domingo, junho 08, 2008

Eu Tinha Um Sonho/CARTA CAPITAL


A Carta Capital desta semana saiu com meu texto sobre a confirmação de Barack Obama como o candidato democrata à presidência dos EUA. Ó só:

Eu tinha um sonho
Eduardo Graça, de Nova York

Depois de mais de um ano de disputa interna, o senador Barack Obama, de 46 anos, é o primeiro político negro escolhido por um partido majoritário para disputar as eleições à Presidência dos Estados Unidos. Ao conseguir, na terça-feira 3, os delegados necessários para se tornar o candidato do Partido Democrata à Casa Branca, Obama fez história e ofereceu aos eleitores norte-americanos a possibilidade de votar, pela primeira vez em 16 anos, em dois presidenciáveis que não carregam os sobrenomes Bush ou Clinton. Seu adversário é o também senador John McCain, de 71 anos. “Esta noite marca o fim de uma jornada histórica e o começo de outra, que trará dias melhores para a América. Hoje, posso afirmar a vocês que eu serei o candidato do Partido Democrata à Presidência”, disse Obama, em um discurso emocionado para milhares de militantes na cidade de Saint Paul, em Minneapolis.

Na manhã seguinte, enquanto subia as escadas do Capitólio, o deputado negro John Lewis, da Geórgia, viu-se abordado pelo turista Larry Ellery, que lhe perguntou o que Martin Luther King diria daquela noite memorável. Lewis, um destacado líder estudantil nos anos 60, é o único palestrante vivo do evento em que o reverendo pronunciou seu famoso discurso “Eu Tenho Um Sonho”, há quatro décadas. “Ele teria ficado muito, muito, satisfeito”, respondeu o deputado. “E provavelmente teria dito Aleluia!” A convenção do Partido Democrata, que oficializará a candidatura de Obama, está marcada para 28 de agosto, exatos 45 anos após o discurso de Luther King e 55 depois do assassinato do adolescente Emmett Till no Mississippi, fato que desencadeou a grande campanha pelos direitos civis, responsável por mudar para sempre a política norte-americana. No Congresso, muitos parlamentares negros choravam de emoção e repetiam, atônitos, que, no fim das contas, jamais haviam imaginado que este dia chegaria. Alguns lembraram que quando Obama nasceu, em 1961, um filho mestiço de pai do Quênia e mãe do Kansas dificilmente conseguiria votar no Sul segregacionista. Foi em outro estado do Sul, a Virgínia, que o senador de Illinois comemorou a vitória, explicitando sua vontade de brigar por votos de estados da parte meridional do país, que há mais de meio século se alinham religiosamente com os republicanos. Essas regiões se transformaram em um campo de batalha por conta da animação da militância negra, que representa cerca de um quarto do eleitorado em alguns estados da área mais conservadora.

Do outro lado do campo democrata, Hillary Clinton resistiu até onde pôde. Em meio ao carnaval dos “obamaníacos”, a ex-primeira-dama lembrou que ela também conduzira uma campanha memorável. Era, afinal, a primeira mulher a ter uma oportunidade real de se tornar presidente dos EUA. Quando Obama já havia conseguido a maioria dos votos dos delegados democratas, ela comemorava o fim das primárias em Nova York. Seus partidários, concentrados no Baruch College, não tinham, providencialmente, acesso a celulares ou a aparelhos de tevê. Portando faixas com os dizeres “ou Hillary ou ninguém mais”, muitos ainda vibravam com o anúncio, feito pelo coordenador-geral da campanha, de que o próximo discurso do dia seria “da futura presidente dos EUA”. Hillary foi aclamada aos gritos de “Denver! Denver!”, referência à cidade do Colorado que sediará a convenção democrata. Clinton procurava ganhar mais tempo, valorizando os 18 milhões de votos angariados na campanha e a maioria absoluta de eleitores brancos, de classes mais baixas e do sexo feminino. Mas, na manhã da quarta-feira 4, 23 deputados e oito senadores de seu grupo mais próximo avisaram à senadora que iriam anunciar o apoio a Obama em nome da unidade do partido, com ou sem ela. A pré-candidata decidiu então convocar seus militantes para um evento no sábado 7, em Washington, com o objetivo de anunciar o apoio oficial ao adversário. Não sem antes dizer, por meio de partidários fiéis, que aceitaria ser vice-presidente se Obama a convidasse. Na mesa de negociação entre as duas estrelas democratas, estará também o imenso buraco financeiro de sua campanha. De acordo com colaboradores próximos da ex-primeira-dama, as dívidas chegam a 23 milhões de dólares. O bolso milionário dos Clinton teria injetado 11 milhões de dólares na campanha a título de “empréstimo”.

Em sua primeira entrevista sobre o tema, na quarta-feira 4, para a rede NBC, Obama saiu pela tangente. Disse que ainda é cedo para decidir sobre seu vice e que, de qualquer modo, “Hillary não espera que eu decida isso nos próximos dias”. Assessores do senador lembram que o ícone histórico de Obama sempre foi Abraham Lincoln. Uma das virtudes que ele mais admira no presidente que venceu a Guerra Civil foi a capacidade de indicar para seu gabinete alguns de seus opositores políticos mais ferrenhos. “Lincoln deixou de lado todos os atritos pessoais e se concentrou na seguinte questão: como sairemos desta crise em que vive o país? Este é exatamente o meu sentimento agora”, disse Obama aos assessores. Sua idéia seria a de convocar ao governo os adversários na primária democrata John Edwards, Joe Biden e Hillary Clinton, respectivamente como secretário de Justiça, secretário de Estado e titular de uma pasta que englobasse Saúde e Projetos Sociais. A senhora Clinton poderia deslanchar seu plano mais ambicioso, o de reformar o sistema de saúde pública.

Seria o bastante para garantir os votos de Hillary para o novo indicado? Uma pesquisa do Pew Research Institute realizada no fim de maio mostra que 8% das democratas em todo o país não votam em Obama de jeito nenhum. Foi para esse público que o senador John McCain centrou seu mais forte – e raivoso – discurso até agora em uma tentativa de diminuir a festa democrata. Depois de um elogio à “minha amiga Hillary Clinton, que não tem sido tratada como deveria”, o republicano lembrou que, ao contrário de Obama, “não busco a Presidência na presunção de que fui abençoado com tal grandeza pessoal que a História me escolheu para salvar o país em uma hora de necessidade”. A mensagem era referência ao suposto elitismo de Obama.

As duas pesquisas realizadas logo após o anúncio de que Obama vencera as prévias democratas mostram que a briga será feia: o senador tem entre 42% e 46% dos votos segundo a CBS e de 45% a 47% (configurando empate técnico) na apuração da CNN. O primeiro debate entre Obama e McCain deve acontecer em 12 de junho, em Nova York. Peter Hart, estrategista do Partido Democrata, usa uma analogia interessante para definir o momento político: “Metade do eleitorado hoje celebra, feliz, ‘sim, nós podemos’. A outra metade, incluindo boa parte dos independentes e indecisos, pergunta, atônita: ‘Mas, afinal, quem é este sujeito?’ E muitos deles estão descobrindo a resposta por meio dos sermões de Jeremiah Wright”, diz, em uma referência ao pastor radical de Chicago que foi o mentor espiritual do senador democrata.

Apesar de Obama ter-se desligado oficialmente da congregação de Wright nesta semana, estrategistas conservadores e liberais concordam que a grande questão de 2008 é saber se na boca-de-urna de novembro o fato de Barack Obama ser negro será fonte de júbilo como foi nesta semana. McCain prometeu não se aproveitar do preconceito racial na campanha. Mas em uma disputa tão acirrada e com os republicanos temendo sofrer uma derrota de proporções gigantescas, as dúvidas sobre os métodos utilizados pelos dois lados nos próximos meses aumentaram estupidamente.

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