, que agora se identifica como o "Jornal da Internet", recebeu uma injeção de 25 milhões de dólares da Oak em uma aposta no que Harmam identifica como o novo modelo de "jornalismo sério on-line, poderoso nas últimas eleições".

Bill Keller lembra, porém, que o sucesso do jornalismo eletrônico pode acabar beneficiando também as grandes marcas, como a de seu New York Times, que, em outubro, chegou à marca de 1 bilhão de páginas visitadas. "Jornalismo de qualidade custa caro. E você não vai encontrar blogs e sites de ONGs abrindo escritórios em Bagdá. Há, em geral, uma escassez no mercado daquilo que eu qualificaria como jornalismo de primeiro nível", disse à NPR>

Mas o fato é que até os organizadores do Prêmio Pulitzer renderam-se à era digital. A partir de 2009, o Pulitzer premiará reportagens feitas exclusivamente na internet. Pare serem considerados pelo painel de julgadores da Universidade de Colúmbia, os sites precisarão ter uma periodicidade diária ou semanal. Uma doa sugestão de coluna a ser premiada pelos figurões do Pulitzer, interessados, de acordo com o chefe de seu corpo editorial, Sig Gissler, "em manter-se atualizados com as mudanças no cenário da mídia nos EUA", foi a publicada por Maureen Dowd no New York Times na última semana de novembro. A jornalista contava a história do Pasadena Now, um jornal local de Los Angeles que não apenas abandonou sua versão impressa, mas contratou jornalistas exclusivamente baseados em Bangalore, na Índia. Repórteres com salários incomparavelmente mais baixos do que os americanos, apurando notícias de Pasadena por telefone e com o auxílio de ferramentas de busca da internet.

De acordo com o dono do Pasadena Now, James Macpherson, "a mídia impressa dos EUA vive seu momento GM, com a agravante de que não haverá plano de resgate do governo". Ele descobriu o pulo-do-gato de investir na mão-de-obra estrangeira depois de uma experiência no mercado têxtil, lidando com trabalhadores vietnamitas. Os indianos recebem, a cada mil palavras, 7,50 dólares, algo inconcebível no mercado norte-americano. Maureen Dowd não se fez de rogada e resumiu, com humor característico, o turbilhão pelo qual passa a imprensa ianque: "Um centavo por meus pensamentos? Agora tenho certeza de que meus dias estão contados. E me peguei imaginando quanto tempo demorará para um cidadão de Bangalore começar a escrever, da Índia, minha coluna sobre o presidente Obama"

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