domingo, novembro 27, 2005
Diretinho da Redação (36)
O texto já está no www.diretodaredacao.com
DA POBREZA AMERICANA, AINDA INVISÍVEL
Nesta segunda-feira o prefeito de Camden, aqui ao lado em New Jersey, convidou um grupo de jornalistas para passear pela cidade. A idéia era mostrar como a localidade, eleita nos últimos três anos a mais violenta e perigosa dos Estados Unidos, estava lutando para vencer o estigma. Não deu lá muito certo. Novidades apresentadas como trunfos – a construção de uma nova biblioteca, a primeira em um século, de um novo hospital e de um clube para jovens - não apagaram a forte imagem dos muitos meninos negros mal-vestidos e à toa, espalhados pelas casas mal cuidadas da cidade.
Todo o outono aqui no hemisfério norte uma empresa do Kansas, a Morgan Quitno, divulga seu ranking de perímetros urbanos, a partir do número de crimes per capita. O maior peso é dado para assassinatos, estupros, assaltos à mão-armada, invasão de propriedade alheia e roubo de carros. O anúncio de que tal local é mais ou menos violento acaba influenciando os preços de um mercado imobiliário mais do que quente, uma das âncoras da economia norte-americana na última década.
Camden tem cerca de 80 mil habitantes e, em 2004, registrou 54 homicídios, incluindo o de um menino de 12 anos, assassinado em sua varanda. O bandido queria roubar seu rádio de pilhas. Parece um outro mundo. E é. Logo atrás de Camden no ranking do medo aparecem duas grandes metrópoles – Detroit e Saint Louis – que, não por acaso, também contam com uma grande população negra.
Os negros também eram maioria em New Orleans. Três meses após o furacão Katrina destruir a cidade, ativistas da Louisiana contam que pouco foi feito para recuperar a capital do jazz americano. Pior: os moradores já temem que o desvio da pauta nacional para temas como a retirada das tropas federais do atoleiro do Iraque e as eleições legislativas de 2006 façam com que o país esqueça a tragédia ainda mais rapidamente. Capa da revista ‘Time’ desta semana, os flagelados de New Orleans se desesperam: “os americanos se recusam terminantemente a enxergar a pobreza americana’.
Não é diferente em Camden. O destino da cidade, famosa por ser sede da fábrica das sopas Campbell, foi traçado na década de 70, quando os empregos migraram para a Ásia e a classe media desapareceu. O que se vê hoje são janelas gradeadas, lixo espalhado pelos gramados e uma sensação de medo que lembra a do inferno carioca.
O irônico é que, nos mesmos jornais em que espantados repórteres davam conta de mais um capítulo da desigualdade ianque, a atriz Sigourney Weaver, em anúncio de página inteira, fazia propaganda de um grupo assistencialista avisando que, para 1,5 milhão de nova-iorquinos, o “problema não é o que escolher para jantar, mas saber se haverá alguma comida na mesa”.
Mande sua ajuda à África, mas não esqueça dos miseráveis aqui de casa, lembrava a atriz. Camden fica localizada na Grande Filadélfia, duas horas ao sul de Nova Iorque. A pobreza na maior potência mundial só muda de sotaque. O mau cheiro e o desespero são os mesmos, nossos velhos conhecidos.
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Um comentário:
Oi Edu...
cheguei aqui pela indicação da Olga.
Muito interessante e verdadeiro o seu post.
Eu acrescentaria que existe uma medida de crueldade dos membros das classes mais altas para com os pobres dos EUA.
Essas pessoas foram levada a acreditar que´pobres na américa não são vítimas das circunstâncias, mas os culpados pela propria condição. Os "loosers"... os indesejáveis que foram incapazes de colher sua fatia do sonho americano.
Veja que eu moro no estado mais abastado do país... renda per capita estimada em 56 mil dolares anuais. No entanto, a cidade onde eu vivo, não difere muito da que voce descreve. E de muitas outras cidades da região.
Triste triste.
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